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A Blog by EDUARDO CHAVES

Category: LOGO

A Informática na Educação no Brasil: Uma Vista de um Ponto

11/04/201816/10/2022 Eduardo ChavesLeave a comment

0. Nota Preliminar

Este artigo é uma versão revista e bastante ampliada de um artigo autobiográfico que escrevi há três anos (Fevereiro de 2015), com o título “Tecnologia e Educação: Um Recorte Biográfico” [1].

Resolvi revisar e ampliar o artigo como parte de um esforço pessoal para deixar registrada, de forma tão detalhada e fidedigna quanto possível [2], minha participação na História da Informática na Educação no Brasil – em especial nos primeiros vinte anos, falando em termos arredondados.

Considero o ano de 1981 o ano do início, propriamente dito, no Brasil, de uma área de discussão, preocupação, e pesquisa que veio a receber o nome de Informática na Educação ou Informática Aplicada à Educação. Nesse ano teve lugar o Primeiro Seminário Nacional de Informática na Educação, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pela Secretaria Especial de Informática (SEI), com o apoio técnico-científico do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), com o apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), e com o apoio logístico- administrativo e também técnico da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ), através do seu Centro de Informática (CENIFOR). Todos esses eram órgãos do Governo Federal, e seus nomes são citados aqui como eram na época. Desde então o MEC perdeu o “e Cultura”, mas continuou MEC [3], o CNPq mudou, em 1974, para Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, mas continuou CNPq [4], etc.

Antes dessa data, havia já estudos exploratórios em curso, em especial na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mas o pontapé inicial da “área”, em âmbito nacional e oficial, com o beneplácito até mesmo da SEI, sempre controlada pelos militares, e pedra angular da Política de Reserva de Mercado de Informática [5], foi o envolvimento do Governo Federal na questão em 1981– que acabou redundando, dois anos depois, em 1983, no lançamento do Projeto EDUCOM.

A seguir, a versão revisada do artigo. Para cotejo, a versão original pode ser consultada no meu blog.

1. Meu Envolvimento com a Área

Comecei a me interessar pelo papel que a tecnologia pode desempenhar, e tem desempenhado, na educação — mais particularmente, na aprendizagem — a partir de acontecimentos fortuitos que só em retrospectiva se entrelaçam.

Transcrevo, a seguir, passagens de um artigo que escrevi, em 10 de Outubro de 2011, quando da morte de Steve Jobs [6]:

“Meu primeiro contato com um microcomputador remonta a esses tempos: conheci um Apple II por volta de 1979, através de um colega da UNICAMP, especialista em Linguística Computacional (algo que eu nem sabia que existia). [Frank Roberts Brandon era o nome dele. Infelizmente, morreu bastante cedo]. O equipamento em si me chamou a atenção, mas quando ele me demonstrou as aplicações da linguagem de programação ProLog(Programming in Language) para o aprendizado de Lógica, eu me encantei. Ali na hora tomei a decisão de comprar um equipamento daqueles quando pudesse… [Comprei um Commodore 64 um ano depois, numa viagem aos EUA, e, logo depois, um clone brasileiro do Apple II, feito pela Unitron. Interpretadores de ProLog tive vários, mas gostava mais do Borland Turbo Prolog]. Até hoje, cerca [bem mais] de 30 anos depois, ainda guardo o meu clone brasileiro do aparelho fabricado pela Unitron. [E em minha biblioteca pessoal possuo mais de 30 livros sobre ProLog, linguagem de programação que se tornou a minha paixão nessa área.]” [7].

Na época (1979) eu era Diretor Associado da Faculdade de Educação da UNICAMP. No ano seguinte, em Abril de 1980, assumi a direção da Faculdade, aos 37 anos. Uma das primeiras coisas que me caiu em mãos, para que encaminhasse, foi um pedido de apoio financeiro feito à FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), de autoria de meu melhor amigo, na ocasião, Prof. Dr. Raymond Paul Shepard, especialista em psicologia cognitiva, e meu colega na Faculdade de Educação (ele era membro do Departamento de Psicologia da Educação, eu do Departamento de Filosofia da Educação da Faculdade). O projeto era assinado também pelo Prof. Dr. Fernando Curado, professor de computação no que era então Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação, outra unidade acadêmica da UNICAMP [8].

Interessei-me pelo assunto do projeto: o papel que o computador pode desempenhar na facilitação e no enriquecimento da aprendizagem da criança. Os dois pesquisadores se propunham investigar, com o auxílio de uma equipe, o uso da linguagem de programação LOGO, criada por Seymour Papert, então do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo de crianças relativamente pequenas — na fase anterior à que hoje se chama hoje de Fundamental II da Educação Básica. Confesso que fiquei encantado com o que li – e nunca perdi, desde então, esse sentido de encantamento.

Foram esses os meus dois primeiros contatos com o tema “Educação e Tecnologia”. Primeiro, envolvendo ProLog; depois, LOGO. Em 1979 e 1980, respectivamente. E fica registrada que a iniciativa de encaminhar o projeto à FINEP foi dos professores Shepard e Curado, eu tendo agido, na ocasião, apenas como encaminhador, dada minha função.

A partir daí comecei a conversar diariamente sobre o assunto com o professor Shepard  (corríamos juntos, diariamente, na hora do almoço pelo bairro chamado Cidade Universitária, que rodeia a Cidade Universitária, propriamente dita, da UNICAMP), e, em decorrência dessas conversas, sempre estimulantes, resolvi mergulhar a fundo na literatura existente sobre o tema. Li, primeiro, o livro Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas, de Seymour Papert (que acabava de ser publicado em 1980). Papert era considerado o “Papa” da área. Achei o livro fascinante, em especial porque, ao tratar do potencial do computador, e da linguagem LOGO em particular, na aprendizagem da criança, Papert descortinava uma pedagogia diferente, centrada no aluno, na aprendizagem, na descoberta, na vida, no mundo e não (como na pedagogia convencional) no professor, no ensino, na instrução, na aula, na escola. . . Sendo um dos responsáveis pela área de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação, eu, a essas alturas, já havia lido bastante dos dois “Joões” relevantes: John Dewey e Jean Piaget. Mas, mesmo assim, o jeito de colocar as coisas adotado por Papert me fascinou: fiquei fã dele.

Comecei a caçar gente e livros que se ocupassem desses dois assuntos: computadores na educação (particularmente na aprendizagem) e pedagogias não-convencionais (ou, como já foram chamadas, pedagogias não-diretivas, e como se prefere hoje, pedagogias inovadoras ou mesmo pedagogias libertárias).

Em 1981 o MEC — Ministério da Educação (então Ministério da Educação e Cultura) resolveu, em parceria com a SEI — Secretaria Especial de Informática, e com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) promover alguns encontros sobre Informática na Educação (forma em que o assunto acabou sendo batizado no Brasil). O primeiro foi em Brasília, em Agosto de 1981, e o segundo em Salvador, um ano depois. Participei desses encontros e ali fiquei conhecendo muitos dos que se tornaram pioneiros nessa área no Brasil, oriundos de outras universidades brasileiras, a saber, os professores Samuel Pfromm Neto (USP), falecido em 2012, Lea Fagundes e Lucila Santarosa (UFRGS), Fernando Almeida (PUC-SP), Paulo Cysneiros (UFPE), Lydineia Gasmann e Riva Roitman (UFRJ), Antonio Mendes Ribeiro (UFMG), etc. Da UNICAMP foram, além de mim, os professores Vilmar Faria (do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), falecido em 2001 (quando era assessor do Presidente FHC), Cecília Callani (depois, quando se casou, Callani Baranauskas) e Heloísa Vieira da Rocha (ambas do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação) e Afira Vianna Ripper  (da Faculdade de Educação, como eu – embora de outro departamento).

Em decorrência desses encontros foi lançado em 1983 o Programa EDUCOM, que fez um chamado às universidades brasileiras para que submetessem projetos na área de Informática na Educação. Vinte e seis projetos foram submetidos. Eu coordenei a elaboração do projeto da UNICAMP, que contou com a participação das pessoas nomeadas atrás que pertenciam à Universidade [9].

Quando saiu o resultado, cinco universidades haviam tido seus projetos aprovados: quatro federais (UFPE, UFMG, UFRJ e UFRGS) e, para minha satisfação, uma estadual (a UNICAMP). Recebemos financiamento da FINEP para tocar o projeto, que coordenei de 1983 a 1986, quando (mediante autorização e afastamento da UNICAMP) fui trabalhar na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, onde assumi a função de Diretor do Centro de Informações Educacionais (CIE), a convite do Secretário, meu colega na UNICAMP Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti.

Para submeter e, depois, implementar o Projeto EDUCOM da UNICAMP, propus ao então reitor, José Aristodemo Pinotti, em 1983, a criação de um centro interdisciplinar de pesquisa na área de Informática na Educação. Dei-lhe o nome de Núcleo de Informática na Educação (NIED). Ele foi efetivamente criado em 31 de Outubro de 1983, e eu fui designado seu Coordenador, função que ocupei até Abril de 1986, e da qual me desliguei pela razão já indicada [10].

O NIED existe até hoje. Como já disse, sucedeu-me na Coordenação do NIED o professor José Valente, que, em 1986, finalmente retornou à UNICAMP depois de sua longa estada no exterior.

No NIED, enquanto eu era coordenador, fizemos, como parte do Projeto EDUCOM, parceria com duas escolas de Campinas e uma de Americana, traduzimos Mindstorms para o Português (sendo a principal responsável pela tradução a professora Beatriz Bittelman, que trabalhava, em função técnica, no NIED), e desenvolvemos uma versão da Linguagem LOGO para o Sistema Operacional CP/M dos computadores I-7000 da Itautec (sendo responsáveis por esse projeto principalmente Heloísa Vieira da Rocha e Cecília Callani Baranauskas, que também haviam se integrado ao NIED) [11].

Mindstorms-Logo

Historiei em bem mais detalhe o processo de criação do EDUCOM na UNICAMP, e escrevi um amplo capítulo sobre “O Computador na Educação”, no livro Educação e Informática: Projeto EDUCOM – Ano I [12].

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Antes disso, porém, eu havia escrito um artigo, em 1983, trinta e cinco anos atrás, do qual muito me orgulho até hoje: “Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender”. O artigo foi publicado na revista Em Aberto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), vinculado ao MEC [13].

Nesse artigo eu esboço, de forma tão clara quanto me foi possível, naquela época, as duas filosofias da educação que se degladiavam: uma, centrada no professor, no ensino, nos conteúdos programáticos a serem transmitidos pelo professor ao aluno; a outra, centrada no aluno, na aprendizagem, nos processos de investigação e descoberta a serem desenvolvidos pelo próprio aluno com o apoio e a facilitação de terceiros (em especial, na escola, do professor) e com a ajuda da tecnologia (não só a digital, mas até mesmo uma tecnologia de mais de 500 anos, o livro impresso). A primeira dessas duas filosofias da educação nos leva a ver o computador como uma “Máquina de Ensinar”; a segunda, como uma “Ferramenta de (para) Aprender”.

Os defensores no século 20 da primeira filosofia da educação vieram a criar a funesta proposta de “Instrução Programada”, na época inspirada pelo behaviorismo de B. F. Skinner, e viram no computador a solução de todos os problemas da educação. Propuseram, imediatamente, a não menos funesta “Computer-Assisted Instruction”, em que o computador não passa de uma Máquina de Ensinar autônoma — ou uma máquina que ajuda o professor a ensinar, vale dizer, que assiste o professor no mister de ensinar.

Os defensores no final do século 20 da segunda filosofia da educação, com a qual eu me identifiquei inteiramente (e ainda me identifico), uniram-se atrás de Seymour Papert na defesa das diversas formas de “Computer-Mediated Learning”, entre as quais a programação do computador (usando LOGO ou outras linguagens de programação) parecia, na época, uma alternativa bastante interessante. (O interesse nessa proposta reduziu-se com o passar do tempo mas parece ter-se renovado recentemente, com o desenvolvimento de apps, os Espaços Maker, etc.). Para Papert, que nisso seguia Jean Piaget, com quem havia estudado em Genebra, não se aprende, significativamente, quando se é objeto de um processo de ensino de terceiros. Aprende-se, significativamente, quando se encontra um problema que parece intrigante, instigante, e, por isso, interessante, e se propõe a resolve-lo. O enfrentamento de problemas intrigantes, instigantes e interessantes desemboca na descoberta ou na invenção de estratégias para resolvê-los — e essas estratégias em regra são aplicáveis a inúmeros outros contextos. Programar um computador para que ele faça alguma coisa útil e interessante é um desses megaproblemas. O processo de programa-lo é, na verdade, o processo mediante o qual o ser humano (até mesmo a criança) ensina a ele como fazer o que se pretende que ele faça. Quando a criança programa o computador, portanto, ela não está sendo vítima ou paciente de um processo de ensino de terceiros, mas está sendo o sujeito ativo de um processo de ensino cuja “vítima” ou “paciente” é o computador… Para ensinar o computador a fazer algo, é preciso que o aluno descubra ou invente como se faz essa coisa e encontre formas de transmitir o seu saber ao computador usando linguagem (vocabulário e sintaxe) que o computador consiga interpretar e obedecer. . .

Até hoje me entusiasmo ao relatar essa inversão de processo, essa verdadeira “Revolução Copernicana” que Papert, inspirado por Piaget, e, mais remotamente, por Dewey, propôs em seu livro de 1980 (e mesmo antes, quando estava ruminando suas ideias).

Conforme relatado no livro Educação e Informática – Projeto EDUCOM – Ano I [14], publiquei também, em Julho de 1985, um livro chamado Informática: Micro Revelações [15], para servir de Introdução à Microinformática, assunto que despertava, na época, muita curiosidade e acerca do qual havia muita falta de informação e, o que é pior, um bocado de desinformação. Esse livro passou rapidamente por nove impressões (chamadas de edições pela editora) e figurou, por várias semanas, como o livro mais vendido nas livrarias de São Paulo no encarte Folha de Informática publicado aos domingos pelo jornal Folha de S. Paulo.

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Em 1985 a equipe do NIED submeteu um trabalho ao Congresso Logo 85 do MIT, com o título “The Brazilian Version of LOGO”, publicado, de forma resumida, nos Pre-Proceedings do Congresso [16].

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Algo que se tornou popular, nos anos oitenta, foi o debate acerca da Informática na Educação em que um criticava a introdução da tecnologia na escola, para crianças e adolescentes (até 15 anos, por aí), e outro a defendia. O principal crítico do uso da tecnologia na escola era o Professor Doutor Valdemar W. Setzer, primeiro da Escola Politécnica, e, depois, do Instituto de Matemática e Estatística, da Universidade de São Paulo (USP) e defensor da chamada “Pedagogia Waldorf”, proposta por Rudolf Steiner. Profundo conhecedor da tecnologia digital (ele havia sido um dos membros da equipe que desenvolveu o primeiro computador brasileiro, o chamado “Zezinho”, e, também, da equipe que desenvolveu o famoso computador chamado “Patinho Feio” [17]), Setzer também era um filósofo (especializado na Antroposofia [18]), e um pedagogo (defensor e sistematizador da chamada Pedagogia Waldorf [19]). Além de tudo, o professor Setzer era, e continua sendo, um exímio palestrante e hábil argumentador, com humor, ironia e, por vezes, sarcasmo, cortantes. O resultado disso é que quase ninguém se dispunha a enfrenta-lo em debates, defendendo a causa da Informática na Educação.

Eu, porém, que meu pai sempre rotulou de “espírito de porco”, gostei da coragem e da habilidade do professor Setzer – e, depois que o conheci melhor, da pessoa dele. Assim, dispus-me a enfrenta-lo. Inúmeras vezes debatemos a questão em faculdades do Brasil inteiro e em programas de televisão (em especial na TV Cultura) [20].

O resultado desses debates foi que o professor Setzer e eu nos tornamos grandes amigos, apesar das nossas divergências. É oportuno registrar que tanto um quanto o outro mudou em parte seu ponto de vista diante de algumas críticas feitas pelo outro. Com o passar do tempo, nossos discursos convergiram, porque cada um já conhecia bem o pensamento do outro. Assim, um dos editores da Editora Scipione, depois de presenciar um debate nosso, nos instigou a publicar um livro com base no material que tínhamos preparado para os debates. Decidimos aceitar, e, assim, o professor Setzer e eu publicamos, em 1987, um livro com os textos de nossas palestras, respectivamente, a minha favorável, a dele contrária, ao uso de tecnologia na Educação. O livro teve o título de O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas [21].

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Poucos anos depois, no início da década de 90 (1990), tornei-me sócio de uma empresa de treinamento em Informática, que tinha também um foco na área educacional, chamada People Brasil Informática Ltda., e, no seio dessa empresa, coordenei o desenvolvimento de uma versão brasileira de LOGO, à qual demos o nome de People LOGO. Para o manual desse produto, que tem a minha autoria, escrevi uma longa introdução à Linguagem LOGO, que tem utilidade independentemente do produto específico que seja utilizado na sua implementação [22].

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Em 1991 eu lancei o primeiro livro brasileiro sobre Multimídia — um tema que começava a se tornar popular nos países desenvolvidos. Seu título foi Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia [23]. O livro, da mesma forma que Informática: Micro Revelações, se tornou um sucesso de vendas.

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No final da década de 90 (1990), tendo em vista o fato de que a Internet estava se expandindo no Brasil, resolvi me aventurar pela área do “Debate Virtual” e da “Discussão Colaborativa em Ambientes Virtuais”.

Antes de a Internet Comercial se implantar no Brasil (ou seja, antes de 1995), criei, no computador VAX da UNICAMP, como um ensaio, um grupo de discussão (ou uma comunidade virtual), hospedado, não na Internet, propriamente dita, mas numa rede chamada BitNet, que antecedeu, no Brasil, a chegada da Internet (e que era de propriedade da IBM Corporation). A comunidade se chamava InfEd — Informática e Educação. O experimento foi limitado mas relativamente bem sucedido até que o professor Valdemar W. Setzer, meu querido amigo, mas arqui-inimigo do uso da tecnologia por pessoas de menos de 15-16 anos, conseguiu (sem ter a intenção de fazê-lo) implodir a comunidade. Ele azucrinou tanto a vida dos demais participantes com suas críticas e suas ideias que a comunidade acabou se esvaziando. Minha inexperiência na moderação dela me impediu de bloquear o processo de implosão em tempo hábil. Quando percebi, ela havia se esvaído.

Com o apoio da Microsoft Informática, subsidiária brasileira da Microsoft Corporation, porém, criei, mais tarde, em Outubro de 1998 (lançamento no dia 28), e agora na Internet (Yahoo! Groups), uma outra comunidade virtual: EduTec.Net – Rede de Educação e Tecnologia. Essa durou bem mais tempo, chegou a ter quase 1.500 participantes, e foi unanimemente considerada uma experiência bem sucedida. É por muitos considerada a primeira comunidade virtual de discussão na área da Educação a aparecer no Brasil. Há pelo menos uma dissertação de Mestrado e um trabalho de fim de Curso de Especialização escritos sobre ela. O professor doutor Paulo Ghiraldelli Júnior, também meu amigo, quase a implodiu também, mas percebi a tempo o que estava acontecendo e o bani do grupo. (Com os amigos que eu tenho, quem precisa de inimigos?). No entanto, acabei fechando-a em 2001, depois da destruição das Torres Gêmeas, quando ela começou a ser explorada para fins políticos e ideológicos por um bom número de seus membros, que resolveram comemorar e celebrar na comunidade o ato terrorista que resultou na morte de milhares de pessoas inocentes. Não me arrependo até hoje de tê-lo feito.

Cerca de um ano depois do lançamento da EduTec.Net, no finalzinho do século 20, em 1999, quando eu já era consultor do Instituto Ayrton Senna (por indicação da Microsoft Educação [departamento da subsidiária brasileira da Microsoft Corporation], que era parceira do Instituto no Programa “Sua Escola a 2000 por Hora” – mais sobre isso na sequência), recebi uma encomenda do Ministério da Educação (MEC) e escrevi um livro como título O Futuro da Escola na Sociedade da Informação. Esse livro, por causa de desentendimentos meus com o MEC acerca de direitos autorais, esse livro, que chegou a distribuído pelo MEC em xerox, teve sua distribuição interrompida, e eu passei a distribuí-lo, limitadamente, em .pdf, a partir do ano 2000 [24]. Decidi publica-lo agora, em formato de e-book, como documento histórico, sem mexer no texto (apenas acrescentando um anota explicativa). Ele está “no prelo”.

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A partir de Junho de 1999, eu, em grande parte motivado pela consultoria que comecei a prestar ao Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, do Instituto Ayrton Senna e da Microsoft Educação, acabei mudando significativamente de ponto de vista acerca da Educação – e meu interesse, na Filosofia da Educação (matéria pela qual eu respondia na UNICAMP) deixou de ser puramente analítico para ser também propositivo e, como tal, substantivamente normativo.

Sua Escola a 2000 por Hora

Para tanto eu já vinha sendo preparado pelas minhas leituras de Seymour Papert – como é possível constatar no artigo que publiquei em Em Aberto, já mencionado. Mas no início do ano 2000 chegou a hora de colocar os pingos nos is e sistematizar o meu ponto de vista.

Até aquele momento, eu ainda encarava a educação basicamente como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural(para o entendimento do qual a Sociologia, a Antropologia Cultural e a Ciência Política têm muito a contribuir). A partir daquele momento, porém, em grande medida em decorrência de meu contato e de minha amizade com o professor Antonio Carlos Gomes da Costa, também consultor do Instituto Ayrton Senna, eu passei gradualmente a encarar a educação como um processo de desenvolvimento humano(para cujo entendimento as Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia da Aprendizagem e a Psicologia Social têm muito mais a contribuir do que as outras disciplinas que mencionei).

A Filosofia da Educação é uma disciplina meio parasitária, ou, talvez melhor, camaleônica. A forma de conceber a sua natureza depende, em grande medida, da visão da educação que se adota. Se a educação é vista como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural, a Filosofia da Educação tende a ser mais analítica, tentando elucidar os pressupostos e esclarecer os conceitos utilizados no discurso educacional. Se a educação é vista como um processo de desenvolvimento humano, a Filosofia da Educação, sem deixar de ser analítica, se aproxima mais da Teoria da Educação, e às vezes até se confunde com ela, para, com base na contribuição das ciências, em especial das psicológicas, construir uma Teoria Geral e Transdisciplinar da Educação que fundamente essa visão e dê sentido – dentro, naturalmente, do contexto histórico, social, e cultural em que vivemos (contexto esse que inclui, sem necessariamente precisar explicita-los, elementos econômicos, científicos, tecnológicos, etc.).

Essa nova forma de olhar para a educação me levou a conceber um livro sobre a Educação que fosse diferente. Isso se deu ao longo de 2001. O livro chegou até mesmo a receber um título, que o conectava ao programa do qual eu era consultor: Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era [25]. No final de 2001 o livro estava pronto, tendo sua publicação sido aprovada pela Editora SENAC, devendo ele sair em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação.

No entanto, o fato de todo o primeiro capítulo do livro, com duas grandes seções, a primeira descrevendo o Instituto Ayrton Senna, e a segunda o Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, discorrer sobre o Instituto Ayrton Senna e seus programas (particularmente aquele em que eu atuava como consultor), causou novamente desentendimentos acerca de direitos autorais, agora com o Instituto. As negociações levaram a uma solução meio salomônica: primeiro, deixei intocado todo o primeiro capítulo do livro; segundo, reescrevi totalmente o restante do livro original, encurtando-o bastante e dando mais ênfase ao referencial teórico do Instituto. Em relação a esse novo livro, cedi os direitos de propriedade ao Instituto, em troca da manutenção explícita de meu direito de ser reconhecido e apresentado como o autor do livro. Esse novo livro acabou sendo publicado pela Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, sob o título Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital [26].

Em seguida, peguei os demais capítulos (todos, menos o primeiro) do livro original, que havia tido o primeiro capítulo extirpado, e escrevi para eles um novo primeiro capítulo, assim recompondo a obra, sem referências ao Instituto Ayrton Senna e ao Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”. Esse novo livro passou a ter o título de Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era (aproveitando parte do título do livro original, ainda não publicado, e do “filhote”, já publicado). Para esse novo livro o Rubem Alves me honrou se dignando escrever um belíssimo e longo Prefácio, que ele me entregou no início de Março de 2003, levando-me a considerar o texto fechado naquela data (15 de Março de 2003).

Esse texto, menos o Prefácio do Rubem Alves (que não havia ainda sido entregue), foi utilizado em uma formação que dei, ao final de 2002, início de 2003, aos professores que acabavam de ser contratados pela Helena Singer e pelo Ricardo Semler para colocar em funcionamento a Escola Lumiar a partir de 2003. (De 2007 a 2009 primeiro eu, e, depois, também a minha mulher, Paloma Chaves, estivemos intensamente envolvidos com a Lumiar, eu como Presidente do Instituto Lumiar e ela como Coordenadora Pedagógica do Instituto Lumiar e responsável pela Direção das escolas de Setembro de 2008 até Março de 2009).

