Skip to content
  • Home
  • About
Search
Close

EduTec Space

A Blog by EDUARDO CHAVES

Category: EDUCOM

A Informática na Educação no Brasil: Uma Vista de um Ponto

11/04/201816/10/2022 Eduardo ChavesLeave a comment

0. Nota Preliminar

Este artigo é uma versão revista e bastante ampliada de um artigo autobiográfico que escrevi há três anos (Fevereiro de 2015), com o título “Tecnologia e Educação: Um Recorte Biográfico” [1].

Resolvi revisar e ampliar o artigo como parte de um esforço pessoal para deixar registrada, de forma tão detalhada e fidedigna quanto possível [2], minha participação na História da Informática na Educação no Brasil – em especial nos primeiros vinte anos, falando em termos arredondados.

Considero o ano de 1981 o ano do início, propriamente dito, no Brasil, de uma área de discussão, preocupação, e pesquisa que veio a receber o nome de Informática na Educação ou Informática Aplicada à Educação. Nesse ano teve lugar o Primeiro Seminário Nacional de Informática na Educação, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pela Secretaria Especial de Informática (SEI), com o apoio técnico-científico do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), com o apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), e com o apoio logístico- administrativo e também técnico da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ), através do seu Centro de Informática (CENIFOR). Todos esses eram órgãos do Governo Federal, e seus nomes são citados aqui como eram na época. Desde então o MEC perdeu o “e Cultura”, mas continuou MEC [3], o CNPq mudou, em 1974, para Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, mas continuou CNPq [4], etc.

Antes dessa data, havia já estudos exploratórios em curso, em especial na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mas o pontapé inicial da “área”, em âmbito nacional e oficial, com o beneplácito até mesmo da SEI, sempre controlada pelos militares, e pedra angular da Política de Reserva de Mercado de Informática [5], foi o envolvimento do Governo Federal na questão em 1981– que acabou redundando, dois anos depois, em 1983, no lançamento do Projeto EDUCOM.

A seguir, a versão revisada do artigo. Para cotejo, a versão original pode ser consultada no meu blog.

1. Meu Envolvimento com a Área

Comecei a me interessar pelo papel que a tecnologia pode desempenhar, e tem desempenhado, na educação — mais particularmente, na aprendizagem — a partir de acontecimentos fortuitos que só em retrospectiva se entrelaçam.

Transcrevo, a seguir, passagens de um artigo que escrevi, em 10 de Outubro de 2011, quando da morte de Steve Jobs [6]:

“Meu primeiro contato com um microcomputador remonta a esses tempos: conheci um Apple II por volta de 1979, através de um colega da UNICAMP, especialista em Linguística Computacional (algo que eu nem sabia que existia). [Frank Roberts Brandon era o nome dele. Infelizmente, morreu bastante cedo]. O equipamento em si me chamou a atenção, mas quando ele me demonstrou as aplicações da linguagem de programação ProLog(Programming in Language) para o aprendizado de Lógica, eu me encantei. Ali na hora tomei a decisão de comprar um equipamento daqueles quando pudesse… [Comprei um Commodore 64 um ano depois, numa viagem aos EUA, e, logo depois, um clone brasileiro do Apple II, feito pela Unitron. Interpretadores de ProLog tive vários, mas gostava mais do Borland Turbo Prolog]. Até hoje, cerca [bem mais] de 30 anos depois, ainda guardo o meu clone brasileiro do aparelho fabricado pela Unitron. [E em minha biblioteca pessoal possuo mais de 30 livros sobre ProLog, linguagem de programação que se tornou a minha paixão nessa área.]” [7].

Na época (1979) eu era Diretor Associado da Faculdade de Educação da UNICAMP. No ano seguinte, em Abril de 1980, assumi a direção da Faculdade, aos 37 anos. Uma das primeiras coisas que me caiu em mãos, para que encaminhasse, foi um pedido de apoio financeiro feito à FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), de autoria de meu melhor amigo, na ocasião, Prof. Dr. Raymond Paul Shepard, especialista em psicologia cognitiva, e meu colega na Faculdade de Educação (ele era membro do Departamento de Psicologia da Educação, eu do Departamento de Filosofia da Educação da Faculdade). O projeto era assinado também pelo Prof. Dr. Fernando Curado, professor de computação no que era então Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação, outra unidade acadêmica da UNICAMP [8].

Interessei-me pelo assunto do projeto: o papel que o computador pode desempenhar na facilitação e no enriquecimento da aprendizagem da criança. Os dois pesquisadores se propunham investigar, com o auxílio de uma equipe, o uso da linguagem de programação LOGO, criada por Seymour Papert, então do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo de crianças relativamente pequenas — na fase anterior à que hoje se chama hoje de Fundamental II da Educação Básica. Confesso que fiquei encantado com o que li – e nunca perdi, desde então, esse sentido de encantamento.

Foram esses os meus dois primeiros contatos com o tema “Educação e Tecnologia”. Primeiro, envolvendo ProLog; depois, LOGO. Em 1979 e 1980, respectivamente. E fica registrada que a iniciativa de encaminhar o projeto à FINEP foi dos professores Shepard e Curado, eu tendo agido, na ocasião, apenas como encaminhador, dada minha função.

A partir daí comecei a conversar diariamente sobre o assunto com o professor Shepard  (corríamos juntos, diariamente, na hora do almoço pelo bairro chamado Cidade Universitária, que rodeia a Cidade Universitária, propriamente dita, da UNICAMP), e, em decorrência dessas conversas, sempre estimulantes, resolvi mergulhar a fundo na literatura existente sobre o tema. Li, primeiro, o livro Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas, de Seymour Papert (que acabava de ser publicado em 1980). Papert era considerado o “Papa” da área. Achei o livro fascinante, em especial porque, ao tratar do potencial do computador, e da linguagem LOGO em particular, na aprendizagem da criança, Papert descortinava uma pedagogia diferente, centrada no aluno, na aprendizagem, na descoberta, na vida, no mundo e não (como na pedagogia convencional) no professor, no ensino, na instrução, na aula, na escola. . . Sendo um dos responsáveis pela área de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação, eu, a essas alturas, já havia lido bastante dos dois “Joões” relevantes: John Dewey e Jean Piaget. Mas, mesmo assim, o jeito de colocar as coisas adotado por Papert me fascinou: fiquei fã dele.

Comecei a caçar gente e livros que se ocupassem desses dois assuntos: computadores na educação (particularmente na aprendizagem) e pedagogias não-convencionais (ou, como já foram chamadas, pedagogias não-diretivas, e como se prefere hoje, pedagogias inovadoras ou mesmo pedagogias libertárias).

Em 1981 o MEC — Ministério da Educação (então Ministério da Educação e Cultura) resolveu, em parceria com a SEI — Secretaria Especial de Informática, e com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) promover alguns encontros sobre Informática na Educação (forma em que o assunto acabou sendo batizado no Brasil). O primeiro foi em Brasília, em Agosto de 1981, e o segundo em Salvador, um ano depois. Participei desses encontros e ali fiquei conhecendo muitos dos que se tornaram pioneiros nessa área no Brasil, oriundos de outras universidades brasileiras, a saber, os professores Samuel Pfromm Neto (USP), falecido em 2012, Lea Fagundes e Lucila Santarosa (UFRGS), Fernando Almeida (PUC-SP), Paulo Cysneiros (UFPE), Lydineia Gasmann e Riva Roitman (UFRJ), Antonio Mendes Ribeiro (UFMG), etc. Da UNICAMP foram, além de mim, os professores Vilmar Faria (do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), falecido em 2001 (quando era assessor do Presidente FHC), Cecília Callani (depois, quando se casou, Callani Baranauskas) e Heloísa Vieira da Rocha (ambas do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação) e Afira Vianna Ripper  (da Faculdade de Educação, como eu – embora de outro departamento).

Em decorrência desses encontros foi lançado em 1983 o Programa EDUCOM, que fez um chamado às universidades brasileiras para que submetessem projetos na área de Informática na Educação. Vinte e seis projetos foram submetidos. Eu coordenei a elaboração do projeto da UNICAMP, que contou com a participação das pessoas nomeadas atrás que pertenciam à Universidade [9].

Quando saiu o resultado, cinco universidades haviam tido seus projetos aprovados: quatro federais (UFPE, UFMG, UFRJ e UFRGS) e, para minha satisfação, uma estadual (a UNICAMP). Recebemos financiamento da FINEP para tocar o projeto, que coordenei de 1983 a 1986, quando (mediante autorização e afastamento da UNICAMP) fui trabalhar na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, onde assumi a função de Diretor do Centro de Informações Educacionais (CIE), a convite do Secretário, meu colega na UNICAMP Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti.

Para submeter e, depois, implementar o Projeto EDUCOM da UNICAMP, propus ao então reitor, José Aristodemo Pinotti, em 1983, a criação de um centro interdisciplinar de pesquisa na área de Informática na Educação. Dei-lhe o nome de Núcleo de Informática na Educação (NIED). Ele foi efetivamente criado em 31 de Outubro de 1983, e eu fui designado seu Coordenador, função que ocupei até Abril de 1986, e da qual me desliguei pela razão já indicada [10].

O NIED existe até hoje. Como já disse, sucedeu-me na Coordenação do NIED o professor José Valente, que, em 1986, finalmente retornou à UNICAMP depois de sua longa estada no exterior.

No NIED, enquanto eu era coordenador, fizemos, como parte do Projeto EDUCOM, parceria com duas escolas de Campinas e uma de Americana, traduzimos Mindstorms para o Português (sendo a principal responsável pela tradução a professora Beatriz Bittelman, que trabalhava, em função técnica, no NIED), e desenvolvemos uma versão da Linguagem LOGO para o Sistema Operacional CP/M dos computadores I-7000 da Itautec (sendo responsáveis por esse projeto principalmente Heloísa Vieira da Rocha e Cecília Callani Baranauskas, que também haviam se integrado ao NIED) [11].

Mindstorms-Logo

Historiei em bem mais detalhe o processo de criação do EDUCOM na UNICAMP, e escrevi um amplo capítulo sobre “O Computador na Educação”, no livro Educação e Informática: Projeto EDUCOM – Ano I [12].

IMG_1411[1]

Antes disso, porém, eu havia escrito um artigo, em 1983, trinta e cinco anos atrás, do qual muito me orgulho até hoje: “Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender”. O artigo foi publicado na revista Em Aberto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), vinculado ao MEC [13].

Nesse artigo eu esboço, de forma tão clara quanto me foi possível, naquela época, as duas filosofias da educação que se degladiavam: uma, centrada no professor, no ensino, nos conteúdos programáticos a serem transmitidos pelo professor ao aluno; a outra, centrada no aluno, na aprendizagem, nos processos de investigação e descoberta a serem desenvolvidos pelo próprio aluno com o apoio e a facilitação de terceiros (em especial, na escola, do professor) e com a ajuda da tecnologia (não só a digital, mas até mesmo uma tecnologia de mais de 500 anos, o livro impresso). A primeira dessas duas filosofias da educação nos leva a ver o computador como uma “Máquina de Ensinar”; a segunda, como uma “Ferramenta de (para) Aprender”.

Os defensores no século 20 da primeira filosofia da educação vieram a criar a funesta proposta de “Instrução Programada”, na época inspirada pelo behaviorismo de B. F. Skinner, e viram no computador a solução de todos os problemas da educação. Propuseram, imediatamente, a não menos funesta “Computer-Assisted Instruction”, em que o computador não passa de uma Máquina de Ensinar autônoma — ou uma máquina que ajuda o professor a ensinar, vale dizer, que assiste o professor no mister de ensinar.

Os defensores no final do século 20 da segunda filosofia da educação, com a qual eu me identifiquei inteiramente (e ainda me identifico), uniram-se atrás de Seymour Papert na defesa das diversas formas de “Computer-Mediated Learning”, entre as quais a programação do computador (usando LOGO ou outras linguagens de programação) parecia, na época, uma alternativa bastante interessante. (O interesse nessa proposta reduziu-se com o passar do tempo mas parece ter-se renovado recentemente, com o desenvolvimento de apps, os Espaços Maker, etc.). Para Papert, que nisso seguia Jean Piaget, com quem havia estudado em Genebra, não se aprende, significativamente, quando se é objeto de um processo de ensino de terceiros. Aprende-se, significativamente, quando se encontra um problema que parece intrigante, instigante, e, por isso, interessante, e se propõe a resolve-lo. O enfrentamento de problemas intrigantes, instigantes e interessantes desemboca na descoberta ou na invenção de estratégias para resolvê-los — e essas estratégias em regra são aplicáveis a inúmeros outros contextos. Programar um computador para que ele faça alguma coisa útil e interessante é um desses megaproblemas. O processo de programa-lo é, na verdade, o processo mediante o qual o ser humano (até mesmo a criança) ensina a ele como fazer o que se pretende que ele faça. Quando a criança programa o computador, portanto, ela não está sendo vítima ou paciente de um processo de ensino de terceiros, mas está sendo o sujeito ativo de um processo de ensino cuja “vítima” ou “paciente” é o computador… Para ensinar o computador a fazer algo, é preciso que o aluno descubra ou invente como se faz essa coisa e encontre formas de transmitir o seu saber ao computador usando linguagem (vocabulário e sintaxe) que o computador consiga interpretar e obedecer. . .

Até hoje me entusiasmo ao relatar essa inversão de processo, essa verdadeira “Revolução Copernicana” que Papert, inspirado por Piaget, e, mais remotamente, por Dewey, propôs em seu livro de 1980 (e mesmo antes, quando estava ruminando suas ideias).

