PBL – Problem-Based Learning é uma forma de encarar a educação que privilegia mais o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução do que o fornecimento de soluções prontas e acabadas para problemas que muitas vezes as pessoas nem têm.
PBL, privilegiando as estratégias necessárias para o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução, é uma metodologia ativa de aprendizagem.
A metodologia de “aprendizagem” usada na escola tradicional é baseada no fornecimento, pelo professor aos alunos, de soluções prontas e acabadas, cabendo a estes apenas aceitar, passivamente, a solução fornecida — ou, em casos limite, revoltar-se, enfrentar o professor, e, no extremo, abandonar a escola.
PBL, assim, está no mesmo plano da maiêutica socrática, que é a pedagogia da pergunta que problematiza, que desestabiliza as certezas, que faz o interlocutor pensar nas possíveis respostas e procurar um novo nível de estabilidade, que será, em seguida, submetido ao mesmo processo — em contraposição à pedagogia da resposta, em geral usada nos sistemas de ensino, que traz, para os alunos (e até para o professor), todas as respostas já prontas e arredondadas, cabendo a eles, os alunos, apenas absorvê-las e assimila-las.
Vou dar um exemplo de aplicação de PBL numa área em que essa metodologia raramente é empregada: a religião e a teologia.
Assisti, há tempo, no programa de entrevistas do Larry King, na CNN, uma entrevista do Billy Graham. Muito interessante. King fazia as perguntas, Graham respondia. Billy Graham é um pastor / evangelista tradicional, daqueles que têm todas as respostas prontas e buriladas para qualquer pergunta possível. Ele optou por essa alternativa. Quando era ainda estudante tinha um amigo que começou a focar nos problemas da religião e da teologia, a levantar questões para as quais as respostas eram ou inexistentes ou, então, difíceis e doídas. Esse amigo começou a fustigar a fé de Billy Graham com suas provocações, instigando-o a refletir sobre aquilo em que ele acreditava, enfrentando o risco de ter de concluir que suas respostas eram inadequadas, ou, pior ainda, que os problemas para os quais ele acreditava ter resposta não eram problemas genuínos, ou não eram os problemas que realmente afligiam o ser humano. Graham chegou a um ponto em que disse ao amigo que não iria participar daquele jogo: ele encontrava respostas para as perguntas que lhe interessavam na Bíblia (“The Bible says…”), e iria se abster de considerar outras respostas ou perguntas para as quais a Bíblia não fornecia respostas. Foi uma decisão consciente dele — mas uma decisão que estreitou seu horizonte.
Ao final da entrevista, King perguntou a Graham se este tinha algo mais que quisesse acrescentar. Graham usou a ocasião para tentar evangelizar King. Perguntou-lhe como ele encarava a religião, em geral, e o Cristianismo, em particular, se ele acreditava em Deus, na vida futura, etc.
A resposta de King foi lapidar — e ilustrou a diferença entre a pedagogia do problema e a pedagogia da solução. Disse ele que achava fascinantes as questões que a religião e a teologia levantavam, os problemas para os quais dirigiam seus holofotes — mas que não era um crente porque nunca havia conseguido se convencer de que as respostas dadas a essas questões por parte das diversas religiões e teologias eram verdadeiras e de que as soluções apresentadas para esses problemas por parte das diversas religiões e teologias eram as mais adequadas.
A pedagogia da resposta e da solução parte do pressuposto de que nossas perguntas têm respostas e nossos problemas têm soluções, que essas respostas e soluções são conhecidas, e que basta aceita-las, absorvê-las, assimila-las. Que essas respostas são verdadeiras e essas soluções adequadas passa a ser um postulado.
A pedagogia da pergunta e do problema é a pedagogia do desafio e do risco. O fato de sermos capazes de formular certas perguntas e problemas não garante que haja respostas verdadeiras e soluções adequadas, convincentes, e persuasivas para eles.
O “cético radical” acredita que não haja resposta verdadeira para nenhuma de nossas perguntas nem solução adequada para nenhum de nossos problemas.
O “cético mitigado” acredita que não haja resposta verdadeira para várias de nossas perguntas nem solução adequada para vários de nossos problemas — talvez para as perguntas e os problemas mais importantes da vida, como as clássicas e perenes questões da filosofia:
- De onde venho?
- Para onde vou?
- O que eu estou fazendo aqui?
- Como é que eu sei (isto é, como é que eu descubro as respostas e soluções para essas perguntas e problemas)?
O “agnóstico”, à la Sócrates, afirma só saber que nada sabe… e deixa a coisa nesse pé… Buscar e procurar é preciso, mas sem a certeza de que se vai encontrar, ou mesmo de que se vai reconhecer a resposta ou a solução se, por acaso, toparmos com elas. . .
Há muita gente que não consegue conviver com a pedagogia da pergunta e do problema e o ceticismo ou agnosticismo que ela induz.
Essa gente prefere, à la Graham, se agarrar a respostas e soluções que lhe parecem fazer sentido e deixar de continuar a busca.
Ou então prefere, à la muitos cientistas positivistas e/ou naturalistas, acreditar que só respostas e soluções científicas são admissíveis, fechando a porta a várias outras possibilidades. Nesse caso, se a ciência ainda não encontrou respostas e soluções para algumas perguntas e problemas, acreditam que ela certamente um dia o fará. Isso me parece muito com a fé religiosa…
Billy Graham tem as certezas de sua “sola scriptura” reformada… Cientistas positivistas e/ou naturalistas têm as certezas de sua “sola scientia”.
