Entrevista para a Revista Visão sobre “Revolução na Educação”

A entrevista abaixo foi dada, por escrito, para a Revista Visão (jornalista Luíza Dalmazo) em 12 de Novembro de 2012. Encontrei o texto hoje, revisei-o e o publico aqui. O que saiu em um artigo da revista foi quase nada em comparação com tudo o que eu disse.)

PERGUNTAS E RESPOSTAS

1. Está acontecendo uma revolução educacional? Se está, onde ela está ocorrendo? Alguns dizem que a revolução em curso seria a terceira grande revolução na educação: faz sentido?

Espera-se que aconteça uma revolução educacional — mas ela não está acontecendo ainda. Ela seria provocada (não causada — o processo não é determinista) por uma tecnologia: o computador digital e todas as tecnologias de informação e comunicação que convergiram para ele.

Se e quando acontecer, será a terceira grande revolução (se desconsiderarmos a primeira, que tornou a educação possível). Se incluirmos a primeira, que teve que ver com a invenção da Linguagem Oral, ou seja, da Fala, será a quarta.

Vejamos quais foram as revoluções anteriores para em seguida falar um pouco da revolução educacional que se espera aconteça em um futuro próximo.

A. A Fala

A educação, como a conhecemos, não é possível sem a linguagem. Logo, a revolução número zero, que tornou a educação possível, foi a invenção da linguagem — originalmente, da linguagem oral, vale dizer, da fala. Ninguém sabe quando isso se deu. Alguns imaginam que foi cerca de 100 milhões de anos atrás (mas, para mim, esses números enormes querem dizer que nós não sabemos).

Quando a educação depende exclusivamente da fala, e não há tecnologia para amplificar a fala ou transmiti-la a distância, ela tem de ser face-a-face, ou presencial, como se diz hoje.

Quando falo em invenção da linguagem, tenho em mente a linguagem que faz uso de conceitos e, portanto, que usa termos gerais — não uma linguagem gráfica ou pictórica que, para cada entidade a que deseja fazer referência, tem um elemento que a representa.

B. A Escrita

A segunda revolução (se contarmos a Fala como a primeira) foi causada pela invenção da escrita alfabética (não pictórica, cuneiforme), no milênio anterior à era cristã. Também não é claro quando a escrita alfabética foi inventada. Aparentemente os fenícios inventaram um alfabeto parecido conosco, que os gregos aperfeiçoaram por volta do século 8 aC. Com a escrita alfabética surgiu a carta (vide as cartas do Novo Testamento),  surgiu o livro, originalmente manuscrito, etc.

A escrita revolucionou o mundo, e, revolucionando o mundo, revolucionou a educação.

A carta, e especialmente o livro, ainda que manuscrito, tornaram possível a educação a distância — por carta ou por livros — e a auto-educação — a educação em que eu, sozinho, leio, reflito, tiro minhas conclusões.

C. O Livro Impresso 

O livro manuscrito era de produção complicada. Poucos sabiam ler e escrever, porque o processo de produzir um livro era demorado e caro. Por isso, até o final da Idade Média, até reis e demais nobres eram, em regra, analfabetos.

A terceira revolução foi causada pela invenção da prensa móvel por Johannes Gutenberg, por volta de 1455. Com isso, tornou-se possível produzir livros absolutamente idênticos em grande quantidade e com um custo relativamente barato. A invenção de Gutenberg também tornou possível a popularização do cartaz, do panfleto, do livreto, do jornal…

Isso revolucionou o mundo, e, revolucionando o mundo, revolucionou a educação.

Atribui-se à invenção da prensa móvel uma parcela significativa de importância na Reforma Protestante, no surgimento dos Estados Modernos, no surgimento das Línguas Vernáculas e das Literaturas Modernas, no surgimento da Ciência Empírica, etc.

A Reforma Protestante, por exemplo, incentivou os fieis a aprenderem a ler para poderem ler a Bíblia por si próprios e, assim, não serem enganados pelos padres católicos… Ao lado das igrejas protestantes surgiram escolas mantidas por elas, que são as primeiras escolas modernas de que temos conhecimento. O livro fácil e barato incentivou a auto-educação e a educação a distância (por correspondência, com base em um livro texto comum).

D. A Tecnologia Digital

Em 1946 foi mostrado ao mundo o primeiro computador digital e nada mais foi o mesmo a partir de então — embora algumas coisas custem mais a mudar do que outras. A coisa mais fantástica é que todas as tecnologias de comunicação e informação acabaram por se fundir no computador, ou para a tecnologia digital: as câmeras (e as fotografias estáticas e dinâmicas, neste caso o vídeo), o telefone (e a fala interpessoal a distância), o rádio (e a transmissão do som, inclusive da voz humana, a distância, de um local para vários, broadcasting), a televisão, o cinema, cinema, o jornal, a revista, e, naturalmente, o livro (e-book). A comunicação instantânea se tornou multimídia: texto, voz,  vídeo, som de fundo, efeitos especiais, etc.

Nossa vida está sendo revolucionada por essa evolução tecnológica. A educação também fatalmente o será. Na verdade, fora da escola já foi afetada. As pessoas hoje aprendem conversando por chat (messenger) ou e-mail, pesquisando na Internet (Web), trabalhando em colaboração, facilmente compartilhando ou divulgando amplamente suas produções, etc. Só a escola resiste. Por mais que se faça alarde, pouquíssimas experiências existem de escolas realmente inovadoras.

É isso. Ficou grande, mas é essa a resposta à sua primeira pergunta.

2. Quais são as implicações dessa revolução? Já existem resultados que provam que os novos modelos são mais eficientes? Há casos significativos no Brasil (soube da Lumiar e da Amorim Lima)?

Note-se bem. A revolução até aqui é nas formas de comunicação e acesso à informação. Não é na educação. Mas as formas de comunicação e acesso à informação delimitam aquilo que é possível fazer na educação e, portanto, tornam possível, viável e, por conseguinte, provável, uma revolução na educação.

Assim, a tecnologia em si não causa nenhuma revolução na educação — mas ela torna essa revolução possível, viável e provável. Quem tem de decidir se a educação escolar vai ser revolucionada são os que a controlam as escolas: proprietários, mantenedores, governos, etc. A educação não-escolar (a educação dita não-formal) já está em plena revolução há algum tempo.

Quanto à escola, há três formas de elas reagirem à tecnologia:

  • Usando-a para fazer aquilo que já fazem, apenas de uma forma um pouco mais eficiente (atitude conservadora);
  • Usando-a para estender e ampliar aquilo que já fazem, dando maior alcance e amplitude ao seu trabalho (atitude reformadora);
  • Usando-a para fazer o que antes não conseguiam fazer ou para fazer o que já faziam de uma maneira totalmente nova (atitude transformadora).

Só neste terceiro caso começa a acontecer uma revolução na escola ou, como eu prefiro, tem lugar a reinvenção da escola.

Se reinventarmos a escola, como eu espero que façamos, não haverá ganhos apenas de eficiência, como sugere a pergunta. Haverá uma nova educação, uma nova forma de aprender, um novo currículo, uma nova metodologia, uma nova maneira de encarar a avaliação.

Compara-se o telefone de hoje e o telefone de 20 anos atrás. O telefone de hoje permite ainda que a gente fale com outras pessoas a distância. Mas ele também é um computador que acessa a Internet, que recebe e envia e-mails e mensagens instantâneas (e até mensagens de vídeo), ele é console de jogo, ele é relógio, despertador, máquina fotográfica, album de fotografia, reprodutor de músicas e de vídeos agenda, livro de endereços, etc.

O que se espera é que a nova escola, a escola reinventada, esteja para a escola de hoje como o telefone celular digital de hoje está para aquele telefonão preto, fixo, que só nos deixava fazer e receber chamadas a partir de um mesmo lugar.

A Escola da Ponte, em Portugal, a Lumiar e a Amorim Lima, aqui em São Paulo, e outras escolas esparramadas pelo Brasil e pelo mundo, são pequenos ensaios do que é possível — embora, por ser a inovação real tão rara na educação escolar, elas alcancem grande visibilidade e projeção. Mas nenhuma dessas escolas faz real uso do pleno potencial disponibilizado pelas tecnologias digitais, em especial, pelas redes digitais.

Pessoalmente, tendo a crer que a educação do futuro prescindirá da escola, mesmo de uma escola reinventada, e acontecerá em cima da desescolarização da sociedade, como propugnou Ivan Illich em seu livro A Educação sem Escolas (Deschooling Society).

3. O conceito de personalizar a educação não é novo (até seria legal se eu descobrisse que teórico o criou), mas a tecnologia está permitindo que ele de fato seja implementado. Softwares como o Learning Management Systems permitem não só a monitoria do desempenho dos alunos quanto de professores. Quais são as implicações e benefícios disso? –

Sócrates (470-400 AC, por aí) é, na minha opinião, o pai da educação personalizada. Ele ensinava face-a-face, um-a-um, não tinha um currículo (ele discutia com o interlocutor o que este queria aprender). Ele tinha um método, chamado de maiêutica, que consistia em procurar fazer com que cada um descobrisse, por si próprio, as respostas às suas perguntas.

Logo, a ideia de uma educação personalizada, centrada nos interesses e baseada nos talentos de cada um não é nova — longe disso. A história da educação começa, de certa forma, com ela.

O problema com a educação que Sócrates praticava é que muito pouca gente podia ser alcançada por ela — a educação socrática não tinha escala.

Hoje a tecnologia permite que tenhamos uma educação personalizada em escala, isto é, que atinja todos os que queiram se educar.

Mas a resposta não está em Learning Management Systems (LMS). Está nas redes sociais. Não se trata de monitorar desempenho nem de alunos nem de professores. Trata-se, isto sim, de permitir que cada um aprenda aquilo que precisa ou deseja saber, e saber fazer, para definir e transformar em realidade o seu projeto de vida.

Segundo nosso educador maior, Paulo Freire, ninguém educa ninguém, mas tampouco nos educamos sozinhos. Educamo-nos uns aos outros em interação, em diálogo, em discussão crítica, naquilo que Paulo Freire chamava de comunhão: a comunidade criada com a finalidade de aprender colaborativamente.

É verdade que em escolas, ou instituições formais de educação, os LMS podem ajudar. Mas podem atrapalhar também. Tudo depende da visão de educação de quem os faz e os usa.

4. Sistemas públicos de ensino já adotaram essas ferramentas (ouvi falar do governo de Ontário)? Que melhorias apresentaram?

Pouquíssimos sistemas públicos de ensino, aqui ou no exterior, usam as novas tecnologias de comunicação e informação, e em especial as redes sociais, para promover a educação no sentido que Paulo Freire imprimiu ao conceito.

As mudanças ocorridas em Ontário, sob a coordenação de meu amigo Michael Fullan, que era do Ontario Institute of Education antes de se aposentar e se tornar consultor, são importantes, mas são feitas dentro do paradigma vigente, que preconiza que a educação precisa de currículos muito bem elaborados, métodos de ensino e instrução sofisticados, professores especializados bem preparados, avaliação na forma de testes, provas e exames — e alunos dispostos a aprender não o que precisam ou desejam aprender para realizar seu projeto de vida, mas aquilo que os burocratas em secretarias e ministérios da educação decidem que devem aprender.

Uma hora os jovens vão se dar conta de que a educação escolar é uma sentença de 12 a  16 anos que os interna e institucionaliza, a revolução educacional pode começar a acontecer com rapidez e eficácia.

5) Enquanto países como o Canadá estão investindo em tais sistemas, o Brasil discute política de cotas. Não é um sinal de descompasso as ideias mais modernas no mundo?

O Brasil, infelizmente, apesar de toda a pretensão, é um país atrasado. A discussão das cotas entrou em moda nos Estados Unidos cinquenta anos atrás — e lá já saiu de moda. O primeiro presidente americano negro não se beneficiou de cotas — que se registre isso.

São Paulo, 12 de Novembro de 2012, revisto em 14 de Março de 2018

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My Educational Creed: A Pedagogical Decalogue (by Eduardo Chaves)

It took me several long years to convince myself of the truth of several theses that I find extremely important today:

(01) That education has to do with learning (not with teaching);

(02) That what happens to children in schools, as a result of teaching, is not learning, being, in the best possible case, nothing more than information absorption and assimilation — which may be important, in certain contexts, but otherwise make people “mentally obese” (Rubem Alves), and certainly is not education;

(03) That learning, as such, has to do with capacity building and competency development, that is: to learn is to become capable of doing things which one was not capable of doing before;

(04) That important, relevant and “significative” (meaningful) learning takes place through active observation, emulation, interaction, dialogue, collaboration, mediation, etc. in the context of projects that challenge children (or any other would-be learners) to solve problems related to their interests and concerns in the process of living their lives in the real world;

(05) That this kind of learning is more impeded than promoted in artificial ghetto-like environments such as schools, even if these environments are effective in achieving the conventional objectives schools normally seek to promote, and even if they are reduced in scale to operate in one’s own home, but try to replicate the schools that exist outside, as most home schooling initiatives do;

(06) That what we need today is a radical unschooling (in the line of Ivan Illich’s “deschooling society”) that definitively breaks the factual link that exists today between education and schools (a conceptual or necessary link never having existed);

(07) That home education (provided it does not emulate what goes on in schools in terms of its goals, contents, methods, approach to evaluation, etc.) is clearly part of the solution, since the home certainly must become again a meaningful and coherent educational environment, but is only a portion (though a significant one) of the large-scale solution that is presently required;

(08) That home education must be complemented by educational efforts by the extended family, the community (neighborhood), the church, the club, all the other places of leisure and play, the places of work, the social networks, the media, etc. — in one idea, by the society at large, that must become a learning society – without any overall effort at coordination by governments or the like;

(09) That the fundamental content of this education is basically contained, as far as cognitive (or hard, or basic) competencies are concerned, in the Medieval Trivium (the first three Liberal Arts: Language, Logic and Rhetoric), and, as far as the so-called non-cognitive (or soft, or 21st-century) skills, in Stephen Covey’s 7 Habits of Very Effective People;

(10) that the mastery of numerical, geometrical, symbolical, scientific and artistic competencies (that make up the Medieval Quadrivium) can be gradually inserted, in a personalized manner, into the education of learners that demonstrate interest and aptitude in these fields and to the extent that their passion and talent permit.

 (c) Eduardo CHAVES, 2017

In Ubatuba (SP/BR), on the 9th of July of 2017

Gurovitz  & Francine

Em artigo de 4/2/16 no “Globo”, Hélio Gurovitz criticou a ex-vereadora de São Paulo Soninha Francine, hoje coordenadora de políticas para diversidade sexual do Estado de São Paulo, por ter desistido de fazer a segunda fase do vestibular para a área de gestão em políticas públicas na Universidade de São Paulo alegando que “É absurdo uma pessoa que quer jornalismo ou geografia precisar saber calcular um cosseno” [ênfase acrescentada].