Mas, por razões diversas, esse livro acabou não sendo publicado até o final de 2018, e, então, em formato ebook, na edição original, na forma em que o texto se encontrava em 15 de Março de 2003, e em edição bastante revisada, chamada de 2a. Edição, com data de 2019, na forma em que o texto se encontrava em Janeiro de 2019. A principal razão para a demora na publicação foi que meu pensamento estava evoluindo tão rapidamente na ocasião que comecei a não ficar muito contente com vários trechos do livro. Iniciei várias revisões do texto, mas não concluí nenhuma. Exceto pelo Prefácio, que não havia então, a edição original reflete o texto que os primeiros professores da Escola Lumiar leram no final de 2002.

E, pretendo, publicar uma terceira edição, revisada e ampliada, com a colaboração de Paloma Chaves, minha mulher, trazida como coautora. Essa terceira edição incluirá vários dos materiais que eu inseri em modificações deste texto que eu introduzi e, depois, abandonei ou simplesmente não levei adiante, de 2003 até 2023 — vinte anos depois. Nesse ínterim a Paloma concluiu o seu Mestrado, em 2012, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e seu Doutorado, em 2022, na Universidade de São Paulo (USP).

Durante esses vinte anos, eu, porém, não fiquei parado, tendo escrito (mas nem sempre publicado) cinco outros livros sobre a educação e tecnologia.

No finalzinho de 2002 comecei meu primeiro blog: Liberal Space – originalmente numa plataforma da Microsoft, que, entretanto, transferiu os blogs nela existentes para a WordPress em 2010. O número de blogs expandiu na nova plataforma para cerca de trinta. E os artigos no blog original já passaram de mil (sic). Os blogs trouxeram várias ideias que viraram livros. Apesar do nome do blog (Liberal Space), que pode sugerir um blog totalmente político, o foco principal do blog foi uma Educação Liberal – quiçá libertária, não engessada pela escola, mas viabilizada e mediada pela tecnologia.

Assim, de 2003 em diante, o meu interesse voltou-se mais para escrever artigos e publica-los em blogs – e é isso que venho fazendo, prioritariamente, embora também tenha escrito estes cinco livros sobre a educação:

  • Um, para a Microsoft Educação, sob o título Pilares da Educação Digital [27];
  • Outro, para a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, sob o título Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem [28];

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  • Ainda um outro, para a então Abril Educação, sobre A Educação, as Mídias Sociais e as Rede Sociais [29];
  • Ainda um outro, pequeno, com versões em Português e Inglês, para a Microsoft Educação, sobre Educação, Inovação e Mudanças [30];

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  • Finalmente um outro, para a Editora FTD Educação, sobre Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I [31].

Tenho tido sérias dificuldades para negociar com editoras e agentes custeadores a publicação de meus livros, por causa dos contratos leoninos que as editoras em regra oferecem aos autores, em que todos os direitos de autoria e propriedade acabam ficando nas mãos delas e o autor fica, na melhor das hipóteses, apenas com o direito moral de ser reconhecido como o autor da obra e com um percentual insignificante sobre o preço de capa, a título de royalty. Assim, resolvi manter totais direitos sobre as coisas que escrevo e somente abrir mão de direito de seu uso em contratos sem exclusividade, agindo como meu próprio editor. Neste caso, posso até distribuir gratuitamente o que escrevo, se assim o desejar, sem dar satisfação a ninguém.

Assim, estou “desenterrando” materiais que faziam parte de livros projetados, iniciados e não totalmente concluídos, na certeza de que poderei incorporar esse material em livros eletrônicos e até mesmo convencionais que venha a publicar.

Por fim, gostaria de registrar minha colaboração com a LEGO Education. Por dois anos servi como consultor sênior da representante brasileira da LEGO Education, uma empresa chamada ZOOM Education for Life. Depois encerrar esse trabalho, em 2012, prestei uma consultoria para a Fundação LEGO, de Billund, na Dinamarca, que resultou na publicação de um livro, Cultures of Creativity: Nurturing Creating Mindsets Across Cultures, que contém um artigo meu: “Play and Learning: One Brazilian’s View” [32].

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2. A Evolução das Minhas Ideias

A melhor forma de aprender, diz um provérbio pedagógico tradicional, é ter de ensinar. Mas só que quem aprende, dentro dessa visão, é quem ensina — não quem é vítima ou paciente do processo de ensino, o aluno. . .

Qual a saída? Foi nesse contexto que descobri, primeiro Ivan Illich, depois Paulo Freire, que, no exílio, foi um grande amigo de Illich.

Abrindo um parêntese a propósito de Paulo Freire, no final de 1979, eu, ainda como Diretor Associado da Faculdade de Educação, me empenhei, direta e pessoalmente, em trazer Paulo Freire para a UNICAMP, iniciativa proposta inicialmente por meu amigo Moacir Gadotti e assumida pelo meu também amigo Antonio Muniz de Rezende, Diretor da faculdade, do qual eu era Diretor Associado. Paulo Freire ainda estava exilado em Genebra (onde convivia com meu grande amigo Aharon Sapsezian) e a Lei da Anistia acabava de ser aprovada. Quase perdi meu cargo pelo meu envolvimento (e por uma certa dose meio exagerada de entusiasmo e “estabanamento” de minha parte) — e, no final de 1979 e início de 1980, quando fui unanimemente escolhido pela comunidade da Faculdade de Educação para substituir Rezende na direção (pois ele concluía seu mandato de quatro anos), minha nomeação foi engavetada durante quatro meses pela Reitoria, até que a pressão da comunidade se fez sentir e o Reitor me nomeou para o cargo e Paulo Freire acabou vindo para a Faculdade de Educação da UNICAMP, já no meu mandato (embora não tenha ficado conosco em tempo integral: tivemos de dividi-lo com a PUC-SP). Fim do parêntese.

Ivan Illich propôs, em seu livrinho Deschooling Society, de 1971, traduzido para o Português como Sociedade sem Escolas, uma sociedade em que não há escolas nem professores profissionais, mas em que todos ensinam uns aos outros e todos aprendem uns com os outros. A hoje famosa Escola da Ponte (mas que só vim a conhecer depois que o Rubem Alves a revelou) pratica isso. Nela há cartolinas nas paredes com dois cabeçalhos diferentes. Numa cartolina se inscrevem aqueles que desejam ter ajuda no aprendizado de algo. O cabeçalho é algo assim: “Preciso de ajuda para aprender . . .” (e lista-se aquilo que se deseja aprender) . Na outra se inscrevem aqueles que se dispõem a ajudar os outros a aprender algo que eles conhecem ou sabem fazer bem. O cabeçalho é algo assim: “Estou disponível para ajudar quem queira aprender . . .” (e lista-se aquilo que pode ser o objeto de desejo, em termos de aprendizagem, do outro). A escola é o ambiente em que se encontram uns e outros. O modelo de Illich era mais ou menos isso, em última instância, só que não dentro de uma escola, mas no âmbito da sociedade como um todo.

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do Oprimido, de 1979, que é o local em que ele sistematiza sua crítica da “educação bancária”, chega a ridicularizar a noção de que o processo de aprendizagem é algo como uma quantia em dinheiro que se transfere da conta (ou da cabeça) do professor para a conta (ou a cabeça) do aluno, processo em que o aluno é totalmente passivo, mero recipiente dos depósitos de informação e conhecimento que lhe faz o professor.

Seguindo a intuição do provérbio popular (e de Papert, de quem ele também se tornou amigo), Freire propôs uma ideia genial e revolucionária nesse seu livro: “Ninguém educa ninguém”. Chocante para quem lê pela primeira vez e se acredita um educador. Mas ele acrescenta: “Tampouco alguém se educa sozinho”. E arremata: “Nós nos educamos uns aos outros, em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

Esse insightme pareceu genial… Melhor do que aprender ensinando algo bobo (desenhar uma casinha, por exemplo) a uma máquina burra e inflexível (que é o caso do computador), é aprender ensinando algo interessante a pessoas interessadas, inteligentes e flexíveis e ser objeto do ensino delas em áreas que nos interessam e em que elas sabem mais do que nós. Esse me pareceu ser o modelo (algo simplificado) proposto por Illich e aquilo que Freire designou como “comunhão” (interação, diálogo, troca de ideias) “mediatizada pelo mundo”.

A essas alturas a tecnologia disponível já havia avançado o suficiente para que pudéssemos criar “grupos de discussão” na Internet — comunidades virtuais dedicadas (entre outras coisas) a aprender algo de interesse, através da interação, do diálogo, da discussão, vale dizer, da comunhão…

Como já mencionado anteriormente, já havia duas dessas comunidades virtuais anteriormente: a InfEd — Informática e Educação e a EduTec.Net — Rede de Educação e Tecnologia. Foi em decorrência dessa segunda experiência que acabei por ser indicado, pela Microsoft, para o Instituto Ayrton Senna, que montava, com apoio da Microsoft, um programa de formação de professores e alunos para uso da tecnologia no processo de aprendizagem: o Programa Sua Escola a 2000 por Hora (que posteriormente passou a se chamar, creio, Escola Conectada, e, depois, Comunidade Conectada — os nomes subsequentes ficam a conferir).

No Instituto Ayrton Senna fui incumbido por minha amiga Adriana Martinelli (hoje Carvalho), de criar um modelo de programa de formação a distância, usando a Internet. Foi nessa ocasião que, em discussão com a equipe do Instituto, criei a expressão “Experiência de Aprendizagem Colaborativa (EAC) ”para dar nome à coisa. Não queria chamar o programa de formação de uma série de “cursos”, porque curso imediatamente chama à mente as ideias de conteúdo, professor e ensino. A expressão escolhida enfatizava o fato de que a ênfase estava na aprendizagem, não no ensino, e que a aprendizagem deveria se dar de forma colaborativa, isto é, envolvendo interação, troca de ideias, diálogo, discussão.

Com o tempo a minha visão foi se expandindo e tornando mais abrangente.

Um grande valor da educação que eu encontrava e admirava em Sócrates estava no fato de que ela era personalizada (além de dialógica). Ou seja: o diálogo de Sócrates não era pautado por ele, mas por seu interlocutor. Este vinha a Sócrates com um problema ou uma questão e a discussão partia do interesse dele, não dos interesses de Sócrates. O grande filósofo ateniense se via, modestamente, como uma parteira, que ajuda os outros a dar à luz (ou a construir, para usar uma noção mais atual) conceitos (concepções!) e ideias, mas que é, ela própria, estéril . . .

Assim, concluí que não basta que a aprendizagem seja colaborativa: ela também precisa ser personalizada, isto é, ancorada nos interesses (nos projetos e sonhos!) do aprendente. Assim, mudei o acrônimo de EAC para APEC — Aprendizagem Personalizada e Colaborativa.

Mas a experiência de 1998 me mostrou que um ambiente totalmente aberto e não estruturado frequentemente leva a resultados não desejados. Para que aprendamos de forma efetiva, isto é, eficaz (aquilo que de fato queremos aprender) e eficiente (sem desperdício de recursos, dos quais o tempo talvez seja o mais importante), é necessário que os ambientes de aprendizagem, em especial os virtuais, sejam estruturados para esse fim e que as atividades desenvolvidas sejam planejadas para esse fim. Assim, completei o acrônimo, que se tornou APECAVE — Aprendizagem Personalizada e Colaborativa em Ambientes Virtuais Estruturados.

3. O Amadurecimento das Ideias

Meu trabalho como consultor da Microsoft e do Instituto Ayrton Senna ao longo de cerca de 15 anos (1998-2013) me comprovou uma tese que eu havia proposto mais de dez anos antes de começar a trabalhar nessas duas fantásticas instituições.

A tese era a seguinte:

O maior impacto que as tecnologias digitais vão ter na educação virá através do atacado, isto é, por meio das mudanças que essas tecnologias vão tornar possíveis na sociedade, não através do varejo, isto é, por meio dos usos específicos da tecnologia dentro da escola e, em especial, na sala de aula.

Eu enunciei essa tese pela primeira vez no já mencionado livro que publiquei em 1987 em parceria com o professor Valdemar W. Setzer.

Uma das mudanças mais chocantes que essas tecnologias produziram na sociedade foi transforma-la de uma condição de penúria para uma condição de superabundância na área de informações e conhecimentos. Até o aparecimento e a popularização das tecnologias digitais, a informação e o conhecimento eram escassos e o acesso a eles, difícil e trabalhoso. Hoje vivemos, a bem dizer, soterrados debaixo de informações e conhecimentos e o acesso a essa quantidade quase infinita de informações e conhecimentos está na ponta de nossos dedos, sendo fácil, rápido e qualquer coisa menos penoso.

Tradicionalmente, o papel das escolas e dos professores era, de certo modo, preservar e custodiar o montante relativamente pequeno de informações e conhecimentos considerados valiosos e transmiti-lo ou entrega-lo para as gerações futuras.

Mas hoje essas informações e esses conhecimentos, em quantidades antes inimagináveis, estão preservados e são custodiados fora da escola, e ninguém precisa transmiti-los a ninguém, porque eles estão disponíveis “na nuvem” para quem tiver interesse em busca-los e deles se valer. Assim, cheguei à seguinte conclusão:

O problema maior, hoje, não é, a preservação e a transmissão desse legado, mas, sim, o que se pode fazer com tamanha quantidade de informações e conhecimentos.

Em outras palavras: o foco deixa de estar no saber e passa para o saber fazer — ou seja, deixa de estar em informações e conhecimentos e passa para habilidades e competências.

O importante, hoje, não é o que devo saber, mas o que devo saber fazer, que habilidades e competências devo desenvolver para definir e realizar meu projeto de vida, para fazer de mim aquilo que eu posso, quero e devo me tornar.

John Dewey já havia prenunciado esse tema. Mas hoje ele se tornou imperativo.

4. É Possível Personalizar a Educação para Todos?

Estou totalmente convicto de que nenhum educador sério e em sã consciência, podendo escolher entre, de um lado, uma educação personalizada (ajustada aos interesses e às necessidades de cada um), significativa, autonomizadora, emancipadora, libertadora, e, de outro lado, uma educação de massa (em que um tamanho deve servir para todo mundo), sem sentido, automatizadora, enquadradora, escravizadora, vá escolher a segunda.

O que acontece é que, embora tenha preferencia pelo primeiro tipo de educação, a maior parte dos educadores acha que não há como, realisticamente, disponibiliza-la para todos, a educação de massa sendo, lastimavelmente, a única forma viável de educar.

Tenho defendido a seguinte tese, nos últimos cinco a sete anos:

As redes sociais tornadas possíveis pelas mídias sociais (i.e., pela tecnologia) apresentam um modelo de educação personalizada para todos (sem massificação).

Há muito trabalho ainda a ser feito para que as redes sociais se tornem verdadeiramente educativas. Quando se tornarem, teremos alcançado o paradigma da sociedade educativa — teremos adotado a pedagogia socrática em escala.

É neste ponto que me encontro hoje em relação à questão da tecnologia e da educação.

O desafio não é nem de longe tecnológico. É pedagógico. Ele não exige competência técnica no manejo da tecnologia. Ele exige criatividade e inteligência no âmbito da pedagogia.

5. Um Mundo Diferente é Possível na Educação

Recentemente (em 2017) tive prova cabal de que um mundo diferente é possível na educação. Assisti a uma palestra inspiradora e desafiadora do professor Manoel Andrade Neto.

A aparência do professor Manoel já é, como dizem os americanos, um sopro de ar fresco. Ele não é um engravatado bonito e bem nutrido que acabou de fazer seu MBA numa escola de elite e que se veste na moda. É um senhor de 55 anos, magrinho, de ar despretensioso, que se veste e fala como a gente do povo. Mas quando ele começa a falar, você não quer mais parar de ouvir…

O professor Manoel é professor de Química na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde fez seu bacharelado, mestrado e doutorado. Mas não foi lá que ele aprendeu o que sabe, porque lá, e em nenhuma outra universidade que eu conheço, não se aprende o que ele aprendeu. O que aprendeu ele aprendeu na vida — “na acre escola da vida”, não “na doce vida da escola”, como um dia escreveu um poeta aqui do lado, de Americana (Antonio Zoppi).

O projeto inicial dele teve origem décadas atrás, lá no sertão do Ceará, num lugar chapado Cipó, na cidade de Pentecoste. Poucos terão ouvido falar desses lugares. Eu não havia ouvido — e, sem saber, era mais pobre por não ter ouvido. A ideia do projeto surgiu quando o Manoel nem sequer sonhava com a ideia de ir para uma universidade (que ele nem sabia direito o que era). O projeto se chamava PRECE (nome que sugere que o Manoel tem raízes “crentes”, o que de fato é verdadeiro): “Projeto Educacional Coração de Estudante” (com a devida permissão do Milton Nascimento). Depois o nome se alterou um pouco, mas o acrônimo permaneceu: “Programa Educacional por Células de Estudo” [33].

Para minha surpresa, a Fundação Mary Harriet Speers, da igreja que frequento na capital de São Paulo [34], é uma das apoiadoras do projeto, sendo essa uma das razões pelas quais o Manoel foi convidado a falar na Faculdade de Teologia da igreja. Até hoje também já têm apoiado o projeto dele a Fundação Lehman, o Instituto Ashoka, a Brazil Foundation… E o professor Manoel foi fazer seu pós-doutorado no Cooperative Learning Institute [35], com os irmãos David e Roger Johnson.

A paixão do professor Manoel é a “aprendizagem cooperativa”. (Ele prefere “cooperativa” a “colaborativa” e tem boas razões para isso). Mas suas ideias mestras são proatividade, protagonismo, autonomia, emancipação, liberação…A definição de um projeto de vida e a construção de uma história de vida são os principais recursos de que se vale.

Depois dos milagres que o professor Manoel conseguiu no interior do Ceará sua universidade se interessou pelo projeto, a Secretaria da Educação se interessou pelo projeto, todo mundo se interessou pelo projeto… Mas o que ele fez e está fazendo de baixo pra cima, começando das raízes para, oportunamente, colher os frutos, isso é só dele…

Por enquanto o projeto não usa tecnologia –  e mesmo assim tem se expandido “viralmente”. Fiquei sonhando com a possibilidade de transplantar o que ele fez e está fazendo para o mundo virtual…

Imagine the possibilities!

Fiquei muito grato ao professor Manoel, em 2017, pela lição de vida que ele deu. Ele me fez lembrar de meu amigo, professor Antonio Carlos Gomes da Costa. Também um educador de primeira, fora do mundo acadêmico, desprezado pelos educadores profissionais, ignorado pela mídia educacional. Antonio Carlos já se foi. Também se foi o meu querido Rubem Alves. Espero que o Manoel fique conosco por muito tempo ainda.

Em homenagem a esses personagens quase anônimos dentro da Educação Acadêmica, criei recentemente um novo blog, em Inglês, com o título: Deschooling Education. O artigo “carro-chefe” do blog é “Reinventing the School or Deschooling Education?” [36]

6. Notas

[1]  Essa versão anterior do artigo foi publicada, em 7 de Fevereiro de 2015, em meu blog Liberal Space, na seguinte URL: http://liberal.space/2015/02/07/tecnologia-e-educacao-um-recorte-biografico/.

[2]  O título inédito que escolhi dar a esta nova versão do artigo – “A Informática na Educação no Brasil: Uma Vista de um Ponto” – deixa claro que esta é uma visão dessa história, e que esta é a visão do meu ponto de vista. Assim, quando afirmo que quero deixar um registro fidedigno da História da Informática na Educação no Brasil, não estou, necessariamente, chamando de não-fidedignos outros relatos. Mas não posso deixar de registrar aqui que existem “histórias”, que se pretendem “oficiais”, ou quase, que, como faziam os soviéticos, em sua malfadada “união de repúblicas”, apagam, de fotos e relatos, personagens cujo existência preferem não reconhecer e aos quais preferem não dar crédito. Os soviéticos, porém, tinham condições de literalmente “apagar” essas pessoas, tirando-lhes a vida. Seus imitadores só podem escrever narrativas que omitem o que essas pessoas fizeram. Como ainda estou vivo, embora chegue aos 75 anos este ano (2018), resolvi, enquanto há tempo, e como dizem os americanos, “set the record straight” – do ângulo de visão que inevitavelmente é o meu. Imitando Groucho Marx, eu digo que, se esta nota aparenta conter uma certa dose de mágoa, não se enganem: ela contém, sim.

[3]  Seu nome original, quando criado, em 1930, era Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Vide a URL http://portal.mec.gov.br/busca-geral/97-conhecaomec-1447013193/omec-1749236901/2-historia.

[4]  Vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Nacional_de_Desenvolvimento_Científico_e_Tecnológico.

[5]  O melhor relato da Política de Reserva de Mercado de Informática no Brasil que encontrei na Internet foi um artigo curto, simples e didático de Michael Rigo, publicado em 1ode Maio de 2014, intitulado “Vivendo na Época da Reserva de Mercado”. O artigo deixa claro que a chamada “Reserva de Mercado de Informática” teve dois tempos. O primeiro desses tempos, que os que viveram a época conheceram bem, teve lugar durante a Ditadura Militar, de 1972 a 1984, suas datas principais sendo as seguintes: 1972, com a criação da Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE); 1979, com a criação da SEI – Secretaria Especial de Informática (que substituiu a CAPRE); 1984, com a Lei Federal nº 7.232/84 de 29 de outubro de 1984 (aprovada no apagar das luzes do governo do último presidente militar, João Figueiredo) e que instituiu, oficialmente, a chamada Reserva de Mercado de Informática no Brasil, instituída pela Política Nacional de Informática (PNI).É a esse tempo que me refiro no texto, pois 1981 está enquadrado dentro dele. O segundo tempo teve início a partir de 1985, já sob a égide da chamada Nova República e debaixo dos ditames da lei aprovada nos últimos suspiros do Regime Militar.  Vide o relato a que faço referência na URL https://www.michaelrigo.com/2014/05/vivendo-na-epoca-da-reserva-de-mercado.html.

[6]  O artigo foi publicado, com o título “Steve Jobs (1955-2011)”, no Blog da Editora Ática, então vinculada à Editora Abril Educação (empresa do Grupo Abril), na seguinte URL http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/steve-jobs. Essa URL, infelizmente, não funciona mais, tendo sido removida da Internet possivelmente quando da venda da Abril Educação. Felizmente, eu tinha um acordo com a Abril Educação que me permitia republicar os meus artigos no meu próprio blog (Liberal Space), a partir do dia seguinte ao seu aparecimento no Blog da Editora Ática. Assim, o artigo pode ser lido, exatamente como foi publicado originalmente, no meu blog, onde foi transcrito, com data de 11 de Outubro de 2011, na seguinte URL https://liberal.space/2011/10/11/steve-jobs-1955-2011/. Na transcrição de passagens desse artigo que faço na sequência, sigo o texto publicado em meu blog em 2011, mas acrescento, em colchetes, algumas informações, com data de7 de Fevereiro de 2015, quando publiquei a primeira versão deste artigo, a mencionada na Nota Preliminar.

[7]  Se contar da data de hoje, 10 de Abril de 2018, faz quase 40 anos que tive esse primeiro contato com o Apple II.

[8]  Hoje o que era então um departamento é um instituto com vários departamentos.

[9]  Cópia do projeto enviado pela UNICAMP pode ser encontrada, em .pdf, na seção de anexos do meu blog Liberal Space, na URL https://liberalspace.files.wordpress.com/2014/10/projeto-educom-unicamp-for-nied-unicamp.pdf. A bem da verdade, cumpre esclarecer que o professor José Armando Valente não participou da elaboração do projeto, embora o projeto faça menção a ele. Sete ou oito anos antes de 1983 ele havia se afastado da Universidade para ir fazer sua Pós-Graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT), sob a orientação de Papert. Por ter ele ficado mais tempo no MIT do que o seu departamento (de Ciência da Computação) havia autorizado, e por ter pedido uma nova extensão do prazo, seu departamento resolveu não atender ao pedido, colocando-o à disposição da Reitoria da Universidade. Tomando eu conhecimento do fato, e sabedor de que o professor Valente havia terminado seu Doutorado e estaria efetivamente retornando para a Universidade dentro de pouco tempo, solicitei à Reitoria que o colocasse, funcionalmente, à disposição do Núcleo que eu havia criado (NIED – vide adiante), e que autorizasse a extensão do seu pedido de permanência no exterior, tendo ambos os meus pedidos sido autorizados pela Reitoria. O professor Valente só retornou para o Brasil em 1986. Em Abril de 1986, quando eu fui chamado para a Secretaria de Estado da Educação, o professor Valente me substituiu na Coordenação do NIED. Verificação dos processos administrativos da UNICAMP, caso ainda existam e estejam disponíveis, deve comprovar essas informações e fornecer datas específicas para os pedidos e as autorizações.