Conforme relatado no livro Educação e Informática – Projeto EDUCOM – Ano I [14], publiquei também, em Julho de 1985, um livro chamado Informática: Micro Revelações [15], para servir de Introdução à Microinformática, assunto que despertava, na época, muita curiosidade e acerca do qual havia muita falta de informação e, o que é pior, um bocado de desinformação. Esse livro passou rapidamente por nove impressões (chamadas de edições pela editora) e figurou, por várias semanas, como o livro mais vendido nas livrarias de São Paulo no encarte Folha de Informática publicado aos domingos pelo jornal Folha de S. Paulo.

IMG_1415

Em 1985 a equipe do NIED submeteu um trabalho ao Congresso Logo 85 do MIT, com o título “The Brazilian Version of LOGO”, publicado, de forma resumida, nos Pre-Proceedings do Congresso [16].

IMG_1413[1]

Algo que se tornou popular, nos anos oitenta, foi o debate acerca da Informática na Educação em que um criticava a introdução da tecnologia na escola, para crianças e adolescentes (até 15 anos, por aí), e outro a defendia. O principal crítico do uso da tecnologia na escola era o Professor Doutor Valdemar W. Setzer, primeiro da Escola Politécnica, e, depois, do Instituto de Matemática e Estatística, da Universidade de São Paulo (USP) e defensor da chamada “Pedagogia Waldorf”, proposta por Rudolf Steiner. Profundo conhecedor da tecnologia digital (ele havia sido um dos membros da equipe que desenvolveu o primeiro computador brasileiro, o chamado “Zezinho”, e, também, da equipe que desenvolveu o famoso computador chamado “Patinho Feio” [17]), Setzer também era um filósofo (especializado na Antroposofia [18]), e um pedagogo (defensor e sistematizador da chamada Pedagogia Waldorf [19]). Além de tudo, o professor Setzer era, e continua sendo, um exímio palestrante e hábil argumentador, com humor, ironia e, por vezes, sarcasmo, cortantes. O resultado disso é que quase ninguém se dispunha a enfrenta-lo em debates, defendendo a causa da Informática na Educação.

Eu, porém, que meu pai sempre rotulou de “espírito de porco”, gostei da coragem e da habilidade do professor Setzer – e, depois que o conheci melhor, da pessoa dele. Assim, dispus-me a enfrenta-lo. Inúmeras vezes debatemos a questão em faculdades do Brasil inteiro e em programas de televisão (em especial na TV Cultura) [20].

O resultado desses debates foi que o professor Setzer e eu nos tornamos grandes amigos, apesar das nossas divergências. É oportuno registrar que tanto um quanto o outro mudou em parte seu ponto de vista diante de algumas críticas feitas pelo outro. Com o passar do tempo, nossos discursos convergiram, porque cada um já conhecia bem o pensamento do outro. Assim, um dos editores da Editora Scipione, depois de presenciar um debate nosso, nos instigou a publicar um livro com base no material que tínhamos preparado para os debates. Decidimos aceitar, e, assim, o professor Setzer e eu publicamos, em 1987, um livro com os textos de nossas palestras, respectivamente, a minha favorável, a dele contrária, ao uso de tecnologia na Educação. O livro teve o título de O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas [21].

IMG_1416[1]

Poucos anos depois, no início da década de 90 (1990), tornei-me sócio de uma empresa de treinamento em Informática, que tinha também um foco na área educacional, chamada People Brasil Informática Ltda., e, no seio dessa empresa, coordenei o desenvolvimento de uma versão brasileira de LOGO, à qual demos o nome de People LOGO. Para o manual desse produto, que tem a minha autoria, escrevi uma longa introdução à Linguagem LOGO, que tem utilidade independentemente do produto específico que seja utilizado na sua implementação [22].

IMG_1417[1]

Em 1991 eu lancei o primeiro livro brasileiro sobre Multimídia — um tema que começava a se tornar popular nos países desenvolvidos. Seu título foi Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia [23]. O livro, da mesma forma que Informática: Micro Revelações, se tornou um sucesso de vendas.

IMG_1430

No final da década de 90 (1990), tendo em vista o fato de que a Internet estava se expandindo no Brasil, resolvi me aventurar pela área do “Debate Virtual” e da “Discussão Colaborativa em Ambientes Virtuais”.

Antes de a Internet Comercial se implantar no Brasil (ou seja, antes de 1995), criei, no computador VAX da UNICAMP, como um ensaio, um grupo de discussão (ou uma comunidade virtual), hospedado, não na Internet, propriamente dita, mas numa rede chamada BitNet, que antecedeu, no Brasil, a chegada da Internet (e que era de propriedade da IBM Corporation). A comunidade se chamava InfEd — Informática e Educação. O experimento foi limitado mas relativamente bem sucedido até que o professor Valdemar W. Setzer, meu querido amigo, mas arqui-inimigo do uso da tecnologia por pessoas de menos de 15-16 anos, conseguiu (sem ter a intenção de fazê-lo) implodir a comunidade. Ele azucrinou tanto a vida dos demais participantes com suas críticas e suas ideias que a comunidade acabou se esvaziando. Minha inexperiência na moderação dela me impediu de bloquear o processo de implosão em tempo hábil. Quando percebi, ela havia se esvaído.

Com o apoio da Microsoft Informática, subsidiária brasileira da Microsoft Corporation, porém, criei, mais tarde, em Outubro de 1998 (lançamento no dia 28), e agora na Internet (Yahoo! Groups), uma outra comunidade virtual: EduTec.Net – Rede de Educação e Tecnologia. Essa durou bem mais tempo, chegou a ter quase 1.500 participantes, e foi unanimemente considerada uma experiência bem sucedida. É por muitos considerada a primeira comunidade virtual de discussão na área da Educação a aparecer no Brasil. Há pelo menos uma dissertação de Mestrado e um trabalho de fim de Curso de Especialização escritos sobre ela. O professor doutor Paulo Ghiraldelli Júnior, também meu amigo, quase a implodiu também, mas percebi a tempo o que estava acontecendo e o bani do grupo. (Com os amigos que eu tenho, quem precisa de inimigos?). No entanto, acabei fechando-a em 2001, depois da destruição das Torres Gêmeas, quando ela começou a ser explorada para fins políticos e ideológicos por um bom número de seus membros, que resolveram comemorar e celebrar na comunidade o ato terrorista que resultou na morte de milhares de pessoas inocentes. Não me arrependo até hoje de tê-lo feito.

Cerca de um ano depois do lançamento da EduTec.Net, no finalzinho do século 20, em 1999, quando eu já era consultor do Instituto Ayrton Senna (por indicação da Microsoft Educação [departamento da subsidiária brasileira da Microsoft Corporation], que era parceira do Instituto no Programa “Sua Escola a 2000 por Hora” – mais sobre isso na sequência), recebi uma encomenda do Ministério da Educação (MEC) e escrevi um livro como título O Futuro da Escola na Sociedade da Informação. Esse livro, por causa de desentendimentos meus com o MEC acerca de direitos autorais, esse livro, que chegou a distribuído pelo MEC em xerox, teve sua distribuição interrompida, e eu passei a distribuí-lo, limitadamente, em .pdf, a partir do ano 2000 [24]. Decidi publica-lo agora, em formato de e-book, como documento histórico, sem mexer no texto (apenas acrescentando um anota explicativa). Ele está “no prelo”.

Screen Shot 2022-10-16 at 16.24.24

A partir de Junho de 1999, eu, em grande parte motivado pela consultoria que comecei a prestar ao Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, do Instituto Ayrton Senna e da Microsoft Educação, acabei mudando significativamente de ponto de vista acerca da Educação – e meu interesse, na Filosofia da Educação (matéria pela qual eu respondia na UNICAMP) deixou de ser puramente analítico para ser também propositivo e, como tal, substantivamente normativo.

Sua Escola a 2000 por Hora

Para tanto eu já vinha sendo preparado pelas minhas leituras de Seymour Papert – como é possível constatar no artigo que publiquei em Em Aberto, já mencionado. Mas no início do ano 2000 chegou a hora de colocar os pingos nos is e sistematizar o meu ponto de vista.

Até aquele momento, eu ainda encarava a educação basicamente como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural(para o entendimento do qual a Sociologia, a Antropologia Cultural e a Ciência Política têm muito a contribuir). A partir daquele momento, porém, em grande medida em decorrência de meu contato e de minha amizade com o professor Antonio Carlos Gomes da Costa, também consultor do Instituto Ayrton Senna, eu passei gradualmente a encarar a educação como um processo de desenvolvimento humano(para cujo entendimento as Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia da Aprendizagem e a Psicologia Social têm muito mais a contribuir do que as outras disciplinas que mencionei).

A Filosofia da Educação é uma disciplina meio parasitária, ou, talvez melhor, camaleônica. A forma de conceber a sua natureza depende, em grande medida, da visão da educação que se adota. Se a educação é vista como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural, a Filosofia da Educação tende a ser mais analítica, tentando elucidar os pressupostos e esclarecer os conceitos utilizados no discurso educacional. Se a educação é vista como um processo de desenvolvimento humano, a Filosofia da Educação, sem deixar de ser analítica, se aproxima mais da Teoria da Educação, e às vezes até se confunde com ela, para, com base na contribuição das ciências, em especial das psicológicas, construir uma Teoria Geral e Transdisciplinar da Educação que fundamente essa visão e dê sentido – dentro, naturalmente, do contexto histórico, social, e cultural em que vivemos (contexto esse que inclui, sem necessariamente precisar explicita-los, elementos econômicos, científicos, tecnológicos, etc.).

Essa nova forma de olhar para a educação me levou a conceber um livro sobre a Educação que fosse diferente. Isso se deu ao longo de 2001. O livro chegou até mesmo a receber um título, que o conectava ao programa do qual eu era consultor: Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era [25]. No final de 2001 o livro estava pronto, tendo sua publicação sido aprovada pela Editora SENAC, devendo ele sair em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação.

No entanto, o fato de todo o primeiro capítulo do livro, com duas grandes seções, a primeira descrevendo o Instituto Ayrton Senna, e a segunda o Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, discorrer sobre o Instituto Ayrton Senna e seus programas (particularmente aquele em que eu atuava como consultor), causou novamente desentendimentos acerca de direitos autorais, agora com o Instituto. As negociações levaram a uma solução meio salomônica: primeiro, deixei intocado todo o primeiro capítulo do livro; segundo, reescrevi totalmente o restante do livro original, encurtando-o bastante e dando mais ênfase ao referencial teórico do Instituto. Em relação a esse novo livro, cedi os direitos de propriedade ao Instituto, em troca da manutenção explícita de meu direito de ser reconhecido e apresentado como o autor do livro. Esse novo livro acabou sendo publicado pela Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, sob o título Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital [26].

Em seguida, peguei os demais capítulos (todos, menos o primeiro) do livro original, que havia tido o primeiro capítulo extirpado, e escrevi para eles um novo primeiro capítulo, assim recompondo a obra, sem referências ao Instituto Ayrton Senna e ao Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”. Esse novo livro passou a ter o título de Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era (aproveitando parte do título do livro original, ainda não publicado, e do “filhote”, já publicado). Para esse novo livro o Rubem Alves me honrou se dignando escrever um belíssimo e longo Prefácio, que ele me entregou no início de Março de 2003, levando-me a considerar o texto fechado naquela data (15 de Março de 2003).

Esse texto, menos o Prefácio do Rubem Alves (que não havia ainda sido entregue), foi utilizado em uma formação que dei, ao final de 2002, início de 2003, aos professores que acabavam de ser contratados pela Helena Singer e pelo Ricardo Semler para colocar em funcionamento a Escola Lumiar a partir de 2003. (De 2007 a 2009 primeiro eu, e, depois, também a minha mulher, Paloma Chaves, estivemos intensamente envolvidos com a Lumiar, eu como Presidente do Instituto Lumiar e ela como Coordenadora Pedagógica do Instituto Lumiar e responsável pela Direção das escolas de Setembro de 2008 até Março de 2009).

Mas, por razões diversas, esse livro acabou não sendo publicado até o final de 2018, e, então, em formato ebook, na edição original, na forma em que o texto se encontrava em 15 de Março de 2003, e em edição bastante revisada, chamada de 2a. Edição, com data de 2019, na forma em que o texto se encontrava em Janeiro de 2019. A principal razão para a demora na publicação foi que meu pensamento estava evoluindo tão rapidamente na ocasião que comecei a não ficar muito contente com vários trechos do livro. Iniciei várias revisões do texto, mas não concluí nenhuma. Exceto pelo Prefácio, que não havia então, a edição original reflete o texto que os primeiros professores da Escola Lumiar leram no final de 2002.

E, pretendo, publicar uma terceira edição, revisada e ampliada, com a colaboração de Paloma Chaves, minha mulher, trazida como coautora. Essa terceira edição incluirá vários dos materiais que eu inseri em modificações deste texto que eu introduzi e, depois, abandonei ou simplesmente não levei adiante, de 2003 até 2023 — vinte anos depois. Nesse ínterim a Paloma concluiu o seu Mestrado, em 2012, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e seu Doutorado, em 2022, na Universidade de São Paulo (USP).

Durante esses vinte anos, eu, porém, não fiquei parado, tendo escrito (mas nem sempre publicado) cinco outros livros sobre a educação e tecnologia.