Eu, como Larry King, prefiro continuar lidando com os problemas e as perguntas, oscilando entre o agnosticismo e o ceticismo — dependendo do meu estado, se de otimismo ou pessimismo epistemológico…
Em San José, 18 de fevereiro de 2018 (18/2/18)
NOTA 1: Já escrevi um artigo parecido com esse. Foi no ano 2000. Transcrevo-o a seguir, para mais fácil referência:
O Professor e a Tecnologia:
Um Encontro Possível com a Filosofia
Eduardo Chaves (*)
Faz vinte anos [artigo escrito no ano 2000] que venho refletindo sobre o uso de tecnologia (em especial de computadores) na educação (em especial na educação escolar). Ao longo desse tempo tem me ficado bastante claro que o principal obstáculo ao uso generalizado de computadores em escolas não é o custo do equipamento, não é a inexistência de software adequado, e não é a dificuldade técnica de capacitar o professor no manejo dessa tecnologia.
O principal obstáculo tem estado no fato de que os educadores não conseguem entrar em um acordo sobre o que fazer com o computador na escola, e a principal razão pela qual não chegam a esse acordo tem que ver, não com o computador, em si, mas, sim, com o fato de que os educadores, em geral, e dentre eles os professores, têm visões muito diferentes do que seja a educação, e, consequentemente, de qual seja o papel da escola na educação e deles próprios, professores, na escola. Dentro desse quadro, dificilmente poderão concordar sobre qual deva ser o papel do computador na educação.
Em 1983 (dezessete anos atrás) publiquei um artigo na revista Em Aberto do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério da Educação, com o título “Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?” Nesse artigo observei que há controvérsias entre os educadores sobre a melhor maneira de usar o computador na escola e que essas controvérsias decorrem de diferentes visões da educação (em especial, da educação escolar):
“Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem. . . . Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim e que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações.”
Nesta disputa, de um lado estão os que veem a educação escolar como um processo de transmissão, pelos professores aos alunos, de conteúdos informacionais (fatos, conceitos e procedimentos), sistematizados em áreas específicas (disciplinas) e organizados sequencialmente de forma cada vez mais complexa (séries). Nessa visão da educação há, consequentemente, a valorização relativa do processo de ensino e instrução e é colocado em relevo o papel do professor como detentor das informações e dos conhecimentos a serem repassados aos alunos. A aprendizagem, por sua vez, fica caracterizada como um processo, em grande parte passivo (do ponto de vista do aluno), de absorção de informações e conhecimentos (em geral apresentados de maneira totalmente desvinculada dos problemas fundamentais que um dia levaram o ser humano a se interessar pelas questões que estão por trás dessas informações e desses conhecimentos).
O computador, para os que adotam essa visão da educação escolar, deve ser utilizado de modo a reforçar ou tornar mais eficiente o trabalho do professor, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja fundamentalmente alterada a visão de ensino e aprendizagem adotada. Para eles, o computador é apenas uma máquina de ensinar – ou, mais corretamente, uma máquina que ajuda o professor a ensinar melhor.
Do outro lado na disputa estão os que veem a educação (até mesmo a escolar) como um processo de desenvolvimento, pelos alunos, de competências e habilidades, especialmente no domínio cognitivo (mas sem negligenciar o domínio afetivo-emocional, interpessoal e até mesmo psicomotor), com a consequente valorização relativa do processo de autoaprendizagem e de aprendizagem colaborativa, e, portanto, do papel do aluno na construção ou elaboração de sua própria aprendizagem. Esta, por seu turno, é vista como um processo ativo (do ponto de vista do aluno) de construção das estruturas cognitivas (afetivo-emocionais, interpessoais e psicomotoras) que vão lhe permitir alcançar vida pessoal realizada e participação eficaz e significativa na vida da sociedade como cidadão e profissional.
A aprendizagem, e, consequentemente, a educação do aluno, é, nessa visão, algo que decorre, diretamente, da ação do aluno – não do professor. A participação deste no processo é indireta. O professor deixa de ser o de detentor único e exclusivo de informações e conhecimentos cuja absorção define a aprendizagem do aluno, e passa a ser, principalmente, o motivador, o incentivador, o animador, o instigador, o facilitador do aprendizado do aluno (tanto no aspecto cognitivo como nos aspectos afetivo-emocional e interpessoal), sendo necessário, para tanto, que organize “ambientes de aprendizagem” que sejam capazes de otimizar as oportunidades de aprendizagem dos alunos – aprendizagem significativa, flexível, transferível para outros contextos, e, por isso mesmo, duradoura.
Para os defensores dessa visão, o papel principal da escola é fornecer aos alunos o maior número possível de ambientes que favoreçam a aprendizagem do aluno, aprendizagem esta que ocorre quando o aluno, em interação com esses ambientes, desenvolve estruturas cognitivas (emocionais, interpessoais, etc.) que se traduzem em competências e habilidades que lhe permitem, acima de tudo, continuar a aprender e aprender sempre.
O computador, para os que adotam essa visão da educação, deve ser utilizado, não como uma máquina de ensinar, mas como uma ferramenta de aprender, isto é, como uma tecnologia que pode facilitar, da parte dos alunos, o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias para que aprendam a aprender e para que aprendam sempre. Inserindo-se nos ambientes de aprendizagem em que os alunos se situam, o computador permite que se ampliem os seus horizontes cognitivos e aumentem as suas possibilidades de interação com o meio – em especial no que diz respeito a contatos com pessoas de interesses afins e a acesso a informações relevantes aos seus interesses. O computador, para os alunos, é uma ferramenta de aprender – uma tecnologia que expande e aumenta o potencial da mente humana.