[10] Vide o texto da Portaria do Reitor José Aristodemo Pinotti e outras informações no artigo “O NIED, o EduCom e a UNICAMP”, de 28 de Outubro de 2014, disponível em meu blog Liberal Space, na URL https://liberal.space/2014/10/28/o-nied-o-educom-e-a-unicamp/.

[11] Vide Eduardo O C Chaves, B. Bitelman, A. F. Gagliardo, A. Ripper and H. Silva, “The Brazilian Version of LOGO”, MIT LOGO-85 Pre-Proceedings (MIT, Cambridge, 1985), pp.69-70.

[12] O livro Educação e Informática: Projeto EDUCOM – Ano I foi publicado pelo Centro de Informática (CENIFOR) da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ), Rio de Janeiro, 1985. Tenho algumas cópias dele. O texto detalhado acerca do Projeto EDUCOM da UNICAMP, e que inclui um relatório de seu funcionamento durante o primeiro ano (2004), texto que eu elaborei, encontra-se nas pp.44-53. Compare-se a nota na p.6 que afirma que essa parte foi redigida pelos próprios “Centros-Piloto”. No caso do projeto do NIED, fui eu que escrevi o texto. Eu também escrevi todo o Capítulo 2 do livro (pp.11-28), que discute, acerca do tema “O Computador na Educação” (título do capítulo), as seguintes questões: Principais Críticas(Seção 1), Maneiras de Utilizar o Computador na Educação(Seção 2), Dificuldades Principais para a Introdução do Computador na Escola(Seção 3) e Sugestões para Contornar as Dificuldades(Seção 4). A atestação de minha autoria desse capítulo está na Apresentação do livro (p.6), onde se diz: “A apresentação da Informática na Educação como tema constitui o Capítulo 2, no qual se insere a fundamentação filosófica, técnica e científica que possibilita analisar e responder às críticas ao uso e mostrar as aplicações e vantagens dessa tecnologia para a melhoria do ensino [sic!]. Essa parte do trabalho foi extraída da excelente palestra do Professor Eduardo Oscar de Campos Chaves, da UNICAMP, sob o título ‘Informática na Educação – Uma Experiência Brasileira’, proferida no XVIII Congresso Nacional de Informática – Informática/85, promovido pela SUCESU”.

[13] INEP, Brasília, DF, 1983. O artigo foi transcrito, em 2013, no meu blog Liberal Space, https://liberal.space/2013/03/04/computadores-maquinas-de-ensinar-ou-ferramentas-para-aprender/.

[14] Vide p.49, Item 2.

[15] Eduardo O C Chaves, Informática: Micro Revelações (Cartgraf Editora & People Computação, Campinas, 1985).

[16] Eduardo O C Chaves et alii, “The Brazilian Version of LOGO”, op.cit., pp.69-70.

[17] Vide, a esse respeito, dois artigos. Primeiro, “A Origem da Computação no IME-USP”, de Valdemar Waingort Setzer et alii, disponível na URL https://www.ime.usp.br/~song/ime/origem-comp.pdf; segundo, “Conheça o Patinho Feio, um dos Primeiros Computadores no Brasil”, publicado na revista Época Negócios, de 3 de Agosto de 2015, e hoje disponível na URL https://epocanegocios.globo.com/Caminhos-para-o-futuro/Desenvolvimento/noticia/2015/08/conheca-o-patinho-feio-um-dos-primeiros-computadores-criados-no-brasil.html. No artigo é inserido o link para um vídeo de cerca de 20 minutos, com o título “A História do Projeto Patinho Feio”, que descreve a criação do computador com esse nome (para contrastar com o “Cisne Branco”, nome de um computador que a Faculdade de Engenharia Elétrica da UNICAMP pretendia construir, mas não terminou), que foi inaugurado em Julho de 1972, e que é o primeiro computador brasileiro com circuitos integrados, criado na Escola Politécnica da USP, por professores, alunos e estagiários do Laboratório de Sistemas Digitais (LSD). O vídeo está disponível no YouTube, na URL https://www.youtube.com/watch?v=wQ22Ymo0Spk.

[18] Vide o artigo “O que é a Antroposofia?”, de sua autoria, no site da Sociedade Antroposófica no Brasil (SAB), na URL http://www.sab.org.br/antrop/.

[19] Vide seu livro Meios Eletrônicos e a Educação: Uma Visão Alternativa, cujos capítulos estão disponíveis no site do autor, na URL https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/.

[20] Vide, por exemplo, a transcrição de nosso debate no programa de uma hora “Opinião Nacional” da TV Cultura, de 28 de Maio de 1999 (creio que foi a terceira vez que debatemos o tópico na TV Cultura), coordenado por Heródoto Barbeiro, com o apoio de Carlos Alberto Sardenberg, que está disponível no artigo “Debate Entre Valdemar Setzer e Eduardo Chaves na TV Cultura (Opinião Nacional) em 28/5/99”, disponível na URL https://liberal.space/2008/04/14/debate-entre-valdemar-setzer-e-eduardo-chaves-na-tv-cultura-em-28599/. É bom que se esclareça que a transcrição foi feita, a partir de fita gravada, por Lourdes Matos, do grupo de discussão EduTec, que eu criei e coordenei de 1998 a 2001. O texto da transcrição foi revisto pelos entrevistados em Abril de 2008. Embora tenham feito uma ou outra correção, eles tentaram conservar os seus argumentos,  conhecimentos e opiniões na época, sem atualizar o texto.

[21] Eduardo O C Chaves e Valdemar W. Setzer, O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas (Editora Scipione, São Paulo, 1987). O meu texto se encontra nas pp.5-67. O texto do professor Setzer nas pp.69-123. Nas pp.124-127 os dois autores forneceram uma bibliografia. O meu texto está disponível, sem minha autorização, em inúmeros sites. Vide, por exemplo, a versão disponibilizada pela PUC-Minas na URL http://www.ich.pucminas.br/pged/db/wq/wq1/local/ec_scipione.htm.

[22] Eduardo O C Chaves, People LOGO – Versão 2.2 – Versão em Português para a Linha IBM-PC (People Computação, Campinas, 1992, 1993). A Introdução à Linguagem LOGO ocupa as pp.1-67. O Manual, propriamente dito, apenas se inicia na p.69.

[23] Eduardo O C Chaves, Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia(People Computação, Campinas, 1991).

[24] O Futuro da Escola na Sociedade da Informação (Ministério da Educação e Cultura, Brasília, 1998, em coedição com Mindware Editora, São Paulo). Esse livro deverá ser publicado como e-book proximamente.

[25] Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era. Foi com esse título que o texto foi submetido à Editora SENAC, e aprovado para publicação, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, no ano de 2002. Mas não foi publicado, com o conteúdo e o título que tinha, conforme explicado no texto principal.

[26] Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital (Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, e com o apoio da Cátedra UNESCO em Educação e Desenvolvimento Humano no Instituto Ayrton Senna, São Paulo, 2004). A propósito, a mencionada Cátedra UNESCO foi criada por mim dentro do Instituto no ano de 2004. O livro foi publicado em forma impressa. Comprei em 20/3/2018 o último exemplar novo a venda na Amazon Brasil. Agora, nessa livraria virtual, apenas cópias usadas, o que indica que o livro, se não está totalmente esgotado na Editora, está perto. Entrei, na mesma data, no site da Livraria Saraiva Online, empresa vinculada à editora, e comprei mais cinco exemplares, por estar o preço bastante descontado (de R$ 49,00 por R$13,90). A atendente me informou, em resposta a uma pergunta minha, que ainda restariam dezessete volumes em estoque na loja virtual depois de minha compra.

[27] Pilares da Educação Digital (Microsoft Informática, Gerência de Educação, São Paulo, 2010). Este livro só foi distribuído, dentro da Microsoft e para seus clientes, em formato digital.

[28] Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem (Secretaria Municipal de Educação de São [SMESP], Diretoria de Orientação Técnica [DOT], São Paulo, 2010). Este livro foi publicado em forma impressa para distribuição dentro da SMESP.

[29] A Educação, as Mídias Sociais e as Redes Sociais, com base numa série de 30 artigos que escrevi para o Blog da Editora Ática. A publicação do livro em forma impressa foi negociada com a então Abril Educação, o texto teve uma primeira versão redigida, mas acabou não sendo publicado com as dificuldades encontradas pela empresa, que acabou sendo vendida e se tornou a Somos Educação. Este livro, portanto, foi escrito mas não foi ainda publicado. Estou revendo o texto junto com Paloma Chaves, para uma futura publicação.

[30] Educação, Inovação e Mudanças foi o título do pequeno livro em Português. Em Inglês ele se chamou How Far Can we Innovate in Education? No momento estou revisando o material, com Paloma Chaves, tendo em vista a sua publicação sob o título de Educação e Aprendizagem: A Escola vs a Sociedade Sem Escolas, em especial diante da firme posição assumida por mim em favor da Desescolarização da Educação num mundo em que a as mídias e as redes sociais, bem como a Web e outras tecnologias digitais, são ubíquas e onipresentes.

[31] Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I (FTD Educação, São Paulo, 2016). O livro consiste de uma Introdução ao tema mais dez fascículos, cada um deles dedicado a um projeto a ser executado ao longo de cada um dos dez semestres do Ensino Fundamental I. Esse livro foi impresso, com ilustrações e excelente diagramação e produção visual. Esse livro de certo modo vai na direção contrária ao meu posicionamento em favor da Desescolarização da Educação. No entanto, estou convicto de que a escola fará menos mal, e até mesmo poderá contribuir, de forma limitada com a educação, se concentrar seus esforços no desenvolvimento de Projetos Colaborativos de Aprendizagem voltados para a construção de competências transversais ou transdisciplinares. Esse livro se concentra no desenvolvimento dos The 7 Habits of Highly Effective People: Powerful Lessons in Personal Change (Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes), de Stephen R. Covey, em sua versão voltada para crianças do Fundamental I, chamada, em Inglês, de The Leader in Me (O Líder em Mim, em Português), cuja localização para o Português foi feita sob minha responsabilidade em serviço prestado para a então chamada Abril Educação.

[32] David Gauntlett & Bo Stjerne Thomsen, orgs. Cultures of Creativity: Nurturing Creative Mindsets Across Cultures (The LEGO Foundation, Bilund, 2013). Meu artigo está nas pp.9-13 do segundo volume (que contém os dezoito artigos apresentados na Conferência — o primeiro volume contém uma introdução à temática pelos organizadores da Conferência). O volume introdutório aos dezoito artigos e os artigos individuais podem ser baixados a partir do site da Fundação Lego, na URL https://www.lego.com/r/legofoundation.

[33] Confiram o site http://prece.ufc.br/.

[34] Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, também conhecida como Catedral Evangélica de São Paulo, na Rua Nestor Pestana, 136-152.

[35] http://www.co-operation.org.

[36] O blog Deschooling Education está disponível em https://deschooling.education.  O artigo mencionado, que foi apresentado na PBL-2018 Conference, dedicada a discutir  “Problem-Based Learning and Other Active Methodologies”, realizado na Santa Clara University, Santa Clara, CA, de 15 a 19 de Fevereiro de 2018, e disponível na URL: https://deschooling.education/2018/02/18/reinvent-the-school-or-deschool-education/.

São Paulo, 11 de Maio de 2018; revisado em Salto, em Outubro de 2022.

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PBL: O Espaço em que a Pedagogia Encontra a Filosofia (e mais 2 artigos)

18/02/201818/02/2018 Eduardo ChavesLeave a comment

PBL – Problem-Based Learning é uma forma de encarar a educação que privilegia mais o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução do que o fornecimento de soluções prontas e acabadas para problemas que muitas vezes as pessoas nem têm.

PBL, privilegiando as estratégias necessárias para o enfrentamento de problemas com vistas à busca de sua solução, é uma metodologia ativa de aprendizagem.

A metodologia de “aprendizagem” usada na escola tradicional é baseada no fornecimento, pelo professor aos alunos, de soluções prontas e acabadas, cabendo a estes apenas aceitar, passivamente, a solução fornecida — ou, em casos limite, revoltar-se, enfrentar o professor, e, no extremo, abandonar a escola.

PBL, assim, está no mesmo plano da maiêutica socrática, que é a pedagogia da pergunta que problematiza, que desestabiliza as certezas, que faz o interlocutor pensar nas possíveis respostas e procurar um novo nível de estabilidade, que será, em seguida, submetido ao mesmo processo — em contraposição à pedagogia da resposta, em geral usada nos sistemas de ensino, que traz, para os alunos (e até para o professor), todas as respostas já prontas e arredondadas, cabendo a eles, os alunos, apenas absorvê-las e assimila-las.

Vou dar um exemplo de aplicação de PBL numa área em que essa metodologia raramente é empregada: a religião e a teologia.

Assisti, há tempo, no programa de entrevistas do Larry King, na CNN, uma entrevista do Billy Graham. Muito interessante. King fazia as perguntas, Graham respondia. Billy Graham é um pastor / evangelista tradicional, daqueles que têm todas as respostas prontas e buriladas para qualquer pergunta possível. Ele optou por essa alternativa. Quando era ainda estudante tinha um amigo que começou a focar nos problemas da religião e da teologia, a levantar questões para as quais as respostas eram ou inexistentes ou, então, difíceis e doídas. Esse amigo começou a fustigar a fé de Billy Graham com suas provocações, instigando-o a refletir sobre aquilo em que ele acreditava, enfrentando o risco de ter de concluir que suas respostas eram inadequadas, ou, pior ainda, que os problemas para os quais ele acreditava ter resposta não eram problemas genuínos, ou não eram os problemas que realmente afligiam o ser humano. Graham chegou a um ponto em que disse ao amigo que não iria participar daquele jogo: ele encontrava respostas para as perguntas que lhe interessavam na Bíblia (“The Bible says…”), e iria se abster de considerar outras respostas ou perguntas para as quais a Bíblia não fornecia respostas. Foi uma decisão consciente dele — mas uma decisão que estreitou seu horizonte.

Ao final da entrevista, King perguntou a Graham se este tinha algo mais que quisesse acrescentar. Graham usou a ocasião para tentar evangelizar King. Perguntou-lhe como ele encarava a religião, em geral, e o Cristianismo, em particular, se ele acreditava em Deus, na vida futura, etc.

A resposta de King foi lapidar — e ilustrou a diferença entre a pedagogia do problema e a pedagogia da solução. Disse ele que achava fascinantes as questões que a religião e a teologia levantavam, os problemas para os quais dirigiam seus holofotes — mas que não era um crente porque nunca havia conseguido se convencer de que as respostas dadas a essas questões por parte das diversas religiões e teologias eram verdadeiras e de que as soluções apresentadas para esses problemas por parte das diversas religiões e teologias eram as mais adequadas.

A pedagogia da resposta e da solução parte do pressuposto de que nossas perguntas têm respostas e nossos problemas têm soluções, que essas respostas e soluções são conhecidas, e que basta aceita-las, absorvê-las, assimila-las. Que essas respostas são verdadeiras e essas soluções adequadas passa a ser um postulado.

A pedagogia da pergunta e do problema é a pedagogia do desafio e do risco. O fato de sermos capazes de formular certas perguntas e problemas não garante que haja respostas verdadeiras e soluções adequadas, convincentes, e persuasivas para eles.

O “cético radical” acredita que não haja resposta verdadeira para nenhuma de nossas perguntas nem solução adequada para nenhum de nossos problemas.

O “cético mitigado” acredita que não haja resposta verdadeira para várias de nossas perguntas nem solução adequada para vários de nossos problemas — talvez para as perguntas e os problemas mais importantes da vida, como as clássicas e perenes questões da filosofia:

  • De onde venho?
  • Para onde vou?
  • O que eu estou fazendo aqui?
  • Como é que eu sei (isto é, como é que eu descubro as respostas e soluções para essas perguntas e problemas)?

O “agnóstico”, à la Sócrates, afirma só saber que nada sabe… e deixa a coisa nesse pé… Buscar e procurar é preciso, mas sem a certeza de que se vai encontrar, ou mesmo de que se vai reconhecer a resposta ou a solução se, por acaso, toparmos com elas. . .

Há muita gente que não consegue conviver com a pedagogia da pergunta e do problema e o ceticismo ou agnosticismo que ela induz.

Essa gente prefere, à la Graham, se agarrar a respostas e soluções que lhe parecem fazer sentido e deixar de continuar a busca.

Ou então prefere, à la muitos cientistas positivistas e/ou naturalistas, acreditar que só respostas e soluções científicas são admissíveis, fechando a porta a várias outras possibilidades. Nesse caso, se a ciência ainda não encontrou respostas e soluções para algumas perguntas e problemas, acreditam que ela certamente um dia o fará. Isso me parece muito com a fé religiosa…

Billy Graham tem as certezas de sua “sola scriptura” reformada… Cientistas positivistas e/ou naturalistas têm as certezas de sua “sola scientia”.

Eu, como Larry King, prefiro continuar lidando com os problemas e as perguntas, oscilando entre o agnosticismo e o ceticismo — dependendo do meu estado, se de otimismo ou pessimismo epistemológico…

Em San José, 18 de fevereiro de 2018 (18/2/18)

NOTA 1: Já escrevi um artigo parecido com esse. Foi no ano 2000. Transcrevo-o a seguir, para mais fácil referência:

 O Professor e a Tecnologia:
Um Encontro Possível com a Filosofia

Eduardo Chaves (*)

Faz vinte anos [artigo escrito no ano 2000] que venho refletindo sobre o uso de tecnologia (em especial de computadores) na educação (em especial na educação escolar). Ao longo desse tempo tem me ficado bastante claro que o principal obstáculo ao uso generalizado de computadores em escolas não é o custo do equipamento, não é a inexistência de software adequado, e não é a dificuldade técnica de capacitar o professor no  manejo dessa tecnologia.

O principal obstáculo tem estado no fato de que os educadores não conseguem entrar em um acordo sobre o que fazer com o computador na escola, e a principal razão pela qual não chegam a esse acordo tem que ver, não com o computador, em si, mas, sim, com o fato de que os educadores, em geral, e dentre eles os professores, têm visões muito diferentes do que seja a educação, e, consequentemente, de qual seja o papel da escola na educação e deles próprios, professores, na escola. Dentro desse quadro, dificilmente poderão concordar sobre qual deva ser o papel do computador na educação.

Em 1983 (dezessete anos atrás) publiquei um artigo na revista Em Aberto do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério da Educação, com o título “Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?” Nesse artigo observei que há controvérsias entre os educadores sobre a melhor maneira de usar o computador na escola e que essas controvérsias decorrem de diferentes visões da educação (em especial, da educação escolar):

“Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem. . . . Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim e que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações.”

Nesta disputa, de um lado estão os que veem a educação escolar como um processo de transmissão, pelos professores aos alunos, de conteúdos informacionais (fatos, conceitos e procedimentos), sistematizados em áreas específicas (disciplinas) e organizados sequencialmente de forma cada vez mais complexa (séries). Nessa visão da educação há, consequentemente, a valorização relativa do processo de ensino e instrução e é colocado em relevo o papel do professor como detentor das informações e dos conhecimentos a serem repassados aos alunos. A aprendizagem, por sua vez, fica caracterizada como um processo, em grande parte passivo (do ponto de vista do aluno), de absorção de informações e conhecimentos (em geral apresentados de maneira totalmente desvinculada dos problemas fundamentais que um dia levaram o ser humano a se interessar pelas questões que estão por trás dessas informações e desses conhecimentos).

O computador, para os que adotam essa visão da educação escolar, deve ser utilizado de modo a reforçar ou tornar mais eficiente o trabalho do professor, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja fundamentalmente alterada a visão de ensino e aprendizagem adotada. Para eles, o computador é apenas uma máquina de ensinar – ou, mais corretamente, uma máquina que ajuda o professor a ensinar melhor.

Do outro lado na disputa estão os que veem a educação (até mesmo a escolar) como um processo de desenvolvimento, pelos alunos, de competências e habilidades, especialmente no domínio cognitivo (mas sem negligenciar o domínio afetivo-emocional, interpessoal e até mesmo psicomotor), com a consequente valorização relativa do processo de autoaprendizagem e de aprendizagem colaborativa, e, portanto, do papel do aluno na construção ou elaboração de sua própria aprendizagem. Esta, por seu turno, é vista como um processo ativo (do ponto de vista do aluno) de construção das estruturas cognitivas (afetivo-emocionais, interpessoais e psicomotoras) que vão lhe permitir alcançar vida pessoal realizada e participação eficaz e significativa na vida da sociedade como cidadão e profissional.

A aprendizagem, e, consequentemente, a educação do aluno, é, nessa visão, algo que decorre, diretamente, da ação do aluno – não do professor. A participação deste no processo é indireta. O professor  deixa de ser o de detentor único e exclusivo de informações e conhecimentos cuja absorção define a aprendizagem do aluno, e passa a ser, principalmente, o motivador, o incentivador, o animador, o instigador, o facilitador do aprendizado do aluno (tanto no aspecto cognitivo como nos aspectos afetivo-emocional e interpessoal), sendo necessário, para tanto, que organize “ambientes de aprendizagem” que sejam capazes de otimizar as oportunidades de aprendizagem dos alunos – aprendizagem significativa, flexível, transferível para outros contextos, e, por isso mesmo, duradoura.

Para os defensores dessa visão, o papel principal da escola é fornecer aos alunos o maior número possível de ambientes que favoreçam a aprendizagem do aluno, aprendizagem esta que ocorre quando o aluno, em interação com esses ambientes, desenvolve estruturas cognitivas (emocionais, interpessoais, etc.) que se traduzem em competências e habilidades que lhe permitem, acima de tudo, continuar a aprender e aprender sempre.

O computador, para os que adotam essa visão da educação, deve ser utilizado, não como uma máquina de ensinar, mas como uma ferramenta de aprender, isto é, como uma tecnologia que pode facilitar, da parte dos alunos, o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias para que aprendam a aprender e para que aprendam sempre.  Inserindo-se nos ambientes de aprendizagem em que os alunos se situam, o computador permite que se ampliem os seus horizontes cognitivos e aumentem as suas possibilidades de interação com o meio – em especial no que diz respeito a contatos com pessoas de interesses afins e a acesso a informações relevantes aos seus interesses. O computador, para os alunos, é uma ferramenta de aprender – uma tecnologia que  expande e aumenta o potencial da mente humana.

Fica claro, portanto, de tudo o que foi dito, que há uma diferença fundamental entre essas duas visões da educação e, consequentemente, do papel da escola na educação, do professor na escola e da tecnologia em todo o processo. Mas essa diferença não deve ser localizada no âmbito da tecnologia, mas, sim, no âmbito da filosofia da educação.

É preciso registrar que a tecnologia frequentemente serve de agente catalisador da reflexão acerca dessas questões, porque o computador, ao ser introduzido na escola, funciona como agente perturbador da ordem estabelecida e permite que os que dela discordem se valham dessa oportunidade para questioná-la. O computador provoca essa discussão porque os alunos, em geral, têm muito mais facilidade para lidar com ele do que os professores – e, portanto, se torna um agente subversivo da ordem estabelecida na escola.

Proponentes da visão mais convencional da educação em geral procuram “domesticar” o computador para que ele se insira naturalmente naquilo que é feito na escola, sem maior perturbação da ordem – mantendo, portanto, a hierarquia na escola. Os professores, aqui, em geral preferem usar o computador com softwares educacionais que eles podem pesquisar e dominar antes – não favorecendo usos “abertos” do computador em que o que vai ser feito, e como vai ser feito, não estão previamente definidos.

Proponentes da segunda abordagem, por outro lado, às vezes de forma mais ou menos ingênua e mesmo romântica, esperam que o computador, uma vez introduzido na escola, vá ajudá-los a subverter a ordem estabelecida e a finalmente promover as mudanças que desejam que aconteçam. Às vezes isso acontece – mas é raro. Na escola, como em qualquer outro lugar, a tecnologia, por si só, em geral não promove mudanças. Estas, se vierem a ocorrer, são comumente promovidas por pessoas – que, entretanto, podem, se valer da tecnologia para alcançar alguns de seus objetivos.

Em conclusão: o momento da introdução da tecnologia (em especial do computador) na escola pode ser um excelente momento para a reflexão sobre algumas importantes questões da filosofia da educação. A discussão franca e aberta das diferentes visões da educação que subsistem na escola pode eventualmente levar os professores a entender melhor suas posições e as daqueles de quem discordam.

