A Questão da Educação Moral

[Trabalho redigido em Agosto de 2000 para uso dos alunos da disciplina “Educação Moral” ministrada no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação e Ciências Humanas do Instituto Adventista São Paulo (IASP), no segundo semestre de 2000]

Conteúdo

  1. Educação Integral e Educação Moral
  2. A Moralidade: Início da Discussão
  3. Ações Morais, Imorais e Moralmente Neutras
  4. Critérios – Saber o que é Certo: O Plano Cognitivo
  5. Critérios – Querer Fazer o Certo: O Plano Conativo
  6. Critérios – O Plano da Ação
  7. Moralidade e Valores

1. Educação Integral e Educação Moral

A educação escolar tem tradicionalmente concentrado sua atenção nos aspectos cognitivos do ser humano – naqueles aspectos relacionados com o desenvolvimento do seu intelecto, de sua inteligência. Para quem observa uma escola tradicional, parece que sua única preocupação é conseguir passar aos alunos informações e conhecimentos – e, na melhor das hipóteses, desenvolver neles algumas competências de natureza cognitiva, a maior parte delas de cunho lógico ou linguístico – que os alunos precisam possuir (acredita-se) para poder vir a atuar competentemente no mundo adulto.

No entanto, tão importantes para os seres humanos quanto o seu intelecto são sua sensibilidade, suas emoções, sua vontade – em geral tristemente ignoradas pela educação escolar tradicional. Falar para alguns educadores em “educação da sensibilidade”, “educação das emoções” e “educação da vontade” é arriscar-se a receber em resposta um olhar vidrado de quem imagina que está tendo contato com um extraterrestre.

No entanto, a retórica pedagógica até mesmo atual frequentemente inclui referência à chamada “formação integral” (da criança), sugerindo que a educação não pode se focar apenas na transmissão de informações e conhecimentos e no desenvolvimento das competências e habilidades cognitivas do ser humano. É raro, porém, que fique claro no que consistiria essa formação integral. Instituições educacionais de origem confessional geralmente dão a entender que ela inclui educação moral e educação religiosa – mas em geral concebem a educação moral e a educação religiosa de forma intelectualizada, quando não puramente doutrinacional, como a inculcação de certos valores e regras de conduta moral e de algumas doutrinas religiosas.

Por isso, apesar de a expressão “formação integral” aparecer, hoje em dia, com certa frequência também na literatura pedagógica secular e leiga, para muitos não é muito claro o que se tem em mente quando se fala em facetas da educação que vão além da transmissão de informação e conhecimento e do desenvolvimento de competências e habilidades puramente cognitivas.

A finalidade deste texto é procurar esclarecer um dos componentes – talvez o mais importante – da dita formação integral: a “educação moral”. No processo, discutir-se-á como ela pode ser realizada – em casa, na escola, na comunidade, na igreja, ou em qualquer outro contexto. Ver-se-á que a educação moral, embora contenha elementos cognitivos (que, para alguns, esgotam o seu significado), está estreitamente envolvida com a educação da sensibilidade, das emoções, e, principalmente, da vontade.

Assim, pressupondo que já tenhamos razoável clareza acerca do que seja a educação, é necessário discutir, para que entendamos o que é a “educação moral”, o que é a moralidade. A isto nos dedicaremos a seguir.

2. A Moralidade: Início da Discussão

O que é a moralidade?

Em vez de partirmos, de início, de uma definição, como as que encontramos em dicionários, vamos tentar delimitar o conceito de forma mais indireta – perguntando, por exemplo: “De que tipo de coisas dizemos que são morais ou imorais?”

Fazendo esta pergunta a uma classe numa escola confessional na qual discutia a questão, a primeira resposta que me foi dada foi: “Roupas”. De início fiquei surpreso que minha interlocutora fosse pensar, em primeiro lugar, nesse tipo de coisa, ao refletir sobre a moralidade. Mas lembrando-me de que a igreja a que pertence a referida aluna é das que colocam bastante ênfase na indumentária dos alunos, proibindo (ou, pelo menos, enfaticamente “desincentivando”), para mulheres, calças justas, saias curtas, e blusas decotadas ou transparentes, a resposta começou a fazer sentido e acabou gerando excelente discussão.

Retruquei, meio socraticamente, perguntando à minha interlocutora em que sentido roupas podiam ser morais ou imorais? Perguntei a ela se a roupa que eu estava usando na ocasião (calças jeans, camisa social e suéter) seria moral ou imoral. A resposta foi de que minha roupa era moral – ali naquele contexto; se eu estivesse num banquete chique, continuou a moça, minha roupa seria considerada – digamos – inadequada. Até ela relutou em dizer “imoral”.