No finalzinho de 2002 comecei meu primeiro blog: Liberal Space – originalmente numa plataforma da Microsoft, que, entretanto, transferiu os blogs nela existentes para a WordPress em 2010. O número de blogs expandiu na nova plataforma para cerca de trinta. E os artigos no blog original já passaram de mil (sic). Os blogs trouxeram várias ideias que viraram livros. Apesar do nome do blog (Liberal Space), que pode sugerir um blog totalmente político, o foco principal do blog foi uma Educação Liberal – quiçá libertária, não engessada pela escola, mas viabilizada e mediada pela tecnologia.

Assim, de 2003 em diante, o meu interesse voltou-se mais para escrever artigos e publica-los em blogs – e é isso que venho fazendo, prioritariamente, embora também tenha escrito estes cinco livros sobre a educação:

  • Um, para a Microsoft Educação, sob o título Pilares da Educação Digital [27];
  • Outro, para a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, sob o título Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem [28];

IMG_1432

  • Ainda um outro, para a então Abril Educação, sobre A Educação, as Mídias Sociais e as Rede Sociais [29];
  • Ainda um outro, pequeno, com versões em Português e Inglês, para a Microsoft Educação, sobre Educação, Inovação e Mudanças [30];

IMG_1435

  • Finalmente um outro, para a Editora FTD Educação, sobre Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I [31].

Tenho tido sérias dificuldades para negociar com editoras e agentes custeadores a publicação de meus livros, por causa dos contratos leoninos que as editoras em regra oferecem aos autores, em que todos os direitos de autoria e propriedade acabam ficando nas mãos delas e o autor fica, na melhor das hipóteses, apenas com o direito moral de ser reconhecido como o autor da obra e com um percentual insignificante sobre o preço de capa, a título de royalty. Assim, resolvi manter totais direitos sobre as coisas que escrevo e somente abrir mão de direito de seu uso em contratos sem exclusividade, agindo como meu próprio editor. Neste caso, posso até distribuir gratuitamente o que escrevo, se assim o desejar, sem dar satisfação a ninguém.

Assim, estou “desenterrando” materiais que faziam parte de livros projetados, iniciados e não totalmente concluídos, na certeza de que poderei incorporar esse material em livros eletrônicos e até mesmo convencionais que venha a publicar.

Por fim, gostaria de registrar minha colaboração com a LEGO Education. Por dois anos servi como consultor sênior da representante brasileira da LEGO Education, uma empresa chamada ZOOM Education for Life. Depois encerrar esse trabalho, em 2012, prestei uma consultoria para a Fundação LEGO, de Billund, na Dinamarca, que resultou na publicação de um livro, Cultures of Creativity: Nurturing Creating Mindsets Across Cultures, que contém um artigo meu: “Play and Learning: One Brazilian’s View” [32].

IMG_1431

2. A Evolução das Minhas Ideias

A melhor forma de aprender, diz um provérbio pedagógico tradicional, é ter de ensinar. Mas só que quem aprende, dentro dessa visão, é quem ensina — não quem é vítima ou paciente do processo de ensino, o aluno. . .

Qual a saída? Foi nesse contexto que descobri, primeiro Ivan Illich, depois Paulo Freire, que, no exílio, foi um grande amigo de Illich.

Abrindo um parêntese a propósito de Paulo Freire, no final de 1979, eu, ainda como Diretor Associado da Faculdade de Educação, me empenhei, direta e pessoalmente, em trazer Paulo Freire para a UNICAMP, iniciativa proposta inicialmente por meu amigo Moacir Gadotti e assumida pelo meu também amigo Antonio Muniz de Rezende, Diretor da faculdade, do qual eu era Diretor Associado. Paulo Freire ainda estava exilado em Genebra (onde convivia com meu grande amigo Aharon Sapsezian) e a Lei da Anistia acabava de ser aprovada. Quase perdi meu cargo pelo meu envolvimento (e por uma certa dose meio exagerada de entusiasmo e “estabanamento” de minha parte) — e, no final de 1979 e início de 1980, quando fui unanimemente escolhido pela comunidade da Faculdade de Educação para substituir Rezende na direção (pois ele concluía seu mandato de quatro anos), minha nomeação foi engavetada durante quatro meses pela Reitoria, até que a pressão da comunidade se fez sentir e o Reitor me nomeou para o cargo e Paulo Freire acabou vindo para a Faculdade de Educação da UNICAMP, já no meu mandato (embora não tenha ficado conosco em tempo integral: tivemos de dividi-lo com a PUC-SP). Fim do parêntese.

Ivan Illich propôs, em seu livrinho Deschooling Society, de 1971, traduzido para o Português como Sociedade sem Escolas, uma sociedade em que não há escolas nem professores profissionais, mas em que todos ensinam uns aos outros e todos aprendem uns com os outros. A hoje famosa Escola da Ponte (mas que só vim a conhecer depois que o Rubem Alves a revelou) pratica isso. Nela há cartolinas nas paredes com dois cabeçalhos diferentes. Numa cartolina se inscrevem aqueles que desejam ter ajuda no aprendizado de algo. O cabeçalho é algo assim: “Preciso de ajuda para aprender . . .” (e lista-se aquilo que se deseja aprender) . Na outra se inscrevem aqueles que se dispõem a ajudar os outros a aprender algo que eles conhecem ou sabem fazer bem. O cabeçalho é algo assim: “Estou disponível para ajudar quem queira aprender . . .” (e lista-se aquilo que pode ser o objeto de desejo, em termos de aprendizagem, do outro). A escola é o ambiente em que se encontram uns e outros. O modelo de Illich era mais ou menos isso, em última instância, só que não dentro de uma escola, mas no âmbito da sociedade como um todo.

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do Oprimido, de 1979, que é o local em que ele sistematiza sua crítica da “educação bancária”, chega a ridicularizar a noção de que o processo de aprendizagem é algo como uma quantia em dinheiro que se transfere da conta (ou da cabeça) do professor para a conta (ou a cabeça) do aluno, processo em que o aluno é totalmente passivo, mero recipiente dos depósitos de informação e conhecimento que lhe faz o professor.

Seguindo a intuição do provérbio popular (e de Papert, de quem ele também se tornou amigo), Freire propôs uma ideia genial e revolucionária nesse seu livro: “Ninguém educa ninguém”. Chocante para quem lê pela primeira vez e se acredita um educador. Mas ele acrescenta: “Tampouco alguém se educa sozinho”. E arremata: “Nós nos educamos uns aos outros, em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

Esse insightme pareceu genial… Melhor do que aprender ensinando algo bobo (desenhar uma casinha, por exemplo) a uma máquina burra e inflexível (que é o caso do computador), é aprender ensinando algo interessante a pessoas interessadas, inteligentes e flexíveis e ser objeto do ensino delas em áreas que nos interessam e em que elas sabem mais do que nós. Esse me pareceu ser o modelo (algo simplificado) proposto por Illich e aquilo que Freire designou como “comunhão” (interação, diálogo, troca de ideias) “mediatizada pelo mundo”.

A essas alturas a tecnologia disponível já havia avançado o suficiente para que pudéssemos criar “grupos de discussão” na Internet — comunidades virtuais dedicadas (entre outras coisas) a aprender algo de interesse, através da interação, do diálogo, da discussão, vale dizer, da comunhão…

Como já mencionado anteriormente, já havia duas dessas comunidades virtuais anteriormente: a InfEd — Informática e Educação e a EduTec.Net — Rede de Educação e Tecnologia. Foi em decorrência dessa segunda experiência que acabei por ser indicado, pela Microsoft, para o Instituto Ayrton Senna, que montava, com apoio da Microsoft, um programa de formação de professores e alunos para uso da tecnologia no processo de aprendizagem: o Programa Sua Escola a 2000 por Hora (que posteriormente passou a se chamar, creio, Escola Conectada, e, depois, Comunidade Conectada — os nomes subsequentes ficam a conferir).

No Instituto Ayrton Senna fui incumbido por minha amiga Adriana Martinelli (hoje Carvalho), de criar um modelo de programa de formação a distância, usando a Internet. Foi nessa ocasião que, em discussão com a equipe do Instituto, criei a expressão “Experiência de Aprendizagem Colaborativa (EAC) ”para dar nome à coisa. Não queria chamar o programa de formação de uma série de “cursos”, porque curso imediatamente chama à mente as ideias de conteúdo, professor e ensino. A expressão escolhida enfatizava o fato de que a ênfase estava na aprendizagem, não no ensino, e que a aprendizagem deveria se dar de forma colaborativa, isto é, envolvendo interação, troca de ideias, diálogo, discussão.

Com o tempo a minha visão foi se expandindo e tornando mais abrangente.

Um grande valor da educação que eu encontrava e admirava em Sócrates estava no fato de que ela era personalizada (além de dialógica). Ou seja: o diálogo de Sócrates não era pautado por ele, mas por seu interlocutor. Este vinha a Sócrates com um problema ou uma questão e a discussão partia do interesse dele, não dos interesses de Sócrates. O grande filósofo ateniense se via, modestamente, como uma parteira, que ajuda os outros a dar à luz (ou a construir, para usar uma noção mais atual) conceitos (concepções!) e ideias, mas que é, ela própria, estéril . . .

Assim, concluí que não basta que a aprendizagem seja colaborativa: ela também precisa ser personalizada, isto é, ancorada nos interesses (nos projetos e sonhos!) do aprendente. Assim, mudei o acrônimo de EAC para APEC — Aprendizagem Personalizada e Colaborativa.

Mas a experiência de 1998 me mostrou que um ambiente totalmente aberto e não estruturado frequentemente leva a resultados não desejados. Para que aprendamos de forma efetiva, isto é, eficaz (aquilo que de fato queremos aprender) e eficiente (sem desperdício de recursos, dos quais o tempo talvez seja o mais importante), é necessário que os ambientes de aprendizagem, em especial os virtuais, sejam estruturados para esse fim e que as atividades desenvolvidas sejam planejadas para esse fim. Assim, completei o acrônimo, que se tornou APECAVE — Aprendizagem Personalizada e Colaborativa em Ambientes Virtuais Estruturados.

3. O Amadurecimento das Ideias

Meu trabalho como consultor da Microsoft e do Instituto Ayrton Senna ao longo de cerca de 15 anos (1998-2013) me comprovou uma tese que eu havia proposto mais de dez anos antes de começar a trabalhar nessas duas fantásticas instituições.

A tese era a seguinte:

O maior impacto que as tecnologias digitais vão ter na educação virá através do atacado, isto é, por meio das mudanças que essas tecnologias vão tornar possíveis na sociedade, não através do varejo, isto é, por meio dos usos específicos da tecnologia dentro da escola e, em especial, na sala de aula.

Eu enunciei essa tese pela primeira vez no já mencionado livro que publiquei em 1987 em parceria com o professor Valdemar W. Setzer.

Uma das mudanças mais chocantes que essas tecnologias produziram na sociedade foi transforma-la de uma condição de penúria para uma condição de superabundância na área de informações e conhecimentos. Até o aparecimento e a popularização das tecnologias digitais, a informação e o conhecimento eram escassos e o acesso a eles, difícil e trabalhoso. Hoje vivemos, a bem dizer, soterrados debaixo de informações e conhecimentos e o acesso a essa quantidade quase infinita de informações e conhecimentos está na ponta de nossos dedos, sendo fácil, rápido e qualquer coisa menos penoso.

Tradicionalmente, o papel das escolas e dos professores era, de certo modo, preservar e custodiar o montante relativamente pequeno de informações e conhecimentos considerados valiosos e transmiti-lo ou entrega-lo para as gerações futuras.

Mas hoje essas informações e esses conhecimentos, em quantidades antes inimagináveis, estão preservados e são custodiados fora da escola, e ninguém precisa transmiti-los a ninguém, porque eles estão disponíveis “na nuvem” para quem tiver interesse em busca-los e deles se valer. Assim, cheguei à seguinte conclusão:

O problema maior, hoje, não é, a preservação e a transmissão desse legado, mas, sim, o que se pode fazer com tamanha quantidade de informações e conhecimentos.

Em outras palavras: o foco deixa de estar no saber e passa para o saber fazer — ou seja, deixa de estar em informações e conhecimentos e passa para habilidades e competências.

O importante, hoje, não é o que devo saber, mas o que devo saber fazer, que habilidades e competências devo desenvolver para definir e realizar meu projeto de vida, para fazer de mim aquilo que eu posso, quero e devo me tornar.

John Dewey já havia prenunciado esse tema. Mas hoje ele se tornou imperativo.

4. É Possível Personalizar a Educação para Todos?

Estou totalmente convicto de que nenhum educador sério e em sã consciência, podendo escolher entre, de um lado, uma educação personalizada (ajustada aos interesses e às necessidades de cada um), significativa, autonomizadora, emancipadora, libertadora, e, de outro lado, uma educação de massa (em que um tamanho deve servir para todo mundo), sem sentido, automatizadora, enquadradora, escravizadora, vá escolher a segunda.

O que acontece é que, embora tenha preferencia pelo primeiro tipo de educação, a maior parte dos educadores acha que não há como, realisticamente, disponibiliza-la para todos, a educação de massa sendo, lastimavelmente, a única forma viável de educar.

Tenho defendido a seguinte tese, nos últimos cinco a sete anos:

As redes sociais tornadas possíveis pelas mídias sociais (i.e., pela tecnologia) apresentam um modelo de educação personalizada para todos (sem massificação).