(*) Eduardo Chaves (eduardo@chaves.im) é Ph.D. em Filosofia pela Universidade de Pittsburgh (1972), Professor Titular de Filosofia da Educação da Universidade Estadual da Educação (1974-presente), e Coordenador da Comunidade Virtual de Aprendizagem na Educação EduTec.Net (www.edutec.net). [Essas informações se referem ao ano 2000, em que este artigo foi escrito.] [Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]

Em Campinas, ano 2000. [Artigo escrito como resumo de um maior para publicação na Revista da Associação Brasileira de Educação – ABE].

NOTA 2: Como faço referência a um artigo meu de 1983, de difícil acesso, transcrevo-o aqui também.

Computadores:
Máquinas de Ensinar ou Ferramentas para Aprender?

Eduardo Chaves

Em relação à questão da utilização de computadores na educação, a exemplo do que tem acontecido em muitas outras situações, teses ou causas perfeitamente sensatas e defensáveis acabam por se inviabilizar quando alguns de seus mais ardorosos defensores fazem reivindicações totalmente inverossímeis a seu favor, fornecendo àqueles que se opõem a essas teses na direção oposta.

Ilustremos em relação à nossa questão.

Que trabalhadores não-qualificados, ou semiqualificados, possam vir a perder seus empregos para sofisticados robôs ou para outros complexos sistemas de automação industrial sempre me pareceu uma real possibilidade. Que professores, porém, possam vir a perder os seus empregos decorrência da introdução, ainda que maciça, de computadores nas escolas tem sempre me parecido bastante implausível. Surpreendia-me, portanto, ver que os professores, ou seus porta-vozes, frequentemente externavam este receio nas ocasiões em que se discutia a possibilidade de introduzir computadores nas escolas. Uma fábrica totalmente, ou quase inteiramente, automatizada, sem os trabalhadores não- ou semiespecializados, é algo perfeitamente imaginável. Uma escola, porém, totalmente sem professores, apenas com alunos sentados diante de terminais de vídeo, é algo que tenho sérias dificuldades em imaginar. Concluía, pois, que o receio não passava de paranoia de professor.

Minha surpresa foi grande, portanto, quando, ao ler um artigo sobre CAI (Computer-Assisted Instruction), em Creative Computing, encontrei as seguintes afirmações do autor, John Herriott:

“Há uma possibilidade bastante acentuada de que antes do final deste século os estudantes venham a receber toda a sua instrução através de computadores, sem, absolutamente, nenhum contato com professores vivos. Isto pode ser feito, e muito bem” (John Herriott, “CAI: A Philosophy of Education — and a System to Match”, in Creative Computing, vol. VIII, n° 4, April 1982, p.80).

Herriott não está sozinho. Clive Sinclair, o gênio por detrás do Sinclair, afirma em Computing Today:

“Chegará o dia em que os computadores ensinarão melhor do que seres humanos, porque computadores podem ser tão pacientes e muito afinados com as diferenças individuais. O computador substituirá não só a Encyclopaedia Britannica mas também a escola” (Clive Sinclair, apud “Viewpoint”, de Paul Kriwaczek, in Computing Today, vol. IV, n° 11, January 1983, p. 29).

Segundo Sinclair, portanto, junto com os professores as próprias escolas serão substituídas pelo computador. Charles Lecht, presidente da Advanced Computer Techniques Corporation, de New York, dá o fecho:

“Saibam que eu realmente acredito que máquinas podem fazer qualquer coisa [sic] melhor do que pessoa” (apud, ibid).

Ao ouvir essas visões do futuro que os profetas de um novo milênio nos apresentam, eu me pergunto se estes defensores da introdução de computadores nas escolas, ou mesmo da substituição da escola por computadores instrucionais, ajudam ou atrapalham a causa daqueles que, preocupados com a qualidade e a eficiência do ensino é ministrado em nossas escolas, investigam a melhor maneira de introduzir computadores no processo de aprendizagem.

Essa investigação, porém, tem que ser feita com plena consciência do fato de que a introdução de computadores nas escolas é, nem virá a ser, uma solução para todos os problemas pedagógicos que afligem a educação brasileira. O computador não é nenhuma panaceia — como não é nenhum monstro de sete cabeças: ele não vai nem encabrestar nem salvar a escola. Ele pode educar, ou então deseducar, dependendo da maneira em que for utilizado. Ele não é nenhum substituto para o uso da inteligência e da criatividade — e é por isso que alguém já disse, a meu ver com propriedade, que, se algum professor vier a perder seu emprego por causa da introdução de computadores na escola, este professor na verdade merecia ser substituído (se não necessariamente por uma máquina, pelo menos por outro professor que, fazendo valer sua inteligência e sua criatividade, tornasse inviável sua substituição por um computador.

Outra questão que deve ser mantida em mente ao investigarmos o tema que já está proposto para discussão é que já não é mais a hora de se cogitar da introdução ou não de computadores nas escolas. Essa questão já está decidida, e não é pelo MEC ou pela SEI — ela está decidida por um processo histórico que é irreversível, inclusive no Brasil. A questão que resta discutir é quem vai conduzir esta introdução e como ela será feita. Se os educadores não se propuserem a assumir esta introdução, e a conduzi-la, outros o farão, e os educadores, mais uma vez, ficarão na posição de meros observadores de um processo conduzido por quem tem iniciativa. Hoje muitos educadores lamentam o que é feito no país em matéria de tele-educação, por exemplo. Mas no momento, num passado que hoje nos parece remoto, em que poderiam ter se envolvido, não o fizeram (com raras e honrosas exceções), por uma série de razões. Hoje não têm o direito de lamentar. O mesmo acontecerá em relação à utilização de computadores na educação se a questão não for enfrentada com realismo, inteligência, e decisão.

Uma terceira questão preliminar, que precisa ser encarada de frente, é a que indaga se a introdução dos computadores nas escolas ajudará a aumentar ou a diminuir a distância entre as classes sociais. Novamente aqui, a resposta sensata deve realçar o fato de que a utilização de computadores nas escolas poderá acentuar ou diminuir a distância entre as classes sociais, dependendo da maneira em que for feita. Se o problema for deixado meramente à iniciativa das escolas, sem a interveniência do poder público, somente aquelas escolas que já atendem às classes mais altas é que se envolverão — e já estão envolvidas — com a introdução de computadores na educação. As escolas mais pobres, entre as quais se encontram, sem exceção, as públicas, ficaram a ver navios. Deixar a questão, portanto, meramente ao sabor das iniciativas particulares é condenar, mais uma vez, as escolas públicas a uma educação de categoria inferior. É necessário, portanto, que o poder público, na qualidade de regulador, intervenha para tentar igualar, na medida do possível, a situação. Pois o dilema que se coloca, nunca é demais repetir, não é se as escolas vão ou não introduzir o computador na educação, mas se somente as escolas particulares e abastadas o farão ou se todas terão alguma chance. A introdução é inevitável: cumpre, a meu ver, encontrar maneiras de entender o privilégio ao maior número possível de escolas e, consequentemente, de alunos.

Por outro lado, é sempre bom lembrar que, se não fizermos um esforço maciço para nos capacitar também nesta área, não resta a menor dúvida de que a distância entre os países desenvolvidos e o nosso país aumentará cada vez mais. Só isto, a meu ver, já justificaria um envolvimento e um investimento nesta área. Só isto já justifica o Projeto EDUCOM. (*)

Ou vejamos alguns fatos, só à guisa de ilustração. A revista Creative Computing de maio do corrente ano (1983) assinala o fato que a Inglaterra é o primeiro país do mundo a colocar um microcomputador (ou algum recurso computacional mais potente ) em todas as escolas secundárias do país. Através de um projeto chamado “Micros nas Escolas” o Ministério da Industria permitiu que mais de 5.800 escolas secundárias viessem a receber em doação ou a adquirir microcomputadores. Enquanto isso, nos Estados Unidos, legislação aprovada no Estado da Califórnia levou um só fabricante — a Apple — a doar mais de 10.000 microcomputadores às escolas do Estado. No mesmo Estado da Califórnia já há cursos de formação de professores para atuar na área de utilização de computadores na educação — e a Universidade de Stanford, localizada no Vale do Silício, foi a primeira Universidade americana a criar um Mestrado em Computação Educacional, dirigido a professores que estejam interessados em aprender computação (especialmente programação) e a programadores que estejam interessados em aprender educação. O programa contém disciplinas nas áreas de computação, psicologia educacional, filosofia da educação, teoria do currículo, métodos de ensino e avaliação, etc. O objetivo fundamental é formar pessoal que possa escrever programas de alto nível técnico e de grande teor pedagógico e educacional. Para tanto, a Universidade de Stanford, em termos de recurso materiais, está excelentemente equipada: 17 computadores de grande porte, 343 minicomputadores, e literalmente centenas de microcomputadores e processadores de texto (dados retirados do jornal da Universidade, The Stanford Observer, de fevereiro de 1983).

Diante de tudo isto, e diante da enorme lista de vicissitudes de que padece o ensino brasileiro, muitos poderão ser tentados a adotar a atitude que, já que nunca iremos poder chegar ao ponto de ter e fazer tudo isto, será que não seria melhor não fazer nada? Será que não seria melhor aguardar até que os problemas mais básicos fossem solucionados para então pensar na introdução de computadores nas escolas? Esta e a receita típica do inativismo pedagógico: já que não posso mudar tudo, é melhor deixar tudo como está. O problema é que, se o educador não o fizer, outros o farão, e dentro de pouco tempo teremos um “Info-Curso 2° Grau”, e depois um “Info-Curso 1° Grau”, e depois, quem sabe, um “Info-Curso” disfarçado de Vila Sésamo ou Sítio do Pica-Pau Amarelo, ou qualquer coisa equivalente — e os filhos dos educadores se deleitarão.

Mas depois deste preâmbulo exortativo, vamos à discussão do tema que me propus.

Computadores e Educação. Há várias maneiras de se entender este binômio. Deixando de lado a questão do ensino da Computação, propriamente dita, poderíamos classificar em três grupos principais as opiniões sobre como se deve entender o binômio em questão.

Em primeiro lugar há aqueles que, tendo em vista o fato de que computadores (e microcomputadores, em particular) acabaram por se constituir em um novo fenômeno tecnológico e social, acreditam que seja útil, indispensável mesmo, que as crianças venham a aprender alguns fatos básicos sobre os computadores e seu impacto na sociedade. Acreditam estes que as crianças de hoje devam estar preparadas para viver em uma sociedade altamente informatizada e que, portanto, devem ser introduzidas aos computadores o mais cedo possível, bem como vir a discutir as questões relativas ao impacto que a introdução maciça de computadores na vida moderna exerce sobre os indivíduos e os grupos e as relações sociais. É isto que normalmente se tem em mente quando se fala em “Computer Literacy”, ou “Computer Awareness”. Uma vantagem desta abordagem é que a questão (importante, por sinal) pode ser introduzida em vários lugares do currículo acadêmico, com abordagens as mais variadas, não sendo necessário criar uma disciplina ande o assunto seja estudado (embora no contexto fundamentalmente disciplinar em que nossas escolas atuam esta seja a normal). Áreas curriculares tradicionais como Ciências, Matemática, estudos Sociais, etc.; podem, cada uma de sua perspectiva introduzir o tópico aos alunos.

Em segundo lugar, há aqueles que acreditam que a principal, quiçá a única, possibilidade de utilização do computador na educação é como um instrumento para o ensino das matérias do currículo tradicional. Normalmente é isto que se tem em mente quando se fala em “Computer-Assisted (or Aided) Instruction” (CAI) : o computador é visto como um instrumento, uma ferramenta, que ajuda ou facilita o ensino de matemática tradicionais (como matemática, física, etc.; ou até mesmo aritmética, geometria, geografia, história).

Em terceiro lugar, há aqueles para quem as abordagens anteriores realmente deixam de apreciar o impacto fundamental que os computadores podem ter aprendizado da criança. Segundo estes, o pleno potencial pedagógico dos computadores só será explorado se os alunos aprenderem a programar (e não apenas aprenderem apenas fatos sobre o computador, ou fatos sobre outros assuntos através do computador ). advogados desta tese argumentam que a programação pode fornecer aos alunos habilidades que não seriam desenvolvidas de nenhuma outra maneira. Fala-se aqui, às vezes em “Computer-Assisted Learning” (CAL).

A maior disputa, atualmente, é entre os grupos que defendem a segunda e a terceira das posições esboçadas. Ninguém parece discordar de que aquilo que o primeiro grupo propõe é importante é deve ser incentivado. Muitos, porém, acham que não é suficiente — e discordam sobre o que deveria ser acrescentado. Acreditam estes também que a melhor maneira de se informar ou conscientizar sobre o computador é através do próprio computador, e que, portanto, os objetivos a que se acreditam os defensores da primeira tese poderiam ser igualmente atingidos por uma das outras duas abordagens.

Sendo assim, vou me concentrar na disputa entre os defensores das propostas resumidas em segundo e terceiro lugar. Fundamentalmente, a controvérsia maior ocorre entre os que defendem a utilização do computador basicamente como um instrumento de ensino e os que defendem a utilização do computador basicamente como uma ferramenta de aprendizagem (na verdade, de autoaprendizagem).

Pode parecer que a questão não é tão fundamental assim é que tudo não passaria de uma questão de ênfase. Contudo, há aspectos importantes por detrás destas colocações. Vou resumir os principais aspectos destas duas colocações, sem pretender imparcialidade — minha preferência é claramente pela segunda — mas tentando ser justo e, na medida do possível, objetivo em minhas ponderações.

Cerca de 90% (ou até mais) dos chamados “programas educacionais” existentes no mercado refletem a primeira preocupação. São programas destinados a transmitir certas informações ou a desenvolver certas habilidades básicas, através do exercício, na prática, de tutoriais, etc. O computador funciona, neste caso, como se fosse um professor, uma máquina de ensinar: ele é um meio instrucional, ele instrui. A aprendizagem que ocorre é totalmente estruturada pelo programa, ou seja, pelo computador o computador que está em controle da situação. Ao aluno cabe responder perguntas que lhe são feitas, ou intervir quando solicitado. Sua postura acaba sendo fundamentalmente passiva: ele responde ou intervém quando solicitado, pelo computador, a fazê-lo.

O computador, neste contexto, é utilizado de uma maneira que meramente substitui ou duplica métodos educacionais tradicionais, sem que, em decorrência da utilização do computador, seja profundamente alterado o processo de aprendizagem. Isto faz com que o modelo aqui analisado, embora introduza o computador na educação, o faça sem maiores inovações, sem que haja uma transformação profunda em objetivos e métodos de ensino tradicionais.

A maior parte do que se faz em CAI nada mais é do que exercício, prática repetitiva. Transpõem-se, frequentemente, textos para a tela, passa-se uma série de informações, e depois testa-se o aluno para ver se ele aprendeu (i.e. , memorizou ou compreendeu) o que lhe foi apresentado. Em caso positivo, o aluno recebe um certo reforço positivo, em caso contrário, alguma recomendação para estudar mais, etc. Ou então, em alguns casos, se pede ao aluno que leia algum texto em um livro, ou que assista alguma aula regular, e depois se testa, através do computador, o conhecimento assimilado. A única novidade, na verdade, em situações como estas, de resto bastante frequentes, é a utilização de um medium novo — que é usado, porém, dentro de um contexto inteiramente tradicional. A meu ver, este tipo de utilização do computador é um desperdício de um recurso que potencialmente é muito rico.

Usar o computador para ensinar tabuada, ou aritmética elementar, nomes das capitais ou nomes de presidentes da república, etc. , é usar um equipamento de alto potencial pedagógico para promover objetivos educacionais bastante tradicionais e, a despeito do medium, através de métodos bastante condenados quando utilizados sem a auréola de novidade que o computador permite que eles assumam. Em consequência disto, os programas, ainda que tecnicamente bons (com uso de gráficos, simulações, etc.), acabam sendo instrucionalmente ingênuos, pobres do ponto de vista pedagógico. Estes programas não tomam nenhum risco, usando o computador quase como se fora apenas uma caixa de Skinner.

Mas se é este o caso, por que é que estes programas são tão difundidos? Há várias razões, que gostaria de ressaltar aqui.

Em primeiro lugar, este modelo de utilização do computador na educação introduz um medium novo, mas, como já se mencionou, para alcançar objetivos educacionais tradicionais e através de métodos já de certo modo consagrados pela prática (exercício, repetição, etc.), mesmo que não pela teoria pedagógica. Assim, o computador não intimida tanto e vem preencher necessidades que, qualquer professor ou pai reconhece facilmente (aprender tabuadas, geografia, fatos históricos, etc.). Esta uma das razões de sua popularidade.

Em segundo lugar, numa época em que testes de múltipla escolha padronizados acabam por se substituir no método de avaliação por excelência, este tipo de utilização do computador fornece aos alunos maneiras individualizadas de se exercitar, de praticar habilidades básicas, e de avaliar o seu progresso.

Em terceiro lugar, a popularidade deste tipo de utilização do computador na educação se explica pelo fato de que o conhecimento que se transmite aqui e o aprendizado que se espera são de contornos razoavelmente bem definidos e, consequentemente, permitem uma avaliação mais “objetiva” do progresso feito. Além disso, os programas que se encaixam nesta categoria não são tão difíceis de programar, existindo, inclusive, linguagens criadas especialmente para facilitar a tarefa de construção de programas de “instrução programada” (PILOT, por exemplo), bem como vários tipos de “pacotes” que permitem ao professor a construção, de maneira simples, de seu “courseware” — ou, “didacticiel”, como preferem os franceses.

A questão é se vamos utilizar a abordagem meramente porque ela é de implementação ou utilização mais fácil, ou porque ela não causa maiores transtornos ao processo educacional e à vida do professor, por se encaixar dentro de objetivos educacionais tradicionais e de métodos de ensino convencionais.

Pessoalmente, acredito que esta função digamos instrucional que o computador exerce é (embora até útil, em alguns contextos) uma de suas características menos interessantes. Sua função educacional mais importante o coloca em papel inteiramente aposto: não no de instrutor, mas no de aprendiz. A tarefa do aluno não é aprender do computador, mas ensiná-lo a realizar certas tarefas — programá-lo, enfim.

Aqui chegamos, portanto, à outra abordagem. Segundo esta abordagem, o computador é fundamentalmente uma poderosa ferramenta de aprendizagem que, bem utilizada, pode levar ao aprendizado não só de fatos importantes sobre o próprio computador bem como sobre outros conteúdos, mas, e mais importante, pode levar à aprendizagem de princípios, técnicas, habilidades que ajudarão o aluno em seu aprendizado subsequente, que farão dele um melhor solucionador de problemas (não só necessariamente em relação ao conteúdo que está incidentalmente manipulando).

Neste modelo de utilização do computador na educação, a situação de aprendizagem não é previamente estruturada. Não há, necessariamente, um determinado conteúdo que tem que ser aprendido, determinadas perguntas que têm, cada uma delas, uma só resposta correta, cabendo ao aluno descobri-la. Ao aluno cabe, aqui, estruturar o próprio contexto em que sua aprendizagem vai ocorrer. Ele é encorajado a explorar, criar, inovar, dentro de situações de aprendizagem não previamente estruturadas. Parte-se do pressuposto de que o aprendizado que ocorre nestas situações é mais frutífero e mais duradouro. Ao aluno é permitido errar — se bem que muitas vezes não seja muito claro o que é erro — porque se acredita que erros são pedagogicamente importante. Ao aluno se permite levar adiante uma solução para um determinado problema, ainda que seja óbvio que a solução não vai funcionar, porque se reconhece o valor pedagógico dessa exploração. O aluno, longe de ser um mero observador que só reage quando solicitado, passa a ser um participante ativo no progresso de construção de sua própria aprendizagem.

Quando se escolhe esta segunda opção está se optando por muito mais do que simplesmente um outro método de utilização do computador na educação: está se optando por uma filosofia da educação diferente. Muitos educadores já mostraram os benefícios da educação que ocorre através do fazer, do explorar, do descobrir. O computador, propriamente utilizado, torna esta meta alcançável de uma maneira nunca antes possível. Nele, como bem assinalou Seymour Papert, em Mindstorms: Children, Computers, and Powerful Ideas (**), o concreto e o formal se encontram, permitindo possibilidades pedagógicas difíceis de imaginar sem o apoio do computador.

Nesta abordagem, alteram-se drasticamente os objetivos educacionais tradicionais e os métodos de ensino convencionais. Todo o processo educacional é visto de uma maneira totalmente revolucionária.

Exatamente por isto, não é fácil elaborar programas que levam a estes objetivos. O que se tem que fazer é criar linguagens, programas utilitários, que deem ao usuário um número cada vez maior de recursos que permitam o desenvolvimento de sua aprendizagem. Exatamente por atuar no pressuposto de uma aprendizagem não previamente estruturada, este modelo impede que sejam desenvolvidos “pacotes” que são então distribuídos e consumidos. O que é necessário desenvolver é todo um conjunto de recursos, todo um ferramental para a aprendizagem. É isto que todo o conjunto de linguagens e recursos identificado com o nome LOGO procura fornecer.

Ao optar por esta abordagem não se está sucumbindo à tentação representada por aquilo que alguns já convencionaram chamar de síndrome dos testes e medidas: ensinar aquilo que é mais fácil ensinar, avaliar aquilo que é mais fácil testar. Não resta dúvida de que algumas coisas são importantes, mas difíceis de testar e avaliar; outras são fáceis de testar, mas talvez não tão importantes (pode se substituir a palavra testar por investigar, aqui, e o que está sendo dito se aplicaria também à pesquisa educacional). O importante é não sucumbir à tentação de promover a aprendizagem apenas daquilo que é fácil testar, deixando de lado a aprendizagem daquilo que é importante, para não dizer essencial, aprender.

Concluo, portanto, com uma reafirmação clara da tese de que toda criança deveria aprender a programar o computador. Isto obviamente não quer dizer que todas as crianças devem se tornar programadores profissionais. Quer dizer, isto sim, que aprender a programar o computador envolve aprendizados de vários tipos, ou vários aspectos de aprendizado. Em primeiro lugar, está o aprendizado requerido para dominar o próprio computador. Em segundo lugar, está o aprendizado de várias técnicas e estratégias para a solução de problemas. E em terceiro lugar está uma compreensão mais profunda do assunto de que se ocupa o programa: O conteúdo do programa.

Olhemos, brevemente, e à guisa de conclusão, a cada um desses aspectos.

Um certo sentido de mistério e até mesmo da mágica geralmente cerca o primeiro contato de alguém com o computador. Embora no íntimo se saiba que se trata apenas de uma máquina com circuitos, teclas, etc., há algo acerca do computador que o faz parecer não só quase vivo como inteligente. A primeira coisa que o aprendizado de programação ensina é que o computador só faz aquilo que você o ensina a fazer. como já disse alguém, o computador é um completo idiota, que, entretanto, tem uma excelente memória e executa ordens com incrível rapidez. No processo de aprender isto o aluno aprende que é ele quem manda, o cérebro que instrui é o dele — é ele, enfim que determina as regras do jogo.

A descoberta deste fato, juntamente com a descoberta do fato de que o computador não irá resolver nenhum problema que você não consiga resolver para ele, ajuda as crianças, além de tudo, a desenvolverem autoconfiança, a autoconfiança que vem do fato de que você é capaz de fazer uma máquina poderosa e até misteriosa obedecer às suas ordens. Esta sensação de autoconfiança e de domínio sobre a máquina é importante não só para os alunos que têm grau de autoconfiança baixo, mas também porque, em uma sociedade cada vez mais permeada pela tecnologia, é importante que as pessoas cresçam imbuídas de um sentido de que são elas que devem controlar as máquinas — não vice-versa . (Na instrução programada, quem é controlado por quem?).

Em segundo lugar, quem aprende a programar o computador desenvolve uma série de habilidade e estratégias para a solução de problemas — e problemas bastante reais.

Embora as pessoas aprendam a solucionar problemas e a desenvolver certas estratégias para fazê-lo, simplesmente vivendo suas vidas, parece ser terrivelmente difícil ensinar, na escola, métodos de solução de problemas. As razões desta dificuldade provavelmente estejam relacionadas com a diversidade das habilidades, dos conhecimentos e da compreensão exigindo para a solução de problemas bem como com a complexidade inerente na avaliação das estratégias utilizadas para a solução de problemas. As escolas preferem se concentrar em habilidades que podem ser identificadas, isoladas, e medidas, a se dedicar àquelas que são menos tangíveis e mais profundamente inter-relacionadas. Novamente aqui temos a síndrome dos testes e medidas a que já se fez menção. Ensina-se o que se pode mais facilmente identificado, isolar e avaliar — e não o que é menos tangível, mais complexo, mais interligado, mas difícil de avaliar.