Fica claro, portanto, de tudo o que foi dito, que há uma diferença fundamental entre essas duas visões da educação e, consequentemente, do papel da escola na educação, do professor na escola e da tecnologia em todo o processo. Mas essa diferença não deve ser localizada no âmbito da tecnologia, mas, sim, no âmbito da filosofia da educação.
É preciso registrar que a tecnologia frequentemente serve de agente catalisador da reflexão acerca dessas questões, porque o computador, ao ser introduzido na escola, funciona como agente perturbador da ordem estabelecida e permite que os que dela discordem se valham dessa oportunidade para questioná-la. O computador provoca essa discussão porque os alunos, em geral, têm muito mais facilidade para lidar com ele do que os professores – e, portanto, se torna um agente subversivo da ordem estabelecida na escola.
Proponentes da visão mais convencional da educação em geral procuram “domesticar” o computador para que ele se insira naturalmente naquilo que é feito na escola, sem maior perturbação da ordem – mantendo, portanto, a hierarquia na escola. Os professores, aqui, em geral preferem usar o computador com softwares educacionais que eles podem pesquisar e dominar antes – não favorecendo usos “abertos” do computador em que o que vai ser feito, e como vai ser feito, não estão previamente definidos.
Proponentes da segunda abordagem, por outro lado, às vezes de forma mais ou menos ingênua e mesmo romântica, esperam que o computador, uma vez introduzido na escola, vá ajudá-los a subverter a ordem estabelecida e a finalmente promover as mudanças que desejam que aconteçam. Às vezes isso acontece – mas é raro. Na escola, como em qualquer outro lugar, a tecnologia, por si só, em geral não promove mudanças. Estas, se vierem a ocorrer, são comumente promovidas por pessoas – que, entretanto, podem, se valer da tecnologia para alcançar alguns de seus objetivos.
Em conclusão: o momento da introdução da tecnologia (em especial do computador) na escola pode ser um excelente momento para a reflexão sobre algumas importantes questões da filosofia da educação. A discussão franca e aberta das diferentes visões da educação que subsistem na escola pode eventualmente levar os professores a entender melhor suas posições e as daqueles de quem discordam.
(*) Eduardo Chaves (eduardo@chaves.im) é Ph.D. em Filosofia pela Universidade de Pittsburgh (1972), Professor Titular de Filosofia da Educação da Universidade Estadual da Educação (1974-presente), e Coordenador da Comunidade Virtual de Aprendizagem na Educação EduTec.Net (www.edutec.net). [Essas informações se referem ao ano 2000, em que este artigo foi escrito.] [Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]
Em Campinas, ano 2000. [Artigo escrito como resumo de um maior para publicação na Revista da Associação Brasileira de Educação – ABE].
NOTA 2: Como faço referência a um artigo meu de 1983, de difícil acesso, transcrevo-o aqui também.
Computadores:
Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?
Eduardo Chaves
Em relação à questão da utilização de computadores na educação, a exemplo do que tem acontecido em muitas outras situações, teses ou causas perfeitamente sensatas e defensáveis acabam por se inviabilizar quando alguns de seus mais ardorosos defensores fazem reivindicações totalmente inverossímeis a seu favor, fornecendo àqueles que se opõem a essas teses na direção oposta.
Ilustremos em relação à nossa questão.
Que trabalhadores não-qualificados, ou semiqualificados, possam vir a perder seus empregos para sofisticados robôs ou para outros complexos sistemas de automação industrial sempre me pareceu uma real possibilidade. Que professores, porém, possam vir a perder os seus empregos decorrência da introdução, ainda que maciça, de computadores nas escolas tem sempre me parecido bastante implausível. Surpreendia-me, portanto, ver que os professores, ou seus porta-vozes, frequentemente externavam este receio nas ocasiões em que se discutia a possibilidade de introduzir computadores nas escolas. Uma fábrica totalmente, ou quase inteiramente, automatizada, sem os trabalhadores não- ou semiespecializados, é algo perfeitamente imaginável. Uma escola, porém, totalmente sem professores, apenas com alunos sentados diante de terminais de vídeo, é algo que tenho sérias dificuldades em imaginar. Concluía, pois, que o receio não passava de paranoia de professor.
Minha surpresa foi grande, portanto, quando, ao ler um artigo sobre CAI (Computer-Assisted Instruction), em Creative Computing, encontrei as seguintes afirmações do autor, John Herriott:
“Há uma possibilidade bastante acentuada de que antes do final deste século os estudantes venham a receber toda a sua instrução através de computadores, sem, absolutamente, nenhum contato com professores vivos. Isto pode ser feito, e muito bem” (John Herriott, “CAI: A Philosophy of Education — and a System to Match”, in Creative Computing, vol. VIII, n° 4, April 1982, p.80).
Herriott não está sozinho. Clive Sinclair, o gênio por detrás do Sinclair, afirma em Computing Today:
“Chegará o dia em que os computadores ensinarão melhor do que seres humanos, porque computadores podem ser tão pacientes e muito afinados com as diferenças individuais. O computador substituirá não só a Encyclopaedia Britannica mas também a escola” (Clive Sinclair, apud “Viewpoint”, de Paul Kriwaczek, in Computing Today, vol. IV, n° 11, January 1983, p. 29).