A partir dali procurei aprofundar a discussão da distinção entre uma roupa “imoral” e uma roupa “inadequada à ocasião”. É claro que roupas podem ser claramente inadequadas a determinadas ocasiões. Perguntei à aluna se ela achava que, no tocante a roupas, ser imoral era a mesma coisa que ser inadequada à ocasião.

Sua resposta tergiversou um pouco. Ela disse: “Roupa imoral é roupa indecente”. Com isso, introduziu um novo conceito na discussão: o de decência.

Perguntei a ela se, a seu ver, o indecente não seria apenas um caso especial do inadequado à ocasião, no tocante a roupas? Perguntei-lhe se ir à igreja de biquíni seria indecente – e ela (como era de esperar) respondeu que sim. Perguntei-lhe, então, sem muita certeza do que ela iria responder, se ir à praia de biquíni também seria indecente. Felizmente, para o que eu pretendia, ela disse que não. Perguntei a ela, por fim, se isso não indicava que uma roupa indecente não é simplesmente um caso (talvez extremo) de roupa inadequada à ocasião – havendo ocasiões em que, possivelmente, até nenhuma roupa seja considerado “traje” adequado…

Se me detenho com certo detalhe nessa conversa, é porque ela revela a confusão que existe na mente de muitas pessoas acerca do objeto da moralidade. Procurei esclarecer aos alunos que, no uso mais básico dos termos “moral” e “imoral”, eles normalmente não são aplicados a coisas – na realidade, nem mesmo indiscriminadamente a coisas vivas como plantas e aos animais. Normalmente, apenas pessoas são consideradas morais ou imorais.

Mais precisamente, não são as pessoas, enquanto objetos físicos, que são chamadas, em determinados contextos, de morais ou imorais, mas as pessoas enquanto seres conscientes capazes de pensar, refletir e principalmente agir.

Procurei mostrar, com perguntas aos alunos, que, na verdade, são as ações das pessoas que são consideradas moralmente certas ou erradas. Não faz sentido da cara ou do pé de uma pessoa que seja moral ou imoral, observei. “Ah”, disse uma aluna: “mas um olhar pode ser imoral!”. Essa observação nos levou a esclarecer a diferença entre uma característica física de uma pessoa, como os seus olhos, e uma ação sua, como um olhar. Os olhos são os olhos. Mas os olhares dos olhos são ações – e embora possamos olhar as coisas e as pessoas despreocupadamente, sem pensar, muitas vezes nosso olhar – certamente o tipo de olhar em relação ao qual faria sentido dizer que é imoral – é (quero crer), um olhar intencional (e, consequentemente, refletido).

(Em parênteses é oportuno levantar a questão, para discussão posterior, se coisas que não são facilmente classificáveis como ações, como pensamentos, decisões e desejos, podem ser apropriadamente classificados de morais ou imorais. Mas por enquanto vamos nos limitar a discutir ações – pressupondo que, intuitivamente pelo menos, sabemos o que são ações e como elas diferem de meros movimentos – podendo, concebivelmente, haver ações que não envolvem movimento algum – como pensamentos, decisões, desejos, etc.).

(Em outros parênteses, é também oportuno registrar que alguns objetos são frequentemente descritos como morais – ou, mais frequentemente, imorais: pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc. Nestes casos, quer me parecer que sua suposta imoralidade seja uma forma elíptica de se referir à imoralidade de ações humanas neles representadas ou descritas – mas devemos nos manter alertas para eventualmente rever essa posição, se necessário.

É porque as ações, em si, podem ser vistas como morais ou imorais, que frequentemente estendemos essas categorias à conduta em geral, às atitudes, às posturas, etc. (que são de certo modo agrupamentos [clusters] ou padrões [patterns] de ações) ou mesmo a objetos (como pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc.)

3. Ações Morais, Imorais  e Moralmente Neutras

Seriam todas a ações humanas morais ou imorais, ou haveria ações humanas que não são nem uma coisa nem outra?

Esta questão geralmente permite que uma discussão muito frutífera tenha lugar em sala de aula. Colocada aos alunos, rapidamente surgem vários exemplos de ações que (pelo menos aparentemente) não possuem nenhuma conotação moral: entre outras, as ações de pentear os cabelos, amarrar os sapatos, comer à mesa, e vestir-se parecem não ter implicações morais – embora, naturalmente, a questão do que é lícito ou recomendável comer ou vestir possa não ser tão consensual (haja vista a discussão relatada atrás sobre a pretensa imoralidade de determinadas roupas e a notória proibição, para os fiéis de determinadas religiões, de comer determinadas coisas).