Não tenho procuração da Francine. Era petista e eu acho (mais ou menos como o Rubem Alves achava acerca do Protestantismo) que quem um dia foi petista vai sempre ser petista, mesmo que renegue alguns aspectos da ideologia. Prova é que ela hoje trabalha com o governador do PSDB Geraldo Alckmin, mas seu cargo é Coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual de São Paulo. (Quem tem interesse na biografia da Francine pode consulta-la na Wikipedia em https://pt.wikipedia.org/wiki/Soninha_Francine).

Acontece, porém, que na questão específica acerca da qual Gurovitz a critica, eu tendo a  concordar com a Francine – e, portanto, vou criticar o artigo de Gurovitz que termina da seguinte forma (cito o último parágrafo):

“É mais que razoável criticar os métodos de ensino de matemática e ciências, ou a forma como esses conhecimentos são cobrados no vestibular. Mas o fato de alguém não conhecer algo não o torna inútil ou dispensável. Apenas revela como, por trás de palavras belas ou da indignação, há tão-somente mentes obturadas para a diversidade do intelecto humano. Não há vergonha alguma na ignorância. A vergonha é orgulhar-se dela, em vez de remediá-la.”

Antes de discutir o último parágrafo de Gurovitz, vou citar o segundo, que esclarece a posição de Francine:

“Formada em cinema pela própria USP, Francine já publicara, em sua página no Facebook, um desabafo a respeito do vestibular. Elencava outras exigências que considerava absurdas, como funções logarítmicas, dilatação de gases, densidades de fluidos, geração de energia eólica e coisas do tipo. “Milhares de aspirantes às vagas de jornalismo, história, sociologia, psicologia, letras, direito, arquitetura, geografia etc. também serão frustrados em sua intenção de estudar na USP por causa dessa insanidade”, escreveu. O vestibular, dizia, se tornou um suplício, um tormento com “matérias inúteis”, indispensáveis por apenas cinco horas – e para nunca mais.”

o O o

A primeira crítica que Gurovitz faz a Francine é que “é lamentável que alguém popular entre os jovens, com uma mente aberta para tantas questões do mundo contemporâneo, seja incapaz de valorizar a importância do estudo” (ênfase acrescentada).

Primeira bola fora de Gurovitz: Francine, pelo menos nas passagens citadas, em nenhum momento se mostrou “incapaz de valorizar a importância do estudo”. Ela simplesmente ressaltou, com enorme bom senso, que o estudo de determinados conteúdos [na escola] e seu domínio [no vestibular] não deveria ser exigido [seja na escola, seja no vestibular] de pessoas cujo projeto de vida é tal que elas muito provavelmente nunca vão fazer uso desses conteúdos.

Longe de se mostrar incapaz de valorizar a importância do estudo, em geral, como tal, überhaupt, Francine defende a tese (muito sensata, em minha opinião) que o estudo (na escola) e os conhecimentos (no vestibular) que devem ser exigidos (ou seja, obrigatórios) devem ter relação com o projeto de vida de cada um, isto é, com aquilo que a pessoa quer ser e fazer na vida.

o O o

É enorme ingenuidade pretender, hoje, com a explosão do conhecimento que teve lugar nos últimos séculos e especialmente nas últimas décadas, que toda pessoa deva estudar tudo que existe para ser estudado, ou tudo que alguns metidos a sábios achem que toda pessoa deve saber ou saber fazer.

É necessário fazer uma seleção.

O próprio currículo da Educação Escolar Básica já faz uma enorme seleção.

Nos anos iniciais (digamos, o Ensino Fundamental I) a ênfase é colocada na aquisição de certas competências e habilidades básicas relacionadas, primeiro, com a língua escrita, segundo, com números. São os chamados 3 R’s dos americanos: Reading, ‘Riting, ‘Rithmetic. Depois (Ensino Fundamental II) acrescentam-se (a) a aquisição de conhecimentos básicos de ciências (saúde e meio-ambiente) e estudos sociais (história e geografia) e (b) o desenvolvimento de certas habilidades básicas na área das artes gráficas / visuais e na área da educação física e do esporte. No Ensino Médio as ciências ditas exatas são desdobradas em abstratas (matemática) e físicas (física, química e biologia) e os estudos sociais acrescentam sociologia e filosofia. Além disso, os Cursos Técnicos Profissionalizantes foram removidos da Educação Básica brasileira – e colocados à sua margem. Quem tem tempo e interesse, pode fazer o chamado “Integrado”, que é o estudo, ao mesmo tempo, do Ensino Médio “Acadêmico” e de um Curso Técnico Profissionalizante. Mas o “Integrado” não é obrigatório.

Basicamente isso. Muita coisa fica de fora desse currículo, não é verdade? Isso apesar de nossos ilustres parlamentares não se cansarem de tentar incluir como obrigatórios para todos os brasileiros conteúdos que a mim parecem exóticos (como estudar História da África porque muitos brasileiros são descendentes de Africanos que vieram para cá como escravos). Se isso faz sentido, por que não obrigar todo mundo, inclusive os descendentes de africanos, a estudar a História de Portugal, da Espanha, da Itália, do Japão, da Armênia, etc., porque muitos de nós somos descendentes de pessoas oriundas, como imigrantes (ou como donos pós-descobrimento ou pós-conquista, se preferem, no caso dos portugueses)?

Além disso, por que não se exigem na Educação Básica Escolar o estudo e a prática da música (canto individual e coral, composição, regência, iniciação a um instrumento musical, etc.), do teatro, da fotografia, do cinema, das artes manuais (marcenaria, carpintaria, mecânica, etc.), da lógica, da retórica, da oratória, para não falar da geologia, da arqueologia, ou mesmo da psicologia, da administração de empresas, etc.? Tudo isso fica fora da obrigatoriedade. O projeto de Base Curricular Comum em discussão obriga todo mundo a estudar na escola muito mais coisa que não faz sentido e as desobriga de saber muito mais coisa que faz sentido…

As razões para não incluir mais isso e muito mais aquilo na Educação Básica Escolar, além do absurdo que já é exigido, são basicamente duas:

  1. Seria demais exigir de todos o estudo e o domínio de todas essas áreas ou disciplinas – isto dentro de um tempo razoável, não mais do que onze ou doze anos;
  2. As pessoas são diferentes, em termos de descendência e origem, em termos de talentos naturais e interesses, e são criadas e vivem em ambientes distintos que ajudam a direcionar seus talentos e interesses para determinadas áreas, e não para outras, fatos que tornam sem sentido exigir de todos que estudem tudo e aprendam tudo que há para estudar e aprender.

Na verdade, como observei, é possível argumentar que aquilo que de fato se exige na Escola Básica brasileira já é demais. No contra-fluxo, há muito gente boa defendendo a tese de que, nos primeiros oito-nove anos de escola (dos seis ao quatorze anos, digamos), deveria exigir-se das crianças / adolescentes apenas o domínio do Trivium medieval:

  • Estudo e domínio da língua materna falada e escrita, tanto em termos de entendimento e compreensão como em termos de expressão;
  • Estudo e domínio da lógica como ferramenta de construção e crítica de argumentos, caracterizados estes como encadeamento de enunciados (em língua materna ou em formato simbólico) que permitem elaborar, propor e defender, bem como criticar, pontos de vista mais complexos;
  • Estudo e domínio da retórica como ferramenta que permite o uso da linguagem oral e escrita para apresentar, defender, e criticar argumentos, ou seja, para debater temas e questões importantes, em ambientes públicos, de forma convincente e persuasiva.

Só isso… Só dos quatorze anos em diante as pessoas iriam aprender as matemática, as ciências (naturais e humanas), as artes, e, naturalmente, a filosofia. Era por isso que, na Idade Média e mesmo no período da Reforma Protestante, tanta gente famosa entrava na universidade aos quatorze anos – com a excelente formação prévia fornecida pelo Trivium: Erasmo, Lutero e Calvino, por exemplo.

Logo, mesmo hoje já se deixa muita coisa de fora do estudo (na escola) e da aprendizagem (no vestibular) de nossos jovens vestibulandos. O fato de tanta coisa ser deixada de fora não significa que os que definiram essa exclusão sejam avessos ao estudo (como Gurovitz pretende insinuar que Francine Francine seja). Significa apenas que, neste contexto, menos é mais. Não adiante exigir que crianças e adolescentes estudem e aprendam coisas que, dados seus talentos e interesses, não estão interessados em aprender, e que, dado seu projeto de vida, provavelmente nunca virão a ter importância em sua vida posterior. É por isso que temos um currículo de Educação Básica Escolar já quase enciclopédico e as crianças e os adolescentes aprendem cada vez menos – e na Idade Média o currículo era enxuto e as crianças e os adolescentes aprendiam bem mais sobre aqueles áreas essenciais ao seu posterior desenvolvimento, estudo, e aprendizagem.

o O o

Deixando de lado a grosseria de Gurovitz ao chamar Francine de ignorante por duas vezes, ressalto o fato de que os exemplos dele para mostrar que é importante saber trigonometria para ser capaz de calcular o cosseno são ridículos:

“Sem saber o que é um cosseno, nenhum aluno de geografia jamais entenderá o que são latitude e longitude, nenhum arquiteto conseguirá desenhar nem mesmo uma planta simplória, nenhum jornalista terá condição de entender notícias triviais de astronomia. Para não falar nos próprios cineastas, que precisam calcular efeitos de luz ou fazer animações no computador.”

Mesmo que se conceda que saber calcular o cosseno possa ser importante para um navegador determinar latitude e longitude, para um arquiteto fazer uma planta, para um jornalista entender notícias de astronomia, e para um cineasta calcular os efeitos da luz ou fazer animações no computador, isso não quer dizer que quem não queira ser nada disso precise obrigatoriamente estudar trigonometria. Se meu projeto de vida é ser um Castro Alves ou um Jorge Amado, eu não preciso; se é ser um orador como Vieira ou um tribuno como Ruy Barbosa, não preciso; se é ser um educador como Anísio Teixeira ou Paulo Freire, não preciso; se é ser um compositor popular como Noel Rosa ou Chico Buarque, não preciso; se é ser um presidente da República como… deixa pra lá, não preciso; se é ser um professor universitário de filosofia ou literatura, não preciso; se é ser um político, não preciso; e assim por diante.

Além disso, saber calcular o cosseno hoje em dia é cada vez mais desnecessário porque a maior parte das pessoas que precisam calcula-lo dependem de calculadoras e computadores. Elas precisam saber quando e por que calcular um cosseno, mas isso aprendem sem precisar aprender a mecânica do cálculo. Quem cria um negócio ou é levado a gerencia-lo, aprende rápida e facilmente o essencial de matemática financeira, como, por exemplo, como calcular um ponto de equilíbrio. Aprende isso no contexto do seu desafio, no contexto de um problema que deseja ou precisa resolver. Isso não quer dizer que todo mundo deva estudar matemática financeira na Educação Básica.

O mesmo vale para Matemática não trigonométrica, que Gurovitz menciona em seus outros exemplos, selecionados a dedo para realçar áreas em que a Matemática é importante. Mas e as inúmeras outras áreas, a maioria, em que não é?

o O o

Diz Gurovitz em seu último parágrafo: “Não há vergonha alguma na ignorância. A vergonha é orgulhar-se dela, em vez de remediá-la.” Antes havia dito: “Ninguém é obrigado a saber tudo aquilo que Francine considera dispensável. Mas não pode se orgulhar disso. Ninguém se orgulha de cometer erros de ortografia. Por que então tanta gente, como Francine, se orgulha de ser ignorante em matemática e ciências afins?”

Certo: ninguém é obrigado a saber “tudo aquilo que Francine considera dispensável”. Gurovitz esquece-se de dizer que ninguém é obrigado a saber tudo aquilo que Gurovitz deseja ou considera necessário. Só devem ser obrigados a saber algo (Trigonometria, por exemplo) aqueles que têm necessidade e interesse de sabe-lo, dado o seu projeto de vida. Vivesse 50 anos antes, Gurovitz seria um intrépido defensor do estudo do Latim no Ginásio.

Além disso, é falacioso comparar a defesa que faz Francine da não-necessidade de estudar Trigonometria, e, portanto, de “ignorância” nessa área, com a ignorância de precisar saber fazer algo, e pretender saber faze-lo, com a comissão de erros crassos numa área que a pessoa professa conhecer, como é o caso dos erros de ortografia. Mas um ex-Chefe de Redação da Época talvez não tenha tido tempo para descobrir a diferença.

o O o

Por fim, o essencial do parágrafo final de Gurovitz, já citado no início. Ali ele acusa Francine de ter “a mente obturada para a diversidade do intelecto humano”. Será? Francine defende sua tese porque reconhece que as pessoas são diferentes umas das outras, tem necessidades e interesses diversos. Reconhece a diversidade não só do intelecto humano mas do resto de características humanas que dificilmente podem ser classificadas como intelectuais. Quem tem “a mente obturada para a diversidade do intelecto humano” é Gurovitz, que pretende fazer com que todo mundo estude, aprenda e eternamente saiba as mesmas coisas. Quem quer impor uma camisa de tamanho único a todo mundo é Gurovitz, não Francine.

o O o

Termino deixando dois recados para a Francine e uma recomendação para todo mundo.

Primeira recomendação para a Francine: em suas manifestações você desce o porrete, bastante bem, no Vestibular – mas apenas no Vestibular. O problema maior, Francine, não é o Vestibular: é a escola padronizada obrigatória, a escola linha-de-montagem que produz, como Henry Ford no início de sua carreira empresarial, apenas um modelo. Expanda o campo de alcance de seus canhões.

Segunda recomendação para a Francine, esta em relação ao cargo que ora exerce no Governo do Estado de São Paulo: o problema, Francine, não é promover a diversidade sexual. Diversos somos todos, e não apenas na área sexual. O problema é aumentar a liberdade dos indivíduos e reduzir o poder de interferir na vida dos indivíduos por parte do Estado – inclusive do governo estadual para o qual você trabalha, mas especialmente do Governo Federal, muito mais interferente. Precisamos, sim, de mais liberdade individual — de mais Liberalismo, no sentido clássico. A diversidade – sexual e de outros tipos – surgirá naturalmente do fato de que somos unicamente diferentes uns dos outros.

A recomendação.

Sugiro que os leitores leiam o artigo de Newton Campos no Estadão de 4 de Fevereiro de 2016:

http://educacao.estadao.com.br/blogs/a-educacao-no-seculo-21/diretora-do-mit-despede-se-para-iniciar-uma-universidade-sem-salas-de-aula/

Transcrevo-o aqui para maior facilidade:

“Diretora do MIT despede-se para iniciar uma universidade sem salas de aula.

Newton Campos

04 Fevereiro 2016 | 18:17

Christine Ortiz, professora e diretora dos cursos de pós-graduação do MIT (Massachusetts Institute of Technology) decidiu deixar esta famosa escola para iniciar um projeto ousado a partir do segundo semestre de 2016: Inaugurar uma nova universidade que questione os padrões universitários modernos, criando novas formas de interação e construção de conhecimento.