Há muito trabalho ainda a ser feito para que as redes sociais se tornem verdadeiramente educativas. Quando se tornarem, teremos alcançado o paradigma da sociedade educativa — teremos adotado a pedagogia socrática em escala.

É neste ponto que me encontro hoje em relação à questão da tecnologia e da educação.

O desafio não é nem de longe tecnológico. É pedagógico. Ele não exige competência técnica no manejo da tecnologia. Ele exige criatividade e inteligência no âmbito da pedagogia.

5. Um Mundo Diferente é Possível na Educação

Recentemente (em 2017) tive prova cabal de que um mundo diferente é possível na educação. Assisti a uma palestra inspiradora e desafiadora do professor Manoel Andrade Neto.

A aparência do professor Manoel já é, como dizem os americanos, um sopro de ar fresco. Ele não é um engravatado bonito e bem nutrido que acabou de fazer seu MBA numa escola de elite e que se veste na moda. É um senhor de 55 anos, magrinho, de ar despretensioso, que se veste e fala como a gente do povo. Mas quando ele começa a falar, você não quer mais parar de ouvir…

O professor Manoel é professor de Química na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde fez seu bacharelado, mestrado e doutorado. Mas não foi lá que ele aprendeu o que sabe, porque lá, e em nenhuma outra universidade que eu conheço, não se aprende o que ele aprendeu. O que aprendeu ele aprendeu na vida — “na acre escola da vida”, não “na doce vida da escola”, como um dia escreveu um poeta aqui do lado, de Americana (Antonio Zoppi).

O projeto inicial dele teve origem décadas atrás, lá no sertão do Ceará, num lugar chapado Cipó, na cidade de Pentecoste. Poucos terão ouvido falar desses lugares. Eu não havia ouvido — e, sem saber, era mais pobre por não ter ouvido. A ideia do projeto surgiu quando o Manoel nem sequer sonhava com a ideia de ir para uma universidade (que ele nem sabia direito o que era). O projeto se chamava PRECE (nome que sugere que o Manoel tem raízes “crentes”, o que de fato é verdadeiro): “Projeto Educacional Coração de Estudante” (com a devida permissão do Milton Nascimento). Depois o nome se alterou um pouco, mas o acrônimo permaneceu: “Programa Educacional por Células de Estudo” [33].

Para minha surpresa, a Fundação Mary Harriet Speers, da igreja que frequento na capital de São Paulo [34], é uma das apoiadoras do projeto, sendo essa uma das razões pelas quais o Manoel foi convidado a falar na Faculdade de Teologia da igreja. Até hoje também já têm apoiado o projeto dele a Fundação Lehman, o Instituto Ashoka, a Brazil Foundation… E o professor Manoel foi fazer seu pós-doutorado no Cooperative Learning Institute [35], com os irmãos David e Roger Johnson.

A paixão do professor Manoel é a “aprendizagem cooperativa”. (Ele prefere “cooperativa” a “colaborativa” e tem boas razões para isso). Mas suas ideias mestras são proatividade, protagonismo, autonomia, emancipação, liberação…A definição de um projeto de vida e a construção de uma história de vida são os principais recursos de que se vale.

Depois dos milagres que o professor Manoel conseguiu no interior do Ceará sua universidade se interessou pelo projeto, a Secretaria da Educação se interessou pelo projeto, todo mundo se interessou pelo projeto… Mas o que ele fez e está fazendo de baixo pra cima, começando das raízes para, oportunamente, colher os frutos, isso é só dele…

Por enquanto o projeto não usa tecnologia –  e mesmo assim tem se expandido “viralmente”. Fiquei sonhando com a possibilidade de transplantar o que ele fez e está fazendo para o mundo virtual…

Imagine the possibilities!

Fiquei muito grato ao professor Manoel, em 2017, pela lição de vida que ele deu. Ele me fez lembrar de meu amigo, professor Antonio Carlos Gomes da Costa. Também um educador de primeira, fora do mundo acadêmico, desprezado pelos educadores profissionais, ignorado pela mídia educacional. Antonio Carlos já se foi. Também se foi o meu querido Rubem Alves. Espero que o Manoel fique conosco por muito tempo ainda.

Em homenagem a esses personagens quase anônimos dentro da Educação Acadêmica, criei recentemente um novo blog, em Inglês, com o título: Deschooling Education. O artigo “carro-chefe” do blog é “Reinventing the School or Deschooling Education?” [36]

6. Notas

[1]  Essa versão anterior do artigo foi publicada, em 7 de Fevereiro de 2015, em meu blog Liberal Space, na seguinte URL: http://liberal.space/2015/02/07/tecnologia-e-educacao-um-recorte-biografico/.

[2]  O título inédito que escolhi dar a esta nova versão do artigo – “A Informática na Educação no Brasil: Uma Vista de um Ponto” – deixa claro que esta é uma visão dessa história, e que esta é a visão do meu ponto de vista. Assim, quando afirmo que quero deixar um registro fidedigno da História da Informática na Educação no Brasil, não estou, necessariamente, chamando de não-fidedignos outros relatos. Mas não posso deixar de registrar aqui que existem “histórias”, que se pretendem “oficiais”, ou quase, que, como faziam os soviéticos, em sua malfadada “união de repúblicas”, apagam, de fotos e relatos, personagens cujo existência preferem não reconhecer e aos quais preferem não dar crédito. Os soviéticos, porém, tinham condições de literalmente “apagar” essas pessoas, tirando-lhes a vida. Seus imitadores só podem escrever narrativas que omitem o que essas pessoas fizeram. Como ainda estou vivo, embora chegue aos 75 anos este ano (2018), resolvi, enquanto há tempo, e como dizem os americanos, “set the record straight” – do ângulo de visão que inevitavelmente é o meu. Imitando Groucho Marx, eu digo que, se esta nota aparenta conter uma certa dose de mágoa, não se enganem: ela contém, sim.

[3]  Seu nome original, quando criado, em 1930, era Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Vide a URL http://portal.mec.gov.br/busca-geral/97-conhecaomec-1447013193/omec-1749236901/2-historia.

[4]  Vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Nacional_de_Desenvolvimento_Científico_e_Tecnológico.

[5]  O melhor relato da Política de Reserva de Mercado de Informática no Brasil que encontrei na Internet foi um artigo curto, simples e didático de Michael Rigo, publicado em 1ode Maio de 2014, intitulado “Vivendo na Época da Reserva de Mercado”. O artigo deixa claro que a chamada “Reserva de Mercado de Informática” teve dois tempos. O primeiro desses tempos, que os que viveram a época conheceram bem, teve lugar durante a Ditadura Militar, de 1972 a 1984, suas datas principais sendo as seguintes: 1972, com a criação da Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE); 1979, com a criação da SEI – Secretaria Especial de Informática (que substituiu a CAPRE); 1984, com a Lei Federal nº 7.232/84 de 29 de outubro de 1984 (aprovada no apagar das luzes do governo do último presidente militar, João Figueiredo) e que instituiu, oficialmente, a chamada Reserva de Mercado de Informática no Brasil, instituída pela Política Nacional de Informática (PNI).É a esse tempo que me refiro no texto, pois 1981 está enquadrado dentro dele. O segundo tempo teve início a partir de 1985, já sob a égide da chamada Nova República e debaixo dos ditames da lei aprovada nos últimos suspiros do Regime Militar.  Vide o relato a que faço referência na URL https://www.michaelrigo.com/2014/05/vivendo-na-epoca-da-reserva-de-mercado.html.

[6]  O artigo foi publicado, com o título “Steve Jobs (1955-2011)”, no Blog da Editora Ática, então vinculada à Editora Abril Educação (empresa do Grupo Abril), na seguinte URL http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/steve-jobs. Essa URL, infelizmente, não funciona mais, tendo sido removida da Internet possivelmente quando da venda da Abril Educação. Felizmente, eu tinha um acordo com a Abril Educação que me permitia republicar os meus artigos no meu próprio blog (Liberal Space), a partir do dia seguinte ao seu aparecimento no Blog da Editora Ática. Assim, o artigo pode ser lido, exatamente como foi publicado originalmente, no meu blog, onde foi transcrito, com data de 11 de Outubro de 2011, na seguinte URL https://liberal.space/2011/10/11/steve-jobs-1955-2011/. Na transcrição de passagens desse artigo que faço na sequência, sigo o texto publicado em meu blog em 2011, mas acrescento, em colchetes, algumas informações, com data de7 de Fevereiro de 2015, quando publiquei a primeira versão deste artigo, a mencionada na Nota Preliminar.

[7]  Se contar da data de hoje, 10 de Abril de 2018, faz quase 40 anos que tive esse primeiro contato com o Apple II.

[8]  Hoje o que era então um departamento é um instituto com vários departamentos.

[9]  Cópia do projeto enviado pela UNICAMP pode ser encontrada, em .pdf, na seção de anexos do meu blog Liberal Space, na URL https://liberalspace.files.wordpress.com/2014/10/projeto-educom-unicamp-for-nied-unicamp.pdf. A bem da verdade, cumpre esclarecer que o professor José Armando Valente não participou da elaboração do projeto, embora o projeto faça menção a ele. Sete ou oito anos antes de 1983 ele havia se afastado da Universidade para ir fazer sua Pós-Graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT), sob a orientação de Papert. Por ter ele ficado mais tempo no MIT do que o seu departamento (de Ciência da Computação) havia autorizado, e por ter pedido uma nova extensão do prazo, seu departamento resolveu não atender ao pedido, colocando-o à disposição da Reitoria da Universidade. Tomando eu conhecimento do fato, e sabedor de que o professor Valente havia terminado seu Doutorado e estaria efetivamente retornando para a Universidade dentro de pouco tempo, solicitei à Reitoria que o colocasse, funcionalmente, à disposição do Núcleo que eu havia criado (NIED – vide adiante), e que autorizasse a extensão do seu pedido de permanência no exterior, tendo ambos os meus pedidos sido autorizados pela Reitoria. O professor Valente só retornou para o Brasil em 1986. Em Abril de 1986, quando eu fui chamado para a Secretaria de Estado da Educação, o professor Valente me substituiu na Coordenação do NIED. Verificação dos processos administrativos da UNICAMP, caso ainda existam e estejam disponíveis, deve comprovar essas informações e fornecer datas específicas para os pedidos e as autorizações.

[10] Vide o texto da Portaria do Reitor José Aristodemo Pinotti e outras informações no artigo “O NIED, o EduCom e a UNICAMP”, de 28 de Outubro de 2014, disponível em meu blog Liberal Space, na URL https://liberal.space/2014/10/28/o-nied-o-educom-e-a-unicamp/.

[11] Vide Eduardo O C Chaves, B. Bitelman, A. F. Gagliardo, A. Ripper and H. Silva, “The Brazilian Version of LOGO”, MIT LOGO-85 Pre-Proceedings (MIT, Cambridge, 1985), pp.69-70.

[12] O livro Educação e Informática: Projeto EDUCOM – Ano I foi publicado pelo Centro de Informática (CENIFOR) da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ), Rio de Janeiro, 1985. Tenho algumas cópias dele. O texto detalhado acerca do Projeto EDUCOM da UNICAMP, e que inclui um relatório de seu funcionamento durante o primeiro ano (2004), texto que eu elaborei, encontra-se nas pp.44-53. Compare-se a nota na p.6 que afirma que essa parte foi redigida pelos próprios “Centros-Piloto”. No caso do projeto do NIED, fui eu que escrevi o texto. Eu também escrevi todo o Capítulo 2 do livro (pp.11-28), que discute, acerca do tema “O Computador na Educação” (título do capítulo), as seguintes questões: Principais Críticas(Seção 1), Maneiras de Utilizar o Computador na Educação(Seção 2), Dificuldades Principais para a Introdução do Computador na Escola(Seção 3) e Sugestões para Contornar as Dificuldades(Seção 4). A atestação de minha autoria desse capítulo está na Apresentação do livro (p.6), onde se diz: “A apresentação da Informática na Educação como tema constitui o Capítulo 2, no qual se insere a fundamentação filosófica, técnica e científica que possibilita analisar e responder às críticas ao uso e mostrar as aplicações e vantagens dessa tecnologia para a melhoria do ensino [sic!]. Essa parte do trabalho foi extraída da excelente palestra do Professor Eduardo Oscar de Campos Chaves, da UNICAMP, sob o título ‘Informática na Educação – Uma Experiência Brasileira’, proferida no XVIII Congresso Nacional de Informática – Informática/85, promovido pela SUCESU”.

[13] INEP, Brasília, DF, 1983. O artigo foi transcrito, em 2013, no meu blog Liberal Space, https://liberal.space/2013/03/04/computadores-maquinas-de-ensinar-ou-ferramentas-para-aprender/.

[14] Vide p.49, Item 2.

[15] Eduardo O C Chaves, Informática: Micro Revelações (Cartgraf Editora & People Computação, Campinas, 1985).

[16] Eduardo O C Chaves et alii, “The Brazilian Version of LOGO”, op.cit., pp.69-70.