Computadores fornecem um contexto cheio de problemas excitantes e atraentes para as crianças e as desafiam a solucioná-los. Mesmo as tarefas mais simples de programação, aquelas voltadas para criança, como desenhar na tela, são suficientemente ricas e complexas para permitir o desenvolvimento de uma série de habilidade que ajudam na solução de problemas. Ao mesmo tempo há aspectos envolvidos nesta experiência que fazem com que a solução de problemas neste contexto seja mais fácil e mais facilmente inteligível do que no mundo real.

Ou vejamos. O computador, em primeiro lugar, torna possível dividir, com relativa facilidade, um problema em vários outros pequenos problemas. Esta estratégia é extremamente útil na solução de problemas que, de início, parecem demasiadamente complexos para serem solucionados. Em segundo lugar, ao se propor escrever um programa o aluno é forçado a fazer uma descrição explícita e formal do problema que ele irá resolver com aquele programa. isto em si já é algo bastante positivo. Mas o mérito não para aí. Diferentemente de uma descrição verbal ou descrita de alguma coisa, um programa de computador pode ser testado com facilidade, e seu resultado comparado com o esperado. Este processo contínuo de descrição do problema, proposta de uma solução, testagem da solução, revisão, é de enorme utilidade pedagógica. Ele leva o aluno a aprender de e através de seus erros — ou seja, numa tradição bastante popperiana, ele reveste o erro de enorme significado pedagógico.

O terceiro tipo de aprendizado que decorre do estudo da programação é o do próprio conteúdo ou assunto sobre o qual se está programando. Todos os que ensinam já tiveram a experiência de que ao ensinar determinado assunto a gente frequentemente aprende muito sobre o assunto. Em programação ocorre a mesma coisa: ao tentar fazer um programa que leve o computador a executar gráfico, ou música, o programador geralmente desenvolve uma compreensão ( e mesmo uma apreciação ) bem mais profunda desses conteúdos do que tinha antes. O mesmo se aplica a qualquer outro conteúdo.

Muitas pessoas imaginam que, porque computadores são máquinas, pessoas que aprendem desde muito cedo a manejar computadores venham a se tornar mais “mecânicas” em seu modo de pensar. Outros imaginam que pessoas que não tenham uma grande inclinação para a matemática nunca vão se tornar bons programadores. Muitos educadores, principalmente aqueles que trabalham com LOGO, têm chegado à conclusão de que o oposto, em ambos os casos, é que é o verdadeiro. Toda criança pode aprender a programar a ser relativamente bem sucedida no empreendimento, e o aprendizado de programação ajuda as crianças a desenvolverem tanto o lado lógico como o lado intuitivo de sua personalidade .

Estou convicto de que todas as crianças se beneficiarão, em maior ou menor grau, é verdade, se aprenderem a programar. Este aprendizado ajuda tanto crianças como adultos a desenvolverem habilidades e conhecimentos de que necessitam em uma sociedade tecnologicamente avançada. Ao mesmo tempo, estas pessoas experimentam uma sensação de poder criativo sobre seu ambiente, aprendendo, também, com maior profundidade, os assuntos que estiverem explorando.

Em Campinas, 17 de agosto de 1983.

[Estudo publicado em 1983 na revista Em Aberto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (INEP). Só modifiquei a grafia de algumas palavras para adequá-la à hoje usada.]

(*) O Projeto EDUCOM foi lançado em 1983 por um “consórcio” de órgãos e agências governamentais, capitaneados pelo Ministério da Educação (MEC), depois de dois Encontros Nacionais, realizados em 1981 e 1982, em Brasília e Salvador, respectivamente, para discutir, com pesquisadores nacionais (e alguns convidados estrangeiros) a introdução de computadores nas escolas. Entre os órgãos e agências estavam a Secretaria Especial de Informática (SEI), o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), a Financiadora de Projetos (FINEP) e a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FUNTEVÊ). O EDUCOM começou com um Edital em que o governo conclamava as universidades brasileiras a submeter projetos nesse sentido. Diante desse chamamento eu, que na época era Diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, discuti com o então Reitor, Prof. José Aristodemo Pinotti, a possibilidade de criar, junto à Reitoria da Universidade, um Centro Interdisciplinar de Pesquisas sobre a introdução e o uso de computadores em escolas. Recebi sua autorização e propus a criação do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), que foi efetivamente criado naquele ano de 1983. (O NIED comemorará, este ano 35 anos de idade). Eu fui designado seu Implantador e Coordenador e foi sob a égide do NIED, então por mim coordenado, que a UNICAMP respondeu ao chamamento do governo, apresentando seu projeto. Ao todo, vinte e seis projetos foram submetidos e cinco foram aprovados e selecionados, dentre eles, o do NIED, que ficou sob minha coordenação. Os outros quatro foram da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (coordenado por Lea Fagundes e Lucila Santarosa), o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (coordenado por Lydinea Gasman), o da Universidade Federal de Minas Gerais (coordenado por Antonio Mendes) e o da Universidade Federal do Pernambuco, coordenado por Paulo Gileno Cysneiros). Como se pode constatar, a UNICAMP foi a única universidade não federal selecionada. Coordenei o Projeto EDUCOM da UNICAMP até Abril de 1986, quando o Prof. José Aristodemo Pinotti  foi escolhido pelo Governador André Franco Montoro, então do PMDB, para ser Secretário da Educação do Estado de São Paulo e me levou com ele como seu Assessor Especial e, logo em seguida, também Diretor do Centro de Informações Educacionais (CIE) da Secretaria.

(**) Este artigo foi escrito em Agosto de 1983, antes da criação do NIED. Quando o NIED foi criado, trouxe para ele a Professora Beatriz Bitelman. Por sua iniciativa, e com total apoio do NIED, o livro seminal de Pappert foi traduzido para o Português, sob o título LOGO: Computadores e Educação (Editora Brasiliense).

O Futuro da Escola na Sociedade da Informação – IV

03/02/201603/02/2016 Eduardo ChavesLeave a comment

[ Abaixo, o a primeira parte do terceiro capítulo do meu livro Tecnologia e Educação: O Futuro da Escola na Sociedade da Informação, cuja história é parcialmente descrita no primeiro post desta série. Esclareço, para facilitar a vida do leitor, que este livro foi escrito há quase exatamente 17 anos, nos meses de Novembro e Dezembro de 1998, a pedido do PROINFO, Programa de Informática na Educação do Ministério da Educação, que estaria publicando, em prazo curtíssimo, uma coleção de 20 livros sobre o tema “Informática para Mudança na Educação”. Para o resto da história, por favor, leia o início do primeiro post da série. Trata-se, portanto, de um texto “datado”, porque poucas coisas mudam tão rápido na nossa sociedade como a tecnologia. Infelizmente, a educação muda, quando muda, muito devagar. Só mais uma observação: faltam alguns gráficos de LOGO e um esquema relacionado aos animais que não consegui transferir para cá. Vou continuar tentando.]

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III. O Computador na Escola – Parte A

A escola ou o sistema escolar que introduz o computador em suas atividades didático-pedagógicas deve ter bastante clareza sobre o que pretende, tomando cuidado para não prometer a professores e pais mais do que se pode alcançar, assim levando a comunidade escolar à desilusão com uma tecnologia que tem excelente potencial pedagógico.

A escola ou o sistema escolar deve, também, ter bastante clareza sobre o que lhe compete, no processo, e o que ela pode adquirir no mercado ou transferir a terceiros.

Assim sendo, é importante firmar bem algumas premissas que precisam ser levadas em consideração em qualquer processo de introdução de computadores em escolas.

1. Premissas Básicas

  1. Só se justifica o computador na escola se ele ajudar a escola a executar melhor suas funções.
  2. Projetos de introdução do computador na escola só dão bom resultados quando há comprometimento com o projeto por parte da direção e dos professores.
  3. Em última instância é a escola que deverá definir os contornos específicos do seu projeto.

A. Primeira Premissa

Justifica-se a introdução do computador na escola apenas se o computador puder ajudar a escola a desempenhar melhor suas funções, tanto no que tange às suas atividades-fim como no que diz respeito às suas atividades-meio.

Aqui neste texto não se trata da informatização das atividades-meio da escola. Trata-se, isto sim, de verificar a medida em que o computador pode ajudar a escola a desenvolver suas atividades-fim, a saber, preparar os alunos para alcançar sua realização pessoal como indivíduos, agir eficaz e responsavelmente na sociedade como cidadãos, e, por fim, atuar competentemente como profissionais, fazendo do trabalho não só uma fonte de realização pessoal e sustento próprio e da família, mas, também, uma forma de contribuir para com a sociedade.

B. Segunda Premissa

Um projeto de introdução do computador na escola só funciona se houver um comprometimento claro e firme com o projeto por parte da direção da escola e dos professores. No caso de um sistema escolar, também a direção do sistema deve estar comprometida com o projeto.

Por isso, é preciso, num primeiro momento, sensibilizar esses agentes para com:

  • A importância da presença do computador como ferramenta pedagógica na escola;
  • A necessidade de envolvimento dos professores nessa iniciativa;
  • O sentido da proposta que será desenvolvida e, posteriormente, implementada.

Sensibilização com os dois primeiros elementos pode ser alcançada através de palestras e oficinas de trabalho, em que os agentes educacionais envolvidos (diretores, supervisores e principalmente professores) tenham a oportunidade de colocar e discutir suas dúvidas, inquietações, e expectativas em relação a essa nova tecnologia educacional.

Sensibilização com o terceiro elemento só será alcançada mediante o envolvimento desses profissionais da educação no próprio desenvolvimento da proposta que será implementada, a discussão dessa proposta pela comunidade escolar e a capacitação dos professores para que possam participar de sua implementação, uma vez formalmente elaborada e aprovada.

A informática não deve entrar na escola sem que os profissionais da educação que atuam na escola — diretores, supervisores, mas principalmente os professores — estejam convencidos de que essa tecnologia vai lhes ser de valia em seu trabalho e vai ajudá-los a promover melhor os objetivos educacionais que consideram valiosos: facilitar o aprendizado dos alunos, ajudando-os a se tornar pessoas autônomas e independentes, que sabem buscar por si mesmas as informações e os conhecimentos de que necessitam, que têm condições de analisar e avaliar criticamente as informações encontradas, que conseguem aplicar essas informações no processo de tomada de decisão nas atividades práticas da vida.

A postura filosófica que deve imperar em todo o trabalho realizado na escola é a de que mais importante do que simplesmente aprender informática é usar a informática para aprender — aprender outros conteúdos, mas, principalmente, aprender a solucionar problemas ligados à obtenção, à análise, à avaliação, à classificação, ao armazenamento, à recuperação, ao uso (ou à aplicação) e à distribuição da informação, e a aprender as habilidades e competências já assinaladas.

C. Terceira Premissa

Em última instância é a escola que deve definir os contornos específicos do projeto de informatização que será adotado. Essa é uma prerrogativa sua da qual não deve abrir mão, porque o uso do computador na escola, como uma tecnologia educacional que eventualmente vai auxiliar o professor no seu ensino e ajudar o aluno no seu aprendizado, deve levar em conta o projeto pedagógico da escola. Se a escola tiver um projeto pedagógico conservador, o computador vai ser uma ferramenta conservadora, dentro desse projeto. Se a escola tiver um projeto pedagógico progressista, o computador vai ser uma ferramenta que se enquadra nesse projeto. O que não dá certo é tentar fazer com que o computador seja usado de maneira convencional numa escola progressista, ou que seja usado de uma maneira progressista em uma escola convencional.

As pessoas ou instituições externas que vierem a assessorar a escola no processo de informatização devem agir apenas como agentes facilitadores e de suporte. Elas devem intervir sempre que solicitadas, e executar, supletivamente, funções que o pessoal da própria escola ainda não esteja em condições de executar, mas não devem permitir que a escola as encare como sendo as responsáveis pelo projeto, como se a escola pudesse “terceirizar” parte de sua atividade-fim. A responsabilidade principal pelo projeto deve sempre ser assumida pela escola, que nunca deve dela abdicar.

Se a escola não estiver convencida de que as atividades sugeridas ou propostas fazem sentido, não deve realizá-las apenas porque os agentes facilitadores as recomendaram: deve, neste caso, promover a discussão da questão até que aconteça o convencimento. Se não ficar convencida, não deve realizar essas atividades.

Assim, o que aqui se propõe é que a comunidade escolar defina ela mesma os contornos do seu projeto de informatização, de modo a preservar e reforçar seus objetivos e valores e sua filosofia da educação.

O papel do “facilitador externo” é muito semelhante ao papel do professor como facilitador da aprendizagem do aluno: o de facilitar, ajudar, apoiar, estimular, coordenar — mas o projeto de informatização da escola deve representar o ponto de vista de seus profissionais.

2. Modelos de Utilização do Computador na Escola

Nesta seção falaremos de quatro modelos básicos de utilização do computador na escola:

  • O computador como ensinante
  • O computador como aprendente
  • O computador como ferramenta de aprendizagem
  • O computador como ambiente de aprendizagem

Dentro desses modelos encaixaremos os principais tipos de software que possuem aplicação pedagógica.

A.    O Computador como Ensinante  [1]

Dentro deste modelo, o computador é visto como ensinante — como se fosse um professor eletrônico, ou uma máquina de ensinar.

a. Instrução Programada

Instrução programada através do computador é um método de instrução através do qual o computador é realmente colocado na posição de quem ensina ao aluno. O termo “CAI” é uma sigla, que corresponde ao Inglês “Computer-Assisted Instruction” (Instrução Assistida pelo Computador), que tem sido freqüentemente utilizada para se referir a esta modalidade de utilização do computador na educação. O modelo aqui é tipicamente instrucional, e, portanto, bastante convencional.

Em termos quantitativos, está é a forma mais difundida de utilização do computador na educação. É usada em escolas, em empresas, nas forças armadas, e em várias outras instituições que possuem objetivos educacionais que possam ser atingidos por meio do ensino e da instrução.  Os que a adotam vêem o computador, basicamente, como um recurso instrucional que facilita a consecução de certos objetivos educacionais tradicionais através de métodos fundamentalmente convencionais (ensino e instrução).

Em escolas, essa abordagem, com freqüência, resulta na utilização do computador virtualmente como uma máquina de ensinar ou como um sofisticado equipamento audiovisual que ensina fatos, conceitos ou habilidades, dentro do contexto curricular regular. Ocasionalmente, alguns métodos menos convencionais, como simulações e jogos, são acoplados à instrução programada, mas na maioria dos casos esta se resume a exercícios repetitivos (para a fixação ou recuperação), tutoriais, e demonstrações. Por conter variações importantes, estamos discutindo simulações e jogos numa seção separada.

EXERCÍCIOS REPETITIVOS

Dentro das várias formas de instrução programada, os exercícios repetitivos talvez sejam a maneira mais comum de utilização do computador na educação. Programas que levam o aluno a praticar, repetitivamente, as operações aritméticas, as capitais do mundo, os nomes de chefes de Estado, os plurais irregulares, ortografia, vocabulário de línguas estrangeiras, os símbolos das substâncias químicas, etc., estão entre os mais difundidos e populares ¾  e, também, como se verá, entre os mais criticados por segmentos mais progressistas da comunidade pedagógica. Professores usam esses programas para ajudar os alunos a memorizar determinados fatos, para permitir que alunos defasados possam alcançar os outros, trabalhando fora do horário normal, para permitir que os alunos mais avançados possam progredir na matéria em ritmo mais acelerado, etc. De certo modo esses programas são uma versão computadorizada (e, freqüentemente, bem mais sofisticada) dos famosos “flash cards”, em que de um lado há uma pergunta e, de outro, a resposta. O aluno olha de um lado e vê, por exemplo, “3 x 7 =”, ou “A capital da França é:”, ou “abóbora” — enquanto do outro lado está a resposta correta, ou seja, respectivamente, “21”, “Paris”, “pumpkin”.

Especialmente em programas destinados a crianças menores a resposta certa pode ser recompensada com um gráfico mostrando um rosto sorridente e com algum efeito sonoro agradável, e a resposta errada vir acompanhada de um rosto triste e de alguma música meio fúnebre.

As principais críticas a esse tipo de utilização centram-se no fato de que a pedagogia utilizada ¾  basicamente de estímulo e resposta ¾  é muito estreita, às vezes desnecessariamente cansativa, e, por vezes, conducente a uma forma limitativa ou mesmo errônea de aprendizagem: a aprendizagem (basicamente passiva) por repetição e memorização (“drill”).

Não resta dúvida, porém, de que, se bem concebido e implementado, esse tipo de exercício de instrução programada pode ser de utilidade em contextos em que determinados fatos têm que ser memorizados, mesmo que sem maior compreensão, pois o ambiente computadorizado acrescenta uma certa dimensão motivacional ao processo. Tarefas que poderiam parecer incrivelmente maçantes aos alunos, como aprender tabuadas, capitais dos países do mundo, vocabulário, plurais irregulares, ou datas de fatos históricos importantes, passam a ser realizadas com relativo grau de interesse e mesmo de prazer — pelo menos no início.

TUTORIAIS

Uma variedade de instrução programada, talvez um pouco mais sofisticada do que os exercícios repetitivos de prática e fixação, é a que engloba os chamados tutoriais. O objetivo do tutorial é levar o computador a instruir o aluno, em uma determinada área do conhecimento, mais ou menos da mesma maneira que um professor o faria em sala de aula. Obviamente, há diferenças cruciais. O computador não é humano e tem que operar com uma limitada gama de possibilidades.

Neste caso o programa normalmente apresenta na tela um conjunto ordenado e seqüenciado de informações e depois testa o aluno acerca das informações repassadas. A apresentação das informações é normalmente acompanhada de gráficos, animações e sons e dá ao aluno a possibilidade de definir (pelo menos em parte) o seu percurso, voltar, repetir um trecho, etc.

As perguntas sobre o material apresentado normalmente vêm na forma de questões de múltiplas escolha, de questões com lacunas a serem preenchidas, ou, às vezes, de exercícios voltados para o estabelecimento de correlações. De qualquer maneira, as perguntas sempre têm uma resposta inequivocamente certa e uma gama de respostas plausíveis relativamente limitada. Após cada resposta, o aluno recebe um reforço, se respondeu corretamente; caso contrário, uma mensagem o informa de que sua resposta está errada e, algumas vezes, que ele tem uma ou mais chances de tentar novamente.

Durante todo processo o programa vai contabilizando o número de respostas certas e erradas, e às vezes, registrando o número de tentativas necessárias para que a resposta correta apareça ou o tempo gasto para responder a cada pergunta. Essa contabilidade toda é fornecida ao final do programa e, em muitos casos, automaticamente gravada em disco, para que o professor possa mais tarde analisar o desempenho de cada um dos alunos e tomar as medidas que achar apropriadas.

Existe software voltado especificamente para auxiliar o professor a montar esse tipo de programa educacional. Esse tipo de software interage com o professor, perguntando-lhe se quer exibir texto aos alunos e permitindo-lhe digitar esse texto como se o fizesse numa máquina de escrever. Pergunta-lhe, a seguir, se deseja elaborar questões de múltipla escolha ou de preenchimento de lacunas, ou ainda de algum outro tipo. Escolhido o tipo, é solicitado o número de questões e de opções (se for o caso), bem como as informações relativas à nota mínima para a aprovação (ou equivalente), ao tempo máximo que se deve dar ao aluno em cada questão (que pode ser ilimitado), ao número de tentativas permitidas, os comentários que devem aparecer após uma resposta certa e uma errada, etc. Acertados esses detalhes, o software gerador de programas educacionais de instrução programada pede ao professor que digite a primeira pergunta e suas várias opções, e que forneça a opção correta ou a(s) resposta(s) que preenche(m) corretamente a(s) lacuna(s). Feito isso, repete-se o processo para as perguntas seguintes. Algumas variações desse software chegam mesmo a embaralhar, aleatoriamente, as várias opções, caso o professor o deseje, de modo a garantir que cada opção tenha uma distribuição aleatória de respostas corretas. Um outro software é geralmente utilizado pelo aluno para o acesso ao material gerado pelo professor ¾ material esse que às vezes é chamado de “courseware”, para distingui-lo do software que permitiu ou facilitou a sua geração.

Essa forma de utilização do computador na educação pode ser empregada basicamente em qualquer  área do currículo, para qualquer dos níveis ou graus do processo educacional, desde a pré-escola até o ensino superior, embora na pré-escola seja preciso levar em consideração o fato de que as crianças normalmente não são alfabetizadas, embora sejam capazes, em muitos casos, de reconhecer letras e números. Nessas circunstâncias, ou se utiliza um sintetizador de voz, ou se faz um programa que será usado com a supervisão do professor.

Obviamente, os educadores que se opõem ao uso de instrução programada fazem a esse tipo de programa as críticas já conhecidas, de que são fechados, não se prestam a assuntos em que as respostas não são sempre inequivocamente certas ou erradas, etc.

DEMONSTRAÇÕES

A designação desse tipo de programa já é indicativa de seu conteúdo, que dispensa maiores comentários. Podemos apenas ilustrar esse tipo de programa com um software de demonstração relativamente sofisticado, que, apesar disso, é com freqüência usado como exemplo.

Imaginemos um programa para ensinar, por demonstração, o conceito de densidade, no qual são apresentados ao aluno, na tela, através de gráficos, dois copos com líqüido. O programa pede ao aluno que observe o que acontece quando uma pedra de gelo é colocada em cada copo. Em um caso, o gelo vai para o fundo do copo; no outro, fica na superfície. O programa pergunta:

Programa: “O que é você viu acontecer?”

e o aluno responde algo assim:

Aluno: “Uma pedra afundou e a outra ficou em cima” [ou “Um gelo afundou e o outro não”].

Estando, como deve ser o caso, cada uma dessas respostas dentro do previsível, o programa dirá:

Programa: “OK. Por que, na sua opinião, aconteceu isso?”

e o aluno poderá responder dizendo:

Aluno: “Uma pedra era mais pesada do que a outra.”

Essa é, também, uma resposta previsível, com a qual o programa deve saber lidar. Uma maneira de fazê-lo é perguntar:

Programa: “E se colocássemos um pedaço de madeira em cada copo, um mais pesado que o outro, aconteceria a mesma coisa?”

ao que o aluno poderia responder com:

Aluno: “Acho que sim.”

Ou algo equivalente. Se for isso, o programa pode exibir novamente o gráfico, jogando dessa vez dois pequenos pedaços de madeira nos copos e informando que têm peso diferente. Só que agora os dois flutuam. Por isso, o programa pergunta o que aconteceu, o aluno responde que os dois flutuaram, o programa pergunta por que isso se deu, e o aluno responde alguma coisa como:

Aluno: “Os dois pedaços eram mais leves do que a água.”

E assim o diálogo continua.

Esse exemplo é relativamente sofisticado, pois o programa usa gráficos e animação (os objetos afundando), e é capaz, dentro de certos limites, de lidar com linguagem natural, reconhecendo e aceitando respostas genéricas como “Acho que sim” e complexas como “Os dois pedaços eram mais leves do que a água”. Tal sofisticação, hoje, é perfeitamente viável, tanto em termos dos equipamentos existentes como das técnicas necessárias para elaborar um programa dessa natureza.

Obviamente, a tarefa de programação, em um caso como esse, não é fácil, pois o programador tem que tentar antecipar a maior parte das respostas do aluno — mesmo (e, talvez, principalmente) as erradas [2] — de modo a criar um diálogo significativo. Isso é extremamente difícil. É preciso, também, testar extensivamente o programa, para verificar se algumas respostas relativamente típicas não foram omitidas. Para evitar esse e outros problemas, há sempre a tentação de formular perguntas com formato de múltipla escolha, em vez de perguntas de formato aberto ou semi-aberto. Tal procedimento, porém, acarreta o risco de os programas acabarem se tornando-se meros tutoriais, que, mesmo com o uso de gráficos, perderiam muito de sua criatividade.

Um exemplo mais simples de demonstração pode ser encontrado em programas gráficos que permitem a criação de curvas de seno. Fazendo uso de gráficos e de cores é possível demonstrar a relação existente entre as variáveis associadas a uma curva de seno. O professor (ou o aluno) pode manipular qualquer variável — a amplitude, por exemplo — e observar seu efeito sobre as outras em uma representação visual da curva na tela. Não há mais necessidade de giz de diferentes cores para indicar as mudanças na forma. Não é mais preciso apagar curvas e redesenhá-las. Torna-se desnecessário manter um sem número de transparências, de cores diferentes, para colocar uma em cima da outra. Aperta-se uma tecla, e a curva desaparece — ou então uma segunda curva, em cores diferentes, se sobrepõe à primeira. E assim por diante.

Demonstrações, como esta, efetuadas com o auxílio do computador têm um potencial muito mais rico do que as realizadas com giz e quadro-negro ou com transparências. As variáveis podem ser manipuladas com facilidade, e os efeitos são instantâneos. Além disso, as áreas de aplicação são verdadeiramente ilimitadas: abrangem desde a estrutura atômica até o movimento dos planetas, passando pela trajetória dos alimentos no aparelho digestivo e por centenas de outros assuntos.