Segundo Sinclair, portanto, junto com os professores as próprias escolas serão substituídas pelo computador. Charles Lecht, presidente da Advanced Computer Techniques Corporation, de New York, dá o fecho:
“Saibam que eu realmente acredito que máquinas podem fazer qualquer coisa [sic] melhor do que pessoa” (apud, ibid).
Ao ouvir essas visões do futuro que os profetas de um novo milênio nos apresentam, eu me pergunto se estes defensores da introdução de computadores nas escolas, ou mesmo da substituição da escola por computadores instrucionais, ajudam ou atrapalham a causa daqueles que, preocupados com a qualidade e a eficiência do ensino é ministrado em nossas escolas, investigam a melhor maneira de introduzir computadores no processo de aprendizagem.
Essa investigação, porém, tem que ser feita com plena consciência do fato de que a introdução de computadores nas escolas é, nem virá a ser, uma solução para todos os problemas pedagógicos que afligem a educação brasileira. O computador não é nenhuma panaceia — como não é nenhum monstro de sete cabeças: ele não vai nem encabrestar nem salvar a escola. Ele pode educar, ou então deseducar, dependendo da maneira em que for utilizado. Ele não é nenhum substituto para o uso da inteligência e da criatividade — e é por isso que alguém já disse, a meu ver com propriedade, que, se algum professor vier a perder seu emprego por causa da introdução de computadores na escola, este professor na verdade merecia ser substituído (se não necessariamente por uma máquina, pelo menos por outro professor que, fazendo valer sua inteligência e sua criatividade, tornasse inviável sua substituição por um computador.
Outra questão que deve ser mantida em mente ao investigarmos o tema que já está proposto para discussão é que já não é mais a hora de se cogitar da introdução ou não de computadores nas escolas. Essa questão já está decidida, e não é pelo MEC ou pela SEI — ela está decidida por um processo histórico que é irreversível, inclusive no Brasil. A questão que resta discutir é quem vai conduzir esta introdução e como ela será feita. Se os educadores não se propuserem a assumir esta introdução, e a conduzi-la, outros o farão, e os educadores, mais uma vez, ficarão na posição de meros observadores de um processo conduzido por quem tem iniciativa. Hoje muitos educadores lamentam o que é feito no país em matéria de tele-educação, por exemplo. Mas no momento, num passado que hoje nos parece remoto, em que poderiam ter se envolvido, não o fizeram (com raras e honrosas exceções), por uma série de razões. Hoje não têm o direito de lamentar. O mesmo acontecerá em relação à utilização de computadores na educação se a questão não for enfrentada com realismo, inteligência, e decisão.
Uma terceira questão preliminar, que precisa ser encarada de frente, é a que indaga se a introdução dos computadores nas escolas ajudará a aumentar ou a diminuir a distância entre as classes sociais. Novamente aqui, a resposta sensata deve realçar o fato de que a utilização de computadores nas escolas poderá acentuar ou diminuir a distância entre as classes sociais, dependendo da maneira em que for feita. Se o problema for deixado meramente à iniciativa das escolas, sem a interveniência do poder público, somente aquelas escolas que já atendem às classes mais altas é que se envolverão — e já estão envolvidas — com a introdução de computadores na educação. As escolas mais pobres, entre as quais se encontram, sem exceção, as públicas, ficaram a ver navios. Deixar a questão, portanto, meramente ao sabor das iniciativas particulares é condenar, mais uma vez, as escolas públicas a uma educação de categoria inferior. É necessário, portanto, que o poder público, na qualidade de regulador, intervenha para tentar igualar, na medida do possível, a situação. Pois o dilema que se coloca, nunca é demais repetir, não é se as escolas vão ou não introduzir o computador na educação, mas se somente as escolas particulares e abastadas o farão ou se todas terão alguma chance. A introdução é inevitável: cumpre, a meu ver, encontrar maneiras de entender o privilégio ao maior número possível de escolas e, consequentemente, de alunos.
Por outro lado, é sempre bom lembrar que, se não fizermos um esforço maciço para nos capacitar também nesta área, não resta a menor dúvida de que a distância entre os países desenvolvidos e o nosso país aumentará cada vez mais. Só isto, a meu ver, já justificaria um envolvimento e um investimento nesta área. Só isto já justifica o Projeto EDUCOM. (*)
Ou vejamos alguns fatos, só à guisa de ilustração. A revista Creative Computing de maio do corrente ano (1983) assinala o fato que a Inglaterra é o primeiro país do mundo a colocar um microcomputador (ou algum recurso computacional mais potente ) em todas as escolas secundárias do país. Através de um projeto chamado “Micros nas Escolas” o Ministério da Industria permitiu que mais de 5.800 escolas secundárias viessem a receber em doação ou a adquirir microcomputadores. Enquanto isso, nos Estados Unidos, legislação aprovada no Estado da Califórnia levou um só fabricante — a Apple — a doar mais de 10.000 microcomputadores às escolas do Estado. No mesmo Estado da Califórnia já há cursos de formação de professores para atuar na área de utilização de computadores na educação — e a Universidade de Stanford, localizada no Vale do Silício, foi a primeira Universidade americana a criar um Mestrado em Computação Educacional, dirigido a professores que estejam interessados em aprender computação (especialmente programação) e a programadores que estejam interessados em aprender educação. O programa contém disciplinas nas áreas de computação, psicologia educacional, filosofia da educação, teoria do currículo, métodos de ensino e avaliação, etc. O objetivo fundamental é formar pessoal que possa escrever programas de alto nível técnico e de grande teor pedagógico e educacional. Para tanto, a Universidade de Stanford, em termos de recurso materiais, está excelentemente equipada: 17 computadores de grande porte, 343 minicomputadores, e literalmente centenas de microcomputadores e processadores de texto (dados retirados do jornal da Universidade, The Stanford Observer, de fevereiro de 1983).