A notícia tem sido debatida nos corredores de muitas universidades pelo mundo. O que seria esta universidade “radicalmente” diferente que ela vislumbra? Em sua entrevista publicada esta semana no The Chronicle of Higher Education, chamou-me atenção um trecho que, em português, ficaria mais ou menos assim:

Basicamente, a ideia é que estejamos centrados na aprendizagem baseada em projetos, onde os alunos possam se envolver em projetos relevantes, de longo prazo e integrados entre si. Partindo desta premissa, toda a aquisição de conhecimento ocorreria online. Assim, os projetos deixariam de estar na periferia dos cursos, invertendo o modelo universitário atual. E acho que isso seria muito mais inspirador para os alunos, porque eles poderiam trabalhar desde o princípio nas áreas que lhes motivem, adaptando sua base de conhecimento aos projetos que queiram trabalhar.” (Ênfase acrescentada).

O conceito não é novo e tem sido proposto há anos por pessoas como o empresário brasileiro Ricardo Semler, quem foi palestrante no próprio MIT e fundou as escolas Lumiar. Mas acredito que a diferença aqui pode residir na enorme capacidade de mobilização de recursos que a comunidade científica e empresarial de Boston podem atrair para um projeto desta natureza. Fiquemos de olho.”

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Eis o artigo de Gurovitz:

http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/o-preconceito-de-Francine-francine.html

Quinta-feira, 04/02/2016, às 06:37

Hélio Gurovitz

O preconceito de Francine Francine

A ex-vereadora Francine Francine, hoje coordenadora de políticas para diversidade sexual do Estado de São Paulo, prestou a primeira fase do vestibular da Fuvest no final do ano passado, para cursar gestão em políticas públicas na Universidade de São Paulo, depois desistiu de fazer a segunda fase. De acordo com a colunista Mônica Bergamo, do jornal “Folha de S. Paulo”, Francine criticou a prova nos seguintes termos: “É absurdo uma pessoa que quer jornalismo ou geografia precisar saber calcular um cosseno”.

Formada em cinema pela própria USP, Francine já publicara, em sua página no Facebook, um desabafo a respeito do vestibular. Elencava outras exigências que considerava absurdas, como funções logarítmicas, dilatação de gases, densidades de fluidos, geração de energia eólica e coisas do tipo. “Milhares de aspirantes às vagas de jornalismo, história, sociologia, psicologia, letras, direito, arquitetura, geografia etc. também serão frustrados em sua intenção de estudar na USP por causa dessa insanidade”, escreveu. O vestibular, dizia, se tornou um suplício, um tormento com “matérias inúteis”, indispensáveis por apenas cinco horas – e para nunca mais.

É lamentável que alguém popular entre os jovens, com uma mente aberta para tantas questões do mundo contemporâneo, seja incapaz de valorizar a importância do estudo. A ignorância de Francine é flagrante, como ela mesma admite. Sem saber o que é um cosseno, nenhum aluno de geografia jamais entenderá o que são latitude e longitude, nenhum arquiteto conseguirá desenhar nem mesmo uma planta simplória, nenhum jornalista terá condição de entender notícias triviais de astronomia. Para não falar nos próprios cineastas, que precisam calcular efeitos de luz ou fazer animações no computador.

Não apenas a trigonometria é um conhecimento fundamental em várias profissões. Ideias da matemática estão presentes em praticamente todas as atividades humanas contemporâneas, da literatura de David Foster Wallace às taxas de juros ou desemprego. Muitos dos problemas brasileiros podem ser atribuídos ao desconhecimento de matemática trivial por parte da população e, sobretudo, dos políticos. Dominar estatística, juros compostos e ordem de grandeza faz uma enorme diferença na hora de avaliar políticas públicas ou medidas econômicas.

O problema na visão de Francine não se reduz, contudo, apenas à ignorância. Reflete também o preconceito corrente na sociedade brasileira – e não apenas nela – a respeito do conhecimento de matemática e das ciências conhecidas como “duras”, ou “exatas”. Ninguém é obrigado a saber tudo aquilo que Francine considera dispensável. Mas não pode se orgulhar disso. Ninguém se orgulha de cometer erros de ortografia. Por que então tanta gente, como Francine, se orgulha de ser ignorante em matemática e ciências afins? O verdadeiro absurdo das declarações de Francine é o grau de arrogância que revelam.

Parte da responsabilidade por isso cabe aos próprios cientistas, que transformaram o conhecimento numa doutrina acessível apenas a iniciados. Ao longo do século XX, a cisão no universo intelectual entre mentes “literárias” e “científicas”, entre “exatas” e “humanas”, deixou sequelas profundas. Depois do século XIX, em que obras monumentais de cientistas como Sigmund Freud ou Charles Darwin eram notáveis também pelo talento literário de seus autores, o texto científico adquiriu seu caráter seco, formal e hermético.

Paralelamente, o mundo artístico passou a desprezá-lo como dispensável. Numa conferência influente de 1959, intitulada As Duas Culturas, o físico e romancista C.P Snow lamentava esse divórcio. Um escritor incapaz de entender as ideias de Einstein, dizia Snow, é tão limitado quanto um engenheiro que ignora o valor de Shakespeare. Continuou a haver exceções de ambos os lados. Entre os cientistas, nomes como o paleontólogo americano Stephen Jay Gould ou o neurologista britânico Oliver Sacks. Entre os literatos, o já citado David Foster Wallace ou Thomas Pynchon. Em geral, contudo, a opinião corrente reflete os preconceitos de Francine.

O cineasta George Lucas, da série “Guerra nas Estrelas”, foi um péssimo aluno de matemática, até entender que o problema era a forma como a disciplina era ensinada. Hoje dedica milhões de sua fortuna a aperfeiçoar o ensino de matemática e ciências. “Em vez de dizer ‘aprenda matemática’, você diz: ‘quero que você construa um avião, mas tem de ser um avião de verdade, porque vamos simulá-lo num computador; então você precisa aprender toda a ciência, toda a matemática e todo o necessário para ajudá-lo a construir esse avião’, disse Lucas numa entrevista. “Então eles aprendem, porque precisam como ferramenta e sabem por que estão aprendendo.”

É mais que razoável criticar os métodos de ensino de matemática e ciências, ou a forma como esses conhecimentos são cobrados no vestibular. Mas o fato de alguém não conhecer algo não o torna inútil ou dispensável. Apenas revela como, por trás de palavras belas ou da indignação, há tão-somente mentes obturadas para a diversidade do intelecto humano. Não há vergonha alguma na ignorância. A vergonha é orgulhar-se dela, em vez de remediá-la.

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Eis o artigo de Francine em sua página no Facebook:

https://web.facebook.com/soniafrancinemarmo/posts/1106953079323842

29 de Novembro de 2015

Soninha Francine

Como sempre, a prova da Fuvest foi sem cabimento. Eu não faço a mais puta ideia de como responder metade da prova. As perguntas olhavam para mim como se fossem escrita cuneiforme. Em algumas delas, mal havia um sinal, um signo, um vocábulo que eu reconhecesse. Não faz sentido.

É muito provável que eu não consiga cursar Gestão de Políticas Públicas por não saber calcular um cosseno, converter uma função logarítmica, calcular quantos centímetros o êmbolo se move para dentro da garrafa conforme a temperatura aumenta, o quanto a densidade do óleo é maior ou menor do que a da água baseada em quantos centímetros um sólido afundou dentro deles, calcular a geração de gigawatts de energia eólica em um ano conforme a velocidade do vento em m/s, saber qual solvente resulta na cristalização de determinada substância, saber qual é a fórmula que se aplica ao aumento de massa de uma gota d’água à medida de que ela desce pela nuvem e algumas coisas relacionadas a homozigoze, procariontes, citosina.

Milhares de aspirantes às vagas de Jornalismo, História, Sociologia, Psicologia, Letras, Direito, Arquitetura, Geografia etc. também serão frustrados em sua intenção de estudar na USP por causa dessa insanidade. A prova se chama “Conhecimentos Gerais”, quando na verdade testa conhecimentos razoavelmente aprofundados sobre todas as matérias do currículo. São professores fazendo provas que professores seriam capazes de responder. Por causa delas, dezenas de milhares de jovens perdem horas de sono, lazer, trabalho e prazer por meses seguidos. Deixam de namorar, estudar o que lhes apetece, aprender o que interessa. Conhecer a cidade, pessoas e o mundo. Praticar esporte, ser voluntários, ler com gosto e vontade, andar, dançar, ir ao cinema, jogar bola, viajar. Fazer nada.

É absurda a soma de horas e recursos desperdiçados. A frustração imposta a quem passou meses de esforço e sacrifício, a quem se diz: “você não pode ser jornalista, não gabaritou em química”. Esqueça a faculdade de Odontologia, você não soube responder qual a área do quadrilátero do plano que intercepta o poliedro no ponto P da aresta AD. Quer ser veterinária? Então trate de estudar mais, porque não soube determinar a fórmula que representa o valor de b em P (a,b), o centro de um círculo que tangencia as retas x=y e x=0, situado na parábola y = x². Ou isso, ou se vira pra pagar uma particular. E melhor não contar com o FIES, porque de repente na metade do curso o governo corta o financiamento.

Tenham dó. Vestibular não é só um suplício de 5 horas, é um tormento de anos a fio. Tanta coisa importante de se aprender, tantas coisas significativas para se fazer, e ficam nossos adolescentes e jovens enfiados em apostilas que tentam tornar fáceis e divertidas matérias inúteis e no entanto indispensáveis por aquelas cinco horas. E para nunca mais.

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Em Salto, 7 de Fevereiro de 2016

O Futuro da Escola na Sociedade da Informação – III

[ Abaixo, o segundo capítulo do meu livro Tecnologia e Educação: O Futuro da Escola na Sociedade da Informação, cuja história é parcialmente descrita no primeiro post desta série. Esclareço, para facilitar a vida do leitor, que este livro foi escrito há quase exatamente 17 anos, nos meses de Novembro e Dezembro de 1998, a pedido do PROINFO, Programa de Informática na Educação do Ministério da Educação, que estaria publicando, em prazo curtíssimo, uma coleção de 20 livros sobre o tema “Informática para Mudança na Educação”. Para o resto da história, por favor, leia o início do primeiro post da série. Trata-se, portanto, de um texto “datado”, porque poucas coisas mudam tão rápido na nossa sociedade como a tecnologia. Infelizmente, a educação muda, quando muda, muito devagar. ]

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II. O Computador como Tecnologia Educacional

1. O Computador como Tecnologia Bélica

É sabido e notório que o primeiro computador foi desenvolvido como parte do esforço de guerra dos Estados Unidos na década de 40. Concluído apenas em Fevereiro de 1946, não pode ser usado na Segunda Guerra Mundial. Um enorme investimento, aparentemente sem utilidade agora. Mesmo assim, no quadro de insegurança que se gerou ao final da guerra, com a União Soviética controlando boa parte da Europa, um segundo projeto também foi encomendado e financiado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e, portanto, pelas Forças Armadas americanas. Nenhum desses computadores foi fabricado em linha em uma empresa: eles foram feitos em laboratórios universitários, apenas um de cada espécie.

O primeiro computador eletrônico foi desenvolvido sob a coordenação de John W. Mauchly e J. Presper Eckert na Escola de Engenharia Moore da Universidade de Filadélfia. Recebeu o nome de ENIAC — Electronic Numeric Integrator and Calculator. Como o seu nome indica, o ENIAC era apenas uma calculadora sofisticada. Seu objetivo principal e maior era o de calcular trajetórias balísticas, para que as bombas arremessadas pelos Aliados na Europa tivessem melhores chances de alcançar os alvos a que se destinavam. Como vimos, não deu tempo de testá-lo em condições reais de uso.

Apenas para dar uma idéia das diferenças entre este primeiro computador eletrônico e os computadores de hoje, o ENIAC requeria um espaço de cerca de 175 metros quadrados (1500 pés quadrados), pesava 30 toneladas, e possuía mais de 18.000 válvulas (transistores e circuitos integrados ainda não existiam). Para operá-lo era necessário ativar cerca de 6.000 mil interruptores, que estavam dispostos em 40 painéis da altura de um ser humano e que controlavam perto de 1.500 relês. O ENIAC era capaz de manipular 300 números por segundo e de multiplicar dois números em três milisegundos (três milésimos de um segundo), assim diminuindo de 15 minutos para 30 segundos o tempo necessário para calcular a trajetória de artilharia, bombas e mísseis.

Julgado pelos padrões de hoje, entretanto, o ENIAC não era muito eficiente. Em termos de velocidade de cálculo, a sua, quando comparada à dos computadores de hoje, era ridiculamente baixa. Uma calculadora eletrônica programável de hoje, que custa relativamente pouco, calcula bem mais rapidamente do que o ENIAC o fazia. Em termos de energia, então, seu consumo era da ordem de 140.000 watts (140 kilowatts), o suficiente para manter uma pequena estação geradora de energia elétrica ao seu lado. Consta que, quando ele era ligado, a intensidade das luzes de Filadélfia enfraquecia. O calor gerado por ele colocava sérios desafios para os engenheiros responsáveis por sua refrigeração. Sua capacidade de memória era extremamente pequena: apenas o equivalente a cerca de vinte palavras de dez caracteres.

As suas válvulas se queimavam com tal rapidez que consta que havia técnicos responsáveis exclusivamente pela detecção e substituição das válvulas queimadas. Com o número de válvulas que possuía, não tinha condições de funcionar por muito tempo antes que uma válvula se queimasse. Um crítico do projeto chegou a fazer os seguintes cálculos. Havendo 18.000 válvulas no sistema, e sendo a vida útil de uma válvula em média de 3.000 horas, depois de um certo tempo haveria uma válvula queimada a cada 15 minutos; como se levavam em média 15 minutos para detectar e trocar uma válvula queimada, o ENIAC teria que ficar parado a maior parte do tempo!

Mas o pior era a inflexibilidade do ENIAC. Ele não era programável através de programas elaborados com a ajuda de linguagens de programação, como hoje se faz, e, conseqüentemente, não usava programas, no sentido que o termo possui atualmente. Ele armazenava dados, mas, para que executasse uma tarefa, as instruções a serem seguidas tinham que ser implementadas manualmente, no equipamento, alterando-se a configuração dos interruptores do painel — isto é, mexendo na máquina, propriamente dita. Havia, como vimos, cerca de 6.000 desses interruptores no ENIAC, e eles precisavam ser manualmente “reprogramados” (atividade que levava cerca de dois dias) para que o ENIAC deixasse de executar uma tarefa e passasse a executar uma outra. A noção de uma máquina controlada por programa, no sentido atual do termo, e, portanto, por software, por algo que não é matéria, rígida (“hardware”), mas é lógica, imaterial (“software”), ainda não havia emergido.