Em termos pedagógicos, essas demonstrações são inegavelmente superiores aos exercícios repetitivos de prática e fixação e aos tutoriais, embora dificilmente possam, justamente em virtude de sua maior sofisticação, ser usadas por crianças muito novas. São recomendadas, portanto, para alunos do Ensino Médio (ou, então, das séries finais do Ensino Fundamental). Não há restrições quanto a áreas curriculares: basicamente, qualquer área pode beneficiar-se com elas.

b. Simulações e Jogos

SIMULAÇÕES

Uma simulação é um modelo que pretende imitar um sistema, real ou imaginário, com base em uma teoria de operação desse sistema. Umas das principais aplicações de computadores na área médica e nas forças armadas tem consistido em utilizá-lo para simular alguns ambientes a fim de testar os efeitos neles produzidos por várias formas de intervenção.

A implementação desse tipo de simulação muito complexa normalmente exige equipamentos de porte superior aos disponíveis em escolas. Mas não se trata do único tipo possível. Na verdade, para fazer simulações não é necessário nem sequer o computador. Todos conhecem jogo não-computadorizados, como Banco Imobiliário, War, etc., que são simulações bastante interessantes e instrutivas, por mais que se possa discordar dos conteúdos que veiculam.

Hoje em dia, os computadores disponíveis em escolas já tem capacidade de simular sistemas razoavelmente complexos. Eles podem ser programados para responder a determinadas intervenções de maneiras realistas e predizíveis, e sem dúvida podem processar significativas quantidades de dados. Por isso, simulações pedagogicamente relevantes podem ser realizadas com razoável complexidade e realismo, gerando, dessa forma, considerável interesse.

Esse recurso, porém, não pode nem deve substituir totalmente o trabalho no laboratório. O aluno nunca vai aprender, no computador, a acender um fogareiro, ou a aquecer de fato uma proveta. Isto significa que as simulações pelo computador devem ser utilizadas como um complemento, e nunca como uma substituição total, do trabalho no laboratório. Se forem utilizadas apenas aquelas, os alunos estarão sendo privados de importantes experiências de aprendizagem. Da mesma forma, aqueles que objetam ao uso de simulações podem estar privando as crianças de experiências de aprendizagem igualmente importantes e estimulantes, às quais elas não teriam outro meio de acesso.

As empresas de software já perceberam o potencial pedagógico desse tipo de programa e têm colocado no mercado interessantes simulações, relacionadas com acidentes ambientais (até mesmo envolvendo o famoso acidente nuclear de Three Mile Island, na Pensilvânia), com o mercado de ações, com a pilotagem de vários tipos de avião, etc. Nesses programas — que, em alguns casos, certamente têm considerável dose de fantasia, razão pela qual são freqüentemente descritos como jogos pedagógicos — o usuário testa suas hipóteses sobre os problemas que surgem no ambiente simulado manipulando variáveis e verificando como o comportamento do modelo se altera numa variedade de situações e condições.

Na verdade, como esses exemplos deixam entrever, a linha divisória entre simulações e, de um lado, demonstrações e, de outro, jogo, é, às vezes, muito tênue. Não é importante, contudo, pôr em relevo tais distinções classificatórias. Na maioria das vezes elas apenas refletem diferentes ênfases ou intenções. Não resta dúvida de que alguns jogos possivelmente desenvolvidos sem maiores propósitos pedagógicos podem ser tão instrutivos quanto algumas simulações concebidas explicitamente para contextos educacionais. O valor pedagógico da simulação deriva não tanto do conteúdo que ela exprime, mas do raciocínio sofisticado e das habilidades relativas à solução de problemas que ela estimula e requer. Boas simulações objetivam ajudar o usuário a desenvolver essas características interagindo com o modelo, independentemente do objeto da simulação. Boas simulações utilizam, para alcançar esse objetivo, gráficos, animação, texto e, acima de tudo, um problema realista e desafiador a ser enfrentado e solucionado.

As características de uma simulação interessante, do ponto de vista técnico e pedagógico, são muitas e variadas. Não há condições, aqui, nem sequer de mencionar muitas delas. Vamos nos ater apenas ao mais importante. Ao planejar uma simulação pedagógica, é essencial lembrar que, de um lado, o sistema a ser modelado tem que ser simplificado, de modo a permitir que o aluno manipule suas variáveis de maneira relativamente clara e acessível. Por outro lado, é necessário que o modelo seja suficientemente próximo do sistema original, com um número razoável de detalhes interessantes, sem simplificações exageradas; caso contrário, a simulação perde em poder descritivo e explicativo, e também em interesse.

Projetar e desenvolver um sistema com essas características não é fácil nem rápido e, possivelmente, está além da capacidade e/ou disponibilidade da maioria dos professores, com raras exceções. A maior parte das vezes, portanto, os professores terão que utilizar software comercial, que, é bom que se diga, nem sempre tem a desejável qualidade, seja técnica, seja pedagógica. É necessário, portanto, que se faça a seleção desse material com grande cuidado, levando-se em conta o preço que às vezes é elevado, a qualidade técnica e, acima de tudo, o valor pedagógico do programa.

Simulações pelo computador podem ser usadas na sala de aula a serviço de uma série de objetivos educacionais, como domínio de habilidades, aprendizagem de conteúdos, desenvolvimento de conceitos, promoção de investigação, aumento de motivação, etc.

Na área de ciências, o computador pode simular experimentos e sistemas naturais. A simulação, por exemplo, de um laboratório de química pode adicionar uma série de perspectivas ao trabalho pedagógico, reduzindo, ao mesmo tempo, o custo e a periculosidade, pois permite estudar, com razoável realismo, eventos e processos que, devido ao seu custo elevado ou seu alto grau de periculosidade, ou ainda a outras razões, normalmente não estão ao alcance da investigação e do conhecimento da maior parte das crianças. Em uma simulação, reagentes químicos podem ser “misturados” e  o efeito dessa “mistura” pode ser visto, instantaneamente, na tela do computador, com economia de dinheiro, risco e tempo para a escola. A possibilidade de erros de procedimentos e medidas é consideravelmente diminuída nesse caso. Hipóteses complexas podem ser testadas com bastante facilidade. Tudo isso fala a favor da simulação pelo computador como um importante recurso para o processo de ensino e aprendizagem.

Ainda a respeito das ciências naturais, é importante também observar que, em vista do fato de que a maior parte dos processos em investigação funciona sob regras precisas, a experiência de aprendizagem através de simulação por computador freqüentemente implica aprendizagem não só de conteúdos, mas também de regras e princípios de procedimento.

No caso dos estudos sociais, as coisas ficam um pouco mais complicadas, porque aí os eventos e processos não funcionam ou operam, a maior parte do tempo, em obediência a regras e princípios precisos — ou, se o fazem, freqüentemente desconhecemos quais sejam. As limitações do computador, porém, impõem às simulações, também nessa área, regras precisas e resultados predeterminados, a despeito do fato de que em geral os sistemas simulados não se comportam de tal maneira. Entretanto, com programação competente pode dar-se relativa flexibilidade à simulação, sem, contudo, eliminar essa limitação.

Esse fato nos faz insistir na necessidade de que, depois do trabalho com uma simulação, forneçam-se aos alunos esclarecimentos sobre os pressupostos utilizados na criação daquele modelo, de modo a poderem eles entender porque o modelo se comportou dessa ou daquela maneira e compreender as limitações envolvidas no processo.

Exceto pela mencionada limitação, não há restrições ao uso de simulações pelo computador, no que diz respeito a áreas curriculares. Na verdade, a maior parte das simulações de fato interessantes são tipicamente interdisciplinares. Imaginemos, à guisa de exemplo, uma simulação da vida de um aluno após concluída sua formação escolar. Essa simulação forneceria ao aluno respostas, ou feedback, às decisões que ele tomasse, como casar-se, arrumar um emprego de programador, ter dois filhos, etc. As respostas seriam formuladas com base em dados estatísticos relativos a pessoas com características semelhantes. Tal simulação, se bem construída, ensinaria coisas importantes sobre os mais variados aspectos práticos, sobre a economia, as profissões, o casamento, bem como sobre psicologia social, individual, infantil, etc., pois tentaria imitar a vida real, que é caracteristicamente interdisciplinar.

No que tange aos níveis de escolaridade, as simulações sofisticadas, por exigirem, talvez até mais que as demonstrações, um certo nível de abstração do usuário, seriam especialmente recomendáveis para o Ensino Médio (ou mesmo para o Ensino Superior). Simulações menos sofisticadas, porém, que se assemelhem mais a jogos pedagógicos, podem ser usadas com proveito nos níveis inferiores.

JOGOS

A propósito dos jogos pedagógicos, vamos nos deter em alguns de seus aspectos.

Os jogos pedagógicos distinguem-se de outros tipos de jogos basicamente pelo seu objetivo: têm como objetivo explícito promover a aprendizagem de conteúdos pedagogicamente significativos — e não apenas divertir ou entreter. É difícil encontrar alguma outra característica distintiva. Diferenciá-los de outras modalidades de programas pedagógicos é relativamente mais fácil, embora, como vimos, a linha divisória entre simulações e alguns jogos pedagógicos por vezes não seja muito nítida. Os jogos pedagógicos, como todos os jogos, pretendem ser divertidos, embora estejam a serviço da aprendizagem. Espera-se, assim, que o aluno aprenda com maior facilidade — até sem sentir — os conceitos, os conhecimentos, as habilidades ou as competências incorporados no jogo.

Há jogos pedagógicos em que o componente lúdico é mero invólucro, adicionado como elemento motivacional, que pouco tem que ver, intrinsecamente, com o que se quer transmitir. Há outros jogos, porém, que por si mesmos têm o caráter de experiências de aprendizagem ricas e complexas. O jogo, nesses casos, não é algo extrínseco, adicionado a um experiência de aprendizagem para torná-la mais agradável: é, ele próprio, parte integrante daquela experiência.

Há um famoso jogo pedagógico que tem por finalidade levar o jogador a descobrir quem cometeu determinado crime. (Muitos educadores têm criticado, com alguma justiça, o fato de que a maior parte dos jogos, incluindo os pedagógicos, gira ao redor de temas violentos, como assassinatos, guerras, desastres nucleares, ataques de extraterrestres, etc. Certamente outros temas poderiam ser mais explorados). Para isso, o aluno tem que saber aplicar, ou aprender a aplicar, várias regras de lógica e evidência. Oferecem-se ao aluno enunciados contendo pequenas informações, que, à primeira vista, parecem nada ter que ver com o resultado final. Mas o uso do bom estilo sherlockiano permite juntá-los a outros, estabelecer a partir deles deduções que vão gerar novos enunciados, e assim por diante. Ao final, descobre-se, com absoluta certeza, quem é o assassino e percebe-se que cada enunciado fornecido foi essencial para se chegar àquela conclusão.

Um jogo desses é tremendamente instrutivo, pois demonstra ao aluno a necessidade de encarar pensamento, linguagem e lógica com extrema seriedade. Ele aprende como processar informações, como fazer inferências lógicas, como testar conjeturas, etc., tudo na operação de solucionar um problema interessante.

Há outros jogos cujo objetivo educacional consiste mais no ensino de habilidades básicas. Um jogo interessante para ensinar os fatores de um determinado número (mas que ensina bem mais do que isso) funciona mais ou menos deste modo: o computador exibe na tela números de 1 a 25 — ou de 1 a 50, ou de 1 a 100, conforme a escolha do jogador. Este seleciona um número qualquer e recebe os pontos correspondentes ao seu valor. As regras são as seguintes:

Todos os fatores, exibidos na tela, de cada número escolhido pelo jogador têm seu valor atribuído ao oponente — no caso, o computador. Para cada número selecionado pelo jogador, o computador tem que ganhar pelo menos um ponto; não é permitido, pois, selecionar um número que não tenha mais nenhum fator presente na tela. Tendo o jogador escolhido um número e o computador ganho os pontos correspondentes à soma dos valores de cada um de seus fatores que ainda estava na tela, tanto o número escolhido como seus fatores são eliminados da tela. Quando um jogador não tiver não tiver mais condições de jogar, por não haver mais nenhum número a escolher que dê ao computador pelo menos um ponto, o computador fica com os pontos correspondentes à soma dos valores de todos os números restantes na tela, isto é, aqueles que o jogador não conseguiu escolher.

Como se pode facilmente ver, para começar bem o jogador deve escolher primeiro o maior número primo presente na tela. Caso a seqüência acabe em 25, a escolha deve recais sobre 23, pois dessa forma o jogador ganha 23 pontos e o computador apenas 1 (único fator de 23, que, sendo primo, só é divisível por si mesmo e pela unidade). Feito isto, 23 e 1 são eliminados da tela, e o resultado é 23 a 1 a favor do jogador. Suponhamos, porém, que, numa infeliz segunda jogada, o jogador escolha 24, número que certamente dará alguns fatores ao computador. O total de pontos do jogador, portanto, salta para 47. Mas, em compensação, o computador ganha os fatores 12, 8, 6, 4, 3, 2 — 35 pontos! E, pior ainda, todos esses números são eliminados da tela, de modo que, por exemplo, o número 16 fica condenado a pertencer ao computador ao final, pois seus únicos fatores, 2, 4, 8, já foram eliminados. E por aí se vai.

Pode-se perceber que o jogo leva não só ao aprendizado dos fatores dos vários números, mas, também, de maneira relativamente concreta, ao aprendizado do conceito de número primo, ao conhecimento dos números primos da seqüência em jogo, eventualmente à descoberta das melhores maneiras de decidir com facilidade e rapidez se um determinado número é divisível por outro, etc. Mas o jogo também vai ajudar o aluno a desenvolver, à medida que se familiariza com o programa, estratégias de ação que lhe permitam ganhar com mais freqüência e/ou facilidade, e habilidades para solucionar problemas.

Semelhantemente ao caso das simulações, grande parte do valor e do atrativo dos jogos pedagógicos através do computador deriva do fato de que estes podem ser incomparavelmente mais complexos e desafiadores do que seus pares não-computadorizados. Um só jogo pode servir como contexto para a aprendizagem de múltiplos conceitos e variadas habilidades, de natureza bastante sofisticada, tudo isso de uma maneira tal que o aluno dificilmente fica cansado no processo.

Infelizmente, um bom jogo pedagógico não é fácil de programar. Exige tempo, conhecimento de programação, de psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, e, naturalmente, uma idéia criativa e pedagogicamente valiosa. O preço final fatalmente não é baixo. O desenvolvimento desse produto exige o patrocínio de órgãos comprometidos com a causa educacional, porque as alternativas, em termos de mercado, parecem bem mais atraentes, financeiramente falando. De um lado, programas educacionais no estilo da instrução programada, por mais criticáveis que possam ser do ponto de vista pedagógico, têm tido sucesso razoável no mercado — e, as vezes, sucesso até bem mais do que razoável! Apesar disso, são bem mais fáceis de elaborar e, portanto, possuem um custo de desenvolvimento bem menor. De outro lado, jogos sem pretensão pedagógica são verdadeiros best-sellers e não exigem tanto, em termos técnicos e pedagógicos, quanto um bom programa educacional. Isto faz com que os bons jogos, verdadeiramente pedagógicos, acabem espremidos entre esses dois produtos, não oferecendo, devido ao seu alto custo de desenvolvimento e à concorrência de outros tipos de software, grandes atrativos às empresas de desenvolvimento de software. A única solução, por enquanto, tem sido o apoio financeiro de fundações envolvidas com a educação.

Dada a sua complexidade, o desenvolvimento desses jogos está acima da capacidade de um professor isolado. Uma maneira de solucionar o problema seria estimular equipes interdisciplinares de pesquisadores e professores universitários a desenvolver esses programas justamente com os professores do Ensino Fundamental e Médio.

Os jogos pedagógicos prestam-se a utilização em qualquer área do currículo e em qualquer nível do processo de escolarização. Mas é necessário que, em seu planejamento, o professor selecione muito bem aqueles de que vai lançar mão, refletindo sempre sobre a maneira como a aprendizagem estimulada pelo jogo se insere em seu plano curricular, dentro dos objetivos educacionais que pretende desenvolver naquele segmento do currículo.

Isso não significa excluir os jogos que ensinem habilidades e conceitos que não se encaixam bem dentro do contexto curricular. Certamente deve haver lugar para eles. Mas deve haver também o cuidado para que o tempo gasto com os jogos seja visto e percebido pelos alunos como parte integrante de seu processo educativo, e não como um mero momento de recreação.

B. O Computador como Aprendente

Aqui nesta seção vamos discutir exclusivamente a linguagem LOGO, não porque não existam outros softwares que possam ilustrar esse papel do “computador como aprendente”, mas porque LOGO é o melhor e o mais bem conhecido exemplo dessa abordagem.

a. LOGO: Uma Breve História

LOGO [3] é o nome de uma linguagem de programação desenvolvida nos anos sessenta no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, MA, Estados Unidos, sob a supervisão do professor Seymour Papert, educador matemático que trabalhava no MIT na época em pesquisas sobre Inteligência Artificial. Hoje Papert continua no MIT, mas seu trabalho se voltou para a área da educação mediada pelo computador.

LOGO é uma linguagem de computação que se pretende única por incorporar os princípios básicos de uma filosofia da educação progressista — na realidade, construtivista — que emergiu dos contatos de Papert com a obra do psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget, em Genebra, Suíça.

Escudando-se nessa filosofia da educação, Papert, em vez de criar uma linguagem de programação voltada para múltiplas áreas de aplicação (como é o caso de BASIC e outras linguagens de programação), preferiu desenvolver uma ferramenta que pudesse promover essa filosofia.

Não muito conhecida fora de círculos acadêmicos até a década de oitenta, LOGO rapidamente se tornou uma das linguagens de programação mais usadas em contextos educacionais. Hoje em dia, porém, parece existir uma certa reação a LOGO em determinados contextos, em parte porque a linguagem não acompanhou, tão rapidamente como talvez devesse, desenvolvimentos técnicos na área de computação, como interfaces gráficas, multimídia, programação orientada para eventos e para objetos, etc.

Custou um pouco para aparecer a primeira implementação de LOGO para computadores. O primeiro computador a receber uma implementação de LOGO foi o Apple II. Quase que simultaneamente, no decorrer de 1981, foram desenvolvidas três implementações para ele: Apple Logo, pela Logo Computer Systems, Inc., de Montreal, Quebec, Canadá, Terrapin Logo, pela Terrapin, Inc., de Cambridge, MA, e Krell Logo, pela Krell Software Company, de Stony Brook, NY. As duas últimas versões são virtualmente idênticas, porque foram feitas em cima do LOGO desenvolvido no MIT.

Quase ao mesmo tempo, surgiu uma versão de LOGO, também baseada no LOGO do MIT, para o computador TI 99/4 — TI 99/4A da Texas Instruments, que, infelizmente, logo deixou de ser fabricado, caindo vítima da guerra de preços dos fabricantes de computadores pessoais.

A seguir apareceu, em 1982, uma versão para o TRS Color Computer, da Rádio Shack, que não foi desenvolvida na linha do LOGO do MIT, e, já em 1983, uma versão para o Commodore 64, da Commodore Business Systems, um dos computadores mais vendidos de 1983 até por volta de 1987. Essa versão para o Commodore 64 também foi desenvolvida pela Terrapin, Inc.

Quatro versões para o PC da IBM também surgiram no final da década de 80, produzidas, respectivamente, pela Logo Computer Systems, Inc. (LCSI), pela Digital Research, de Pacific Grove, CA, pela Harvard Associates, de Sommerville, MA, e pela Waterloo Microsystems, Inc., de Waterloo, Ontario, Canadá. As únicas versões que realmente evoluíram e sobreviveram foram a da Logo Computer Systems, Inc. (LCSI) e a da Harvard Associates (PC Logo).

Um dos desenvolvimentos mais interessantes foi o LOGO para o Atari (o computador, não o vídeo-jogo), desenvolvido pela Logo Computer Systems, Inc. na segunda metade da década de 80, versão essa que fazia lembrar o LOGO para o TI 99/4 — TI 99/4A, da Texas Instruments, posto que fazia uso de azulejos (“tiles”), sprites, etc.

Existem versões de LOGO em basicamente todas as principais línguas do mundo. Em Português, a primeira versão a surgir foi para os computadores compatíveis com o Apple II, versão essa traduzida e adaptada pela Microarte, de São Paulo, SP — o chamado MLOGO. A ITAUTEC também desenvolveu um LOGO em Português para o seu ITAUTEC Jr., que foi traduzida para o Português pelo NIED — Núcleo de Informática Aplicada à Educação da UNICAMP, então sob coordenação do Prof. Eduardo Chaves — uma rara versão de LOGO rodando em cima do sistema operacional CP/M.  Depois do LOGO da ITAUTEC surgiu uma versão de LOGO em Português para computadores da linha MSX, o chamado Hot Logo, e a People Computação de Campinas, SP, lançou a primeira versão de LOGO em Português para computadores compatíveis com o IBM PC, o People LOGO, em 1992, versão que foi desenvolvida por Djalma Salles de Souza, sob a coordenação técnico-pedagógica do Prof. Eduardo Chaves. Hoje o People LOGO está extremamente desatualizado, não tendo ainda uma versão para Windows. O NIED da UNICAMP, agora sob a coordenação do Prof. José Armando Valente, vem há tempos desenvolvendo uma versão de LOGO chamada SLOGO, que distribui gratuitamente para escolas. Hoje SLOGO está adaptado para o ambiente Windows, mas não se pode dizer que esteja totalmente acabado como os produtos comerciais disponíveis no mercado. A versão mais completa em Português hoje em dia (final de 1998) é Mega Logo, desenvolvida na Eslovênia e traduzida para o Português pela empresa Cnotinfor, de Portugal, que a adaptou também para o Português brasileiro.

b. A Filosofia da Educação por Trás de LOGO

Deixando a linguagem de lado, por um momento, falemos brevemente da filosofia da educação que a fundamenta. Essa filosofia da educação parte do seguinte pressuposto: muitas das coisas que uma criança aprende são, sem dúvida, decorrentes de um processo de ensino deliberado e formal. Mas muitas outras coisas a criança aprende através da exploração, da busca, da investigação. Essa aprendizagem não é decorrente do ensino, pelo menos não do ensino no sentido formal e deliberado, e pode ser caracterizada como uma verdadeira auto-aprendizagem. Como vimos, várias filosofias da educação têm enfatizado a importância, para a formação intelectual da criança, desse tipo de aprendizagem, e vários estudos têm mostrado que aquilo que a criança aprende porque fez, porque investigou, porque descobriu por si mesma, não só tem um significado todo especial para o desenvolvimento de suas estruturas cognitivas, por se constituir numa aprendizagem altamente significativa para a criança, como é retido por muito mais tempo. Papert, o criador de LOGO, originalmente chamava esse tipo de aprendizagem de “aprendizado Piagetiano”, porque foi em Piaget que ele descobriu suas raízes. Como vimos, porém, essa filosofia da educação é bem mais antiga, remontando, em aspectos essenciais, a Sócrates.

É esse tipo de aprendizagem que o criador e os proponentes de LOGO pretendem que seja incentivado e desenvolvido com a ajuda da linguagem de programação LOGO. A linguagem LOGO não tem, portanto, o objetivo de estimular a aprendizagem tipicamente passiva de conteúdos curriculares, caracterizada pela mera absorção de conhecimentos e informações repassados através do ensino ou da instrução. A aprendizagem que se considera importante estimular é a auto-aprendizagem, a aprendizagem que acontece no processo de exploração e investigação e que, portanto, traz consigo sempre o prazer da descoberta ¾ pois o aprender deve ser, como regra, algo agradável e divertido, que traz prazer, e não algo maçante e indigesto, que tem lugar por imposição ou mera obrigação.

É importante ter isto em mente ao discutir a linguagem LOGO, pois essa linguagem não foi desenvolvida para ser apenas mais uma linguagem de programação, e sim como uma ferramenta importante para a promoção de uma aprendizagem ativa, dinâmica, relevante e significativa. A linguagem LOGO surgiu, portanto, como instrumento de uma filosofia da educação. Tão importante quanto discutir suas características técnicas é entender a filosofia da educação que a produziu e lhe dá fundamentação e sustentação.

c. Características Técnicas de LOGO

OS GRÁFICOS DA TARTARUGA

Sendo uma linguagem voltada para o trabalho educacional, que em grande parte é voltado para crianças, LOGO não poderia deixar de fazer uso de gráficos. Seus criadores a dotaram, portanto de excelentes recursos gráficos, em alta resolução, manipuláveis tanto em modo de execução imediata como por programas, através de comandos bastante simples, mas poderosos. Esses recursos gráficos, centrados na famosa “Tartaruga”, que acabou se tornando o símbolo de LOGO, e que nada mais é do que um cursor gráfico, permitem que a criança desenhe na tela com relativa facilidade, mas com uma grande vantagem em relação aos seus desenhos com lápis e papel ou aos seus desenhos com softwares de desenho que não têm finalidades pedagógicas: ao desenhar na tela com LOGO a criança é forçada a pensar sobre o que está fazendo, e, nesse processo, aprende coisas importantes, não só sobre o projeto que está desenvolvendo, mas também sobre como ela própria pensa e sobre como o computador funciona.

