Artigo número 2, escrito por Eduardo Chaves em 17/3/2011, e publicado originalmente no site das Editoras Ática e Scipione em 28/03/2011.
No início deste mês (Março/2011) perdemos um de nossos maiores educadores: Antonio Carlos Gomes da Costa. A morte nos leva as pessoas, mas felizmente nos deixa as ideias e o exemplo delas.
Uma das mais importantes ideias legadas por Antonio Carlos foi a do protagonismo juvenil. Pode ser que ele não tenha inventado o conceito, mas foi ele que o sistematizou e popularizou, com um belo livro e vários artigos e entrevistas sobre o assunto. Vou me valer aqui de um artigo-entrevista, que tem o título de “Protagonismo Juvenil: O que é e como praticá-lo”, que pode ser localizado no seguinte endereço:
http://www.institutoalianca.org.br/Protagonismo_Juvenil.pdf
O termo “protagonismo” vem do grego. Etimologicamente, o protagonista é, naturalmente, o lutador principal (protos = primeiro) numa luta (agon). Por derivação, o termo se aplicou ao ator principal de uma peça ou de um filme, ou ao personagem principal de um livro.
Para o nosso propósito aqui, a grande questão que Antonio Carlos levantou foi: e na educação escolar, quem é, e quem deve ser, o protagonista?
Quem é, de facto, não há dúvida: somos nós, os educadores, os professores em lugar de destaque entre os educadores.
Nós, professores, temos uma tendência natural de valorizar nosso trabalho e nossa importância na educação escolar. É por isso que sucumbimos à tentação de nos sentir os protagonistas da educação que tem lugar no contexto escolar. Sem nós, acreditamos, o aluno não aprende o que precisa aprender – e o que precisa aprender é, acima de tudo, o conteúdo das disciplinas em que somos especializados. Se somos professores de língua portuguesa, é o Português; se somos professores de matemática, é a Matemática; se somos professores de filosofia ou sociologia, é a Filosofia ou a Sociologia (por cuja reinserção na grade curricular tanto batalhamos)…
Muitos autores acadêmicos e muitas editoras voltadas para educação reforçam esse sentimento, escrevendo e publicando livros que ressaltam a importância dos professores para a educação dos alunos. Muito pouca coisa é publicada sobre o papel do aluno como protagonista de sua própria aprendizagem…
Empresas que investem na educação em regra também reforçam esse sentimento, ao concentrar seus recursos e sua atenção na formação continuada dos professores. O MEC faz o mesmo, ao criar o Portal do Professor (não o Portal do Aluno). Poucas empresas investem diretamente em alunos. A parte de portais educacionais dirigida a alunos raramente contém aquilo que interessa a eles: contém apenas o que os professores esperam que os alunos aprendam…
Mas Antonio Carlos nos lembra de que, apesar de tudo isso, e apesar do importante trabalho que nós, professores, podemos realizar na sua educação, é o aluno o lutador / ator / personagem principal da educação, inclusive da educação escolar. Assim, o foco da educação deve estar na aprendizagem dele, não no ensino do professor.
Antonio Carlos não propõe, nem de longe, uma educação negativa, hands off, laissez faire, em que os alunos são deixados a se virar por si próprios. Para ele, o Protagonismo Juvenil é uma modalidade de ação educativa. Ele consiste na “criação de espaços e condições capazes de possibilitar aos jovens envolver-se em atividades direcionadas à solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso. . . . O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla”.
Mas, é bom que se diga, nem toda forma de participação do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade é protagônica (para usar o jargão que foi criado a partir da expressão “Protagonismo Juvenil”). Existem, segundo Antonio Carlos, formas de participação que são a própria negação do Protagonismo Juvenil, como, por exemplo, as seguintes:
- A participação conduzida, ou, ainda pior, manipulada
- A participação meramente simbólica (“para não dizer que não falei das flores”…)
- A participação apenas decorativa, em posição puramente ornamental
A participação genuína, ou protagônica, tem características próprias, que é imperativo repeitar.
- Em primeiro lugar, ela tem por propósito o desenvolvimento pessoal e social do jovem, a sua formação como “jovem autônomo, solidário e competente”, e é, portanto, uma participação aprendente, que faz parte do processo de construção de sua identidade pessoal, social e profissional, no bojo de um projeto de vida livremente escolhido.
- Em segundo lugar, ela tem como princípios metodológicos norteadores um clima de liberdade que não só permite, mas procura e incentiva a iniciativa, o envolvimento e o comprometimento dos jovens, e a experimentação na busca da solução de problemas reais.
- Em terceiro lugar, esse tipo de participação só pode acontecer em ambientes verdadeiramente democráticos, em que os jovens são respeitados e vistos como fonte de solução de problemas (e não como fonte de problemas), e em que eles têm condições formais e materiais de se expressar, de se organizar e de agir, tanto na definição dos problemas que desejam enfrentar como na busca e exploração das melhores maneiras de solucioná-los.
A participação do jovem na vida da escola, da comunidade e da sociedade que leva a sério a sua condição de protagonista representa a mais importante forma de aprendizagem para o jovem que frequenta a escola. Mas representa, também, um ganho significativo para a sociedade, pois é enquanto o jovem realmente vive a liberdade e a democracia que ele aprende a praticá-las e a respeitá-las.
Com essa participação “a sociedade ganha em democracia e em capacidade de enfrentar e resolver problemas que a desafiam”, pois “a energia, a generosidade, a força empreendedora e o potencial criativo dos jovens é uma imensa riqueza, um imenso patrimônio que o Brasil ainda não aprendeu utilizar da maneira devida”.
Uma escola que leva a sério o protagonismo juvenil exige um novo tipo de professor – um professor que exerce uma ou mais de várias funções não-protagônicas: que elabora roteiros, ou constrói cenários, ou escreve trilhas sonoras, ou elabora figurinos, ou fotografa as cenas, ou edita as partes e compõe o conjunto, ou divulga o resultado… ou orienta os atores de modo a obter deles o seu melhor desempenho…
Enfim, um professor não-protagonista, que esteja disposto a dizer em relação a seus alunos aquilo que João Batista disse acerca de Jesus: “Importa que eles cresçam e que eu diminua” (João 3:30)…
Será que essa visão do papel do aluno e do professor explica por que Antonio Carlos nunca teve grande aceitação na academia?
Obrigado, Antonio Carlos, por ter sido quem você foi, por ter feito o que fez, por ter dito o que disse.
São Paulo, 17 de Março de 2011
Transcrito aqui em Salto, 3 de Janeiro de 2016