[17] Vide, a esse respeito, dois artigos. Primeiro, “A Origem da Computação no IME-USP”, de Valdemar Waingort Setzer et alii, disponível na URL https://www.ime.usp.br/~song/ime/origem-comp.pdf; segundo, “Conheça o Patinho Feio, um dos Primeiros Computadores no Brasil”, publicado na revista Época Negócios, de 3 de Agosto de 2015, e hoje disponível na URL https://epocanegocios.globo.com/Caminhos-para-o-futuro/Desenvolvimento/noticia/2015/08/conheca-o-patinho-feio-um-dos-primeiros-computadores-criados-no-brasil.html. No artigo é inserido o link para um vídeo de cerca de 20 minutos, com o título “A História do Projeto Patinho Feio”, que descreve a criação do computador com esse nome (para contrastar com o “Cisne Branco”, nome de um computador que a Faculdade de Engenharia Elétrica da UNICAMP pretendia construir, mas não terminou), que foi inaugurado em Julho de 1972, e que é o primeiro computador brasileiro com circuitos integrados, criado na Escola Politécnica da USP, por professores, alunos e estagiários do Laboratório de Sistemas Digitais (LSD). O vídeo está disponível no YouTube, na URL https://www.youtube.com/watch?v=wQ22Ymo0Spk.

[18] Vide o artigo “O que é a Antroposofia?”, de sua autoria, no site da Sociedade Antroposófica no Brasil (SAB), na URL http://www.sab.org.br/antrop/.

[19] Vide seu livro Meios Eletrônicos e a Educação: Uma Visão Alternativa, cujos capítulos estão disponíveis no site do autor, na URL https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/.

[20] Vide, por exemplo, a transcrição de nosso debate no programa de uma hora “Opinião Nacional” da TV Cultura, de 28 de Maio de 1999 (creio que foi a terceira vez que debatemos o tópico na TV Cultura), coordenado por Heródoto Barbeiro, com o apoio de Carlos Alberto Sardenberg, que está disponível no artigo “Debate Entre Valdemar Setzer e Eduardo Chaves na TV Cultura (Opinião Nacional) em 28/5/99”, disponível na URL https://liberal.space/2008/04/14/debate-entre-valdemar-setzer-e-eduardo-chaves-na-tv-cultura-em-28599/. É bom que se esclareça que a transcrição foi feita, a partir de fita gravada, por Lourdes Matos, do grupo de discussão EduTec, que eu criei e coordenei de 1998 a 2001. O texto da transcrição foi revisto pelos entrevistados em Abril de 2008. Embora tenham feito uma ou outra correção, eles tentaram conservar os seus argumentos,  conhecimentos e opiniões na época, sem atualizar o texto.

[21] Eduardo O C Chaves e Valdemar W. Setzer, O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas (Editora Scipione, São Paulo, 1987). O meu texto se encontra nas pp.5-67. O texto do professor Setzer nas pp.69-123. Nas pp.124-127 os dois autores forneceram uma bibliografia. O meu texto está disponível, sem minha autorização, em inúmeros sites. Vide, por exemplo, a versão disponibilizada pela PUC-Minas na URL http://www.ich.pucminas.br/pged/db/wq/wq1/local/ec_scipione.htm.

[22] Eduardo O C Chaves, People LOGO – Versão 2.2 – Versão em Português para a Linha IBM-PC (People Computação, Campinas, 1992, 1993). A Introdução à Linguagem LOGO ocupa as pp.1-67. O Manual, propriamente dito, apenas se inicia na p.69.

[23] Eduardo O C Chaves, Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia(People Computação, Campinas, 1991).

[24] O Futuro da Escola na Sociedade da Informação (Ministério da Educação e Cultura, Brasília, 1998, em coedição com Mindware Editora, São Paulo). Esse livro deverá ser publicado como e-book proximamente.

[25] Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era. Foi com esse título que o texto foi submetido à Editora SENAC, e aprovado para publicação, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, no ano de 2002. Mas não foi publicado, com o conteúdo e o título que tinha, conforme explicado no texto principal.

[26] Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital (Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, e com o apoio da Cátedra UNESCO em Educação e Desenvolvimento Humano no Instituto Ayrton Senna, São Paulo, 2004). A propósito, a mencionada Cátedra UNESCO foi criada por mim dentro do Instituto no ano de 2004. O livro foi publicado em forma impressa. Comprei em 20/3/2018 o último exemplar novo a venda na Amazon Brasil. Agora, nessa livraria virtual, apenas cópias usadas, o que indica que o livro, se não está totalmente esgotado na Editora, está perto. Entrei, na mesma data, no site da Livraria Saraiva Online, empresa vinculada à editora, e comprei mais cinco exemplares, por estar o preço bastante descontado (de R$ 49,00 por R$13,90). A atendente me informou, em resposta a uma pergunta minha, que ainda restariam dezessete volumes em estoque na loja virtual depois de minha compra.

[27] Pilares da Educação Digital (Microsoft Informática, Gerência de Educação, São Paulo, 2010). Este livro só foi distribuído, dentro da Microsoft e para seus clientes, em formato digital.

[28] Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem (Secretaria Municipal de Educação de São [SMESP], Diretoria de Orientação Técnica [DOT], São Paulo, 2010). Este livro foi publicado em forma impressa para distribuição dentro da SMESP.

[29] A Educação, as Mídias Sociais e as Redes Sociais, com base numa série de 30 artigos que escrevi para o Blog da Editora Ática. A publicação do livro em forma impressa foi negociada com a então Abril Educação, o texto teve uma primeira versão redigida, mas acabou não sendo publicado com as dificuldades encontradas pela empresa, que acabou sendo vendida e se tornou a Somos Educação. Este livro, portanto, foi escrito mas não foi ainda publicado. Estou revendo o texto junto com Paloma Chaves, para uma futura publicação.

[30] Educação, Inovação e Mudanças foi o título do pequeno livro em Português. Em Inglês ele se chamou How Far Can we Innovate in Education? No momento estou revisando o material, com Paloma Chaves, tendo em vista a sua publicação sob o título de Educação e Aprendizagem: A Escola vs a Sociedade Sem Escolas, em especial diante da firme posição assumida por mim em favor da Desescolarização da Educação num mundo em que a as mídias e as redes sociais, bem como a Web e outras tecnologias digitais, são ubíquas e onipresentes.

[31] Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I (FTD Educação, São Paulo, 2016). O livro consiste de uma Introdução ao tema mais dez fascículos, cada um deles dedicado a um projeto a ser executado ao longo de cada um dos dez semestres do Ensino Fundamental I. Esse livro foi impresso, com ilustrações e excelente diagramação e produção visual. Esse livro de certo modo vai na direção contrária ao meu posicionamento em favor da Desescolarização da Educação. No entanto, estou convicto de que a escola fará menos mal, e até mesmo poderá contribuir, de forma limitada com a educação, se concentrar seus esforços no desenvolvimento de Projetos Colaborativos de Aprendizagem voltados para a construção de competências transversais ou transdisciplinares. Esse livro se concentra no desenvolvimento dos The 7 Habits of Highly Effective People: Powerful Lessons in Personal Change (Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes), de Stephen R. Covey, em sua versão voltada para crianças do Fundamental I, chamada, em Inglês, de The Leader in Me (O Líder em Mim, em Português), cuja localização para o Português foi feita sob minha responsabilidade em serviço prestado para a então chamada Abril Educação.

[32] David Gauntlett & Bo Stjerne Thomsen, orgs. Cultures of Creativity: Nurturing Creative Mindsets Across Cultures (The LEGO Foundation, Bilund, 2013). Meu artigo está nas pp.9-13 do segundo volume (que contém os dezoito artigos apresentados na Conferência — o primeiro volume contém uma introdução à temática pelos organizadores da Conferência). O volume introdutório aos dezoito artigos e os artigos individuais podem ser baixados a partir do site da Fundação Lego, na URL https://www.lego.com/r/legofoundation.

[33] Confiram o site http://prece.ufc.br/.

[34] Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, também conhecida como Catedral Evangélica de São Paulo, na Rua Nestor Pestana, 136-152.

[35] http://www.co-operation.org.

[36] O blog Deschooling Education está disponível em https://deschooling.education.  O artigo mencionado, que foi apresentado na PBL-2018 Conference, dedicada a discutir  “Problem-Based Learning and Other Active Methodologies”, realizado na Santa Clara University, Santa Clara, CA, de 15 a 19 de Fevereiro de 2018, e disponível na URL: https://deschooling.education/2018/02/18/reinvent-the-school-or-deschool-education/.

São Paulo, 11 de Maio de 2018; revisado em Salto, em Outubro de 2022.

Advertisement

PBL: O Espaço em que a Pedagogia Encontra a Filosofia (e mais 2 artigos)

18/02/201818/02/2018 Eduardo ChavesLeave a comment

PBL – Problem-Based Learning é uma forma de encarar a educação que privilegia mais o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução do que o fornecimento de soluções prontas e acabadas para problemas que muitas vezes as pessoas nem têm.

PBL, privilegiando as estratégias necessárias para o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução, é uma metodologia ativa de aprendizagem.

A metodologia de “aprendizagem” usada na escola tradicional é baseada no fornecimento, pelo professor aos alunos, de soluções prontas e acabadas, cabendo a estes apenas aceitar, passivamente, a solução fornecida — ou, em casos limite, revoltar-se, enfrentar o professor, e, no extremo, abandonar a escola.

PBL, assim, está no mesmo plano da maiêutica socrática, que é a pedagogia da pergunta que problematiza, que desestabiliza as certezas, que faz o interlocutor pensar nas possíveis respostas e procurar um novo nível de estabilidade, que será, em seguida, submetido ao mesmo processo — em contraposição à pedagogia da resposta, em geral usada nos sistemas de ensino, que traz, para os alunos (e até para o professor), todas as respostas já prontas e arredondadas, cabendo a eles, os alunos, apenas absorvê-las e assimila-las.

Vou dar um exemplo de aplicação de PBL numa área em que essa metodologia raramente é empregada: a religião e a teologia.

Assisti, há tempo, no programa de entrevistas do Larry King, na CNN, uma entrevista do Billy Graham. Muito interessante. King fazia as perguntas, Graham respondia. Billy Graham é um pastor / evangelista tradicional, daqueles que têm todas as respostas prontas e buriladas para qualquer pergunta possível. Ele optou por essa alternativa. Quando era ainda estudante tinha um amigo que começou a focar nos problemas da religião e da teologia, a levantar questões para as quais as respostas eram ou inexistentes ou, então, difíceis e doídas. Esse amigo começou a fustigar a fé de Billy Graham com suas provocações, instigando-o a refletir sobre aquilo em que ele acreditava, enfrentando o risco de ter de concluir que suas respostas eram inadequadas, ou, pior ainda, que os problemas para os quais ele acreditava ter resposta não eram problemas genuínos, ou não eram os problemas que realmente afligiam o ser humano. Graham chegou a um ponto em que disse ao amigo que não iria participar daquele jogo: ele encontrava respostas para as perguntas que lhe interessavam na Bíblia (“The Bible says…”), e iria se abster de considerar outras respostas ou perguntas para as quais a Bíblia não fornecia respostas. Foi uma decisão consciente dele — mas uma decisão que estreitou seu horizonte.

Ao final da entrevista, King perguntou a Graham se este tinha algo mais que quisesse acrescentar. Graham usou a ocasião para tentar evangelizar King. Perguntou-lhe como ele encarava a religião, em geral, e o Cristianismo, em particular, se ele acreditava em Deus, na vida futura, etc.

A resposta de King foi lapidar — e ilustrou a diferença entre a pedagogia do problema e a pedagogia da solução. Disse ele que achava fascinantes as questões que a religião e a teologia levantavam, os problemas para os quais dirigiam seus holofotes — mas que não era um crente porque nunca havia conseguido se convencer de que as respostas dadas a essas questões por parte das diversas religiões e teologias eram verdadeiras e de que as soluções apresentadas para esses problemas por parte das diversas religiões e teologias eram as mais adequadas.

A pedagogia da resposta e da solução parte do pressuposto de que nossas perguntas têm respostas e nossos problemas têm soluções, que essas respostas e soluções são conhecidas, e que basta aceita-las, absorvê-las, assimila-las. Que essas respostas são verdadeiras e essas soluções adequadas passa a ser um postulado.

A pedagogia da pergunta e do problema é a pedagogia do desafio e do risco. O fato de sermos capazes de formular certas perguntas e problemas não garante que haja respostas verdadeiras e soluções adequadas, convincentes, e persuasivas para eles.

O “cético radical” acredita que não haja resposta verdadeira para nenhuma de nossas perguntas nem solução adequada para nenhum de nossos problemas.

O “cético mitigado” acredita que não haja resposta verdadeira para várias de nossas perguntas nem solução adequada para vários de nossos problemas — talvez para as perguntas e os problemas mais importantes da vida, como as clássicas e perenes questões da filosofia:

  • De onde venho?
  • Para onde vou?
  • O que eu estou fazendo aqui?
  • Como é que eu sei (isto é, como é que eu descubro as respostas e soluções para essas perguntas e problemas)?

O “agnóstico”, à la Sócrates, afirma só saber que nada sabe… e deixa a coisa nesse pé… Buscar e procurar é preciso, mas sem a certeza de que se vai encontrar, ou mesmo de que se vai reconhecer a resposta ou a solução se, por acaso, toparmos com elas. . .

Há muita gente que não consegue conviver com a pedagogia da pergunta e do problema e o ceticismo ou agnosticismo que ela induz.

Essa gente prefere, à la Graham, se agarrar a respostas e soluções que lhe parecem fazer sentido e deixar de continuar a busca.

Ou então prefere, à la muitos cientistas positivistas e/ou naturalistas, acreditar que só respostas e soluções científicas são admissíveis, fechando a porta a várias outras possibilidades. Nesse caso, se a ciência ainda não encontrou respostas e soluções para algumas perguntas e problemas, acreditam que ela certamente um dia o fará. Isso me parece muito com a fé religiosa…

Billy Graham tem as certezas de sua “sola scriptura” reformada… Cientistas positivistas e/ou naturalistas têm as certezas de sua “sola scientia”.