Foi tarefa do famoso matemático John von Neumann húngaro-alemão-americano introduzir a inovação de um computador controlado por software, ao conceber o computador que representou o estágio seguinte da evolução dos computadores, o EDVAC — Electronic Discrete Variable Automatic Computer. A novidade desse equipamento é que ele podia utilizar vários programas diferentes, que ficavam armazenados em sua memória, juntos com os dados, e que eram executados à medida que fossem necessários, sem precisar alterar fisicamente os interruptores do painel. O EDVAC, portanto, era bem mais flexível do que o ENIAC, pois todas as instruções necessárias para o seu funcionamento ficavam armazenadas dentro dele mesmo. A memória do computador seria, dessa forma, usada não só para armazenar dados, mas, também, para armazenar as próprias instruções  que o computador deveria obedecer para fazer algo de útil ou interessante. Assim, em vez de ser necessário alterar interruptores manualmente, cada vez que se desejasse que a máquina executasse uma tarefa diferente, a máquina, em fração de segundos, “leria” as instruções armazenadas em sua memória, que a instruiriam a fazer algo diferente.

A partir desse momento o computador passou a ser, em princípio, uma máquina, além de rápida (para os padrões da época),  altamente flexível, pois não havia mais limite para as tarefas que poderia vir a executar. Ele  se tornou capaz de alterar seus próprios padrões de operação, sem precisar esperar que seus interruptores fossem alterados manualmente. Podia, assim passar de um problema para outro, ou de uma fase para outra de uma mesma tarefa, sem intervenção externa. Podia, até mesmo, alterar a seqüência das instruções a serem executadas, dependendo dos resultados do próprio processamento.

Nesse momento o computador passou a ser um sistema integrado de hardware e software, de equipamento e programas. O hardware, a parte sólida, dura, “hard”: o equipamento, propriamente dito, com seus componentes físicos, eletromecânicos e eletrônicos; o software, a parte não sólida, intangível, que, por oposição, foi chamada de “macia”, “soft”, o programa, a lógica.

2. O Computador como Tecnologia Empresarial

Essa inovação de von Neumann abriu as portas para novos usos do computador. Logo se percebeu que era possível conectar sensores a ele de modo que pudesse controlar processos industriais. Ao mesmo tempo se percebeu que era possível dar às letras do alfabeto códigos numéricos e, assim, fazer com que o computador manipulasse texto e não apenas números. Assim, tornou-se viável fabricar computadores comercialmente, para vendê-los para indústrias, empresas de comércio e serviços e órgãos administrativos do governo.

O primeiro computador desenvolvido em escala comercial foi o UNIVAC — Universal Automatic Computer, fabricado pela Remington Rand, que havia comprado uma companhia que Mauchly e Eckert (os criadores do ENIAC) haviam criado. O projeto de desenvolvimento do UNIVAC contou com a participação dos criadores do ENIAC. O primeiro UNIVAC foi entregue em 14 de junho de 1951 e o cliente foi o Serviço de Recenseamento dos Estados Unidos (US Census Bureau). Porque a clientela visada pelo UNIVAC não eram, primariamente, as instituições militares, os institutos de pesquisa, ou as faculdades de engenharia, o UNIVAC foi otimizado para aplicações tipicamente comerciais. Mais tarde a divisão de computadores da Remington Rand passou a chamar-se Sperry Corporation que, mais tarde, recebeu o nome de Sperry-Univac, em honra ao primeiro computador comercial.

Note-se que a IBM, durante esses anos estratégicos em que várias companhias estudavam a possibilidade de desenvolver um computador comercial, ainda não acreditava plenamente que houvesse mercado para ele. Consta que um estudo especializado encomendado pela empresa nessa época concluía que o mercado de computadores era extremamente restrito, constituindo-se apenas de corporações militares, grandes universidade e institutos de pesquisa. O relatório teria dito que no mundo não haveria mercado para mais do que uns quinze computadores, razão pela qual a IBM não se interessou por atuar na área — quase ficando de fora dela para sempre. Só em meados da década de 1960 a IBM lançou um computador de sucesso (o System /360) e entrou para valer na guerra pelo mercado de informática, que acabou ganhando — até que, na década de 90, quase soçobrou.

Num certo sentido, o relatório feito para a IBM não estava de todo errado. Dado o alto custo de fabricação de um computador, e dada, também, a sua confiabilidade relativamente baixa (porque a tecnologia digital ainda estava em sua infância), os primeiros computadores não foram sucesso imediato de venda. Custou para que as empresas e os órgãos burocráticos do governo (para não falar de outras instituições) percebessem a grande utilidade que máquina poderia ter. As companhias aéreas estiveram entre as primeiras a perceber a grande utilidade do computador e de um bom sistema de banco de dados, especialmente quando se tornou claro que os terminais do computador podiam estar distantes dele, ficando a ele conectados através de fios dedicados ou até mesmo através dos fios das companhias telefônicas.

Eventualmente, a confiabilidade dos equipamentos aumentou, a demanda cresceu, e o preço baixou — e o computador se tornou um grande sucesso comercial. Várias aplicações até então impensáveis começaram a surgir: sistemas de contabilidade, folhas de pagamento, bancos de dados de vários tipos (clientes, fornecedores, estoque, etc.). Na área industrial, os sistemas de controle de processos industrial começaram a criar os fundamentos do que se tornaria a área de automação industrial e robótica.

3. O Computador como Meio de Comunicação

Ao mesmo tempo, porém, começou a se perceber, pouco a pouco, o potencial do computador para áreas que até aquele momento não haviam sido cogitadas. Por um bom tempo a tecnologia somente evoluiu na direção de máquinas cada vez maiores e mais potentes (chamadas computadores de grande porte, ou “mainframes”, às vezes “super mainframes”) que concentravam o processamento, ficando os usuários limitados ao uso de terminais “burros” (porque não realizavam nenhum processamento, dependendo totalmente do computador central), se bem que remotos — às vezes extremamente remotos.

Um pequeno indício do que estava por vir pode ser visto quando, no início da década de 70,  algumas companhias começaram a fabricar “minicomputadores”— que, apesar do nome, eram máquinas relativamente grandes, quando comparadas às de hoje. Na época a IBM já dominava o cenário (era a “gigante”) e as empresas que começaram a se aventurar pela área de minicomputadores (chamadas, por contraste, de “sete anãs”) eram: Sperry-Rand (a fabricante do UNIVAC), Control Data, National Cash Register (NCR), Honeywell, Burroughs, General Electric e RCA. Depois surgiu a Digital Electronic Corporation (DEC), fabricante dos famosos PDPs e, depois, da linha DEC. Várias dessas empresas (General Electric e RCA, por exemplo) não mais atuam na área de computadores.

Mas a maior revolução estava reservada para o final da década de 70. No ano de 1975 uma empresa começou a comercializar um computador em forma de kit — o Altair. Foi um sucesso — se bem que apenas entre engenheiros e aficionados da arte, que tinham condições de montar o kit e, depois, de usar o computador resultante. O grande mérito do Altair foi mostrar a outros empreendedores que havia mercado para computadores baratos e pequenos — que fossem percebidos como máquinas pessoais. Assim, no final de 1977, em tempo de pegar a febre das compras de fim de ano, a Commodore Business Machines (fabricante de calculadoras), a Radio Shack (rede de materiais eletrônicos para hobbystas) e a Apple Computers (fundada por dois adolescentes em uma garagem) lançaram computadores pessoais no mercado: respectivamente, o PET (Personal Electronic Transactor — mas a sigla tem um significado em Inglês: mascote), o TRS-80 (TRS representando Tandy-Radio Shack, Tandy sendo o nome do franqueador das lojas Radio Shack), e o Apple II (sem que jamais tivesse havido um Apple I).  O sucesso foi instantâneo. De repente toda empresa de alta tecnologia parecia estar disposta a lançar um computador no mercado. A primeira versão de uma linguagem de programação para esses computadores foi desenvolvida por um jovem, Bill Gates, que abandonou seu curso superior em Harvard porque teve a visão (que o tempo mostrou ser correta) de que o software, um dia, seria mais importante do que a máquina em si. A companhia que ele criou se chamava Microsoft — software para computadores.

Mas nem todas as empresas de alta tecnologia lançaram computadores de imediato: a IBM resolveu pagar para ver. Esperou até 1981 para lançar o seu computador, o IBM PC (Personal Computer), que consagrou a sigla “PC” e se tornou um sucesso imediato de vendas. Mas a IBM fabricou um computador sem realmente acreditar nele. Por isso, fabricou-o com componentes do mercado, sem usar uma parte sequer que fosse propriedade sua. Além disso, a IBM contratou a Microsoft (até então empresa pequena, sem projeção) para desenvolver o Sistema Operacional (software indispensável para o funcionamento do computador) e não exigiu exclusividade: deixou que a Microsoft pudesse vender o software a quem quisesse.

O fato de que o hardware do PC era feito de componentes facilmente encontráveis no mercado fez com que no mundo inteiro surgissem, rapidamente, “clones” do PC. E a Microsoft estava lá para vender-lhes o mesmo Sistema Operacional que a IBM usava, porque esta não havia exigido exclusividade. O resto é história. Os clones do PC da IBM dominaram o mercado.  A IBM ficou apenas com uma pequena fatia do mercado de computadores (embora fosse, por um tempo, a maior fatia — a explicação é que havia centenas de concorrentes).

Nem o sucesso do IBM PC acordou a IBM. Por muito tempo ela ainda colocou mais fé nos seus computadores de grande porte, achando que os computadores iriam servir apenas para que os usuários de sistemas de grande porte ganhassem acesso aos equipamentos centrais. Isto é, a IBM, que, batizando de IBM PC um computador de tecnologia relativamente simples (havia equipamentos com tecnologia muito mais sofisticada no mercado), deu credibilidade ao mercado de computadores, mostrando que era um mercado sério nos quais as empresas poderiam investir, achava, ela mesma, que os computadores serviriam apenas como terminais de equipamentos maiores — terminais não mais burros, mas ainda assim terminais, que serviriam apenas para levar e trazer dados entre grandes máquinas centrais e seus terminais. A IBM quase pagou com a sua própria sobrevivência o seu segundo grande erro — o primeiro foi demorar a entrar no mercado de computadores. Hoje, quase vinte anos depois, após drástica reengenharia e reposicionamento no mercado, a IBM está novamente forte — sem bem que mais enxuta e com sérios concorrentes em todas as áreas em que antigamente dominava absoluta.

Mas os computadores causaram uma revolução.

Em primeiro lugar, mostraram que computadores não eram apenas para profissionais de informática, mas para qualquer pessoa que tivesse algo a fazer e que encontrasse um software que o ajudasse a fazer melhor ou mais eficientemente o que tinha que fazer.

Em segundo lugar, porque os computadores rapidamente ganharam interfaces gráficas [1] que os equipamentos de grande porte levaram mais de dez anos para conseguir — e nem todos conseguiram ainda. A Xerox, em seu Palo Alto Research Center (PARC), em Palo Alto (perto de Cupertino onde era a sede da Apple, no Vale do Silício, na Baía de São Francisco), tinha desenvolvido, sob a inspiração de Douglas Engelbart, do Stanford Research Institute (SRI), uma interface gráfica para o seu computador chamado Alto: várias janelas simultaneamente na tela, menus que descem ou irrompem na tela, ícones, mouse, etc. A Xerox, por razões que até hoje desafiam os historiadores, nunca realmente comercializou o seu sistema seriamente. Steve Jobs, da Apple, foi lá, gostou e copiou — e dali surgiu (depois do fracassado Lisa) o famoso Apple Macintosh, que fez um tremendo sucesso, especialmente com artistas gráficos, técnicos de editoração, profissionais de marketing, pessoal interessado em fotografia, cinema, e vídeo. Na área de digitalização e sintetização do som o Macintosh não foi tão bem sucedido, mas aí entrou o Amiga, da Commodore, talvez um dos computadores mais interessantes que jamais tenham sido feitos, mas que teve um público também específico demais: o pessoal de som (e, por extensão, de vídeo). Por atraírem públicos muito especializados, o Macintosh e o Amiga nunca se tornaram grandes sucessos comerciais nos escritórios. Ali o IBM PC e seus clones reinaram soberanos. Mas o Macintosh e o Amiga dividem o crédito de terem inventado multimídia.

Levou anos para a Microsoft conseguir copiar a interface do Macintosh — só sendo bem sucedida em 1990, com a versão 3.0 de Windows. De lá para cá o sucesso passou a ser da Microsoft: a guerra do software suplantou a guerra do hardware — como Bill Gates, todo-poderoso acionista principal da Microsoft soube que seria o caso, muito cedo em sua vida, quando não tinha ainda 20 anos. Esse “insight”, muito trabalho, um bocado de sorte, e práticas concorrenciais agressivas, fizeram dele hoje nada menos do que o homem mais rico do mundo.

Para nossa finalidade aqui o importante é que os computadores, especialmente depois que se interligaram em rede, e principalmente depois que a Internet deixou de ser um brinquedo acadêmico, passando a ser usada comercialmente, acabaram fazendo do computador um meio de comunicação — na verdade, o meio de comunicação por excelência. É importante entender como isso ocorreu.

Primeiro foi a impressão a sucumbir, porque o texto foi se tornando mais e mais digital, até que, em contextos profissionais, não se concebia mais um texto escrito a mão ou a máquina. Com o surgimento dos computadores e de processadores de texto amigáveis, não intimidatórios, foi decretado o fim da máquina de escrever e começou a revolução em escritórios, redações de jornais e revistas, editoras, casas de todos aqueles que escrevem e em quase todo lugar em que se usa a escrita. A arte de escrever mudou, como mudou a arte de editar (e de  “editorar”, isto é, de formatar, diagramar, fazer “paste up”, de, enfim, preparar um texto para impressão). Jornais de mais de 200 páginas começaram a ser publicados aos domingos, as revistas se multiplicaram, cresceram de tamanho, ficaram mais atraentes, a distribuição ficou mais rápida até o ponto em que hoje podemos ler os jornais e as revistas na Internet antes de que cheguem às bancas. Publicar um livro, depois de concluído o texto, virou questão de semanas, quando não de dias, quando antes era questão de meses, quiçá de um ano. E os textos passaram a exibir fontes raras e exóticas, gráficos, desenhos, uma série de adornos e atrativos que antes exigiam muito trabalho braçal. A impressão também foi computadorizada, decretando o fim das tipografias, dos linotipos, das antigas fotocompositoras. Hoje não se concebe a impressão sem o computador.

Enquanto isso, o som ia se tornando digital, ou por digitalização (conversão do som analógico em digital) ou por sintetização (produção ou geração de um som  já digital). De um lado, o surgimento dos CDs ajudou decisivamente nesse processo. Pouca gente punha fé, no início, em que as pessoas fossem abrir mão de suas velhas coleções de discos de vinil — long-plays, compactos e até mesmo discos de 78 rotações. Mas o CD chegou e venceu — mais do que venceu, tirou a concorrência do mapa. A fita cassete ainda resiste por causa de toca-fitas em carros — mas o CD vai ganhar ali também. Junto com os CDs vieram os teclados eletrônicos, as guitarras eletrônicas — e suas interfaces “MIDI” (Musical Instrument Device Interface), que permitem que o som gerado por esses instrumentos seja gravado em disquete e/ou transportado diretamente para um computador. Hoje as rádios e os telefones transmitem som digital, e os fios telefônicos, as antenas de micro-ondas, os satélites, e as ondas eletromagnéticas em geral carregam som digital. Através da Internet podemos ouvir a Jovem Pan no Japão, a 98 FM no Alasca.