Apesar de dificuldades de classificação, não é difícil obter consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras do ponto de vista moral (isto é, nem morais nem imorais).

Uma primeira aproximação à questão de delimitação do conceito de moralidade nos leva, portanto, a distinguir, num primeiro momento, duas grandes categorias de ações: as que têm, digamos, conotação moral e as que não têm. Num segundo momento, as que têm conotação moral podem, por sua vez, ser diferenciadas em ações morais (ou “moralmente certas”) e ações imorais (ou “moralmente erradas”).

Categorizando as ações humanas desta forma, temos o que poderia ser representado como um retângulo dividido em duas metades, uma das quais é também subdividida em duas metades. Do lado da metade não subdividida, colocaríamos as ações sem conotação moral. Do lado da outra metade, colocaríamos as ações com conotação moral, devidamente classificadas em “moralmente certas” (morais) e “moralmente erradas” (imorais).

Colocando as coisas nestes termos, é forçoso reconhecer que a primeira linha que, por hipótese, divide o retângulo em duas partes, não fica exatamente no centro para todas as pessoas – talvez não fique aí para nenhuma. Pessoas mais liberais em geral deixam um espaço bem menor para ações com conotação moral do que para ações ditas neutras. Pessoas com um senso se moralidade mais aguçado tendem a aumentar o lado das ações com conotação moral – deixando às vezes muito pouca coisa no lado considerado neutro.

(Como já observamos de passagem, para algumas pessoas, o que alguém come, ou o modo de alguém se vestir, estaria do lado da ações com conotação moral – outras pessoas achando que nem mesmo andar pelado ou manter relações sexuais promíscuas e indiscriminadas é imoral.)

(Na verdade, o Velho Testamento é fonte aparentemente inesgotável de exemplos de ações, realizadas por grandes vultos bíblicos, que muitos considerariam imorais: Abrahão, ansioso por ter um filho, e sendo sua mulher, Sarah, estéril, teve filhos com a criada de Sarah, por sugestão da própria mulher, que depois escorraçou a rival [Gênesis 16:1-6]; o próprio Abrahão, depois de ter um filho com Sarah [Isaac], miraculosamente curada da sua esterilidade [Gênesis 17:15-16, 18:9-15 e 21:1-2], se dispõe a matá-lo em sacrifício a Deus, por ordem deste [Gênesis 22]; David, embevecido pela beleza de Bethseba, mulher casada, a toma para si e manda o marido dela, Urias, para a frente de batalha, para que seja morto [II Samuel 11]. E assim vai. A ação de David é punida, mas as de Abrahão “passam batidas”, sem punição ou recriminação, sua disposição de sacrificar Isaac sendo até mesmo colocada como exemplo de total obediência às ordens divinas).

4. Critérios: Saber o que é Certo: O Plano Cognitivo

Tendo chegado de forma relativamente fácil a um consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras (nem morais nem imorais), há que se confrontar uma questão sobre a qual consenso talvez seja totalmente impossível: através de que critérios diferenciamos

  1. Ações neutras (que não possuem conotação moral) das ações que possuem conotação moral (podendo ser consideradas moralmente certas [morais] ou moralmente erradas [imorais];
  2. Dentro das ações que possuem conotação moral, aquelas que são moralmente certas (morais) das que são moralmente erradas (imorais)?

Note-se que se trata de dois critérios diferentes aqui: um demarca entre ações neutras, do ponto de vista moral, e ações que possuem conotação moral; o outro procura demarcar, dentro do universo das ações que possuem conotação moral, as que são moralmente certas das que são moralmente erradas.

Embora em ambos os casos estejamos lidando com critérios, vou chamar o primeiro problema demarcatório de a questão do escopo da moralidade, e o segundo, a questão do critério (propriamente dito) de moralidade. [Há quem acredite que um só critério resolve os dois problemas. Eu discordo.

Registre-se ainda que aqui estamos lidando com uma questão epistemológica – isto é, com uma questão que tem que ver com as condições de nosso conhecimento. Em outras palavras, o que se pergunta é como eu sei (ou aprendo) que uma ação é neutra, moralmente certa ou moralmente errada? O que se busca, ao se fazer essa pergunta, são critérios de demarcação: como é que eu demarco ações de um tipo de ações dos outros tipos.

Ao discutir essas questões estaremos, portanto, discutindo a moralidade no plano cognitivo – o plano em que nos perguntamos como é que eu sei que determinadas ações são erradas e outras certas, do ponto de vista moral, e ainda outras não são nem moralmente certas nem moralmente erradas, porque não possuem conotação moral (sendo moralmente neutras, portanto)?