Diante de tudo isto, e diante da enorme lista de vicissitudes de que padece o ensino brasileiro, muitos poderão ser tentados a adotar a atitude que, já que nunca iremos poder chegar ao ponto de ter e fazer tudo isto, será que não seria melhor não fazer nada? Será que não seria melhor aguardar até que os problemas mais básicos fossem solucionados para então pensar na introdução de computadores nas escolas? Esta e a receita típica do inativismo pedagógico: já que não posso mudar tudo, é melhor deixar tudo como está. O problema é que, se o educador não o fizer, outros o farão, e dentro de pouco tempo teremos um “Info-Curso 2° Grau”, e depois um “Info-Curso 1° Grau”, e depois, quem sabe, um “Info-Curso” disfarçado de Vila Sésamo ou Sítio do Pica-Pau Amarelo, ou qualquer coisa equivalente — e os filhos dos educadores se deleitarão.
Mas depois deste preâmbulo exortativo, vamos à discussão do tema que me propus.
Computadores e Educação. Há várias maneiras de se entender este binômio. Deixando de lado a questão do ensino da Computação, propriamente dita, poderíamos classificar em três grupos principais as opiniões sobre como se deve entender o binômio em questão.
Em primeiro lugar há aqueles que, tendo em vista o fato de que computadores (e microcomputadores, em particular) acabaram por se constituir em um novo fenômeno tecnológico e social, acreditam que seja útil, indispensável mesmo, que as crianças venham a aprender alguns fatos básicos sobre os computadores e seu impacto na sociedade. Acreditam estes que as crianças de hoje devam estar preparadas para viver em uma sociedade altamente informatizada e que, portanto, devem ser introduzidas aos computadores o mais cedo possível, bem como vir a discutir as questões relativas ao impacto que a introdução maciça de computadores na vida moderna exerce sobre os indivíduos e os grupos e as relações sociais. É isto que normalmente se tem em mente quando se fala em “Computer Literacy”, ou “Computer Awareness”. Uma vantagem desta abordagem é que a questão (importante, por sinal) pode ser introduzida em vários lugares do currículo acadêmico, com abordagens as mais variadas, não sendo necessário criar uma disciplina ande o assunto seja estudado (embora no contexto fundamentalmente disciplinar em que nossas escolas atuam esta seja a normal). Áreas curriculares tradicionais como Ciências, Matemática, estudos Sociais, etc.; podem, cada uma de sua perspectiva introduzir o tópico aos alunos.
Em segundo lugar, há aqueles que acreditam que a principal, quiçá a única, possibilidade de utilização do computador na educação é como um instrumento para o ensino das matérias do currículo tradicional. Normalmente é isto que se tem em mente quando se fala em “Computer-Assisted (or Aided) Instruction” (CAI) : o computador é visto como um instrumento, uma ferramenta, que ajuda ou facilita o ensino de matemática tradicionais (como matemática, física, etc.; ou até mesmo aritmética, geometria, geografia, história).
Em terceiro lugar, há aqueles para quem as abordagens anteriores realmente deixam de apreciar o impacto fundamental que os computadores podem ter aprendizado da criança. Segundo estes, o pleno potencial pedagógico dos computadores só será explorado se os alunos aprenderem a programar (e não apenas aprenderem apenas fatos sobre o computador, ou fatos sobre outros assuntos através do computador ). advogados desta tese argumentam que a programação pode fornecer aos alunos habilidades que não seriam desenvolvidas de nenhuma outra maneira. Fala-se aqui, às vezes em “Computer-Assisted Learning” (CAL).
A maior disputa, atualmente, é entre os grupos que defendem a segunda e a terceira das posições esboçadas. Ninguém parece discordar de que aquilo que o primeiro grupo propõe é importante é deve ser incentivado. Muitos, porém, acham que não é suficiente — e discordam sobre o que deveria ser acrescentado. Acreditam estes também que a melhor maneira de se informar ou conscientizar sobre o computador é através do próprio computador, e que, portanto, os objetivos a que se acreditam os defensores da primeira tese poderiam ser igualmente atingidos por uma das outras duas abordagens.
Sendo assim, vou me concentrar na disputa entre os defensores das propostas resumidas em segundo e terceiro lugar. Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem (na verdade, de autoaprendizagem).
Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim é que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações. Vou resumir os principais aspectos destas duas colocações, sem pretender imparcialidade — minha preferência é claramente pela segunda — mas tentando ser justo e, na medida do possível, objetivo em minhas ponderações.
Cerca de 90% (ou até mais) dos chamados “programas educacionais” existentes no mercado refletem a primeira preocupação. São programas destinados a transmitir certas informações ou a desenvolver certas habilidades básicas, através do exercício, na prática, de tutoriais, etc. O computador funciona, neste caso, como se fosse um professor, uma máquina de ensinar: ele é um meio instrucional, ele instrui. A aprendizagem que ocorre é totalmente estruturada pelo programa, ou seja, pelo computador o computador que está em controle da situação. Ao aluno cabe responder perguntas que lhe são feitas, ou intervir quando solicitado. Sua postura acaba sendo fundamentalmente passiva: ele responde ou intervém quando solicitado, pelo computador, a fazê-lo.