Com um pouco de atraso a imagem foi se digitalizando. A fotografia convencional vive hoje seus últimos dias. Quem vai querer lidar com filmes, que precisam ser revelados, que correm o risco de serem velados pela luz ou de terem as cores distorcidas porque havia químicos demais ou de menos nos líqüidos usados para revelá-los? As câmeras digitais estão aí para ficar. As fotos são gravadas em chips de memória, em disquetes e, daqui a pouco, em mini CDs. As câmeras de vídeo vão estar se digitalizando rapidamente. Veremos em casa a TV digital, assistiremos a filmes a partir de DVDs (Digital Video Discs), filmaremos nossos filhos e nossos netos com câmeras de vídeo que vão gravar os sinais com tecnologia óptica em mini-discos capazes de armazenar horas da mais nítida imagem, em 16 milhões de cores e com som digital.

Os meios de comunicação impressos (incluindo não só a imprensa, mas também o correio), sonoros (incluindo não só o rádio e os discos, mas também o telefone), e visuais todos convergiram para o computador. Multimídia passou a ser uma realidade. Você vai ouvir a voz e ver a pessoa com quem você conversa ao telefone. Seu aparelho de televisão virá com uma câmera digital que transmitirá os seus sinais para grandes centrais retransmissoras através dos mesmos cabos ou satélites que trazem a imagem e o som da televisão para sua casa, em mais de 500 canais. As vídeo-locadoras atuais deixarão de existir, porque os filmes serão “baixados” de grandes servidores de vídeo, o preço da locação sendo cobrado em sua conta de comunicação (não mais de telefone ou de televisão a cabo). A Internet, como hoje a conhecemos, deixará de existir, porque rádio, televisão, vídeo, acesso a banco de dados, telefone (vídeo-fone), vídeo-jogo, tudo estará chegando através dos mesmos meios físicos que hoje nos trazem a Internet ou, certamente, algo bem mais aperfeiçoado.

O computador deverá mudar de nome — porque o nome ainda dá a entender que o computador tem que ver com um aparelho que faz cômputos, cálculos, contas, quando, na verdade, ele é hoje, mais do que qualquer coisa, um macro-meio de comunicação.

E educação, não nos esqueçamos, é um processo que envolve comunicação em várias de suas manifestações — em especial na educação escolar.

4. O Computador como Tecnologia Educacional

Qualquer que seja o nome que venha a ter o equipamento que vai coordenar e gerenciar o centro nevrálgico de informações e comunicações de nossas casas, de nossos locais de trabalho, e até mesmo de nossa própria pessoa (pois em breve não saberemos mais andar sem nosso computador ultra-portátil, que terá um telefone móvel embutido), ele vai estar presente no nosso trabalho, qualquer que seja, no processo de recebimento e de transmissão de informações, seja qual for o seu tipo, nos meios de comunicação de massa (em que um se comunica com muitos) e de comunicação pessoal (em que um se comunica com o outro), nos processos decisórios, especialmente naqueles em que os indivíduos, pelo seu voto, escolhem seus governantes ou, melhor ainda, em plebiscitos e referendos instantâneos, resolvem eles mesmos o que deve ser feito, no pagamento de contas e no recebimento de salários ou honorários, nos momentos de diversão e entretenimento.

É concebível, diante desse quadro, que as pessoas não venham a usar o computador para aprender e, em contrapartida, para ensinar à distância? Dificilmente. A escola atual pode até resistir — mas se o fizer, pagará o preço bastante alto de deixar de ser o locus privilegiado da educação em nossa sociedade — que, segundo muitos, já deixou de ser há algum tempo.

Nossa época está sendo chamada por Peter Drucker, um dos mais perceptivos analistas do cenário contemporâneo, de uma Segunda Renascença. É importante entender porquê, mesmo que para isso tenhamos que rapidamente recapitular alguns fatos que já discutimos quando falamos da evolução da tecnologia.

A.    O Livro Impresso e a Primeira Renascença

Eis o que diz Drucker, em As Novas Realidades:

“Quarenta anos atrás Marshall McLuhan apontou pela primeira vez que não foi a Renascença  que transformou a universidade medieval, e sim o livro impresso. . . . Assim como o livro impresso era a ‘alta tecnologia’ da educação no século XV, também o computador, a televisão e o vídeo-cassete estão se tornando a alta tecnologia do século XX. Esta nova tecnologia está fadada a ter um profundo impacto sobre as escolas e sobre o modo como aprendemos” [2].

Segundo Peter Drucker, a força motriz da primeira Renascença foi uma tecnologia que, em retrospectiva, se vê como claramente educacional: o livro impresso.

O livro, como vimos, revolucionou a educação nos séculos XV e seguintes: tornou possível o ensino à distância e o auto-aprendizado sistemático.

“Desde o início, o livro impresso forçou as escolas a modificarem drasticamente o que ensinavam. Antes dele, a única maneira de aprender era copiar laboriosamente manuscritos ou ouvir palestras e recitações. Subitamente eis que as pessoas podiam aprender lendo” [3].

Além disso, o livro permitiu que se difundisse a sábia noção de que mais importante do que memorizar grandes quantidades de informação é saber onde encontrar, rápida e eficientemente, a informação desejada, quando ela se faz necessária.

O livro impresso, como vimos, também estimulou o fortalecimento das várias línguas nacionais e tornou possível o desenvolvimento das literaturas no vernáculo. Além do livro, propriamente dito, a impressão estimulou o debate de idéias, o embate panfletário, o aparecimento de jornais e revistas, etc. Ou seja, a impressão, como tecnologia, tornou possível a imprensa, como meio de comunicação de massa. Sem esta não teria havido a Reforma Protestante, a ciência e a filosofia moderna, o movimento deísta, que, tempo depois, culminou no Iluminismo, o aparecimento de uma rica literatura de filosofia política (Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, os Artigos Federalistas, nos Estados Unidos, e a Enciclopédia, na França) que acabou levando à Revolução Americana e à Revolução Francesa.

Como bem ressalta Drucker, a primeira Renascença foi um período de enorme vitalidade intelectual em que se disseminou uma sede de conhecimento nunca dantes vista:

“O livro impresso provocou no Ocidente um tal amor pelo conhecimento e uma tal vontade de aprender que o mundo jamais vira antes e nunca mais viu desde então. O livro impresso permitiu que pessoas de todas as posições sociais pudessem aprender conforme o seu ritmo natural, na intimidade de suas casas ou na companhia congenial de outros leitores de mesmo espírito. Permitiu também que pessoas separadas umas das outras pela distância e pela geografia pudessem aprender juntas” [4].

B.    O Computador e a Segunda Renascença

Segundo Drucker, estamos vivendo uma época semelhante neste final de século XX. E da mesma forma que foi uma tecnologia com grande potencial educacional que se constituiu na força motriz da primeira Renascença, agora é o computador, uma tecnologia eminentemente educacional, que está alimentando a segunda Renascença.

O computador, mais do que o livro, está tornando viável o ensino à distância e o auto-aprendizado. Mas o computador, como o livro antes dele, vai alterar o que se passa dentro da sala de aula também.

“Nós vivemos hoje os estágios iniciais de uma revolução tecnológica similar [à da primeira Renascença], e talvez ainda maior. O computador é infinitamente mais ‘amistoso’ do que o livro impresso, especialmente para crianças. Sua paciência é ilimitada. Não importa quantos erros o usuário possa cometer, o computador está sempre pronto para outra tentativa. Ele está sob o comando do aluno de uma maneira que nenhum professor em sala de aula pode estar. Numa sala de aula movimentada, um professor raramente tem tempo para uma criança em especial. O computador, por sua vez, está sempre disponível, não importando se a criança é rápida, lenta, ou normal para aprender, não importando se ela acha essa matéria fácil e aquela difícil, não importando se ela deseja aprender coisas novas ou se deseja rever algo já visto anteriormente. E, ao contrário do livro impresso, o computador permite uma variação infinita. Ele é divertido” [5].

Drucker bem aponta que o computador de hoje é bem diferente do que será o computador de amanhã, que incorporará a televisão e o vídeo — e, por isso, se tornará uma tecnologia educacional ainda mais potente:

“Mas há também a televisão e, com ela, todo um mundo de pedagogia visual. Há mais horas de pedagogia comprimidas em um comercial de trinta segundos do que a maioria dos professores conseguem colocar em um mês de lecionar. O assunto, ou matéria, de um comercial de TV é bastante secundário; o que importa é a habilidade, o profissionalismo e o poder de persuasão que nele existem. Portanto, as crianças chegam hoje à escola com expectativas que fatalmente serão desapontadas e frustradas. Elas esperam dos professores um nível de competência muito além do que a maioria deles poderão jamais oferecer. As escolas serão cada vez mais forçadas a usar computadores, televisão, filmes, fitas de vídeo e fitas de áudio. O professor será cada vez mais um supervisor e um mentor — talvez aproximando-se bastante do que ele era na universidade medieval vários séculos atrás. O trabalho do professor será ajudar, orientar, servir de exemplo, incentivar. É bem possível que o seu trabalho deixe de ser primordialmente transmitir a matéria em si” [6].

O computador está tornando possível a criação de comunidades virtuais de trabalho e de aprendizado que transcendem os limites do espaço. O computador está abrindo acesso a informações independentemente de onde, em qualquer lugar do mundo, elas se encontrem. O computador está aproximando as pessoas, ao eliminar a distância física entre elas. O computador está derrubando as paredes de nossas salas de aulas e os muros de nossas escolas.

Estamos no início dessa revolução. O computador tem pouco mais de 50 anos. Mas ele transformará o mundo muito mais drasticamente do que o mundo foi transformado do século XV ao século XX, e em muito menos tempo. Pergunta Drucker — mas a resposta ele a conhece:

“Será que os computadores e a nova tecnologia juntas produzirão uma explosão semelhante [à que aconteceu nos séculos XV-XVIII] na vontade de aprender? Qualquer pessoa que tenha visto um garotinho de sete ou oito anos passar horas diante de um programa de matemática num computador, ou mesmo uma criança ainda menor assistindo ‘Vila Sésamo’, sabe que a pólvora para tal explosão está se acumulando. Mesmo que as escolas façam o máximo possível para abafá-la, a alegria de aprender gerada pelas novas tecnologias terá o seu impacto. Nos Estados Unidos e no Japão, as escolas, depois de trinta anos de feroz resistência às novas tecnologias, mostram-se cada vez mais dispostas a empregá-las, a incorporá-las em seus métodos de ensino e a criarem o desejo de aprender que, em última análise, é a essência da educação” [7].

A última frase é essencial: o desejo de aprender é essencial para a educação, pois é a força motriz que nos leva a nunca estar satisfeitos com o nível das habilidades, das competências e do conhecimento que temos e nos impulsiona a buscar cada vez mais, tanto no plano quantitativo quanto no qualitativo.

5. Sociedade, Tecnologia, Educação, e Escola

Nesta seção procuraremos analisar em mais detalhe como os desenvolvimentos que vimos analisando se aplicam à educação e à escola.

A. A Sociedade da Informação

Está claro, de tudo o que foi dito, que vivemos hoje numa sociedade em que a informação é o ingrediente básico e as tecnologias que nos ajudam a lidar com a informação são essenciais. Podemos chamar essa sociedade por vários nomes: “Sociedade da Informação”, “Sociedade Informatizada”, “Sociedade Pós-Industrial”, “Sociedade Pós-Capitalista”, etc. Vamos preferir a expressão “Sociedade da Informação” porque coloca ênfase onde ela é devida: na informação, e não na tecnologia usada para processar e mover essa informação.

O que caracteriza a Sociedade da Informação (que, segundo alguns analistas, teve seu início por volta de 1955, nos Estados Unidos) é o fato de que nela a maior parte das pessoas economicamente ativas trabalha no processamento de informações (lato sensu, envolvendo a comunicação) ou no relacionamento entre pessoas (como no comércio, no lazer, e no turismo), não na produção de bens materiais. Há os que prevêem que, por volta do ano 2015, nos países desenvolvidos, haverá, no máximo, apenas cerca de 5% da população economicamente ativa trabalhando no setor agropecuário e industrial [8]. Os restantes 95% estarão trabalhando em atividades em que o processamento de informações e as relações entre as pessoas são essenciais.

B. A Educação na Sociedade da Informação

Em seu sentido mais genérico educar é preparar os indivíduos para a vida — como pessoas, como cidadãos e como profissionais (como trabalhadores, no sentido amplo do termo) [9].

A educação, é sabido, nem sempre se realizou em escolas, como as que hoje conhecemos. Ela se realizou, durante muito tempo, no lar, na igreja, na comunidade, no mundo do trabalho, através de mecanismos não-formais.

Na Sociedade da Informação, dado o papel importante que nela desempenham as tecnologias de informática (computação, telecomunicações, meios de comunicação de massa), a educação tende a extravasar as paredes da sala de aula e os muros da escola e a ter lugar através de várias instituições (novamente a família, mas também as associações comunitárias, as igrejas, os sindicatos, as empresas, os cursos livres de curta duração, etc.) ou, então, através de mecanismos de educação não-formal, como os meios de comunicação de massa e as várias formas de educação mediada pela tecnologia (sem contato presencial) [10].

Além disso, a educação, na Sociedade da Informação, é um processo permanente, que, portanto, não se esgota no período de permanência da criança, do adolescente e do jovem na escola, mesmo que essa permanência seja altamente relevante em termos educacionais. A educação, na Sociedade da Informação, começa no nascimento e só termina com a morte da pessoa. Além disso, é constante: numa sociedade densa em informações e conhecimentos e rica em possibilidades de aprendizagem, as pessoas aprendem desde que acordam até a hora em que vão dormir — havendo até mesmo métodos subliminares que pretendem ajudar as pessoas a continuar a aprender enquanto dormem. [11]

A educação, na Sociedade da Informação, é também difusa: as pessoas se educam enquanto trabalham, enquanto assistem à televisão ou ouvem o rádio, enquanto realizam as atividades normais do dia-a-dia, enquanto viajam, enquanto se divertem. Não há muita distinção entre educação e trabalho, entre educação e lazer. Ninguém interrompe o seu trabalho ou o seu lazer para educar-se: a educação permeia todas as suas atividades, sem limites claros entre uma coisa e outra.