Vários critérios têm sido propostos ao longo da história da humanidade. Mencionarei apenas dois – um, um critério que apela para uma autoridade (que determina em que categoria se enquadram as várias ações); o outro, um critério consequencialista (que julga as ações de conformidade com suas consequências).

Aqueles que consideram a Bíblia sua única “regra de fé e prática”, geralmente acreditam que, se a Bíblia ordena determinada ação, ela é moralmente certa; se a Bíblia a proíbe, ela é moralmente errada; se a Bíblia nem ordena nem proíbe, a ação não é nem moralmente certa nem moralmente errada – é moralmente neutra.

Os filósofos utilitaristas do século XIX pressupunham que o que importa são as consequências de nossas ações, não sua “natureza intrínseca” (se é que se pode falar nisso). E seu critério básico de moralidade estava ligado à “fazer bem” aos outros (ou torná-los felizes). Assim, se uma determinada ação faz bem aos outros (os torna felizes), ela é moralmente certa; se faz mal aos outros (os torna infelizes), ela é moralmente errada; se não faz nem bem nem mal, ela não é nem certa nem errada, do ponto de vista moral. Se duas ações fazem bem aos outros, é preferível a ação que faz mais bem (torna os outros mais felizes ou torna mais gente feliz) – o princípio da maior felicidade do maior número de pessoas sendo o critério aplicável. [Os utilitaristas foram a extremos desenvolvendo o que chamaram de “cálculo felicífico”…]

Não vamos discutir aqui, neste momento, essas teorias – nem mencionar outras (como a de Kant – que poderiam facilmente ser invocadas. Apenas mencionadas essas duas, e de forma admitidamente simplificada, para ilustrar a necessidade de critérios de demarcação – algo que se busca e se acha no plano cognitivo.

5. Critérios: Querer Fazer o Certo: O Plano Conativo

Para que consideremos uma determinada ação moral, basta que saibamos mostrar, através de critérios defensáveis, que aquela ação se inclui na categoria das ações de conotação moral e, dentro destas, na subcategoria das ações moralmente certas.

Para que uma pessoa seja considerada moral, entretanto, ainda que em um sentido derivativo, não basta que ela saiba, no plano intelectual, quais ações são moralmente certas, quais são moralmente erradas e quais são neutras. É preciso que ela faça o que é moralmente certo e não faça o que é moralmente errado.

Mas, na verdade, não basta que a pessoa faça o moralmente certo e deixe de fazer o moralmente errado: é preciso que esse fazer e deixar de fazer não sejam resultantes de forças fortuitas (mero acaso) ou alheias à pessoa (como quando alguém a força a agir de uma forma ou de outra), mas, sim, de sua decisão livre e consciente – ou seja, de sua própria vontade. Assim, entre o saber e o fazer, há um elemento intermediário: o querer fazer. Sobre esse “querer fazer” falaremos agora.

[Em seguida falaremos sobre o passo que vai do “querer fazer” para o “fazer”.]

Ao discutirmos o “querer fazer” estamos lidando com que se denominou, na filosofia tradicional, a vontade. Nem sempre é fácil distinguir a vontade do saber e do fazer, propriamente dito.

Imaginemos que uma pessoa casada e com filhos, que vive de forma relativamente feliz com a família, e que tem no cônjuge uma pessoa boa, responsável e fiel, subitamente se apaixone por outra pessoa, que ela sabe ser solteira, irresponsável e volúvel, mas que é bastante atraente.

Imaginemos que, neste caso, a pessoa casada conclua, no plano intelectual (cognitivo), e usando seu próprio critério de moralidade, que trair o conjuge é moralmente errado. Essa é uma conclusão que ela alcança com sua cabeça, por assim dizer. Ao mesmo tempo, porém, ela não quer fazer o que ela mesma considera moralmente certo – quer, isto sim, fazer o que ela mesma considera moralmente errado: trair o cônjuge — porque está apaixonada por outra pessoa.

O que temos aqui é um conflito moral entre o intelecto e a vontade, entre o plano cognitivo e o plano conativo.

Na novela Laços de Família, é possível imaginar que a filha, no plano cognitivo, ache moralmente errado envolver-se com o namorado da mãe. No plano da vontade, porém, assim que se percebeu apaixonada por ele, quer se envolver com ele. O conflito do cognitivo com o conativo está delineado.