O computador, neste contexto, é utilizado de uma maneira que meramente substitui ou duplica métodos educacionais tradicionais, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja profundamente alterado o processo de aprendizagem. Isto faz com que o modelo aqui analisado, embora introduza o computador na educação, o faça sem maiores inovações, sem que haja uma transformação profunda em objetivos e métodos de ensino tradicionais.
A maior parte do que se faz em CAI nada mais é do que exercício, prática repetitiva. Transpõem-se, frequentemente, textos para a tela, passa-se uma série de informações, e depois testa-se o aluno para ver se ele aprendeu (i.e. , memorizou ou compreendeu) o que lhe foi apresentado. Em caso positivo, o aluno recebe um certo reforço positivo, em caso contrário, alguma recomendação para estudar mais, etc. Ou então, em alguns casos, se pede ao aluno que leia algum texto em um livro, ou que assista alguma aula regular, e depois se testa, através do computador, o conhecimento assimilado. A única novidade, na verdade, em situações como estas, de resto bastante frequentes, é a utilização de um medium novo — que é usado, porém, dentro de um contexto inteiramente tradicional. A meu ver, este tipo de utilização do computador é um desperdício de um recurso que potencialmente é muito rico.
Usar o computador para ensinar tabuada, ou aritmética elementar, nomes das capitais ou nomes de presidentes da república, etc. , é usar um equipamento de alto potencial pedagógico para promover objetivos educacionais bastante tradicionais e, a despeito do medium, através de métodos bastante condenados quando utilizados sem a auréola de novidade que o computador permite que eles assumam. Em consequência disto, os programas, ainda que tecnicamente bons (com uso de gráficos, simulações, etc.), acabam sendo instrucionalmente ingênuos, pobres do ponto de vista pedagógico. Estes programas não tomam nenhum risco, usando o computador quase como se fora apenas uma caixa de Skinner.
Mas se é este o caso, por que é que estes programas são tão difundidos? Há várias razões, que gostaria de ressaltar aqui.
Em primeiro lugar, este modelo de utilização do computador na educação introduz um medium novo, mas, como já se mencionou, para alcançar objetivos educacionais tradicionais e através de métodos já de certo modo consagrados pela prática (exercício, repetição, etc.), mesmo que não pela teoria pedagógica. Assim, o computador não intimida tanto e vem preencher necessidades que, qualquer professor ou pai reconhece facilmente (aprender tabuadas, geografia, fatos históricos, etc.). Esta uma das razões de sua popularidade.
Em segundo lugar, numa época em que testes de múltipla escolha padronizados acabam por se substituir no método de avaliação por excelência, este tipo de utilização do computador fornece aos alunos maneiras individualizadas de se exercitar, de praticar habilidades básicas, e de avaliar o seu progresso.
Em terceiro lugar, a popularidade deste tipo de utilização do computador na educação se explica pelo fato de que o conhecimento que se transmite aqui e o aprendizado que se espera são de contornos razoavelmente bem definidos e, consequentemente, permitem uma avaliação mais “objetiva” do progresso feito. Além disso, os programas que se encaixam nesta categoria não são tão difíceis de programar, existindo, inclusive, linguagens criadas especialmente para facilitar a tarefa de construção de programas de “instrução programada” (PILOT, por exemplo), bem como vários tipos de “pacotes” que permitem ao professor a construção, de maneira simples, de seu “courseware” — ou, “didacticiel”, como preferem os franceses.
A questão é se vamos utilizar a abordagem meramente porque ela é de implementação ou utilização mais fácil, ou porque ela não causa maiores transtornos ao processo educacional e à vida do professor, por se encaixar dentro de objetivos educacionais tradicionais e de métodos de ensino convencionais.
Pessoalmente, acredito que esta função digamos instrucional que o computador exerce é (embora até útil, em alguns contextos) uma de suas características menos interessantes. Sua função educacional mais importante o coloca em papel inteiramente aposto: não no de instrutor, mas no de aprendiz. A tarefa do aluno não é aprender do computador, mas ensiná-lo a realizar certas tarefas — programá-lo, enfim.
Aqui chegamos, portanto, à outra abordagem. Segundo esta abordagem, o computador é fundamentalmente uma poderosa ferramenta de aprendizagem que, bem utilizada, pode levar ao aprendizado não só de fatos importantes sobre o próprio computador bem como sobre outros conteúdos, mas, e mais importante, pode levar à aprendizagem de princípios, técnicas, habilidades que ajudarão o aluno em seu aprendizado subsequente, que farão dele um melhor solucionador de problemas (não só necessariamente em relação ao conteúdo que está incidentalmente manipulando).
Neste modelo de utilização do computador na educação, a situação de aprendizagem não é previamente estruturada. Não há, necessariamente, um determinado conteúdo que tem que ser aprendido, determinadas perguntas que têm, cada uma delas, uma só resposta correta, cabendo ao aluno descobri-la. Ao aluno cabe, aqui, estruturar o próprio contexto em que sua aprendizagem vai ocorrer. Ele é encorajado a explorar, criar, inovar, dentro de situações de aprendizagem não previamente estruturadas. Parte-se do pressuposto de que o aprendizado que ocorre nestas situações é mais frutífero e mais duradouro. Ao aluno é permitido errar — se bem que muitas vezes não seja muito claro o que é erro — porque se acredita que erros são pedagogicamente importante. Ao aluno se permite levar adiante uma solução para um determinado problema, ainda que seja óbvio que a solução não vai funcionar, porque se reconhece o valor pedagógico dessa exploração. O aluno, longe de ser um mero observador que só reage quando solicitado, passa a ser um participante ativo no progresso de construção de sua própria aprendizagem.