Na Sociedade da Informação, quando a educação exige contato com outras pessoas, esse contato é em grande parte virtual, viabilizado pela tecnologia, feito à distância, sem a necessidade da presença física dos envolvidos num mesmo local, numa mesma hora. E os contatos são objetivos e rápidos, provavelmente envolvem múltiplas pessoas, e acontecem em função de necessidades de aprendizado muito específicas, resultantes das atividades que as pessoas estão exercendo. O aprender, na Sociedade da Informação, está intimamente ligado ao fazer, porque o fazer não é mais predominantemente manual, mas envolve importantes e essenciais componentes de informação e conhecimento — e, portanto, exige, necessariamente, aprendizagem, ou seja, educação.

Há estudos que comprovam que as pessoas retêm, em média, cerca de 10% daquilo que ouvem (por exemplo, em aulas), cerca de 20% daquilo que vêem (por exemplo, em leituras), e cerca de 70% daquilo que fazem (por exemplo, em atividades e projetos em que estão envolvidas e em que têm interesse). As pessoas em regra se esquecem do que ouvem, lembram-se um pouco do que lêem, mas geralmente compreendem o que fazem, e, porque compreendem, aprendem mais facilmente e dificilmente se esquecem depois.

Erram, portanto, os que imaginam que a maior contribuição que a tecnologia pode trazer à educação é viabilizar o ensino à distância [12], a sala de aula virtual, a escola sem paredes ou sem muros. As pessoas que assim pensam acreditam que a tecnologia possa fazer funcionar, como que por passe de mágica, um modelo que não funciona mais nem mesmo com o contato presencial. O que se procurará mostrar na seção seguinte é que o modelo escolar atual, que hoje é ineficaz e ineficiente, não passa misteriosamente a funcionar bem apenas porque vem a ser mediado pela tecnologia. Usar tecnologia sofisticada mantendo o modelo escolar atual é equivalente a asfaltar uma trilha de bois, para usar a expressão de Hammer e Champy, já citada.

C. O Futuro da Escola na Sociedade da Informação

A sociedade, nos últimos séculos, tem atribuído à escola a tarefa de educar (isto é, como vimos, de preparar os indivíduos para a vida — para sua vida como pessoas, como cidadãos e como profissionais). Mas a sociedade na qual os alunos de hoje vão viver suas vidas pessoais, atuar como cidadãos, e exercer uma profissão está mudando muito mais rapidamente do que a escola, e esta, a menos que tome medidas urgentes para acompanhar as profundas mudanças que estão ocorrendo na sociedade, corre sério risco de se tornar obsoleta. O fato de que adolescentes e jovens inteligentes e capazes, que conseguem ter excelente desempenho em atividades para as quais estão motivados, se desinteressam da escola a tal ponto que, sem precisar, preferem arrumar um emprego qualquer a ter que aturá-la, é a mais séria condenação da escola que se pode imaginar. A escola, ao invés de estimular a curiosidade e a vontade de aprender dos alunos, acaba por abafá-las. [13]

O que está errado na escola não é o contato presencial, que em si é bom, mas, sim, o modelo educacional que a escola hoje incorpora, que pressupõe:

  • que a educação seja um processo que tem um início e um fim ao longo da vida das pessoas;
  • que a aprendizagem seja algo que acontece predominantemente em contextos formais e em decorrência de processos intencionais de ensino e instrução;
  • que as pessoas têm os mesmos estilos e ritmos de aprendizagem, isto é, aprendem todas da mesma forma e no mesmo ritmo e que, portanto, estão todas prontas para determinados tipos de aprendizado no mesmo momento;
  • que as pessoas não são intrinsecamente inclinadas a aprender e que, portanto, o processo de ensino e aprendizagem precisa ser construído em cima de mecanismos artificiais de recompensas e punições que ajam como motivadores externos;
  • que, com esses mecanismos de recompensas e punições, as pessoas conseguem aprender os mais diversos conteúdos, em grandes blocos, e reter esse aprendizado, mesmo quando não têm o menor interesse nesses conteúdos ou neles não vêem a menor relevância para seus projetos de vida;
  • que as pessoas conseguem aprender habilidades e competências importantes de forma basicamente passiva, apenas ouvindo um professor ou lendo um texto, sem se envolver em atividades e projetos que exercitem essas habilidades e competências, obrigando-as a praticá-las em situações concretas e realistas;
  • que o contato presencial do professor com os alunos, e dos alunos uns com os outros, em uma sala de aula, é indispensável para a educação e necessariamente benéfico para o aluno, em termos pedagógicos.

Esse modelo foi construído para servir à Sociedade Industrial, que já cedeu lugar à Sociedade da Informação. Alvin Toffler descreve muito bem esse modelo de escola:

“Educação de massa foi a máquina engenhosa construída pela sociedade industrial para produzir o tipo de adulto de que ela necessita, . . . um sistema que, em sua própria estrutura, simulava essa sociedade. O sistema não emergiu instantaneamente. Mesmo hoje ele ainda retém elementos da sociedade pré-industrial. Contudo, a idéia de agrupar grandes massas de estudantes (matéria-prima) para serem processados por professores (trabalhadores) em uma escola centralizada (fábrica) foi uma solução de gênio industrial. Toda a hierarquia administrativa da organização, à medida que foi aparecendo, seguia o modelo da burocracia industrial. A própria organização do conhecimento em disciplinas permanentes foi fundada em pressupostos industriais. As crianças marchavam de lugar em lugar e se assentavam em locais preestabelecidos. O sinal tocava para anunciar a hora de mudanças. A vida interna da escola assim se tornou um espelho antecipatório da sociedade industrial, uma introdução perfeita a ela. As características mais criticadas da educação hoje — sua regimentação, sua falta de individualidade, os sistemas rígidos de disposição física da sala de aula, de agrupamento das crianças por classes e séries, de notas, o papel autoritário do professor — são exatamente as características que fizeram da escola pública de massa um instrumento tão efetivo de adaptação à sociedade industrial.” [14]

Nenhum dos pressupostos desse modelo de educação escolar se sustenta hoje na forma em que a escola os incorpora.

Como vimos, a educação das pessoas tende a ser, na Sociedade da Informação, um processo permanente, constante, difuso, predominantemente não-formal, que é centrado mais nas próprias pessoas do que em professores e instrutores, que ocorre em decorrência de sua participação em atividades e projetos interessantes e motivadores mais do que como resultado do ensino deliberado, que envolve modos de aprendizagem mais ativos do que passivos, que é focado mais no domínio de habilidades e competências do que na absorção passiva de conteúdos, que acontece mais em doses homeopáticas, em função de necessidades ou interesses variados, ou, então, em processos de total imersão, quando um projeto absorve totalmente as energias das pessoas, do que em grandes blocos compartimentados em função de exaustivos planos curriculares que têm por objetivo o domínio de todo um programa sistemático de estudos.

As vantagens do contato presencial entre professores e alunos têm sido enormemente exageradas. Exceto por permitir o desenvolvimento de algumas amizades duradouras, os anos escolares são normalmente percebidos como chatos e intermináveis e os contatos com os professores raramente são vistos como enriquecedores (com honrosas exceções). Além disso, não há nada necessariamente impessoal nos contatos virtuais: grandes amizades, e mesmo profundas paixões, têm acontecido e se desenvolvido através de contatos inicialmente virtuais.

Numa sociedade em que a educação tem as tendências apontadas na seção anterior e nesta, a escola que opera no modelo indicado corre sério risco de se tornar, nas palavras de Gilberto Dimmenstein, uma “fábrica de obsoletos” [15].

Eis a crítica que Drucker, um grande educador (mas não um pedagogo), faz às nossas escolas:

“Instruir — mesmo no alto nível exigido por uma sociedade de trabalhadores intelectuais — é uma tarefa mais fácil do que transmitir aos estudantes o desejo de continuarem aprendendo e as habilidades e conhecimentos que necessitarão para fazê-lo. Até hoje nenhum sistema escolar se dispôs a enfrentar essa tarefa. . . . No entanto, nós sabemos como as pessoas aprendem a aprender: e já o sabemos há dois mil anos. O primeiro e mais sábio autor sobre a educação das crianças, o grande biógrafo e historiador grego Plutarco, explicou isso claramente em seu belo livrinho Paidea (“Formação das Crianças”), no primeiro século da era cristã. Basta tornar os alunos realizadores,  basta concentr[ar] nos seus pontos positivos e nos seus talentos a fim de que eles possam se sobressair em tudo o que souberem fazer bem. Qualquer mestre de jovens artistas — músicos, atores, pintores — sabe disso; qualquer instrutor de jovens atletas também. Mas as escolas não o sabem e, ao invés, concentram-se nos pontos fracos e nas deficiências dos alunos. Quando um professor convoca os pais de um garoto de dez anos, ele geralmente começa dizendo: ‘O seu Joãozinho precisa estudar mais a tabuada; ele está muito atrasado’. Raramente o professor dirá: ‘A sua Maria deveria dedicar-se mais à redação para poder fazer melhor o que ela já faz bem’. Os professores — do primário à universidade — tendem a se concentrar mais nas deficiências dos alunos, e por bons motivos: ninguém pode prever o que uma criança de dez anos estará fazendo dez ou quinze anos mais tarde. Nessa fase não é possível sequer eliminar muitas opções. A escola tem que imbuir em seus alunos as habilidades básicas [de] que irão precisar em qualquer caminho que porventura escolham, pois em qualquer um eles terão que saber atuar. Mas um bom desempenho não pode fundamentar-se em deficiências, nem mesmo em deficiências corrigidas: o bom desempenho nasce somente dos pontos positivos, das qualidades, dos talentos. E esses as escolas tradicionalmente ignoram, ou consideram mais ou menos irrelevantes. Aquilo que um aluno tem de bom não é causa de problemas — e todas as escolas estão polarizadas nos problemas. Na sociedade instruída, os professores terão que aprender a dizer: ‘Quero ver o seu Joãozinho, ou a sua Maria, escrevendo muito mais; seu filho tem talento, e esse talento precisa ser desenvolvido e aperfeiçoado.’ . . . As novas tecnologias do ensino tornarão isso possível, além de praticamente forçarem escolas e professores a se concentrar nos pontos fortes e nos talentos dos alunos” [16].

Alvin Toffler coloca claramente o desafio que se coloca para a escola hoje quando afirma que, além do risco de se tornar obsoleta, a escola corre também o sério risco de se modernizar nos meios sem, entretanto, repensar os fins da educação:

“O que passa por educação, hoje, mesmo em nossas ‘melhores’ escolas e universidades, é um irremediável anacronismo. . . . Nossas escolas olham para trás, na direção de um sistema moribundo, em vez de olhar para frente, na direção da nova sociedade que emerge. As vastas energias das escolas são dirigidas para produzir pessoas adequadas à sociedade industrial — pessoas instrumentadas para um sistema que estará morto antes delas. . . . Seria enganoso pensar que o sistema educacional não muda. Muda, e às vezes rapidamente — mas apenas para tornar-se mais refinado e eficiente na busca de metas obsoletas” [17].

O modelo educacional da escola, brasileira ou estrangeira, é, em regra, voltado para o passado, focado em conteúdos, centrado no ensino, e orientado para o professor. Além disso, a escola emula, em sua organização, as linhas de montagem industriais: todas as crianças de uma certa idade fazem as mesmas coisas, da mesma forma, no mesmo horário, têm que aprender os mesmos conteúdos, pelo mesmo método, sem a menor consideração de diferenças individuais, da variedade de estilos cognitivos, de talentos e de preferências pessoais. Não é de surpreender que a escola não seja bem sucedida e que seja tão mal querida pelos alunos [18].

D. A Tecnologia e a Educação

Disse McLuhan: “Platão, em todo seu esforço de imaginar uma escola ideal, deixou de notar que Atenas era uma melhor escola do que qualquer universidade que ele conseguisse inventar” [19]. Algo parecido está acontecendo com aqueles que estão tentando reformar a escola em vez de usar o potencial educacional existente na sociedade, fora da escola. O problema talvez não seja trazer a tecnologia para dentro da escola, mas, sim, levar a educação para a sociedade, através da tecnologia.

O risco de obsolescência da escola se torna maior quando se dá conta de que os recursos tecnológicos hoje disponíveis nas áreas de computação, das telecomunicações e dos meios de comunicação de massa tornam viável que os indivíduos assumam um papel cada vez maior na sua própria educação, e, portanto, uma responsabilidade cada vez maior pelo seu desenvolvimento intelectual e cognitivo.

Peter Drucker afirma:

“[Hoje] essa nova instrução é obtida em grande parte através da mídia informativa. Para a criança, moderna a televisão e o vídeo-cassete certamente oferecem tantas informações quanto a escola, e provavelmente mais.  . . . A educação não pode mais restringir-se às escolas. Toda instituição empregadora tem que proporcionar educação a seus membros. As grandes organizações japonesas — tanto órgãos públicos como empresas — já reconheceram isso. Mas, uma vez mais, a nação que assumiu essa liderança foi os Estados Unidos, onde os empregadores — empresas, órgãos públicos, forças armadas — aplicam tanto dinheiro e empenho na educação e treinamento de seus empregados, especialmente aqueles de maior nível de instrução, quanto todas as faculdades e universidades do país somadas. As companhias transnacionais européias também estão cada vez mais assumindo a educação de seus empregados, especialmente dos administradores” [20].

A força homogenizadora da escola não conseguirá resistir à força heterogenizadora das novas tecnologias.

“Nós sabemos que diferentes pessoas aprendem de maneira diferente; sabemos que, na realidade, o [estilo de] aprendizado é tão pessoal quanto uma impressão digital. Não há duas pessoas que aprendam da mesma maneira. Cada um tem uma velocidade diferente, um ritmo diferente, um grau de atenção diferente. Se lhe for imposto um ritmo, uma velocidade, ou um grau de atenção estranho, haverá pouco ou nenhum aprendizado. Haverá apenas cansaço e resistência. Nós sabemos . . . que pessoas diferentes aprendem matérias diferentes de maneira diferente. A maioria de nós aprendeu a tabuada através da repetição e dos exercícios. Mas os matemáticos não ‘aprendem’ a tabuada: eles a ‘captam’, por assim dizer. Da mesma forma, os músicos não aprendem a ler uma partitura: eles a ‘percebem’. E nenhum atleta nato jamais teve que aprender como pegar uma bola. Algumas coisas de fato têm que ser ensinadas — e não apenas valores, percepções e significados. Um professor é necessário para identificar os pontos fortes do aluno e para direcionar um talento à sua realização. Nem mesmo um Mozart teria se tornado o grande gênio que foi sem seu pai que era um verdadeiro mestre. . . .  A nova tecnologia . . . é uma tecnologia de aprendizagem, e não de ensino.  . . . Não resta dúvida que grandes mudanças irão ocorrer nas escolas e na educação — a sociedade instruída irá exigi-las e as novas teorias e tecnologias de aprendizagem acabarão por efetivá-las” [21].