Esses exemplos são de certo modo suficientes para mostrar que as emoções são muito mais potentes para mover a vontade do que o intelecto. A pessoa em geral quer (vontade) porque as emoções a empurram (está apaixonada). As considerações racionais que o intelecto pode produzir para dissuadi-la de agir em geral fazem sentido mas não são capazes de mover a vontade. [É por isso que alguns filósofos, como David Hume, negam que a razão seja capaz de mover a vontade, quando a ele se contrapõem as paixões…]

É aqui, neste conflito da razão com as emoções, do intelecto com a vontade, que se situam os grandes dilemas que formam o enredo de obras literárias famosas, de filmes e de novelas…

Como resolver esses dilemas de modo a querer o que é moralmente certo e a deixar de querer o que é moralmente errado? Talvez aqui, e não no plano cognitivo, se situe a maior dificuldade da educação moral.

Se estão certos os que, com Hume, afirmam que são as emoções, e não as considerações racionais, que movem a vontade, a educação moral, aqui neste plano, se reveste de educação das emoções: como alinhar as nossas emoções com aquilo que sabemos ser moralmente certo, de modo que elas funcionem para nós e não contra nós?

6. Critérios: O Plano da Ação

Muitos confundem este plano com o anterior, mas ele é claramente diferente. Aqui se trata da questão de fazer o que se quer fazer e não fazer o que não se quer fazer.

Há uma passagem conhecida de São Paulo em que ele se lamenta, afirmando que “o bem que eu quero, este não faço, e o mal que não quero, este faço” [Romanos 7:15,19].

São Paulo, aqui, sabe o que é certo e o que é errado – nenhuma dúvida acerca disso. E também não há dúvida de que ele quer fazer o certo e não quer fazer o errado. Entretanto, segundo sua própria admissão, ele não consegue.

Estamos aqui lidando com um conflito diferente do mencionado no item anterior. Aqui a razão e a vontade estão alinhadas – mas, apesar disso, alguma força misteriosa se contrapõe a ambas e a pessoa não consegue fazer aquilo que ela sabe ser certo e quer fazer, nem consegue deixar de fazer aquilo que ela sabe ser errado e quer não fazer.

Aqui nos situamos nos planos das compulsões, que afetam aqueles que se deixam controlar por atividades que, segundo se diz, “viciam”: fumo, bebida, droga, comida, jogo, consumo, sexo, Internet.

Compulsões, quando graves, requerem tratamento especializado, em geral psiquiátrico ou psicanalítico (ou então religioso – São Paulo explicou seu dilema dizendo que, quando ele faz o que sabe ser errado e não quer fazer, na realidade não é ele que faz: quem faz “é o que pecado que mora em mim”). Nesses casos, o indivíduo, desassistido, não consegue fazer o que quer nem deixar de fazer o que não quer. Sua vontade não tem força suficiente para levá-lo a fazer o que ele acha certo e tem vontade de fazer – nem para levá-lo a deixar de fazer o que ele acha errado e tem vontade de não fazer.

7. Moralidade e Valores

Valores são os nomes que geralmente damos àquilo que a gente luta para ter ou conservar – ou seja, àquilo que a gente quer.

Alguns de nossos valores são, digamos, valores-meio (ou valores extrínsecos): seu valor advém do fato que nos permitem chegar a outras coisas que valoramos mais do que elas.

Dinheiro é um valor-meio. Queremos dinheiro não para poder guardar, como algo que é valioso em si mesmo, mas, sim, porque o dinheiro nos permite acesso a coisas que valoramos mais do que dinheiro – doutra forma não daríamos nosso dinheiro para obtê-las.

A maior parte de nossos valores é desse tipo – valores-meio, valores instrumentais.

É possível concluir, porém, que há coisas, porém, que haja coisas que têm valor em si mesmas – que são valores intrínsecos. Em relação a essas coisas, se nós as valorizamos, valorizamo-nas por si mesmas – e se não as valorizamos de fato, dizemos que deveríamos valorizá-las. A moralidade se situa aí.

Com isso, possivelmente estejamos apontando para o critério fundamental que vai nos permitir demarcar ações (ou questões) que possuem uma conotação moral das que não possuem: o fato de valores intrínsecos estão envolvidos.

Por isso, quando se trata de moralidade, propriamente dita, normalmente não se conclui que cada um pode ter seu ponto de vista – e tudo bem. Poucos são os que acham que matar, roubar, ser desonesto, mentir, etc., são coisas que as pessoas podem escolher fazer ou não, conforme o seu gosto.

Em geral, um indicativo de que não estamos tratando de questões morais pode ser encontrado no fato de que achamos perfeitamente natural que outros se comportem de maneira totalmente diversa daquela que consideramos certa.

Escrito em Agosto de 2000.

Eduardo Chaves

Transcrito aqui em Salto, 25 de Janeiro de 2019

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