Quando se escolhe esta segunda opção está se optando por muito mais do que simplesmente um outro método de utilização do computador na educação: está se optando por uma filosofia da educação diferente. Muitos educadores já mostraram os benefícios da educação que ocorre através do fazer, do explorar, do descobrir. O computador, propriamente utilizado, torna esta meta alcançável de uma maneira nunca antes possível. Nele, como bem assinalou Seymour Papert, em Mindstorms: Children, Computers, and Powerful Ideas (**), o concreto e o formal se encontram, permitindo possibilidades pedagógicas difíceis de imaginar sem o apoio do computador.
Nesta abordagem, alteram-se drasticamente os objetivos educacionais tradicionais e os métodos de ensino convencionais. Todo o processo educacional é visto de uma maneira totalmente revolucionária.
Exatamente por isto, não é fácil elaborar programas que levam a estes objetivos. O que se tem que fazer é criar linguagens, programas utilitários, que deem ao usuário um número cada vez maior de recursos que permitam o desenvolvimento de sua aprendizagem. Exatamente por atuar no pressuposto de uma aprendizagem não previamente estruturada, este modelo impede que sejam desenvolvidos “pacotes” que são então distribuídos e consumidos. O que é necessário desenvolver é todo um conjunto de recursos, todo um ferramental para a aprendizagem. É isto que todo o conjunto de linguagens e recursos identificado com o nome LOGO procura fornecer.
Ao optar por esta abordagem não se está sucumbindo à tentação representada por aquilo que alguns já convencionaram chamar de síndrome dos testes e medidas: ensinar aquilo que é mais fácil ensinar, avaliar aquilo que é mais fácil testar. Não resta dúvida de que algumas coisas são importantes, mas difíceis de testar e avaliar; outras são fáceis de testar, mas talvez não tão importantes (pode se substituir a palavra testar por investigar, aqui, e o que está sendo dito se aplicaria também à pesquisa educacional). O importante é não sucumbir à tentação de promover a aprendizagem apenas daquilo que é fácil testar, deixando de lado a aprendizagem daquilo que é importante, para não dizer essencial, aprender.
Concluo, portanto, com uma reafirmação clara da tese de que toda criança deveria aprender a programar o computador. Isto obviamente não quer dizer que todas as crianças devem se tornar programadores profissionais. Quer dizer, isto sim, que aprender a programar o computador envolve aprendizados de vários tipos, ou vários aspectos de aprendizado. Em primeiro lugar, está o aprendizado requerido para dominar o próprio computador. Em segundo lugar, está o aprendizado de várias técnicas e estratégias para a solução de problemas. E em terceiro lugar está uma compreensão mais profunda do assunto de que se ocupa o programa: O conteúdo do programa.
Olhemos, brevemente, e à guisa de conclusão, a cada um desses aspectos.
Um certo sentido de mistério e até mesmo da mágica geralmente cerca o primeiro contato de alguém com o computador. Embora no íntimo se saiba que se trata apenas de uma máquina com circuitos, teclas, etc., há algo acerca do computador que o faz parecer não só quase vivo como inteligente. A primeira coisa que o aprendizado de programação ensina é que o computador só faz aquilo que você o ensina a fazer. como já disse alguém, o computador é um completo idiota, que, entretanto, tem uma excelente memória e executa ordens com incrível rapidez. No processo de aprender isto o aluno aprende que é ele quem manda, o cérebro que instrui é o dele — é ele, enfim que determina as regras do jogo.
A descoberta deste fato, juntamente com a descoberta do fato de que o computador não irá resolver nenhum problema que você não consiga resolver para ele, ajuda as crianças, além de tudo, a desenvolverem autoconfiança, a autoconfiança que vem do fato de que você é capaz de fazer uma máquina poderosa e até misteriosa obedecer às suas ordens. Esta sensação de autoconfiança e de domínio sobre a máquina é importante não só para os alunos que têm grau de autoconfiança baixo, mas também porque, em uma sociedade cada vez mais permeada pela tecnologia, é importante que as pessoas cresçam imbuídas de um sentido de que são elas que devem controlar as máquinas — não vice-versa . (Na instrução programada, quem é controlado por quem?).
Em segundo lugar, quem aprende a programar o computador desenvolve uma série de habilidade e estratégias para a solução de problemas — e problemas bastante reais.
Embora as pessoas aprendam a solucionar problemas e a desenvolver certas estratégias para fazê-lo, simplesmente vivendo suas vidas, parece ser terrivelmente difícil ensinar, na escola, métodos de solução de problemas. As razões desta dificuldade provavelmente estejam relacionadas com a diversidade das habilidades, dos conhecimentos e da compreensão exigindo para a solução de problemas bem como com a complexidade inerente na avaliação das estratégias utilizadas para a solução de problemas. As escolas preferem se concentrar em habilidades que podem ser identificadas, isoladas, e medidas, a se dedicar àquelas que são menos tangíveis e mais profundamente inter-relacionadas. Novamente aqui temos a síndrome dos testes e medidas a que já se fez menção. Ensina-se o que se pode mais facilmente identificado, isolar e avaliar — e não o que é menos tangível, mais complexo, mais interligado, mas difícil de avaliar.
Computadores fornecem um contexto cheio de problemas excitantes e atraentes para as crianças e as desafiam a solucioná-los. Mesmo as tarefas mais simples de programação, aquelas voltadas para criança, como desenhar na tela, são suficientemente ricas e complexas para permitir o desenvolvimento de uma série de habilidade que ajudam na solução de problemas. Ao mesmo tempo há aspectos envolvidos nesta experiência que fazem com que a solução de problemas neste contexto seja mais fácil e mais facilmente inteligível do que no mundo real.