Por isso, como bem ressalta Toffler na passagem citada na seção anterior, a mera introdução de tecnologia nas escolas de hoje, por mais sofisticada que seja essa tecnologia, não causará maior impacto sobre a educação das crianças que as freqüentam e não as preparará para viver na Sociedade da Informação do século XXI. Só fará com que a educação que já oferecem seja mais eficientemente obsoleta. Não há sentido em andar mais depressa quando se está movendo na direção errada. Muitas das escolas que hoje se orgulham de utilizar o computador no ensino se assemelham àquele piloto que disse aos passageiros ter uma boa e uma má notícia: a boa era que estavam tendo média excelente de velocidade; a má notícia era que haviam perdido o rumo…

É preciso repensar o modelo educacional que impera em nossas escolas, inverter a direção em que a educação caminha. Em vez de uma educação voltada para os quatro pilares do passado-conteúdos-ensino-professor, precisamos de uma educação voltada para outros quatro pilares: futuro-processos-aprendizagem-aluno.

E. Os Contornos de uma Nova Escola

A escola precisa mudar, se quiser sobreviver como instituição educacionalmente relevante. Ela precisa se voltar para a criação de ambientes ricos em possibilidades de aprendizagem, nos quais as pessoas possam desenvolver as habilidades e competências que lhes permitam dominar os processos através dos quais possam ser capazes de aprendizagem permanente e constante.

Devemos reconhecer que familiarizar as pessoas (em especial as crianças) com a tecnologia, em particular com computadores, embora importante, e, na verdade, condição necessária, hoje, para uma educação de qualidade, não é suficiente. É preciso também ajudar as pessoas a:

  • aprender a pensar, a argumentar, e a se exprimir com clareza, precisão e objetividade, na língua materna e em pelo menos duas línguas estrangeiras (que, no caso do Brasil, são Inglês e Espanhol);
  • compreender que há uma diferença essencial entre absorção passiva de fatos e assimilação criativa de informação;
  • aprender, no tocante a informações:
  • a discernir os tipos de informação relevantes para suas necessidades e seus interesses;
  • a descobrir onde essas informações estão armazenadas e como obtê-las;
  • a avaliar e criticar as informações encontradas e recebidas;
  • a analisar as informações que se mostrem confiáveis e a relacioná-las com outras informações que já possuem;
  • a organizar suas informações, arquivá-las inteligentemente, e, quando necessário, recuperá-las com rapidez e apresentá-las de maneira concisa e atraente;
  • descobrir como, com base nas informações de que dispõem, construir projetos de vida, definir objetivos, metas e prioridades, e encontrar as melhores formas de alcançar esses objetivos e metas;
  • entender que o conhecimento pode e deve se traduzir em ação e assimilar o processo de tomada de decisão;
  • encontrar formas de lidar eficaz e eficientemente com mudanças rápidas e com situações novas;
  • aprender a relacionar-se com as pessoas, negociar, administrar conflitos e lidar com pressões;
  • aprender a gerenciar o tempo;
  • entender que a aprendizagem, e, por conseguinte, a educação, é um processo constante, que se estende pela vida toda, no qual o papel da escola é relativamente pequeno, e que, portanto, a principal responsabilidade pela educação é sempre da própria pessoa.

É nessa direção que é possível visualizar os contornos que eventualmente levarão à invenção de uma nova escola, a escola da Sociedade da Informação. A escola que ajudar as pessoas a dominar as habilidades e competências indicadas no parágrafo anterior estará preparando seus alunos para viver e atuar, como pessoas, como cidadãos e como profissionais, na Sociedade da Informação no século XXI.

Mas lembrêmo-nos mais uma vez: a ênfase terá que ser no desenvolvimento dessas habilidades e competências. O computador é meio, é ferramenta, é tecnologia. E os educadores não devem jamais perder de vista o fim porque se encantaram com o meio, não podem fazer como o pescador, na linda canção de Oswaldo Montenegro, “que se encanta mais com a rede que com o mar”.

6. O Papel do Professor

Michael Hammer, o guru da reengenharia, escreveu em um de seus livros que “educação é aquilo que resta quando nos esquecemos de tudo o que nos foi ensinado” [22]. Essa passagem chama nossa atenção para o fato de as pessoas, com o passar do tempo, geralmente se esquecem da maior parte das conteúdos que lhes foram ensinados na escola. Apesar de nos esquecermos da maior parte das coisas que nos foram ensinadas, alguma coisa fica, ou pelo menos assim se espera — e o que fica, provavelmente, é mais importante do que os conteúdos que nos foram ensinados, e esquecidos.

O que fica, depois de nos esquecermos daquilo que nos foi ensinado? Há uma passagem atribuída ao grande escritor americano John Steinbeck que nos ajuda a responder:

“É comum que adultos se esqueçam de quão difícil, chata e interminável é a escola. . . . A escola não é coisa fácil e, a maior parte do tempo, não é nada divertida. Contudo, se você tem sorte, pode ser que encontre um professor. Professores verdadeiros, com a melhor das sortes, você vai encontrar no máximo uns três durante a vida. Acredito que um grande professor é como um grande artista: há tão poucos deles como há poucos grandes artistas. . . . Os meus três tinham estas coisas em comum. Todos eles amavam o que estavam fazendo. Eles não nos diziam o que saber: catalisavam um desejo fervente de conhecer. Sob sua influência, os horizontes de repente se abriam, o medo ia embora e o desconhecido se tornava conhecível. Mas, mais importante de tudo, a verdade, esta coisa perigosa, se tornava bela e muito preciosa.” [23]

Essa passagem serve, de certo modo, para introduzir a discussão acerca da função do professor.

Nos Diálogos de Platão em que Sócrates é o protagonista principal Sócrates ilustra a tese de que sua função não era ensinar: era levar as pessoas a descobrir as coisas por si próprias. Sócrates no Teeteto descreveu a sua função como sendo semelhante à de uma parteira. A parteira não dá à luz ninguém. O que ela faz é ajudar alguém a dar à luz. Também o professor, segundo Sócrates, não deve ensinar nada: ele deve ajudar os outros a descobrir por si sós aquilo que precisam saber [24].

Em linguagem mais moderna, o que Sócrates propôs foi que o professor, além de ensinar, ou, talvez, até mesmo em vez de ensinar, seja um facilitador da aprendizagem do aluno.

Facilitar a aprendizagem não é a mesma coisa que ensinar. O modelo que jaz por detrás do ensino é o de alguém que é ativo, o professor, e alguém que é em grande parte passivo, o aluno. Um sabe, o outro não. Um ensina, o outro aprende. Um dá, o outro recebe. Esse modelo parte, de certa forma, do pressuposto empirista (expresso por John Locke, por exemplo) de que a mente de uma criança ao nascer é, por assim dizer, uma tabula rasa, uma folha de papel em branco, na qual vão sendo gravadas percepções que lhe chegam através dos sentidos. O professor é uma das fontes de percepção que a criança, e, depois, o adolescente e o adulto têm: ele vai transmitindo informações e o aluno as vai absorvendo. Karl Popper prefere chamar esse modelo de “o modelo do balde”: a mente é como um balde, que vai gradativamente sendo enchido nas interações que a criança tem com o seu ambiente e, a partir de um certo momento, com seus professores na escola [25]. Nesse modelo, o conhecimento é basicamente estático e a mente da criança basicamente passiva. Ensinar é encher a mente da criança de idéias, conceitos, teorias, valores, etc.

Não é esse o modelo que está por detrás da posição de Sócrates (nem da posição de Jean Piaget, hoje em dia). Sócrates pressupõe que a mente humana já é muito rica quando uma criança nasce. É verdade que Sócrates imaginava que a mente da criança já vinha de um outro mundo cheio de idéias inatas e coisas desse tipo. Hoje isso não é mais amplamente aceito. O que se defende, hoje, é que a mente humana, quando uma criança nasce, é rica em disposições e potencialidades, e, especialmente, já tem uma enorme capacidade de aprender. Além disso, a mente não é tipicamente passiva: é ativa, busca informações, integra essas informações àquelas que já obteve antes, desenvolve estruturas conceituais que lhe permitem aprender cada vez mais. Conceitos básicos com os quais operamos, como o de objetos físicos, causalidade, número, etc., não são simplesmente incutidos na mente da criança de fora para dentro, mas são construídos por ela em função de sua interação com o meio. O que vale para a criança, vale depois para o adolescente e para o adulto.

Dentro dessa visão, o professor não é um “enchedor de baldes”, mas, sim, um estruturador de ambientes que tornam mais fácil para o aluno aprender e, assim, desenvolver as estruturas cognitivas que vão constituir a sua inteligência. O professor, aqui, não é um transmissor de informações: é um facilitador da aprendizagem.

Como facilitador da aprendizagem, o professor nunca vai dar, “de bandeja”, uma informação que o aluno pode, por si só, descobrir. Ele nunca vai dar a solução de um problema que o aluno, por si só, pode resolver. Quando se diz “por si só” não se pretende que o aluno seja totalmente desassistido no processo. O parto é assistido pela parteira ou pelo obstetra. Mas esse fato não quer dizer que seja a parteira ou o médico quem dê à luz. Quem aprende (descobre) é o aluno: o professor assiste. “Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo”, como diz Paulo Freire [26].

Há muitas formas em que um professor pode facilitar a aprendizagem: fazendo perguntas inteligentes (mas não dando as respostas), instigando, desafiando, provocando, “cutucando”, dando um “empurrãozinho”, motivando, demonstrando entusiasmo, contagiando o aluno com a vontade de saber e de aprender, criando ambientes ricos em possibilidades de aprendizagem que o aluno se vê estimulado a explorar.

Isso significa que as atividades de facilitação de aprendizagem não são atividades espontâneas, não planejadas. Pelo contrário. Para que um aluno tenha, durante uma aula, amplas oportunidades de aprender conteúdos ricos e significativos, a aula precisa, talvez, ser mais bem planejada do que quando o professor vai simplesmente ensinar. E o professor tem que estar preparado para o fato de que situações imprevistas podem surgir com as quais ele não saiba exatamente como lidar. O ambiente de aprendizagem aqui é estruturado, mas aberto, ”open-ended”. Facilitar a aprendizagem é, em última instância, muito mais difícil do que simplesmente ensinar. Mas é, com certeza, o aspecto mais importante da função do professor, porque ao criar essas estruturas ele está ajudando o aluno a “aprender a aprender”, a desenvolver as habilidades e competências que, na seção anterior, mostramos ser necessárias na Sociedade da Informação.

Os professores que marcaram Steinbeck, que lhe deram aquilo que restou, depois de ele haver esquecido o que lhe havia sido ensinado, foram aqueles que não lhe diziam o que saber, mas que o ajudavam a abrir horizontes, que faziam com que ele perdesse o medo e se aventurasse pelo desconhecido, que o contagiaram com “um desejo fervente de conhecer” e fizeram despertar nele o amor pela verdade. John Keating, em A Sociedade dos Poetas Mortos, também era um professor desse tipo.

7. Alguns Receios

Nesta seção vamos rapidamente considerar alguns receios freqüentemente expressos por aqueles que, convictos do poderoso efeito que o computador pode exercer sobre as crianças e os jovens, temem que tal efeito seja indesejável ou mesmo danoso.

Uma das principais objeções ao uso do computador na educação (ou ao uso exagerado do computador em casa) é a de que o contato constante com o computador poderia levar a criança a desenvolver formas de pensar “mecanizadas” ou “maquinais”. Se Marshall McLuhan está certo quando afirma que “o meio é a mensagem”, as crianças poderiam estar aprendendo, em seu contato com o computador, que pensar é pensar como o computador “pensa”, isto é, sem ambigüidades, de forma rigorosamente lógica, e por fim, num modelo “binário”, isto é, analisando as coisas sempre “duas a duas”.

Como já assinalamos, o computador é, no fundo, uma máquina numérica: internamente, só consegue distinguir dois estados: passa energia aqui/não passa energia aqui; este circuito (esta válvula, este transistor) está ligado (“on”) ou desligado (“off”); este estado é (i.e., pode ser interpretado como) 1 ou 0. É por isso que se diz que o computador é uma máquina binária, que opera com números binários, que usa uma matemática binária, que “fala”/”entende” uma linguagem ou uma lógica binária.

Mas o fato de que o computador é uma máquina numérica binária (que, internamente, só processe números binários) não quer dizer que, do ponto de vista do usuário (do ponto de vista externo, portanto), ele não processe números decimais (ou de qualquer sistema numérico), ele não processe texto, gráficos, fotografias, sons, vídeo, etc. que se afastem o mais possível do binário, ele não seja capaz de oferecer aos usuários a oportunidade de decidir não apenas entre duas alternativas, mas entre três, quatro, cinco, n opções, ele não possa permitir que conversas as menos “binárias” e as mais pluralizadas possíveis aconteçam através dele.

Ninguém que use o computador regularmente irá concordar que, usando o computador, a gente tem que lidar sempre apenas com duas alternativas que se excluem.

O trato com o computador, embora possa envolver o rigor, a lógica e o método, pode envolver também uma forma de pensar intuitiva, livre, criativa. O pensamento rigoroso, lógico e metódico é exigido especialmente daqueles que vão programar o computador. Os usuários, entre os quais estarão os alunos, em sua maior parte, podem usar o computador para ler Adélia Prado, ou escrever poemas, trocar as confidências mais íntimas, falar com a pessoa amada, pesquisar e ler as Cartas de Amor da Sóror Mariana Alcoforado, ouvir Beethoven, Mozart, Stravinsky, compor música, olhar os quadros do Museu do Louvre, da National Gallery of Arts, de Londres, apreciar os auto-retratos de Van Gogh – a lista não termina nunca.

Mas não se esgotam aí os argumentos que podem atenuar os receios dos críticos. Mesmo que os críticos estivessem certos de que o computador estimula um estilo de pensamento “maquinal”, Seymour Papert observa corretamente que, ao invés de lamentarmos os possíveis efeitos funestos do computador, deveríamos explorar maneiras de orientar para direções positivas e desejáveis a influência que se presume prejudicial à aprendizagem e à forma de pensar da criança.

De que maneira isso poderia ser feito? Tomemos como exemplo o receio de que o contato constante com o computador possa levar a criança a pensar de forma rigorosamente lógica. Papert observa que é possível inverter esse processo e obter excelentes vantagens educacionais da arte de deliberadamente pensar como um computador, à maneira de um programa que avança inexoravelmente, de maneira absolutamente lógica, literal, passo a passo, de uma instrução para a outra.

Em primeiro lugar, não resta dúvida de que há contextos em que tal estilo de pensamento é apropriado e útil. As dificuldades que algumas crianças têm no aprendizado de conteúdos formais, como Matemática, ou mesmo Gramática, são freqüentemente decorrentes de sua incapacidade de apreender o sentido desse estilo de pensamento.

Em segundo lugar, e, talvez, até muito mais importante, está o fato de que, em contato com o computador, a criança aprende muito cedo a distinguir o pensamento lógico-formal do que não o é. Essa habilidade poderá lhe permitir, em face de certo problema, escolher o estilo de pensamento mais adequado para resolvê-lo. A análise do pensamento rigorosamente lógico, a percepção de como ele difere de outras formas de pensamento, e a prática obtida na análise e solução de problemas, podem, portanto, dotar a criança com um nível de sofisticação intelectual bastante elevado. Ao fornecer-lhe um modelo concreto e acessível de um particular estilo de pensamento, o computador torna-lhe perceptível o fato de que existem diferentes estilos de pensamento!