Os recursos gráficos de LOGO se mostraram tão úteis e eficientes no trabalho educacional que várias outras linguagens de programação e programas pedagógicos acabaram anexando o sub-conjunto de comandos gráficos de LOGO aos seus próprios comandos. Isto se deu com algumas versões de BASIC, de PILOT (outra linguagem voltada para a educação, mas com outra filosofia), FORTH, COMAL, etc. Além disso, sugiram vários pacotes gráficos, para os mais variados tipos de computadores, que se inspiraram nos “Gráficos da Tartaruga” de LOGO. Num determinado momento até pacotes gráficos à base de LOGO, para o uso profissional, foram anunciados. Por isso, o que originalmente foi uma grande novidade em LOGO hoje já não chama tanto a atenção. Na verdade, há muitos que acusam LOGO de não ter evoluído tão rapidamente quanto sua concorrência nessa área.

MANIPULAÇÃO DE ENTIDADES LINGÜÍSTICAS

O que muitos dos leitores talvez desconheçam é que LOGO, embora dedicado especificamente à educação, não é uma linguagem voltada exclusivamente para crianças: possui poderosíssimos recursos para manipulação de palavras e listas, sendo muito usado em trabalhos sofisticados de inteligência artificial, especialmente no processamento de linguagem natural e em sistemas de dedução. Isto significa que a criança pode começar com a parte gráfica, e ir gradativamente progredindo até tornar-se, assim o desejando, competente em basicamente todos os aspectos que uma linguagem de programação bastante completa pode oferecer. O potencial de LOGO não se esgota, portanto, de modo algum, nos desenhos que uma criança até bem nova consegue fazer na tela, com poucos e simples comandos, e que exigiriam, em uma outra linguagem, linhas e linhas de programação (mas que podem ser feitos de forma relativamente fácil, se bem que quase mecânica, com softwares não pedagógicos, como Paint Brush).

Não é possível discutir, aqui, os aspectos mais sofisticados de linguagem, principalmente os relativos a processamento de listas, os quais, em grande parte, foram tomados emprestados de LISP. Discutir-se-ão, portanto, apenas algumas características genéricas da linguagem, e, em seguida, alguns poucos aspectos relativos ao uso dos recursos gráficos na educação. Ao final, far-se-á menção à capacidade de LOGO de lidar com sistemas dedutivos, mas sem discutir as características técnicas que viabilizam essa capacidade.

OUTRAS CARACTERÍSTICAS

LOGO é, em primeiro lugar, uma linguagem orientada para programação basicamente estruturada, voltada para o uso de procedimentos modulares. Não é uma linguagem de programação orientada para eventos, como Visual Basic, ou para objetos, como Delphi.

Em segundo lugar, LOGO é uma linguagem “extensível”, isto é, cujo vocabulário pode ser estendido pelo usuário. Os comandos de LOGO se dividem, basicamente, em comandos primitivos, que são os que já vem implementados na linguagem, e em nomes de procedimentos que são desenvolvidos pelo usuário, e, que uma vez na área de trabalho (na memória) são executados como se fossem comandos primitivos. A maior parte dos comandos primitivos, e todos os procedimentos, podem ser executados em modo direto ou ser invocados a partir de um (outro) procedimento. Desta forma, é possível, por exemplo, fazer um desenho na tela, digamos um quadrado, em modo direto de execução, usando os comandos primitivos, verificar qual a seqüência de comandos que produziu aquela figura, e em seguida definir essa seqüência, dando-lhe um nome — QUADRADO, ou qualquer outro. Esse nome passa então a ser um novo comando de LOGO, e todas as vezes que o usuário digitar QUADRADO, LOGO desenhará a figura correspondente na tela.

Desta forma, se a criança quer desenhar uma casa, é muito mais fácil e eficiente aprender a desenhar um quadrado, um triângulo, um retângulo, um paralelogramo (para representar o telhado), uma chaminé ou uma antena de televisão, uma porta, uma janela, etc., e depois juntar tudo isto em um super-procedimento chamado CASA, do que desenhar a casa linearmente. Nesse processo a criança aprende noções importantes de programação modular e estruturada e técnicas importantes de solução de problemas, como o princípio de que freqüentemente a melhor estratégia para solucionar um grande problema é quebrá-lo em problemas menores, que são mais fáceis de solucionar.

Uma terceira característica de LOGO é ser uma linguagem extremamente interativa e amiga. Como já disse, os desenhos podem ser feitos, inicialmente, em modo direto de execução. Cada erro de sintaxe é respondido com uma mensagem de erro clara e precisa, como, por exemplo, “o comando REPITA precisa de dois parâmetros” —  e não com um vago “Erro de Sintaxe”. Quando da programação de um procedimento, o editor de LOGO permite que se defina, altere ou corrija um procedimento de modo extremamente simples.

Mas LOGO tem várias outras características bastante interessantes. Ao se carregar de um disco um arquivo de procedimento, os procedimentos já existentes na memória não são necessariamente apagados e substituídos: havendo memória disponível, todos eles podem ficar à disposição do usuário. Por outro lado, LOGO permite a definição de variáveis globais e locais. O valor de uma variável global opera em todos os procedimentos em que aquela variável é utilizada. O valor de uma variável local fica restrito ao procedimento em que ela foi definida. Assim, se a variável LADO for definida como uma variável local, o fato de que seu valor no procedimento QUADRADO é alterado não implica alteração no valor da variável LADO do procedimento TRIÂNGULO.

Como dissemos, os objetos com os quais LOGO opera incluem não só números e cadeias de caracteres mais também listas. Este fato permite que os dados sejam estruturados de maneira interessante e eficiente, pois pode haver inclusive listas de procedimentos, listas de listas, etc. Essa característica de linguagem às vezes não é de assimilação muito fácil para quem está acostumado com outros tipos de linguagem, mas permite a manipulação de símbolos lingüísticos de maneira bem mais fácil do que em outras linguagens de programação

LOGO também permite recursão. Desta forma, um procedimento pode invocar a si próprio, até que aconteça determinada situação ou o programa seja interrompido. Adiante será dado um exemplo dessa característica.

COMANDOS GRÁFICOS BÁSICOS

Mas falemos um pouco agora dos comandos gráficos básicos. Eles permitem que o cursor gráfico (a Tartaruga) se movimente na tela de alta resolução, deixando um rastro, que em alguns sistemas pode ser de uma cor especificada, ou apagando um rastro anteriormente feito, ou então sem deixar rastro.

Qual, porém, a utilidade pedagógica de fazer a Tartaruga andar na tela? Fazendo-a andar, a criança conseguirá desenhar na tela, construindo desde desenhos bastante simples até sofisticadas obras de arte e complexos gráficos para uso profissional. Ao desenhar, ela descobrirá alguns princípios muito importantes sobre ângulos, distâncias, perspectiva, etc., acabando por dominar a chamada “Geometria da Tartaruga”. Mas mais do que isto: aprenderá a desenvolver habilidades e atitudes indispensáveis para a solução de qualquer tipo de problema. Isso será ilustrado em um momento.

Antes, vejamos brevemente quais os principais comandos gráficos que a Tartaruga reconhece para se movimentar pela tela. Será usada uma versão brasileira dos comandos, com o original entre parênteses, que não corresponde, necessariamente, à de nenhum LOGO em existência.

PARACASA (HOME) — faz com que a Tartaruga se dirija para o centro da tela e fique com sua “cabeça” apontando diretamente para cima (posição “Norte”). Em algumas versões de LOGO esse comando também limpa a tela, sendo usado para ingresso no modo gráfico de alta resolução.

PARAFRENTE (FORWARD) n — a Tartaruga vai para frente n pontos de tela. (Para frente, para a Tartaruga, é qualquer direção para a qual esteja apontada a sua “cabeça”. Depois de um comando PARACASA, frente é, como vimos, diretamente para cima na tela).

PARATRÁS (BACK) n — a Tartaruga vai para trás, dando marcha a ré, n pontos de tela. (Para trás, para a Tartaruga, é uma direção diametricamente oposta — 180 graus — àquela em que ela iria, se o comando fosse PARAFRENTE. PARAFRENTE 100, seguido de PARATRÁS 100, deixam a Tartaruga na mesma posição, apontando na mesma direção. Depois de um comando PARACASA, para trás é diretamente para baixo na tela — posição “Sul”).

GIRODIREITA (RIGHT) n —  a direção em que a Tartaruga está apontando é alterada em n graus, para a direita — mas a Tartaruga não anda (não muda de posição: só de direção).

GIROESQUERDA (LEFT) n — idem, para a esquerda. GIRODIREITA 180 e GIROESQUERDA 180 levam a Tartaruga, naturalmente, a apontar numa mesma direção, não importando qual comando tenha sido usado. GIRODIREITA 360 e GIROESQUERDA 360 deixam a Tartaruga apontando na mesma direção em que apontava antes do comando.

A Tartaruga tem sempre uma posição e uma direção. O estado da Tartaruga em um dado momento inclui referência à sua posição e à sua direção.

Há outros comandos, que não serão introduzidos aqui por falta de espaço. Por ora, só mais um:

REPITA (REPEAT) n [ ]. Este comando faz com que a Tartaruga repita n vezes o comado ou os comandos colocados entre colchetes. REPITA 100 [PARAFRENTE 1] é equivalente a PARAFRENTE 100.

d. Aplicações Pedagógicas de LOGO

GRÁFICOS E CONCEITOS GEOMÉTRICOS

Vejamos agora alguns exemplos de utilização dos comandos gráficos e de sua aplicação pedagógica.

O conjunto de comandos a seguir desenha um quadrado, com lado de 100 passos da Tartaruga.

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

O seguinte conjunto de comandos “ensina” LOGO a desenhar um quadrado, porque, neste caso, está se definindo um procedimento que acrescenta ao vocabulário de LOGO o termo “Quadrado”

APRENDA “Quadrado

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

PARAFRENTE 100

GIRODIREITA 90

FIM

Obviamente, um procedimento equivalente, e bem mais simples e elegante seria:

APRENDA “Quadrado

REPITA 4 [PARAFRENTE 100 GIRODIREITA 90]

FIM

Ao executar este procedimento, a criança terá na tela um quadrado, com um lado de 100 passos da Tartaruga.

Se a criança ainda não possui a noção de ângulo, é necessário permitir que ela caminhe no seu próprio ritmo. Eventualmente, ao fazer desenhos como este e os que vêm a seguir, ela começará a entender o que é um ângulo e como o seu valor produz resultados bastante diferentes, embora o “algoritmo” seja o mesmo.

LOGO naturalmente aceita o uso de variáveis, de modo que poderíamos generalizar o procedimento anterior e fazê-lo desenhar um quadrado de qualquer tamanho desejado.

APRENDA “Quadrado 😡

REPITA 4 [PARAFRENTE 😡 GIRODIREITA 90]

FIM

Neste caso, toda vez que se der o comando QUADRADO é preciso fornecer um número, como parâmetro, que passará a ser o conteúdo da variável :x. Assim:

QUADRADO 100

produzirá a figura a seguir:

No caso, 100 é o número de passos de Tartaruga a que corresponderá o lado do quadrado.

Vejamos agora o mesmo comando com um parâmetro diferente:

QUADRADO 200

É interessante notar que se este segundo quadrado for feito sem apagar o primeiro, a criança facilmente poderá verificar que a área do segundo quadrado não é o dobro da do primeiro, mas, sim, quatro vezes maior!

O procedimento que desenha um triângulo é muito parecido. Aqui o professor, com o intuito de facilitar o entendimento da criança, pode, antes de ela criar o procedimento, indagar se ela tem idéia de qual será o valor do giro para a direita que é necessário para que seja desenhado um triângulo. A idéia inicial que muitas pessoas têm (até adultos) é de que o ângulo seria 60º, não 120º. Essa expectativa da criança, se é que ela a tem, pode ser trabalhada criativamente pelo professor. O procedimento é o seguinte:

APRENDA “Triângulo 😡

REPITA 3 [PARAFRENTE 😡 GIRODIREITA 120]

FIM

Caso seja dado o comando

TRIANGULO 100

aparecerá algo assim na tela:

É possível ainda generalizar esses dois procedimentos (QUADRADO e TRIÂNGULO) ainda mais e, em vez de fazer um procedimento que desenha apenas um quadrado ou um triângulo (ainda que de tamanhos diferentes), fazer um procedimento que desenha polígonos regulares com qualquer número de lados e de lados (naturalmente iguais) de qualquer tamanho. Aqui já começa a haver condições para que a criança entenda (ou entenda melhor) a noção de ângulo.

Para isso, devemos nos dar conta de que, no polígono quadrado, o ângulo (90º) é obtido dividindo o ângulo de uma circunferência (360º) pelo número de lados do polígono (no caso, 4); no polígono triângulo, o ângulo (120º) é obtido dividindo o ângulo de uma circunferência (360º) pelo número de lados do polígono (no caso, 3); e assim por diante.

Desta forma, o novo procedimento — vamos chamá-lo de POLÍGONO agora — fica assim:

APRENDA “Polígono 😡 :y

REPITA 😡 [PARAFRENTE :y GIRODIREITA 360/:x]

FIM

Aqui, o comando

POLÍGONO 4 100

desenhará um quadrado; o comando

POLÍGONO 5 100

desenhará um pentágono, e assim por diante. A primeira variável indica o número de lados e a segunda o tamanho do lado. Eis a figura que aparece na tela depois de executados os seguintes comandos, deixando sempre na tela a figura anterior:

POLÍGONO 4 100

POLÍGONO 5 100

POLÍGONO 6 100

POLÍGONO 7 100

POLÍGONO 8 100

POLÍGONO 9 100

POLÍGONO 10 100

Note que quanto mais lados tem um polígono, menor deve ser o tamanho do lado, porque, doutra forma, ele não caberá inteiro numa tela — e “vazará” para o outro lado. Aqui, porque colocamos apenas sete polígonos (de quatro a dez lados), o maior polígono ainda coube na tela, mesmo mantendo o tamanho do lado. (Em LOGO, quando um traço chega ao fim da tela, ele normalmente continua no lado oposto da tela, como se a tela fosse esférica).

Aqui o professor poderá sugerir que a criança experimente diferentes valores, para ver como ficam os polígonos regulares formados. É preciso não se esquecer de que, quanto maior o número de lados (variável :x), tanto menor deve ser o tamanho do lado (variável :y), para que o polígono caiba na tela.

Um sentimento de surpresa geralmente advém à criança quando ela tenta executar o procedimento com os seguintes parâmetros:

POLÍGONO 360 1

Neste caso, como prontamente se verá, LOGO desenha uma circunferência na tela, fato que mostra que, na tela de um computador, uma circunferência não se distingue de um polígono de 360 lados em que o tamanho de cada um dos lados é de apenas um ponto!

Quando se trabalha com LOGO espera-se que a criança vá aprendendo a manipular os recursos da linguagem e, eventualmente, descubra por si só, sem que isso seja dito pelo professor, como é possível começar com um procedimento e ir modificando esse procedimento para torná-lo mais genérico e potente.

Podemos agora definir um procedimento em LOGO, que faça os mais interessantes desenhos na tela, sem que o procedimento básico seja alterado, variando-se apenas os parâmetros fornecidos.

APRENDA “Poliflor :v 😡 :y

REPITA :v [POLÍGONO 😡 :y gd 360/:v]

FIM

Imaginemos que, neste caso, o comando dado seja

POLIFLOR 12 4 75

O resultado será este:

Neste caso, aquilo que segue ao comando REPITA (e que está entre colchetes) será executado 12 vezes, porque o valor atribuído à variável :v (a primeira variável) é 12. Na primeira execução do comando REPITA, LOGO desenhará um polígono de 4 lados (valor atribuído à variável :x), e, portanto um quadrado, com lado de 75 passos (valor atribuído à variável :y). O que acontece depois? No caso, depois de desenhar o primeiro quadrado, a Tartaruga fica exatamente na posição em que estava antes de desenhá-lo. O comando final, dentro dos colchetes, faz com que sua direção se desloque 30º para a direita, o grau sendo alcançado dividindo-se 360º pelo valor da variável :v, que é 12.

Experimentando outros valores, é possível constatar como um mesmo procedimento pode fazer desenhos os mais variados. Vejamos, por exemplo, os seguintes parâmetros:

POLIFLOR 10 6 75

POLIFLOR 18 18 30

POLIFLOR 32 12 50

Vejamos agora um outro procedimento:

APRENDA “Polespiral :v  😡  :y

REPITA :v [PARAFRENTE 😡 GIRODIREITA :y ATRIBUA “x 😡 +2]

FIM

Digamos que esse procedimento seja usado com os seguintes parâmetros:

POLESPIRAL 100 2 90

Neste caso, não se desenha um polígono. Com esses parâmetros, o que está dentro dos colchetes será repetido 100 vezes. Na primeira vez, a Tartaruga anda dois passos, gira 90º para a direita e, em seguida, o valor de :x, que era 2, é incrementado em 2, passando a ser 4. Repete-se todo o conteúdo do colchete, agora pela segunda vez, a Tartaruga agora andando quatro passos e girando 90º para a direita. Ao final das 100 repetições (valor de :v), haverá na tela uma “espiral quadrada”, por assim dizer.

Experimentando, agora, outros valores, podemos constatar como um mesmo procedimento pode fazer desenhos os mais variados. Tentemos, por exemplo, os seguintes valores:

POLESPIRAL 100 2 89

POLESPIRAL 75  2 45

POLESPIRAL 125 125 125

POLESPIRAL 90 90 90

POLESPIRAL 100 90 180

Se quisermos, podemos fazer uma variação desse procedimento que fica repetindo indefinidamente e em que o valor do incremento é fornecido como parâmetro. Assim:

APRENDA “Polespiral2 😡  :y  :z

PARAFRENTE 😡 GIRODIREITA :y

POLESPIRAL2 :x+:z  :y  :z

FIM

Neste caso, o procedimento usa recursão, isto é, invoca a si próprio, e a variável :z contém o valor do incremento do lado. Esse procedimento nunca termina sua execução de moto próprio: só o faz quando você aperta uma tecla de interrupção, como geralmente ESC ou CTRL+C.

POLESPIRAL2 1 90 3 (interrompido depois de 150 iterações)

Vejamos, por fim, muito brevemente, o que está envolvido em um desenho típico que uma criança fez na tela, pois o valor pedagógico de LOGO começa a aparecer mesmo nesse simples procedimento. Suponhamos que a criança se proponha desenhar um casa. Se ela já conhece ângulos, e sabe o valor de um ângulo reto, possivelmente não terá maiores dificuldades para desenhar um quadrado. Ela poderá fazê-lo assim:

POLÍGONO 4 100

Neste caso, o quadrado terá um lado de cem passos da Tartaruga. Precisamos, agora, colocar a Tartaruga, mantendo a direção em que ela se encontra, no topo superior esquerdo do quadrado, o que pode ser feito com os comandos:

SEMTRAÇO PARAFRENTE 100 COMTRAÇO

(O comando SEMTRAÇO faz com que a Tartaruga caminhe sem deixar um traço; o comando COMTRAÇO faz com que volte a deixar um traço ao caminhar). Agora temos a Tartaruga, com a cabeça virada para cima (direção “Norte”, que tem o valor de 0º ou 360º), no canto superior esquerdo do quadrado desenhado.

Imaginemos que a criança queira desenhar uma cumeeira que seja um triângulo (posto que não há muitas alternativas). Aqui o professor pode discutir os diferentes tipos de triângulo: equilátero, isósceles, escaleno, reto, etc. Digamos que a criança quer fazer em cima do quadrado um triângulo equilátero, que precisará ter o lado igual ao do quadrado (100 passos).

Como fazer? A Tartaruga agora precisa virar, para direita, um certo número de graus, para deixar a Tartaruga na direção certa para desenhar o triângulo. Quantos graus? Segundo a filosofia da educação que LOGO esposa é preciso deixar a criança explorar. Explorando, ela vai chegar mais cedo ou mais tarde, ao número certo. Mas aqui entre nós: qual é o ângulo certo? Muitas crianças vão tentar 45º. Há que deixá-las tentar. O certo, porém, se se deseja desenhar um triângulo equilátero, é girar a Tartaruga 30º para a direita e dar o comando:

POLIGONO 3 100

O desenho ficará assim:

Digamos que, quando vir o desenho, a criança ache que essa cumeeira está alta demais. O que ela queria, não era um triângulo equilátero, mas, sim, um triângulo isósceles, com base 100 (para juntar no topo do quadrado). Imaginemos que ela apague o que fez (ou faça de novo) e fique, novamente, com o desenho no estágio em que ele estava antes de ela desenhar o triângulo:

E agora, qual o ângulo que a Tartaruga terá que virar para a direita para desenhar um dos lados do triângulo isósceles cuja base é o topo do quadrado? Agora 45º é o candidato mais natural, não é mesmo?

Mas e daí? Alterada a direção da Tartaruga em 45º para a direita, quantos passos ela precisa agora dar para ficar bem no meio da base, de modo que o telhado da casa tenha uma caída perfeitamente simétrica? A base do triângulo (correspondente ao topo do quadrado) tem 100 pontos. O vértice do telhado deve estar na direção do meio do lado superior do quadrado. Por isso, a criança pode ser tentada a instruir a Tartaruga a ir para frente 50 pontos. Não iria dar muito certo. A criança teria que continuar tentando, até chegar ao número adequado. Já se viram crianças instruindo a Tartaruga a andar para frente um ponto de cada vez, até chegar ao lugar desejado, contando, ao mesmo tempo, o número de pontos que ela teve que andar para chegar lá. Mas imaginemos que, de uma forma ou de outra, a criança tenha descoberto o número mágico e faça a Tartaruga andar o número certo de pontos, de modo a ficar nesta posição (70,71 é uma boa pedida: é a raiz quadrada de 5000):

A Tartaruga agora está basicamente no meio do lado superior do quadrado, cerca de 50 pontos acima deste lado. Qual o ângulo que a Tartaruga deverá virar, para a direita, para descer até o canto superior direito do quadrado, andando o mesmo tanto que andou do outro lado e fechando o triângulo? Normalmente demora um pouco para a criança perceber qual é o ângulo, mas ela eventualmente o descobre. O ângulo é reto — só pode ser, não é verdade? Se os outros dois ângulos (os de baixo) possuem 45º e a soma dos ângulos internos é 180º, o ângulo do vértice superior do triângulo só pode ser 90º. Mas a gente sabe isso — a criança, freqüentemente, não, ou, se sabe, não se dá conta de que o conhecimento que ela possui pode ser útil, de um forma prática, em muitos contextos. Uma vez descoberto o ângulo, é fácil fechar o triângulo.

O essencial de todo este processo é que a criança vai, naturalmente, aprendendo conceitos e princípios importantes, não só de geometria, mas também sobre como resolver um problema. Em um dado momento ela entende, por exemplo, o Teorema de Pitágoras, sem nunca antes ter visto a sua fórmula. Essa fórmula, quando lhe for apresentada, será algo significativo e concreto, ancorado em sua experiência, e não algo abstrato, que tem decorar.

DEDUCAÇÃO E MANIPULAÇÃO DE CONCEITOS

Aqui não vamos discutir os comandos de LOGO que nos permitirão manipular conceitos e fazer deduções, porque isso faria com que dedicássemos muito espaço a questões relativamente complexas. Vamos apenas ilustrar como se pode manipular conceitos e fazer deduções usando LOGO como ferramenta.

Imaginemos que se proponha a uma classe que desenvolva, como projeto, e usando LOGO, um jogo que faça com que o computador adivinhe o animal em que uma criança está pensando. (Normalmente os jogos que já vêm prontos fazem com que o computador “pense” em algo — digamos, um número — e a criança tente adivinhar qual é o número em que o computador “pensou”. Aqui a proposta é que se faça o inverso).

Uma maneira de executar esse projeto é criando uma base de dados de animais hierarquizada em função de suas características mais importantes ou mais conhecidas.

Digamos que, inicialmente, se crie uma categoria de animais vertebrados e outra de não vertebrados.

Na categoria dos animais vertebrados poderíamos criar duas outras categorias: a dos que têm pena e a dos que não têm pena.