Ou vejamos. O computador, em primeiro lugar, torna possível dividir, com relativa facilidade, um problema em vários outros pequenos problemas. Esta estratégia é extremamente útil na solução de problemas que, de início, parecem demasiadamente complexos para serem solucionados. Em segundo lugar, ao se propor escrever um programa o aluno é forçado a fazer uma descrição explícita e formal do problema que ele irá resolver com aquele programa. isto em si já é algo bastante positivo. Mas o mérito não para aí. Diferentemente de uma descrição verbal ou descrita de alguma coisa, um programa de computador pode ser testado com facilidade, e seu resultado comparado com o esperado. Este processo contínuo de descrição do problema, proposta de uma solução, testagem da solução, revisão, é de enorme utilidade pedagógica. Ele leva o aluno a aprender de e através de seus erros — ou seja, numa tradição bastante popperiana, ele reveste o erro de enorme significado pedagógico.
O terceiro tipo de aprendizado que decorre do estudo da programação é o do próprio conteúdo ou assunto sobre o qual se está programando. Todos os que ensinam já tiveram a experiência de que ao ensinar determinado assunto a gente frequentemente aprende muito sobre o assunto. Em programação ocorre a mesma coisa: ao tentar fazer um programa que leve o computador a executar gráfico, ou música, o programador geralmente desenvolve uma compreensão ( e mesmo uma apreciação ) bem mais profunda desses conteúdos do que tinha antes. O mesmo se aplica a qualquer outro conteúdo.
Muitas pessoas imaginam que, porque computadores são máquinas, pessoas que aprendem desde muito cedo a manejar computadores venham a se tornar mais “mecânicas” em seu modo de pensar. Outros imaginam que pessoas que não tenham uma grande inclinação para a matemática nunca vão se tornar bons programadores. Muitos educadores, principalmente aqueles que trabalham com LOGO, têm chegado à conclusão de que o oposto, em ambos os casos, é que é o verdadeiro. Toda criança pode aprender a programar a ser relativamente bem sucedida no empreendimento, e o aprendizado de programação ajuda as crianças a desenvolverem tanto o lado lógico como o lado intuitivo de sua personalidade .
Estou convicto de que todas as crianças se beneficiarão, em maior ou menor grau, é verdade, se aprenderem a programar. Este aprendizado ajuda tanto crianças como adultos a desenvolverem habilidades e conhecimentos de que necessitam em uma sociedade tecnologicamente avançada. Ao mesmo tempo, estas pessoas experimentam uma sensação de poder criativo sobre seu ambiente, aprendendo, também, com maior profundidade, os assuntos que estiverem explorando.
Em Campinas, 17 de agosto de 1983.
[Estudo publicado em 1983 na revista Em Aberto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (INEP). Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]
(*) O Projeto EDUCOM foi lançado em 1983 por um “consórcio” de órgãos e agências governamentais, capitaneados pelo Ministério da Educação (MEC), depois de dois Encontros Nacionais, realizados em 1981 e 1982, em Brasília e Salvador, respectivamente, para discutir, com pesquisadores nacionais (e alguns convidados estrangeiros) a introdução de computadores nas escolas. Entre os órgãos e agências estavam a Secretaria Especial de Informática (SEI), o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a Financiadora de Projetos (FINEP) e a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ). O EDUCOM começou com um Edital em que o governo conclamava as universidades brasileiras a submeter projetos nesse sentido. Diante desse chamamento eu, que na época era Diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, discuti com o então Reitor, Prof. José Aristodemo Pinotti, a possibilidade de criar, junto à Reitoria da Universidade, um Centro Interdisciplinar de Pesquisas sobre a introdução e o uso de computadores em escolas. Recebi sua autorização e propus a criação do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), que foi efetivamente criado naquele ano de 1983. (O NIED comemorará, este ano 35 anos de idade). Eu fui designado seu Implantador e Coordenador e foi sob a égide do NIED, então por mim coordenado, que a UNICAMP respondeu ao chamamento do governo, apresentando seu projeto. Ao todo, vinte e seis projetos foram submetidos e cinco foram aprovados e selecionados, dentre eles, o do NIED, que ficou sob minha coordenação. Os outros quatro foram da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (coordenado por Lea Fagundes e Lucila Santarosa), o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (coordenado por Lydinea Gasman), o da Universidade Federal de Minas Gerais (coordenado por Antonio Mendes) e o da Universidade Federal do Pernambuco, coordenado por Paulo Gileno Cysneiros). Como se pode constatar, a UNICAMP foi a única universidade não federal selecionada. Coordenei o Projeto EDUCOM da UNICAMP até Abril de 1986, quando o Prof. José Aristodemo Pinotti foi escolhido pelo Governador André Franco Montoro, então do PMDB, para ser Secretário da Educação do Estado de São Paulo e me levou com ele como seu Assessor Especial e, logo em seguida, também Diretor do Centro de Informações Educacionais (CIE) da Secretaria.
(**) Este artigo foi escrito em Agosto de 1983, antes da criação do NIED. Quando o NIED foi criado, trouxe para ele a Professora Beatriz Bitelman. Por sua iniciativa, e com total apoio do NIED, o livro seminal de Pappert foi traduzido para o Português, sob o título LOGO: Computadores e Educação (Editora Brasiliense).