Eu, como Larry King, prefiro continuar lidando com os problemas e as perguntas, oscilando entre o agnosticismo e o ceticismo — dependendo do meu estado, se de otimismo ou pessimismo epistemológico…

Em San José, 18 de fevereiro de 2018 (18/2/18)

NOTA 1: Já escrevi um artigo parecido com esse. Foi no ano 2000. Transcrevo-o a seguir, para mais fácil referência:

 O Professor e a Tecnologia:
Um Encontro Possível com a Filosofia

Eduardo Chaves (*)

Faz vinte anos [artigo escrito no ano 2000] que venho refletindo sobre o uso de tecnologia (em especial de computadores) na educação (em especial na educação escolar). Ao longo desse tempo tem me ficado bastante claro que o principal obstáculo ao uso generalizado de computadores em escolas não é o custo do equipamento, não é a inexistência de software adequado, e não é a dificuldade técnica de capacitar o professor no  manejo dessa tecnologia.

O principal obstáculo tem estado no fato de que os educadores não conseguem entrar em um acordo sobre o que fazer com o computador na escola, e a principal razão pela qual não chegam a esse acordo tem que ver, não com o computador, em si, mas, sim, com o fato de que os educadores, em geral, e dentre eles os professores, têm visões muito diferentes do que seja a educação, e, consequentemente, de qual seja o papel da escola na educação e deles próprios, professores, na escola. Dentro desse quadro, dificilmente poderão concordar sobre qual deva ser o papel do computador na educação.

Em 1983 (dezessete anos atrás) publiquei um artigo na revista Em Aberto do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério da Educação, com o título “Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?” Nesse artigo observei que há controvérsias entre os educadores sobre a melhor maneira de usar o computador na escola e que essas controvérsias decorrem de diferentes visões da educação (em especial, da educação escolar):

“Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem. . . . Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim e que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações.”

Nesta disputa, de um lado estão os que veem a educação escolar como um processo de transmissão, pelos professores aos alunos, de conteúdos informacionais (fatos, conceitos e procedimentos), sistematizados em áreas específicas (disciplinas) e organizados sequencialmente de forma cada vez mais complexa (séries). Nessa visão da educação há, consequentemente, a valorização relativa do processo de ensino e instrução e é colocado em relevo o papel do professor como detentor das informações e dos conhecimentos a serem repassados aos alunos. A aprendizagem, por sua vez, fica caracterizada como um processo, em grande parte passivo (do ponto de vista do aluno), de absorção de informações e conhecimentos (em geral apresentados de maneira totalmente desvinculada dos problemas fundamentais que um dia levaram o ser humano a se interessar pelas questões que estão por trás dessas informações e desses conhecimentos).

O computador, para os que adotam essa visão da educação escolar, deve ser utilizado de modo a reforçar ou tornar mais eficiente o trabalho do professor, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja fundamentalmente alterada a visão de ensino e aprendizagem adotada. Para eles, o computador é apenas uma máquina de ensinar – ou, mais corretamente, uma máquina que ajuda o professor a ensinar melhor.

Do outro lado na disputa estão os que veem a educação (até mesmo a escolar) como um processo de desenvolvimento, pelos alunos, de competências e habilidades, especialmente no domínio cognitivo (mas sem negligenciar o domínio afetivo-emocional, interpessoal e até mesmo psicomotor), com a consequente valorização relativa do processo de autoaprendizagem e de aprendizagem colaborativa, e, portanto, do papel do aluno na construção ou elaboração de sua própria aprendizagem. Esta, por seu turno, é vista como um processo ativo (do ponto de vista do aluno) de construção das estruturas cognitivas (afetivo-emocionais, interpessoais e psicomotoras) que vão lhe permitir alcançar vida pessoal realizada e participação eficaz e significativa na vida da sociedade como cidadão e profissional.

A aprendizagem, e, consequentemente, a educação do aluno, é, nessa visão, algo que decorre, diretamente, da ação do aluno – não do professor. A participação deste no processo é indireta. O professor  deixa de ser o de detentor único e exclusivo de informações e conhecimentos cuja absorção define a aprendizagem do aluno, e passa a ser, principalmente, o motivador, o incentivador, o animador, o instigador, o facilitador do aprendizado do aluno (tanto no aspecto cognitivo como nos aspectos afetivo-emocional e interpessoal), sendo necessário, para tanto, que organize “ambientes de aprendizagem” que sejam capazes de otimizar as oportunidades de aprendizagem dos alunos – aprendizagem significativa, flexível, transferível para outros contextos, e, por isso mesmo, duradoura.

Para os defensores dessa visão, o papel principal da escola é fornecer aos alunos o maior número possível de ambientes que favoreçam a aprendizagem do aluno, aprendizagem esta que ocorre quando o aluno, em interação com esses ambientes, desenvolve estruturas cognitivas (emocionais, interpessoais, etc.) que se traduzem em competências e habilidades que lhe permitem, acima de tudo, continuar a aprender e aprender sempre.

O computador, para os que adotam essa visão da educação, deve ser utilizado, não como uma máquina de ensinar, mas como uma ferramenta de aprender, isto é, como uma tecnologia que pode facilitar, da parte dos alunos, o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias para que aprendam a aprender e para que aprendam sempre.  Inserindo-se nos ambientes de aprendizagem em que os alunos se situam, o computador permite que se ampliem os seus horizontes cognitivos e aumentem as suas possibilidades de interação com o meio – em especial no que diz respeito a contatos com pessoas de interesses afins e a acesso a informações relevantes aos seus interesses. O computador, para os alunos, é uma ferramenta de aprender – uma tecnologia que  expande e aumenta o potencial da mente humana.

Fica claro, portanto, de tudo o que foi dito, que há uma diferença fundamental entre essas duas visões da educação e, consequentemente, do papel da escola na educação, do professor na escola e da tecnologia em todo o processo. Mas essa diferença não deve ser localizada no âmbito da tecnologia, mas, sim, no âmbito da filosofia da educação.

É preciso registrar que a tecnologia frequentemente serve de agente catalisador da reflexão acerca dessas questões, porque o computador, ao ser introduzido na escola, funciona como agente perturbador da ordem estabelecida e permite que os que dela discordem se valham dessa oportunidade para questioná-la. O computador provoca essa discussão porque os alunos, em geral, têm muito mais facilidade para lidar com ele do que os professores – e, portanto, se torna um agente subversivo da ordem estabelecida na escola.

Proponentes da visão mais convencional da educação em geral procuram “domesticar” o computador para que ele se insira naturalmente naquilo que é feito na escola, sem maior perturbação da ordem – mantendo, portanto, a hierarquia na escola. Os professores, aqui, em geral preferem usar o computador com softwares educacionais que eles podem pesquisar e dominar antes – não favorecendo usos “abertos” do computador em que o que vai ser feito, e como vai ser feito, não estão previamente definidos.

Proponentes da segunda abordagem, por outro lado, às vezes de forma mais ou menos ingênua e mesmo romântica, esperam que o computador, uma vez introduzido na escola, vá ajudá-los a subverter a ordem estabelecida e a finalmente promover as mudanças que desejam que aconteçam. Às vezes isso acontece – mas é raro. Na escola, como em qualquer outro lugar, a tecnologia, por si só, em geral não promove mudanças. Estas, se vierem a ocorrer, são comumente promovidas por pessoas – que, entretanto, podem, se valer da tecnologia para alcançar alguns de seus objetivos.

Em conclusão: o momento da introdução da tecnologia (em especial do computador) na escola pode ser um excelente momento para a reflexão sobre algumas importantes questões da filosofia da educação. A discussão franca e aberta das diferentes visões da educação que subsistem na escola pode eventualmente levar os professores a entender melhor suas posições e as daqueles de quem discordam.

(*) Eduardo Chaves (eduardo@chaves.im) é Ph.D. em Filosofia pela Universidade de Pittsburgh (1972), Professor Titular de Filosofia da Educação da Universidade Estadual da Educação (1974-presente), e Coordenador da Comunidade Virtual de Aprendizagem na Educação EduTec.Net (www.edutec.net). [Essas informações se referem ao ano 2000, em que este artigo foi escrito.] [Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]

Em Campinas, ano 2000. [Artigo escrito como resumo de um maior para publicação na Revista da Associação Brasileira de Educação – ABE].

NOTA 2: Como faço referência a um artigo meu de 1983, de difícil acesso, transcrevo-o aqui também.

Computadores:
Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?

Eduardo Chaves

Em relação à questão da utilização de computadores na educação, a exemplo do que tem acontecido em muitas outras situações, teses ou causas perfeitamente sensatas e defensáveis acabam por se inviabilizar quando alguns de seus mais ardorosos defensores fazem reivindicações totalmente inverossímeis a seu favor, fornecendo àqueles que se opõem a essas teses na direção oposta.

Ilustremos em relação à nossa questão.

Que trabalhadores não-qualificados, ou semiqualificados, possam vir a perder seus empregos para sofisticados robôs ou para outros complexos sistemas de automação industrial sempre me pareceu uma real possibilidade. Que professores, porém, possam vir a perder os seus empregos decorrência da introdução, ainda que maciça, de computadores nas escolas tem sempre me parecido bastante implausível. Surpreendia-me, portanto, ver que os professores, ou seus porta-vozes, frequentemente externavam este receio nas ocasiões em que se discutia a possibilidade de introduzir computadores nas escolas. Uma fábrica totalmente, ou quase inteiramente, automatizada, sem os trabalhadores não- ou semiespecializados, é algo perfeitamente imaginável. Uma escola, porém, totalmente sem professores, apenas com alunos sentados diante de terminais de vídeo, é algo que tenho sérias dificuldades em imaginar. Concluía, pois, que o receio não passava de paranoia de professor.

Minha surpresa foi grande, portanto, quando, ao ler um artigo sobre CAI (Computer-Assisted Instruction), em Creative Computing, encontrei as seguintes afirmações do autor, John Herriott:

“Há uma possibilidade bastante acentuada de que antes do final deste século os estudantes venham a receber toda a sua instrução através de computadores, sem, absolutamente, nenhum contato com professores vivos. Isto pode ser feito, e muito bem” (John Herriott, “CAI: A Philosophy of Education — and a System to Match”, in Creative Computing, vol. VIII, n° 4, April 1982, p.80).

Herriott não está sozinho. Clive Sinclair, o gênio por detrás do Sinclair, afirma em Computing Today:

“Chegará o dia em que os computadores ensinarão melhor do que seres humanos, porque computadores podem ser tão pacientes e muito afinados com as diferenças individuais. O computador substituirá não só a Encyclopaedia Britannica mas também a escola” (Clive Sinclair, apud “Viewpoint”, de Paul Kriwaczek, in Computing Today, vol. IV, n° 11, January 1983, p. 29).

Segundo Sinclair, portanto, junto com os professores as próprias escolas serão substituídas pelo computador. Charles Lecht, presidente da Advanced Computer Techniques Corporation, de New York, dá o fecho:

“Saibam que eu realmente acredito que máquinas podem fazer qualquer coisa [sic] melhor do que pessoa” (apud, ibid).

Ao ouvir essas visões do futuro que os profetas de um novo milênio nos apresentam, eu me pergunto se estes defensores da introdução de computadores nas escolas, ou mesmo da substituição da escola por computadores instrucionais, ajudam ou atrapalham a causa daqueles que, preocupados com a qualidade e a eficiência do ensino é ministrado em nossas escolas, investigam a melhor maneira de introduzir computadores no processo de aprendizagem.

Essa investigação, porém, tem que ser feita com plena consciência do fato de que a introdução de computadores nas escolas é, nem virá a ser, uma solução para todos os problemas pedagógicos que afligem a educação brasileira. O computador não é nenhuma panaceia — como não é nenhum monstro de sete cabeças: ele não vai nem encabrestar nem salvar a escola. Ele pode educar, ou então deseducar, dependendo da maneira em que for utilizado. Ele não é nenhum substituto para o uso da inteligência e da criatividade — e é por isso que alguém já disse, a meu ver com propriedade, que, se algum professor vier a perder seu emprego por causa da introdução de computadores na escola, este professor na verdade merecia ser substituído (se não necessariamente por uma máquina, pelo menos por outro professor que, fazendo valer sua inteligência e sua criatividade, tornasse inviável sua substituição por um computador.

Outra questão que deve ser mantida em mente ao investigarmos o tema que já está proposto para discussão é que já não é mais a hora de se cogitar da introdução ou não de computadores nas escolas. Essa questão já está decidida, e não é pelo MEC ou pela SEI — ela está decidida por um processo histórico que é irreversível, inclusive no Brasil. A questão que resta discutir é quem vai conduzir esta introdução e como ela será feita. Se os educadores não se propuserem a assumir esta introdução, e a conduzi-la, outros o farão, e os educadores, mais uma vez, ficarão na posição de meros observadores de um processo conduzido por quem tem iniciativa. Hoje muitos educadores lamentam o que é feito no país em matéria de tele-educação, por exemplo. Mas no momento, num passado que hoje nos parece remoto, em que poderiam ter se envolvido, não o fizeram (com raras e honrosas exceções), por uma série de razões. Hoje não têm o direito de lamentar. O mesmo acontecerá em relação à utilização de computadores na educação se a questão não for enfrentada com realismo, inteligência, e decisão.