Na categoria dos que têm pena poderíamos distinguir mais duas categorias: a dos que cantam bonito e a dos que não cantam bonito.

Na categoria dos que cantam bonito colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: canário.

Na categoria dos que não cantam bonito poderíamos criar mais duas categorias: a dos que são vendidos em supermercado e a dos que não são vendidos em supermercado.

Na categoria dos que são vendidos em supermercado colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: frango.

Na categoria dos que não são vendidos em supermercado colocaríamos um animal que, provavelmente, seria um daqueles em que alguém pensaria nessa categoria: pardal.

Na categoria dos animais que não têm pena poderíamos criar duas outras categorias: a dos animais domésticos e a dos não domésticos.

Na categoria dos animais domésticos poderíamos criar duas outras categorias: a dos animais que servem de guarda e a dos animais que não servem de guarda.

Na categoria dos que animais que servem de guarda colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: cachorro.

Na categoria dos que animais que não servem de guarda poderíamos criar mais duas categorias: a dos animais que servem de montaria e a dos animais que não servem de montaria.

Na categoria dos animais que servem de montaria colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: cavalo.

Na categoria dos animais que não servem de montaria colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: gato.

 (Note-se que, seguindo as categorias, o gato é um animal vertebrado, sem penas, doméstico, que não serve de guarda e nem serve de montaria).

Na categoria dos animais não domésticos poderíamos criar mais duas categorias: a dos animais de mais de um metro de altura e a dos animais de menos de um metro de altura.

Na categoria dos animais não domésticos de mais de um metro de altura colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: elefante.

Na categoria dos animais não domésticos de menos de um metro de altura poderíamos criar mais duas categorias: a dos animais com juba e a dos animais sem juba.

Na categoria dos animais não domésticos de menos de um metro de altura e com juba colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: leão.

Na categoria dos animais não domésticos de menos de um metro de altura e sem juba colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: onça.

Na categoria dos animais não vertebrados colocaríamos duas outras categorias: a dos animais usados como isca e a dos não usados como isca.

Na categoria dos animais não vertebrados usados como isca colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: minhoca.

Na categoria dos animais não vertebrados que não são usados como isca poderíamos colocar duas outras categorias: a dos comestíveis e a dos não comestíveis.

Na categoria dos animais não vertebrados que não são usados como isca e são comestíveis colocaríamos um animal que, provavelmente, seria o primeiro em que alguém pensaria nessa categoria: lesma (escargot).

Na categoria dos animais não vertebrados que não são usados como isca e não são comestíveis colocaríamos um animal em que, provavelmente, alguém pensaria nessa categoria: bicho-bola.

Eis aqui o esquema hierarquizado dessa base de dados:

Com uma base de dados assim hierarquizada, o computador vai adivinhar de pronto vários animais em que as crianças vão pensar. Digamos que o primeiro animal em que uma criança pense seja um gato.

O diálogo irá mais ou menos assim:

Computador: Pense num animal e guarde com você o nome do animal em que você pensou. Pronto?

Criança: Pronto [pensou em gato].

Computador: Responda às minhas perguntas com “Sim” ou “Não” que vou adivinhar em que animal você pensou. OK?

Criança: OK

Computador: É vertebrado?

Criança: Sim.

Computador: Tem penas?

Criança: Não.

Computador: É doméstico?

Criança: Sim.

Computador: É animal de guarda?

Criança: Não.

Computador: É animal de montaria?

Criança: Não.

Computador: É um gato?

Criança: Sim.

Mas imaginemos que a criança tenha pensado em um animal que não está originalmente na base de dados. Digamos que tenha pensado em um hamster. Neste caso, quando o computador perguntasse: “É um gato?”, a criança responderia “Não” — e como continuaria o diálogo? Mais ou menos assim:

Computador: É um gato?

Criança: Não!!!

Computador: Sinto muito! Dessa vez você me pegou. Qual é o animal em que você pensou?

Criança: Um hamster.

Computador: Puxa, nesse eu nunca iria pensar. Mas diga-me uma coisa: o que é que um hamster faz que um gato não faz?

Criança: O hamster rói.

Computador: Ah, bom. Obrigado. Quer brincar de novo? Preciso de uma nova chance.

E por aí vai. Com a resposta da criança, o computador acrescenta uma informação à sua base de dados.

Agora, na categoria dos animais domésticos que não servem de montaria, em vez de colocarmos já de início um animal, o gato, colocaríamos mais duas categorias: a dos animais roedores e a dos animais não roedores. Em seguida, na categoria dos roedores colocaríamos o hamster, e deixaríamos o gato na categoria dos não roedores.

Assim, da vez seguinte que uma criança pensasse em um hamster, o computador já seria capaz de adivinhar.

Com um programa construído em cima de uma base de dados hierarquizada dessa forma, o “conhecimento” do computador vai aumentando à medida que ele vai jogando com as crianças, porque toda vez que ele não consegue adivinhar o animal em que a criança está pensando ele aprende alguma coisa diferente (porque a criança a ensina a ele!).

Esse é um programa extremamente divertido — na realidade, é um jogo. No entanto, o grande desafio é construir o jogo com LOGO, porque no processo as crianças aprenderão muita coisa sobre sistemas dedutivos e, também, sobre animais, sobre como o computador funciona e, naturalmente, sobre as estruturas de LOGO como linguagem de programação. Certamente o raciocínio da criança será desafiado jogando um jogo como esse, mas será mais desafiado ainda construindo esse jogo.

É nisto que reside o poder de LOGO, como linguagem de programação: o fato de que ele trás, embutido em si, uma filosofia da educação bastante atraente, que permite com que, usando a ferramenta, a criança aprenda bem mais do que simplesmente usar a linguagem de programação: aprenda a pensar e a refletir sobre o que ela mesma está pensando, para que possa “ensinar” o computador a pensar como ela.

e. Uma Aplicação Pedagógica de PROLOG

A LINGUAGEM DE PROGRAMAÇÃO PROLOG

PROLOG é uma outra linguagem de programação. PROLOG quer dizer “Programação em Lógica”. Diferentemente de LOGO, PROLOG [4] não foi feito para ser usado na educação: foi feito visando ao desenvolvimento de aplicações que envolvem inteligência artificial, especialmente sistemas especialistas. No entanto, PROLOG pode ser usado com grande proveito na educação, especialmente para a montagem de sistemas dedutivos — verdadeiros sistemas especialistas.

Um sistema em PROLOG é bastante diferente de um programa elaborado em uma linguagem de programação, como LOGO, que é baseada em procedimentos. Numa linguagem baseada em procedimentos o programador, ao escrever um programa, precisa especificar, nos mínimos detalhes, como será resolvido o problema que o programa se propõe a resolver Numa linguagem como PROLOG, que é declarativa, o programador, ao elaborar um sistema, declara os fatos básicos que são relevantes ao problema, elabora as regras de inferência que, aplicadas aos fatos, permitirão que sejam derivados novos fatos, que eventualmente ajudarão a resolver problemas colocados pelo usuário. PROLOG já conhece as regras lógicas da dedução. Logo elas não precisam ser elaboradas. Esses elementos ficarão mais claros no sistema a seguir apresentado.

PROLOG tem várias implementações. Vamos aqui usar um vocabulário e uma sintaxe mais ou menos padrão, traduzindo os termos para o Português.

CRIAÇÃO DE UM SISTEMA DE PARENTESCO

No caso queremos construir um sistema que, com base em fatos e regras de inferência fornecidos pelos usuários (digamos que alunos), responda a eles quais são as suas relações de parentesco com os membros de sua família. Na verdade, o sistema vai criar uma base de dados que, com a ajuda das regras fornecidas, gerará o equivalente a uma árvores genealógica da família

Para que isso seja possível, é preciso fornecer ao programa alguns fatos básicos, que não vão ser derivados através de regras de inferência. Embora haja alguma flexibilidade aqui, podemos com razoável certeza dizer é mais fácil definir como fato básico que uma dada pessoa é do sexo masculino ou do sexo feminino do que é inferir isso a partir de uma outra característica da pessoa. Nem todas as pessoas são pais ou mães — embora todas as pessoas sejam filhos ou filhas. Por isso, é verdade que poderíamos definir como fato básico para cada pessoa se ela é filho ou filha e, daí, inferir que ela é do sexo masculino ou do sexo feminino a partir da informação que é filho ou filha. Mas o processo seria mais complicado. Assim sendo, preferimos considerar como fato básico acerca de todas as pessoas constantes da base de dados que ela é do sexo masculino ou do sexo feminino.

Além disso, vamos considerar como fato básico a informação sobre quem é pai ou mãe de quem. Neste caso a informação só existirá para quem realmente for pai ou mãe de outra pessoa. Os que não são não terão, naturalmente, essa informação sobre eles.

Por fim, vamos considerar também como fato básico a informação de que duas pessoas são casadas (supondo, naturalmente, que o sejam).

Vamos imaginar, agora, uma família de, digamos 40 membros, a saber:

Carlos, Alvina, Raul, Catarina, Oscar, Edith, Dulce, José, Angelina, Anello, Alice, Eduardo, Sueli, Benedito, Aparecida, João, Eliane, Mário, Lúcia, Flávio, Anelice, Isaías, Idília, Nelson, Andrea, Richard, Patrícia, Alexandre, Irene, Vítor, Diogo, Tiago, Lídia, Marcos, Tatiana, Rodrigo, Mônica, Camila1, Camila2, Liziane

Pelos nomes já se sabe quem é do sexo masculino e quem é do sexo feminino — mas no caso do sistema isto teria que ser declarado.

Carlos é pai de Raul, Oscar e Dulce

Alvina é mãe de Raul, Oscar e Dulce

Raul é pai de Irene e Idília

Catarina é mãe de Irene e Idília

Oscar é pai de Eduardo e Eliane

Edith é mãe de Eduardo e Eliane

José é pai de Edith e Alice

Angelina é mãe de Edith e Alice

Anello é pai de Mário e Anelice

Alice é mãe de Mário e Anelice

Eduardo é pai de Andrea e Patrícia

Sueli é mãe de Tatiana, Rodrigo e Patrícia

Benedito é pai de Sueli, Marcos, e Liziane

Aparecida é mãe de Sueli e Maros

João é pai de Vítor e Diogo

Eliane é mãe de Vítor e Diogo

Mário é pai de Tiago

Lúcia é mãe de Tiago

Flávio é pai de Lídia

Anelice é mãe de Lídia

Isaías é pai de Nelson

Idília é mãe de Nelson

Nelson é pai de Camila-2

Marcos é pai de Mônica

Mônica é mãe de Camila-1

Carlos e Alvina são casados

Raul e Catarina são casados

Oscar e Edith são casados

José e Angelina são casados

Anello e Alice são casados

Eduardo e Sueli são casados

Benedito e Aparecida são casados

João e Eliane são casados

Mário e Lúcia são casados

Flávio e Anelice são casados

Isaías e Idília são casados

Andrea e Richard são casados

Patrícia e Alexandre são casados

Só. O resto será definido por regras de inferência.

Em PROLOG fatos básicos são introduzidos com a seguinte redação:

masc(X)

fem(X)

pai(X,Y)

mae(X,Y)

casados(X,Y)

Por exemplo:

masc(Oscar)

fem(Patrícia)

pai(Eduardo,Andrea)

pai(Eduardo,Patrícia)

mãe(Mônica,Camila-1)

casados(Alice,Anello)

Todas as outras relações de parentesco são derivadas dos fatos primitivos através das regras de inferência a seguir enunciadas.

pais(X,Y) se

pai(X,Y) ou

mae(X,Y).

Leia-se: “X é pais de Y se X é pai ou mae de Y”.

Note-se que todas as regras de parentesco estão definidas no plural. “Pais” quer dizer “pai ou mãe”. Neste caso, as relações “pai” (masculino) e “mae” (feminino) são fatos básicos (isto é, são fornecidas como fatos, não definidas por regras). A relação “pais” só é definida para facilitar algumas definições, adiante, em que não faz diferença se uma pessoa é pai ou mãe da outra, desde que seja um dos dois.

filhos(X,Y) se

pais(Y,X).

Leia-se: “X é filhos de Y se Y é pais de X”.

Neste caso, “filhos” quer dizer “filho ou filha”. Como as relações “filho” (masculino) e “filha” (feminino) não são fatos básicos, e, portanto, precisam ser definidas com regras de parentesco, isto precisa ser feito com o auxílio das relações primitivas “masc” e “fem”. Assim:

filho(X,Y) se

filhos(X,Y) e

masc(X).

Leia-se: “X é filho de Y se X é filhos (filho ou filha) de Y e X é do sexo masculino”.

filha(X,Y) se

filhos(X,Y) e

fem(X).

Leia-se: “X é filha de Y se X é filhos (filho ou filha) de Y e X é do sexo feminino”.

E assim por diante:

avos(X,Y) se

pais(X,Z) e

pais(Z,Y).

Leia-se: “X é avos (avô ou avó) de Y se X é pais (pai ou mãe) de Z e Z é pais (pai ou mãe) de Y”.

netos(X,Y) se

avos(Y,X).

Leia-se: “X é netos (neto ou neta) de Y se Y é avos (avô ou avó) de X”.

bisavos(X,Y) se

avos(X,Z) e

pais(Z,Y).

Leia-se: “X é bisavos (bisavô ou bisavó) de Y se X é avos (avô ou avó) de Z e Z é pais (pai ou mãe) de Y”.

bisnetos(X,Y) se

bisavos(Y,X).

Leia-se: “X é bisnetos (bisneto ou bisneta) de Y se Y é bisavos (bisavôu ou bisavó) de X”.

trisavos(X,Y) se

bisavos(X,Z) e

pais(Z,Y).

Leia-se: “X é trisavos (trisavô ou trisavó) de Y se X é bisavos (bisavô ou bisavó) de Z e Z é pais (pai ou mãe) de Y”.

trisnetos(X,Y) se

trisavos(Y,X).

Leia-se: “X é trisnetos (trisneto ou trisneta) de Y se Y é trisavos (trisavô ou trisavó) de X”.

tetravos(X,Y) se

trisavos(X,Z) e

pais(Z,Y).

Leia-se: “X é tetravos (tetravô ou tetravó) de Y se X é trisavos (trisavô ou trisavó) de Z e Z é pais (pai ou mãe) de Y”.

tetranetos(X,Y) se

tetravos(Y,X).

Leia-se: “X é tetranetos (tetraneto ou tetraneta) de Y se Y é tetravos (tetravô ou tetravó)  de X”.

irmaos(X,Y) se

pai(Z,X) e

pai(Z,Y) e

mae(W,X) e

mae(W,Y) e

X<>Y.

Leia-se: “X é irmãos (irmão ou irmã) de Y se Z é pai de X, Z é pai de Y, W é mae de X, W é mae de Y, e X e Y não são a mesma pessoa”.

Esta regra exige algumas explicações. Primeiro, está se definindo aqui a relação “irmaos” no sentido pleno do termo, em que ser irmãos significa ter o mesmo pai e a mesma mãe. Segundo, é por isso que não se usa a relação “pais” em vez de usar as relações “pai” e “mae” (a relação “pais” vai ser usada na definição seguinte). Como vimos, a relação “pais” quer dizer “é pai ou é mãe”, isto é, basta que seja um, enquanto aqui precisamos que tanto o pai como a mãe sejam os mesmos — não basta que seja apenas um. Terceiro, a última cláusula pode parecer esquisita, mas revela como o computador “pensa”: se não incluirmos na definição de “irmaos” a exigência de que X e Y não sejam a mesma pessoa, o computador vai concluir que X é irmão de X, isto é, de si mesmo, porque X tem o mesmo pai e a mesma mãe que X! Note-se que ao lidar com essas questões a pessoa vai aprendendo conceitos importantes de lógica — e, naturalmente, de parentesco.

meiosirmaos(X,Y) se

pais(Z,X) e

pais(Z,Y) e

not(irmaos(X,Y)) e

X<>Y.

Leia-se: “X é meiosirmãos (meio irmão ou meia irmã) de Y se Z é pais (pai ou mãe) de X, Z é pais (pai ou mãe) de Y, X e Y não são irmãos (no sentido pleno), e X e Y não são a mesma pessoa”.

Note-se que neste caso, como basta que um dos pais seja o mesmo, podemos usar a relação “pais”. Mas aqui temos uma outra complicação. Se não incluirmos a segunda cláusula, o computador vai concluir que os irmãos plenos também são meios irmãos, porque eles têm o mesmo pai ou (na verdade, e) a mesma mãe. Por isso é preciso que, no caso de meios irmãos, se faça a ressalva de que a relação não se aplica a irmãos plenos.

É sempre possível definir as relações de outra forma, mas qualquer definição vai sempre ter que enfrentar problemas semelhantes.

irmaosposticos(X,Y) se

pais(Z,X) e

conjuges(Z,W) e

pais(W,Y) e

not(irmaos(X,Y)) e

not(meiosirmaos(X,Y)) e

X<>Y.

Leia-se: “X é irmaosposticos (irmão postiço ou irmã postiça) de Y se Z é pais (pai ou mãe) de X, Z é cônjuge (marido ou mulher) de W, W é pais (pai ou mãe) de Y, X e Y não são nem irmãos plenos nem meios irmãos, e X não é a mesma pessoa que Y”.

Neste caso, “irmaosposticos” são os irmãos em virtude do casamento dos pais — algo cada vez mais comum hoje em dia. Na realidade, X e Y não são irmãos nem meios irmãos, neste caso, porque não têm nem o mesmo pai nem a mesma mãe. X é, por exemplo, filho de casamento anterior de Z com uma pessoa, e Y é filho do casamento anterior de W com uma outra pessoa — e Z e W se casaram (um com o outro). Na prática, X e Y se consideram irmãos-entre-aspas — a relação é “postiça”.

tios(X,Y) se

irmaos(X,W) e                                               /* Cláusula 1

pais(W,Y)

ou

meiosirmaos(X,W) e                                                /* Cláusula 2

pais(W,Y)

ou

conjuges(X,W) e                                                      /* Cláusula 3

irmaos(W,Z) e

pais(Z,Y)

ou

conjuges(X,W) e                                                      /* Cláusula 4

meiosirmaos(W,Z) e

pais(Z,Y).

Leia-se: “X é tios (tio ou tia) de Y se: [Hipótese 1] X é irmaos (irmão ou irmã) de W e W é pais (pai ou mãe) de Y; ou [Hipótese 2] X é meiosirmaos (meio irmão ou meia irmã) de W e W é pais (pai ou mãe) de Y; ou [Hipóteses 3 e 4] X é cônjuge de tios (tio ou tia) de Y”. Note-se que à medida que os parentescos vão ficando mais complicados, também a lógica necessária para defini-los se complica.

tiosafin(X,Y) se

irmaos(X,W) e                                                           /* Cláusula 1

pais(W,Z) e

conjuges(Z,Y)

ou

meiosirmaos(X,W) e                                                /* Cláusula 2

pais(W,Z) e

conjuges(Z,Y)

ou

conjuges(X,K) e                                                       /* Cláusula 3

irmaos(K,W) e

pais(W,Z) e

conjuges(Z,Y)

ou

conjuges(X,K) e                                                       /* Cláusula 4

meiosirmaos(K,W) e

pais(W,Z) e

conjuges(Z,Y).

Leia-se: X é tiosafin (tio ou tia por afinidade) de Y se X é tios (tio ou tia) do cônjuge de Y”.

Daqui para frente não vamos explicar as definições, porque as explicações já fornecidas são mais do que suficientes para que se possam entender as relações seguintes. [5]

tios2grau(X,Y) se

pais(W,X) e

avos(Z,Y)e

irmaos(W,Z).

tios3grau(X,Y) se

avos(W,X) e

avos(Z,K) e

pais(K,Y) e

irmaos(W,Z).

tiosavos(X,Y) se

tios(X,Z) e

pais(Z,Y).

tiosavos2grau(X,Y) se

pais(K,X) e

avos(W,Y) e

pais(L,W) e

irmaos(K,L).

tiosbisavos(X,Y) se

tios(X,W) e

avos(W,Y).

tiostrisavos(X,Y) se

tios(X,W) e

bisavos(W,Y).

tiostetravos(X,Y) se

tios(X,W) e

trisavos(W,Y).

sobrinhos(X,Y) se

tios(Y,X).

sobrinhos2grau(X,Y) se

tios2grau(Y,X).

sobrinhos3grau(X,Y) se

tios3grau(Y,X).

sobrinhosnetos(X,Y) se

tiosavos(Y,X).

sobrinhosnetos2grau(X,Y) se

tiosavos2grau(Y,X).

sobrinhosbisnetos(X,Y) se

tiosbisavos(Y,X).

sobrinhostrisnetos(X,Y) se

tiostrisavos(Y,X).

sobrinhostetranetos(X,Y) se

tiostetravos(Y,X).

primos(X,Y) se

pais(W,X) e                                                               /* Cláusula 1

pais(Z,Y) e

irmaos(W,Z)

ou

conjuges(X,K) e                                                       /* Cláusula 2

pais(Z,K) e

pais(W,Y) e

irmaos(W,Z).

primosafin(X,Y) se

pais(W,X) e                                                               /* Cláusula 1

conjuges(Y,K) e

pais(Z,K) e

irmaos(W,Z)

ou

conjuges(X,W) e                                                      /* Cláusula 2

conjuges(Y,Z) e

pais(K,W) e

pais(L,Z) e

irmaos(K,L).

primos2grau(X,Y) se

avos(W,X) e

avos(Z,Y) e

irmaos(W,Z).

primos3grau(X,Y) se

pais(W,X) e

pais(Z,Y) e

primos2grau(W,Z).

conjuges(X,Y) se

casados(X,Y)                                                /* Cláusula 1

ou

casados(Y,X).                                                           /* Cláusula 2

sogros(X,Y) se

pais(X,Z) e

conjuges(Z,Y).

genros(X,Y) se

sogros(Y,X).

cunhados(X,Y) se

irmaos(X,Z) e                                                /* Cláusula 1

conjuges(Z,Y)

ou

irmaos(Y,Z) e                                                /* Cláusula 2

conjuges(Z,X)

ou

meiosirmaos(X,Z) e                                     /* Cláusula 3

conjuges(Z,Y)

ou

meiosirmaos(Y,Z) e                                     /* Cláusula 4

conjuges(Z,X).

concunhados(X,Y) se

conjuges(X,Z) e

cunhados(Z,Y)

e not(irmaos(X,Y)).

Com esse conjunto de fatos básicos e regras de inferência é possível perguntar:

Quem são os tios (tio ou tia) de Patrícia?

Eduardo é tio-avô de quem?

E assim por diante.

A sintaxe para se fazer essas perguntas seria algo como:

tios (X,Patrícia)?

e o programa responderia:

X=Eliane

X=Marco

X=Denise

Ou então:

tiosavos (Eduardo,X)?

e o programa responderia:

X=Camila-1

Não é necessário ressaltar que a elaboração de um sistema como este não só ajuda o desenvolvimento do raciocínio dedutivo de quem está participando do projeto, mas, também, faz com que ele aprenda um bocado sobre parentesco, sobre como o computador é capaz de simular a inteligência humana, e sobre como resolver problemas.

NOTAS

[1] Vamos usar os termos “ensinante” e, mais adiante, “aprendente”, porque os achamos termos que expressam melhor o sentido das expressões “aquele que ensina” e “aquele que aprende” do que, de um lado, os termos “professor”, “instrutor” ou “tutor”, termos que não são derivados do verbo “ensinar”, e, de outro lado, o termo “aprendiz”, que, embora derivado do verbo “aprender”, possui conotação própria (quem aprende uma arte ou ofício), mais estreita do que aquela sugerida pelo termo “aprendente”.

[2] Sempre é mais difícil lidar com respostas erradas, porque resposta certa, presumivelmente, há uma só, mas a gama de respostas erradas, em questões abertas ou mesmo semi-abertas, é quase ilimitada.

[3] A pronúncia correta da palavra é “Lôgo”, com o primeiro “o” fechado. Apesar de LOGO ser uma linguagem de programação, a palavra “Logo”, em si, foi introduzida na língua portuguesa como masculina, provavelmente pela relutância da língua de considerar feminina uma palavra terminada em “o”. Assim, a linguagem LOGO é chamada, abreviadamente, em Português de “LOGO”, palavra que faz concordância no masculino.

[4] O termo “Prolog” também é masculino em Português.

[5] É preciso fazer a ressalva, porém, de que algumas das definições aqui fornecidas podem não ser as mais geralmente aceitas. Em alguns casos, por não se encontrar material confiável, arbitrou-se uma definição com a qual alguns podem não concordar (como, por exemplo, a distinção entre tios-avós e tios de segundo grau e outras).

Eduardo O C Chaves
Campinas, Dez/98

Transcrito aqui em Salto, 3 de Fevereiro de 2016

Eduardo Chaves

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