Uma terceira questão preliminar, que precisa ser encarada de frente, é a que indaga se a introdução dos computadores nas escolas ajudará a aumentar ou a diminuir a distância entre as classes sociais. Novamente aqui, a resposta sensata deve realçar o fato de que a utilização de computadores nas escolas poderá acentuar ou diminuir a distância entre as classes sociais, dependendo da maneira em que for feita. Se o problema for deixado meramente à iniciativa das escolas, sem a interveniência do poder público, somente aquelas escolas que já atendem às classes mais altas é que se envolverão — e já estão envolvidas — com a introdução de computadores na educação. As escolas mais pobres, entre as quais se encontram, sem exceção, as públicas, ficaram a ver navios. Deixar a questão, portanto, meramente ao sabor das iniciativas particulares é condenar, mais uma vez, as escolas públicas a uma educação de categoria inferior. É necessário, portanto, que o poder público, na qualidade de regulador, intervenha para tentar igualar, na medida do possível, a situação. Pois o dilema que se coloca, nunca é demais repetir, não é se as escolas vão ou não introduzir o computador na educação, mas se somente as escolas particulares e abastadas o farão ou se todas terão alguma chance. A introdução é inevitável: cumpre, a meu ver, encontrar maneiras de entender o privilégio ao maior número possível de escolas e, consequentemente, de alunos.

Por outro lado, é sempre bom lembrar que, se não fizermos um esforço maciço para nos capacitar também nesta área, não resta a menor dúvida de que a distância entre os países desenvolvidos e o nosso país aumentará cada vez mais. Só isto, a meu ver, já justificaria um envolvimento e um investimento nesta área. Só isto já justifica o Projeto EDUCOM. (*)

Ou vejamos alguns fatos, só à guisa de ilustração. A revista Creative Computing de maio do corrente ano (1983) assinala o fato que a Inglaterra é o primeiro país do mundo a colocar um microcomputador (ou algum recurso computacional mais potente ) em todas as escolas secundárias do país. Através de um projeto chamado “Micros nas Escolas” o Ministério da Industria permitiu que mais de 5.800 escolas secundárias viessem a receber em doação ou a adquirir microcomputadores. Enquanto isso, nos Estados Unidos, legislação aprovada no Estado da Califórnia levou um só fabricante — a Apple — a doar mais de 10.000 microcomputadores às escolas do Estado. No mesmo Estado da Califórnia já há cursos de formação de professores para atuar na área de utilização de computadores na educação — e a Universidade de Stanford, localizada no Vale do Silício, foi a primeira Universidade americana a criar um Mestrado em Computação Educacional, dirigido a professores que estejam interessados em aprender computação (especialmente programação) e a programadores que estejam interessados em aprender educação. O programa contém disciplinas nas áreas de computação, psicologia educacional, filosofia da educação, teoria do currículo, métodos de ensino e avaliação, etc. O objetivo fundamental é formar pessoal que possa escrever programas de alto nível técnico e de grande teor pedagógico e educacional. Para tanto, a Universidade de Stanford, em termos de recurso materiais, está excelentemente equipada: 17 computadores de grande porte, 343 minicomputadores, e literalmente centenas de microcomputadores e processadores de texto (dados retirados do jornal da Universidade, The Stanford Observer, de fevereiro de 1983).

Diante de tudo isto, e diante da enorme lista de vicissitudes de que padece o ensino brasileiro, muitos poderão ser tentados a adotar a atitude que, já que nunca iremos poder chegar ao ponto de ter e fazer tudo isto, será que não seria melhor não fazer nada? Será que não seria melhor aguardar até que os problemas mais básicos fossem solucionados para então pensar na introdução de computadores nas escolas? Esta e a receita típica do inativismo pedagógico: já que não posso mudar tudo, é melhor deixar tudo como está. O problema é que, se o educador não o fizer, outros o farão, e dentro de pouco tempo teremos um “Info-Curso 2° Grau”, e depois um “Info-Curso 1° Grau”, e depois, quem sabe, um “Info-Curso” disfarçado de Vila Sésamo ou Sítio do Pica-Pau Amarelo, ou qualquer coisa equivalente — e os filhos dos educadores se deleitarão.

Mas depois deste preâmbulo exortativo, vamos à discussão do tema que me propus.

Computadores e Educação. Há várias maneiras de se entender este binômio. Deixando de lado a questão do ensino da Computação, propriamente dita, poderíamos classificar em três grupos principais as opiniões sobre como se deve entender o binômio em questão.

Em primeiro lugar há aqueles que, tendo em vista o fato de que computadores (e microcomputadores, em particular) acabaram por se constituir em um novo fenômeno tecnológico e social, acreditam que seja útil, indispensável mesmo, que as crianças venham a aprender alguns fatos básicos sobre os computadores e seu impacto na sociedade. Acreditam estes que as crianças de hoje devam estar preparadas para viver em uma sociedade altamente informatizada e que, portanto, devem ser introduzidas aos computadores o mais cedo possível, bem como vir a discutir as questões relativas ao impacto que a introdução maciça de computadores na vida moderna exerce sobre os indivíduos e os grupos e as relações sociais. É isto que normalmente se tem em mente quando se fala em “Computer Literacy”, ou “Computer Awareness”. Uma vantagem desta abordagem é que a questão (importante, por sinal) pode ser introduzida em vários lugares do currículo acadêmico, com abordagens as mais variadas, não sendo necessário criar uma disciplina ande o assunto seja estudado (embora no contexto fundamentalmente disciplinar em que nossas escolas atuam esta seja a normal). Áreas curriculares tradicionais como Ciências, Matemática, estudos Sociais, etc.; podem, cada uma de sua perspectiva introduzir o tópico aos alunos.

Em segundo lugar, há aqueles que acreditam que a principal, quiçá a única, possibilidade de utilização do computador na educação é como um instrumento para o ensino das matérias do currículo tradicional. Normalmente é isto que se tem em mente quando se fala em “Computer-Assisted (or Aided) Instruction” (CAI) : o computador é visto como um instrumento, uma ferramenta, que ajuda ou facilita o ensino de matemática tradicionais (como matemática, física, etc.; ou até mesmo aritmética, geometria, geografia, história).

Em terceiro lugar, há aqueles para quem as abordagens anteriores realmente deixam de apreciar o impacto fundamental que os computadores podem ter aprendizado da criança. Segundo estes, o pleno potencial pedagógico dos computadores só será explorado se os alunos aprenderem a programar (e não apenas aprenderem apenas fatos sobre o computador, ou fatos sobre outros assuntos através do computador ). advogados desta tese argumentam que a programação pode fornecer aos alunos habilidades que não seriam desenvolvidas de nenhuma outra maneira. Fala-se aqui, às vezes em “Computer-Assisted Learning” (CAL).

A maior disputa, atualmente, é entre os grupos que defendem a segunda e a terceira das posições esboçadas. Ninguém parece discordar de que aquilo que o primeiro grupo propõe é importante é deve ser incentivado. Muitos, porém, acham que não é suficiente — e discordam sobre o que deveria ser acrescentado. Acreditam estes também que a melhor maneira de se informar ou conscientizar sobre o computador é através do próprio computador, e que, portanto, os objetivos a que se acreditam os defensores da primeira tese poderiam ser igualmente atingidos por uma das outras duas abordagens.

Sendo assim, vou me concentrar na disputa entre os defensores das propostas resumidas em segundo e terceiro lugar. Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem (na verdade, de autoaprendizagem).

Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim é que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações. Vou resumir os principais aspectos destas duas colocações, sem pretender imparcialidade — minha preferência é claramente pela segunda — mas tentando ser justo e, na medida do possível, objetivo em minhas ponderações.

Cerca de 90% (ou até mais) dos chamados “programas educacionais” existentes no mercado refletem a primeira preocupação. São programas destinados a transmitir certas informações ou a desenvolver certas habilidades básicas, através do exercício, na prática, de tutoriais, etc. O computador funciona, neste caso, como se fosse um professor, uma máquina de ensinar: ele é um meio instrucional, ele instrui. A aprendizagem que ocorre é totalmente estruturada pelo programa, ou seja, pelo computador o computador que está em controle da situação. Ao aluno cabe responder perguntas que lhe são feitas, ou intervir quando solicitado. Sua postura acaba sendo fundamentalmente passiva: ele responde ou intervém quando solicitado, pelo computador, a fazê-lo.

O computador, neste contexto, é utilizado de uma maneira que meramente substitui ou duplica métodos educacionais tradicionais, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja profundamente alterado o processo de aprendizagem. Isto faz com que o modelo aqui analisado, embora introduza o computador na educação, o faça sem maiores inovações, sem que haja uma transformação profunda em objetivos e métodos de ensino tradicionais.

A maior parte do que se faz em CAI nada mais é do que exercício, prática repetitiva. Transpõem-se, frequentemente, textos para a tela, passa-se uma série de informações, e depois testa-se o aluno para ver se ele aprendeu (i.e. , memorizou ou compreendeu) o que lhe foi apresentado. Em caso positivo, o aluno recebe um certo reforço positivo, em caso contrário, alguma recomendação para estudar mais, etc. Ou então, em alguns casos, se pede ao aluno que leia algum texto em um livro, ou que assista alguma aula regular, e depois se testa, através do computador, o conhecimento assimilado. A única novidade, na verdade, em situações como estas, de resto bastante frequentes, é a utilização de um medium novo — que é usado, porém, dentro de um contexto inteiramente tradicional. A meu ver, este tipo de utilização do computador é um desperdício de um recurso que potencialmente é muito rico.

Usar o computador para ensinar tabuada, ou aritmética elementar, nomes das capitais ou nomes de presidentes da república, etc. , é usar um equipamento de alto potencial pedagógico para promover objetivos educacionais bastante tradicionais e, a despeito do medium, através de métodos bastante condenados quando utilizados sem a auréola de novidade que o computador permite que eles assumam. Em consequência disto, os programas, ainda que tecnicamente bons (com uso de gráficos, simulações, etc.), acabam sendo instrucionalmente ingênuos, pobres do ponto de vista pedagógico. Estes programas não tomam nenhum risco, usando o computador quase como se fora apenas uma caixa de Skinner.

Mas se é este o caso, por que é que estes programas são tão difundidos? Há várias razões, que gostaria de ressaltar aqui.

Em primeiro lugar, este modelo de utilização do computador na educação introduz um medium novo, mas, como já se mencionou, para alcançar objetivos educacionais tradicionais e através de métodos já de certo modo consagrados pela prática (exercício, repetição, etc.), mesmo que não pela teoria pedagógica. Assim, o computador não intimida tanto e vem preencher necessidades que, qualquer professor ou pai reconhece facilmente (aprender tabuadas, geografia, fatos históricos, etc.). Esta uma das razões de sua popularidade.

Em segundo lugar, numa época em que testes de múltipla escolha padronizados acabam por se substituir no método de avaliação por excelência, este tipo de utilização do computador fornece aos alunos maneiras individualizadas de se exercitar, de praticar habilidades básicas, e de avaliar o seu progresso.

Em terceiro lugar, a popularidade deste tipo de utilização do computador na educação se explica pelo fato de que o conhecimento que se transmite aqui e o aprendizado que se espera são de contornos razoavelmente bem definidos e, consequentemente, permitem uma avaliação mais “objetiva” do progresso feito. Além disso, os programas que se encaixam nesta categoria não são tão difíceis de programar, existindo, inclusive, linguagens criadas especialmente para facilitar a tarefa de construção de programas de “instrução programada” (PILOT, por exemplo), bem como vários tipos de “pacotes” que permitem ao professor a construção, de maneira simples, de seu “courseware” — ou, “didacticiel”, como preferem os franceses.

A questão é se vamos utilizar a abordagem meramente porque ela é de implementação ou utilização mais fácil, ou porque ela não causa maiores transtornos ao processo educacional e à vida do professor, por se encaixar dentro de objetivos educacionais tradicionais e de métodos de ensino convencionais.

Pessoalmente, acredito que esta função digamos instrucional que o computador exerce é (embora até útil, em alguns contextos) uma de suas características menos interessantes. Sua função educacional mais importante o coloca em papel inteiramente aposto: não no de instrutor, mas no de aprendiz. A tarefa do aluno não é aprender do computador, mas ensiná-lo a realizar certas tarefas — programá-lo, enfim.

Aqui chegamos, portanto, à outra abordagem. Segundo esta abordagem, o computador é fundamentalmente uma poderosa ferramenta de aprendizagem que, bem utilizada, pode levar ao aprendizado não só de fatos importantes sobre o próprio computador bem como sobre outros conteúdos, mas, e mais importante, pode levar à aprendizagem de princípios, técnicas, habilidades que ajudarão o aluno em seu aprendizado subsequente, que farão dele um melhor solucionador de problemas (não só necessariamente em relação ao conteúdo que está incidentalmente manipulando).

Neste modelo de utilização do computador na educação, a situação de aprendizagem não é previamente estruturada. Não há, necessariamente, um determinado conteúdo que tem que ser aprendido, determinadas perguntas que têm, cada uma delas, uma só resposta correta, cabendo ao aluno descobri-la. Ao aluno cabe, aqui, estruturar o próprio contexto em que sua aprendizagem vai ocorrer. Ele é encorajado a explorar, criar, inovar, dentro de situações de aprendizagem não previamente estruturadas. Parte-se do pressuposto de que o aprendizado que ocorre nestas situações é mais frutífero e mais duradouro. Ao aluno é permitido errar — se bem que muitas vezes não seja muito claro o que é erro — porque se acredita que erros são pedagogicamente importante. Ao aluno se permite levar adiante uma solução para um determinado problema, ainda que seja óbvio que a solução não vai funcionar, porque se reconhece o valor pedagógico dessa exploração. O aluno, longe de ser um mero observador que só reage quando solicitado, passa a ser um participante ativo no progresso de construção de sua própria aprendizagem.

Quando se escolhe esta segunda opção está se optando por muito mais do que simplesmente um outro método de utilização do computador na educação: está se optando por uma filosofia da educação diferente. Muitos educadores já mostraram os benefícios da educação que ocorre através do fazer, do explorar, do descobrir. O computador, propriamente utilizado, torna esta meta alcançável de uma maneira nunca antes possível. Nele, como bem assinalou Seymour Papert, em Mindstorms: Children, Computers, and Powerful Ideas (**), o concreto e o formal se encontram, permitindo possibilidades pedagógicas difíceis de imaginar sem o apoio do computador.

Nesta abordagem, alteram-se drasticamente os objetivos educacionais tradicionais e os métodos de ensino convencionais. Todo o processo educacional é visto de uma maneira totalmente revolucionária.

Exatamente por isto, não é fácil elaborar programas que levam a estes objetivos. O que se tem que fazer é criar linguagens, programas utilitários, que deem ao usuário um número cada vez maior de recursos que permitam o desenvolvimento de sua aprendizagem. Exatamente por atuar no pressuposto de uma aprendizagem não previamente estruturada, este modelo impede que sejam desenvolvidos “pacotes” que são então distribuídos e consumidos. O que é necessário desenvolver é todo um conjunto de recursos, todo um ferramental para a aprendizagem. É isto que todo o conjunto de linguagens e recursos identificado com o nome LOGO procura fornecer.

Ao optar por esta abordagem não se está sucumbindo à tentação representada por aquilo que alguns já convencionaram chamar de síndrome dos testes e medidas: ensinar aquilo que é mais fácil ensinar, avaliar aquilo que é mais fácil testar. Não resta dúvida de que algumas coisas são importantes, mas difíceis de testar e avaliar; outras são fáceis de testar, mas talvez não tão importantes (pode se substituir a palavra testar por investigar, aqui, e o que está sendo dito se aplicaria também à pesquisa educacional). O importante é não sucumbir à tentação de promover a aprendizagem apenas daquilo que é fácil testar, deixando de lado a aprendizagem daquilo que é importante, para não dizer essencial, aprender.

Concluo, portanto, com uma reafirmação clara da tese de que toda criança deveria aprender a programar o computador. Isto obviamente não quer dizer que todas as crianças devem se tornar programadores profissionais. Quer dizer, isto sim, que aprender a programar o computador envolve aprendizados de vários tipos, ou vários aspectos de aprendizado. Em primeiro lugar, está o aprendizado requerido para dominar o próprio computador. Em segundo lugar, está o aprendizado de várias técnicas e estratégias para a solução de problemas. E em terceiro lugar está uma compreensão mais profunda do assunto de que se ocupa o programa: O conteúdo do programa.

Olhemos, brevemente, e à guisa de conclusão, a cada um desses aspectos.

Um certo sentido de mistério e até mesmo da mágica geralmente cerca o primeiro contato de alguém com o computador. Embora no íntimo se saiba que se trata apenas de uma máquina com circuitos, teclas, etc., há algo acerca do computador que o faz parecer não só quase vivo como inteligente. A primeira coisa que o aprendizado de programação ensina é que o computador só faz aquilo que você o ensina a fazer. como já disse alguém, o computador é um completo idiota, que, entretanto, tem uma excelente memória e executa ordens com incrível rapidez. No processo de aprender isto o aluno aprende que é ele quem manda, o cérebro que instrui é o dele — é ele, enfim que determina as regras do jogo.

A descoberta deste fato, juntamente com a descoberta do fato de que o computador não irá resolver nenhum problema que você não consiga resolver para ele, ajuda as crianças, além de tudo, a desenvolverem autoconfiança, a autoconfiança que vem do fato de que você é capaz de fazer uma máquina poderosa e até misteriosa obedecer às suas ordens. Esta sensação de autoconfiança e de domínio sobre a máquina é importante não só para os alunos que têm grau de autoconfiança baixo, mas também porque, em uma sociedade cada vez mais permeada pela tecnologia, é importante que as pessoas cresçam imbuídas de um sentido de que são elas que devem controlar as máquinas — não vice-versa . (Na instrução programada, quem é controlado por quem?).

Em segundo lugar, quem aprende a programar o computador desenvolve uma série de habilidade e estratégias para a solução de problemas — e problemas bastante reais.

Embora as pessoas aprendam a solucionar problemas e a desenvolver certas estratégias para fazê-lo, simplesmente vivendo suas vidas, parece ser terrivelmente difícil ensinar, na escola, métodos de solução de problemas. As razões desta dificuldade provavelmente estejam relacionadas com a diversidade das habilidades, dos conhecimentos e da compreensão exigindo para a solução de problemas bem como com a complexidade inerente na avaliação das estratégias utilizadas para a solução de problemas. As escolas preferem se concentrar em habilidades que podem ser identificadas, isoladas, e medidas, a se dedicar àquelas que são menos tangíveis e mais profundamente inter-relacionadas. Novamente aqui temos a síndrome dos testes e medidas a que já se fez menção. Ensina-se o que se pode mais facilmente identificado, isolar e avaliar — e não o que é menos tangível, mais complexo, mais interligado, mas difícil de avaliar.

Computadores fornecem um contexto cheio de problemas excitantes e atraentes para as crianças e as desafiam a solucioná-los. Mesmo as tarefas mais simples de programação, aquelas voltadas para criança, como desenhar na tela, são suficientemente ricas e complexas para permitir o desenvolvimento de uma série de habilidade que ajudam na solução de problemas. Ao mesmo tempo há aspectos envolvidos nesta experiência que fazem com que a solução de problemas neste contexto seja mais fácil e mais facilmente inteligível do que no mundo real.

Ou vejamos. O computador, em primeiro lugar, torna possível dividir, com relativa facilidade, um problema em vários outros pequenos problemas. Esta estratégia é extremamente útil na solução de problemas que, de início, parecem demasiadamente complexos para serem solucionados. Em segundo lugar, ao se propor escrever um programa o aluno é forçado a fazer uma descrição explícita e formal do problema que ele irá resolver com aquele programa. isto em si já é algo bastante positivo. Mas o mérito não para aí. Diferentemente de uma descrição verbal ou descrita de alguma coisa, um programa de computador pode ser testado com facilidade, e seu resultado comparado com o esperado. Este processo contínuo de descrição do problema, proposta de uma solução, testagem da solução, revisão, é de enorme utilidade pedagógica. Ele leva o aluno a aprender de e através de seus erros — ou seja, numa tradição bastante popperiana, ele reveste o erro de enorme significado pedagógico.

O terceiro tipo de aprendizado que decorre do estudo da programação é o do próprio conteúdo ou assunto sobre o qual se está programando. Todos os que ensinam já tiveram a experiência de que ao ensinar determinado assunto a gente frequentemente aprende muito sobre o assunto. Em programação ocorre a mesma coisa: ao tentar fazer um programa que leve o computador a executar gráfico, ou música, o programador geralmente desenvolve uma compreensão ( e mesmo uma apreciação ) bem mais profunda desses conteúdos do que tinha antes. O mesmo se aplica a qualquer outro conteúdo.

Muitas pessoas imaginam que, porque computadores são máquinas, pessoas que aprendem desde muito cedo a manejar computadores venham a se tornar mais “mecânicas” em seu modo de pensar. Outros imaginam que pessoas que não tenham uma grande inclinação para a matemática nunca vão se tornar bons programadores. Muitos educadores, principalmente aqueles que trabalham com LOGO, têm chegado à conclusão de que o oposto, em ambos os casos, é que é o verdadeiro. Toda criança pode aprender a programar a ser relativamente bem sucedida no empreendimento, e o aprendizado de programação ajuda as crianças a desenvolverem tanto o lado lógico como o lado intuitivo de sua personalidade .

Estou convicto de que todas as crianças se beneficiarão, em maior ou menor grau, é verdade, se aprenderem a programar. Este aprendizado ajuda tanto crianças como adultos a desenvolverem habilidades e conhecimentos de que necessitam em uma sociedade tecnologicamente avançada. Ao mesmo tempo, estas pessoas experimentam uma sensação de poder criativo sobre seu ambiente, aprendendo, também, com maior profundidade, os assuntos que estiverem explorando.

Em Campinas, 17 de agosto de 1983.

[Estudo publicado em 1983 na revista Em Aberto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (INEP). Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]

(*) O Projeto EDUCOM foi lançado em 1983 por um “consórcio” de órgãos e agências governamentais, capitaneados pelo Ministério da Educação (MEC), depois de dois Encontros Nacionais, realizados em 1981 e 1982, em Brasília e Salvador, respectivamente, para discutir, com pesquisadores nacionais (e alguns convidados estrangeiros) a introdução de computadores nas escolas. Entre os órgãos e agências estavam a Secretaria Especial de Informática (SEI), o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a Financiadora de Projetos (FINEP) e a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ). O EDUCOM começou com um Edital em que o governo conclamava as universidades brasileiras a submeter projetos nesse sentido. Diante desse chamamento eu, que na época era Diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, discuti com o então Reitor, Prof. José Aristodemo Pinotti, a possibilidade de criar, junto à Reitoria da Universidade, um Centro Interdisciplinar de Pesquisas sobre a introdução e o uso de computadores em escolas. Recebi sua autorização e propus a criação do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), que foi efetivamente criado naquele ano de 1983. (O NIED comemorará, este ano 35 anos de idade). Eu fui designado seu Implantador e Coordenador e foi sob a égide do NIED, então por mim coordenado, que a UNICAMP respondeu ao chamamento do governo, apresentando seu projeto. Ao todo, vinte e seis projetos foram submetidos e cinco foram aprovados e selecionados, dentre eles, o do NIED, que ficou sob minha coordenação. Os outros quatro foram da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (coordenado por Lea Fagundes e Lucila Santarosa), o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (coordenado por Lydinea Gasman), o da Universidade Federal de Minas Gerais (coordenado por Antonio Mendes) e o da Universidade Federal do Pernambuco, coordenado por Paulo Gileno Cysneiros). Como se pode constatar, a UNICAMP foi a única universidade não federal selecionada. Coordenei o Projeto EDUCOM da UNICAMP até Abril de 1986, quando o Prof. José Aristodemo Pinotti  foi escolhido pelo Governador André Franco Montoro, então do PMDB, para ser Secretário da Educação do Estado de São Paulo e me levou com ele como seu Assessor Especial e, logo em seguida, também Diretor do Centro de Informações Educacionais (CIE) da Secretaria.

(**) Este artigo foi escrito em Agosto de 1983, antes da criação do NIED. Quando o NIED foi criado, trouxe para ele a Professora Beatriz Bitelman. Por sua iniciativa, e com total apoio do NIED, o livro seminal de Pappert foi traduzido para o Português, sob o título LOGO: Computadores e Educação (Editora Brasiliense).

Eduardo Chaves

Social Media

  • View eduardo.chaves’s profile on Facebook
  • View edwardkeys’s profile on Twitter
  • View edwardkeys’s profile on Instagram
  • View eduardochaves’s profile on LinkedIn
  • View UCkWOCNVpkwcm0giqjQ5oygw’s profile on YouTube
  • View user6783012’s profile on Vimeo

Pesquisa

Posts Recentes

  • Debate na TV Cultura, Opinião Nacional: Valdemar Setzer e Eduardo Chaves (1999)
  • Anarquismo, Desestatização e a Desescolarização da Educação
  • Eu e a Educação – Primeira Parte
  • Apresentação do meu Novo Livro
  • Home Schooling e Escolaridade Compulsória
  • A Questão da Educação Moral
  • A Questão do Escopo da Moralidade
  • Aprendizagem Sem Hora Marcada
  • A Educação Moral
  • A Informática na Educação no Brasil: Uma Vista de um Ponto
  • O Liberalismo de John Locke e a Educação
  • O Conceito de Educação de Émile Durkheim
  • Entrevista para a Revista Visão sobre “Revolução na Educação”
  • PBL: O Espaço em que a Pedagogia Encontra a Filosofia (e mais 2 artigos)
  • My Educational Creed: A Pedagogical Decalogue (by Eduardo Chaves)
  • Annex 2: The Three Laws of Learning
  • Annex 1: The Lost Tools of Learning (Dorothy Sayers)
  • “Classical Education” & “Classics Education”: An Introduction
  • Educação a Distância “Suficientista”
  • O Bom Filho à Casa Torna…

Comentários Recentes

Eduardo Chaves on O Futuro da Escola na Sociedad…
here on O Futuro da Escola na Sociedad…

Arquivos

Categorias

Meta

  • Register
  • Log in
  • Entries feed
  • Comments feed
  • WordPress.com
Website Powered by WordPress.com.
Back to top
Privacy & Cookies: This site uses cookies. By continuing to use this website, you agree to their use.
To find out more, including how to control cookies, see here: Cookie Policy
  • Follow Following
    • EduTec Space
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • EduTec Space
    • Customize
    • Follow Following
    • Sign up
    • Log in
    • Report this content
    • View site in Reader
    • Manage subscriptions
    • Collapse this bar
 

Loading Comments...