Ao dar-lhe a possibilidade de optar, em um dado contexto, por um outro estilo, o computador cria condições para que a criança desenvolva a habilidade de discernir o estilo mais apropriado a cada situação. A tarefa de programar o computador exige dois estilos de pensamento bastante diferentes. Se isso é verdade, o contato com o computador, desde que orientado de maneira adequada, ao invés de induzir uma forma de pensar rigorosamente lógica, sem ambigüidades, pode tornar-se o melhor antídoto contra o monopólio dessa forma de pensar. Nesse processo, a criança estará aprendendo a pensar sobre o pensamento, comportando-se, portanto, como um verdadeiro epistemólogo.

Outro receio comumente expresso é o de que o computador, dada a atração que exerce, especialmente por ser utilizável como um vídeo-jogo, possa envolver a criança de tal maneira, que ela acabe ficando “grudada” a ele, desligando-se de tudo mais, e descuidando-se de seus estudos até mesmo de sua vida social. Deve-se dizer, em primeiro lugar, que a experiência tem mostrado que diante do computador as crianças ficam bem menos “fanatizadas” que os adultos. A criança encara o computador com naturalidade ¾  é o adulto que fica fascinado, que se esquece de comer, de dormir e de dedicar-se a outras funções vitais para mexer no computador.

Entretanto, não se pode negar que o computador de fato exerce grande atração sobre a criança. O que se deve fazer, seguindo a linha do que já foi dito aqui, é explorar essa atração em direções positivas e desejáveis. Muitas pessoas envolvidas na área de computação aplicada à educação têm procurado explorar o potencial pedagógico de jogos computadorizados. Vários jogos hoje existentes têm, na verdade, maior conteúdo pedagógico que muitos dos programas autodenominados educacionais. Esses jogos freqüentemente incorporam importantes conceitos de Física, Matemática, Lógica e mesmo de Lingüística, que, colocados à disposição da criança de forma concreta, permitem-lhe aprender a manipulá-los naturalmente, brincando.

Dominando o computador, a criança tem à sua disposição um instrumento poderoso com o qual pensar e aprender.

NOTAS

[1] Chama-se de interface de um computador o conjunto de suas características com as quais o ser humano interage. Proeminente entre essas características está a tela básica que o usuário tem diante de si no monitor vídeo. Antes das interfaces gráficas (com janelas, menus, ícones, letras de diferentes tipos, uso de várias cores, etc. que o usuário seleciona através de um mouse) a tela básica com que o usuário interagia era de uma cor só e exibia apenas caracteres alfanuméricos em um único formato.

[2] Peter Drucker, As Novas Realidades, tradução do Inglês de Carlos Afonso Malferrari (Livraria Pioneira Editora, São Paulo, SP, 1989), p. 213.

[3] Drucker, op.cit., loc.cit.. Por isso, McLuhan, em Understanding Media, p. 173, chama essas escolas medievais de verdadeiros “scriptoria”.

[4] Drucker, op.cit., pp.213-214.

[5] Drucker, op.cit., p.213.

[6] Drucker, op.cit., loc.cit..

[7] Drucker, op.cit., p.214.

[8] Há os que sustentam a tese de que o trabalho é a ação do homem sobre a natureza, com o intuito de transformá-la. Se essa noção de trabalho for sustentada, ao final do primeiro quarto do próximo século apenas cerca de 5% da população economicamente ativa estará trabalhando. É concebível que, mesmo que não desapareça, o proletariado, como tradicionalmente entendido, se torne insignificante no próximo século. Adam Schaff (op.cit.), importante teórico marxista, é taxativo: “A automação e a robotização . . . reduzirão, às vezes de forma espetacular, a demanda de trabalho humano. Isto é inevitável, independentemente do número de esferas de trabalho que forem conservadas e do número de esferas novas que possam surgir como conseqüência do desenvolvimento da microeletrônica e dos ramos de produção a ela associados.  . . . A chamada automação plena . . . eliminará inteiramente o trabalho humano. . . . É pois um fato que o trabalho, no sentido tradicional da palavra, desaparecerá paulatinamente e com ele o homem trabalhador, e portanto também a classe trabalhadora entendida como a totalidade dos trabalhadores. . . . A classe trabalhadora desaparecerá” (pp.27,43,44). Schaff se consola no fato de que a classe dos capitalistas, como tradicionalmente definida, também corre o risco de desaparecer (pp.44 e sgg.).

[9] Estamos aqui nos referindo à conceituação genérica de educação inserida na Constituição Brasileira de 1988, Art. 205, que diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (ênfase acrescentada).

[10] É importante notar a diferença entre a atual Lei de Diretrizes e Bases e a anterior, a esse respeito. A primeira LDB, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, diz, em seu Art. 2º: “A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola” (ênfase acrescentada). Nisto ela segue o Art. 176 da Constituição Brasileira de 1967, que diz: “A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola”. As Leis nº 5.540 de 28 de novembro de 1968 e nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, não modificaram esse dispositivo. O Art. 1º da nova LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) diz o seguinte: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (ênfase acrescentada). A mudança é sensível. O Parágrafo 1º desse artigo, entretanto, especifica que a lei vai disciplinar apenas a “educação escolar” — mas o Parágrafo 2º explica que “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. O artigo pertinente da Constituição Brasileira de 1988 foi citado na nota anterior.

[11] John Sculley, então presidente da Apple Computers, e, portanto, lídimo representante da Sociedade da Informação, coloca em relevo parte da visão da educação que tem essa sociedade no prefácio do livro Interactive Multimedia: Visions of Multimedia for Developers, Educators, & Information Providers, org. por Sueann Ambron e Kristina Hooper (Microsoft Press, Redmond, WA, 1988), p. vii-viii: “Pensar na educação apenas como uma forma de transferência de conhecimento do professor para o aluno, como um despejar de informação de um recipiente para o outro, não é mais possível. Não se pode mais dar aos jovens uma ração de conhecimento que vai durar-lhes a vida inteira. Nem mesmo sabemos o que vão ser e fazer daqui a alguns anos. Os alunos de hoje não podem pressupor que terão uma só carreira em suas vidas, porque os empregos que hoje existem estarão radicalmente alterados no futuro próximo. Para que sejam bem-sucedidos, os indivíduos precisarão ser extremamente flexíveis, podendo, assim, mudar de uma companhia para outra, de um tipo de indústria para outro, de uma carreira para outra. Aquilo de que os alunos de amanhã precisam não é apenas domínio de conteúdo, mas domínio das próprias formas de aprender. A educação não pode simplesmente ser prelúdio para uma carreira: deve ser um empreendimento que dure a vida inteira. . . . Preparar os alunos para que alcancem sucesso no século XXI não é questão de ensinar-lhes uma certa quantidade de conhecimentos: é, isto sim, fornecer-lhes condições e habilidades que lhes permitam explorar o seu meio, descobrindo e sintetizando conhecimento por si mesmos.”

[12] A educação ou a aprendizagem nunca é “à distância”, porque tanto uma como a outra se processam dentro da própria pessoa. O ensino, sim, pode ser feito à distância. Quem ensina pode estar distante daqueles a quem ele ensina — distante no espaço e no tempo. Sócrates nos ensina até hoje — através dos seus diálogos, preservados em forma escrita por Platão.

[13] Mais do que obsoleta, alguns críticos consideram a escola nociva. Eis o que disseram Samuel Butler, no século XIX, e Karl Popper, neste século. Samuel Butler (em Erewhon): “Fico às vezes imaginando como é que o mal causado pela escola às crianças e jovens não deixa, a maior parte das vezes, marcas mais claramente perceptíveis, e como é que moços e moças conseguem crescer tão sensatos e bons, a despeito das deliberadas tentativas feitas pela escola de entortar ou mesmo interromper o seu desenvolvimento. Alguns, sem dúvida, sofrem danos de tal monta que sentem seus efeitos até o fim da vida. Mas muitos parecem não se deixar afetar pela vida da escola e uns poucos até se saem bem. A razão disso me parece ser que o instinto natural dos jovens se rebela de forma tão absoluta contra a formação que recebem na escola que, não importa o que possam fazer os professores, nunca conseguem que seus alunos os levem suficientemente a sério”. Popper: “Tem-se dito, e com verdade, que Platão foi o inventor tanto de nossas escolas secundárias como de nossas universidades. Não conheço melhor argumento para uma visão otimista da humanidade, nem melhor prova de seu amor indestrutível pela verdade e pela decência, de sua originalidade, de sua teimosia e de sua saúde, do que o fato de que este devastador sistema educacional não tenha até hoje sido capaz de arruiná-la completamente”. A passagem de Butler é citada por Popper como moto em uma seção de “Replies to My Critics”, in The Philosophy of Karl Popper, org. por Paul Arthur Schilpp (Open Court, La Salle, IL, 1974), Vol. II, p.1174. A passagem do próprio Popper é retirada de The Open Society and Its Enemies, Vol. I: “The Spell of Plato” (Princeton University Press, Princeton, NJ, 1962, 1966, 1971), p.136.

[14] Toffler, op.cit., p.400; cf. pp.186,272,398-427,447.

[15] Gilberto Dimmenstein, loc.cit.

[16] Drucker, op.cit., pp.203-204.

[17] Alvin Toffler, Future Shock, Random House [encadernado], New York, 1970, e Bantam Books [brochura], New York, 1971, pp.398,399,405 da edição em brochura.

[18] Vide Toffler, op.cit., p.400.

[19] McLuhan, Understanding Media, p.49.

[20] Drucker, op.cit., pp.200, 208.

[21] Drucker, op.cit., pp.212,215.

[22] Michael Hammer, Beyond Reengineering (HarperBusiness, New York, NY, 1996), p. 235.

[23] Infelizmente não foi possível localizar a fonte de onde foi retirada essa passagem de John Steinbeck.

[24] Vide a nota 6. Há eco dessa postura socrática numa citação de Anísio Teixeira em que o grande mestre brasileiro diz: “É [a criança] quem aprende e se educa, guiada e auxiliada pelo professor”. Também há eco dessa filosofia na frase famosa de Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém — mas ninguém se educa sozinho”.

[25] Vide Karl Popper, Objective Knowledge (Clarendon Press, Oxford, 1972), Apêndice “O Balde e o Holofote”, pp. 341-361. A edição brasileira, traduzida por Milton Amado, tem o título de Conhecimento Objetivo (Editora Universidade de São Paulo e Editora Itatiaia, Belo Horizonte, MG, 1975). O Apêndice se encontra nas pp. 313-332.

[26] Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 6ª edição (Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1970, 1979), p.79. Algumas páginas antes (p.58) Freire já havia introduzido o tema: a liberdade não se alcança sozinho – mas também não é produto da ação dos outros.

Eduardo O C Chaves
Campinas, Dez/98

Transcrito aqui em Salto, 3 de Fevereiro de 2016

O Futuro da Escola na Sociedade da Informação – I

[ O texto abaixo, como diz o subtítulo, é uma “Introdução à Guisa de Prefácio” ao meu livro Tecnologia e Educação: O Futuro da Escola na Sociedade da Informação. Este livro foi escrito há quase exatamente 17 anos, nos meses de Novembro e Dezembro de 1998, a pedido do PROINFO, Programa de Informática na Educação do Ministério da Educação, que estaria publicando, em prazo curtíssimo, uma coleção de 20 livros sobre o tema “Informática para Mudança na Educação”.

Tanto quanto eu saiba, os textos nunca foram publicados na forma de livros impressos. Em um encontro do PROINFO em Brasília, em Maio de 1999, eles foram distribuídos (centenas de cópias) em formato “xerox”. Posteriormente, foram disponibilizados pelo MEC na Internet no site http://www.proinfo.gov.br/biblioteca/publicacoes/default.htm. Mas hoje (3 de Fevereiro de 2016) não se encontram mais nesse endereço.

[Nota de 4 de Fevereiro de 2016: Encontrei um link, no site MiniWeb Educação (http://miniweb.com.br/), que leva para uma cópia do livro inteiro em formato .pdf: http://www.miniweb.com.br/atualidade/Tecnologia/Artigos/colecao_proinfo/livro20_futuro_escola.pdf. EC.]

No caso do meu livro, em particular, não autorizei sua distribuição pelo MEC porque o MEC não cumpriu o acordo inicial feito (por escrito) acerca de direitos autorais quando me solicitou que escrevesse o livro. Mas eu o disponibilizei em um dos meus sites, que não mais está no ar, hoje. Vou, aqui neste blog, transcrever partes do livro que ainda me parecem atualizadas. O título geral da série de posts que vou publicar aqui é “O Futuro da Escola na Sociedade da Informação”. Ele será seguido de um algarismo romano que indicará a ordem em que o material estava no livro.

Parece que a intenção era publicar 26 livros – mas, aparentemente, apenas vinte foram concluídos. E, no site do PROINFO, apenas dezesseis foram disponibilizados.

Só por curiosidade, e em benefício dos historiadores, aqui está o título dos dezesseis livros que foram distribuídos, em .pdf, no site do PROINFO:

Livro 1 – Fernando José de Almeida e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Aprender Construindo: A Informática se Transformando com os Professores

Livro 2 – José Armando Valente, Fernanda Maria Pereira Freire, Heloísa Vieira da Rocha, José Vilhete d’Abreu, Maria Cecília Calani Baranauskas, Maria Cecília Martins e Maria Elisabete Brisola Brito Prado, O Computador na Sociedade do Conhecimento

Livro 3 – Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada, Aprendizes do Futuro: As Inovações Começaram!

Livro 4 – Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Júnior, Aprendendo com Projetos

Livro 5 – Sônia Schechtman Sette, Márcia Ângela Aguiar e José Sérgio Antunes Sette,Formação de Professores em Informática na Educação: Um Caminho para Mudanças

Livro 6 – Não disponibilizado pelo MEC

Livro 7 – Eduardo Martins Morgado, Marcos Antonio Cavenaghi e Nicolau Reinhard,Preparação de Ambientes Informatizados em Escolas Públicas

Livro 8 – Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, O Aprender e a Informática: A Arte do Possível na Formação do Professor

Livro 9 – Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Informática e Formação de Professores

Livro 10 – Não disponibilizado pelo MEC

Livro 11 – Lynne Schrum, Tecnologia para Educadores: Desenvolvimento, Estratégias e Oportunidades

Livro 12 – Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Júnior, Criando Ambientes Inovadores: Educação e Informática

Livro 13 – Não disponibilizado pelo MEC

Livro 14 – Maria Elisabete Brisola Brito Prado, O Uso do Computador na Formação do Professor: Um Enfoque Reflexivo da Prática Pedagógica

Livro 15 – Odete Sidericoudes, José Armando Valente, Rodolfo Miguel Baccarelli, Tadao Takahashi, Fernanda Maria Freire e Maria Elisabete Brisola Brito Prado, Aplicativos e Utilitários no Contexto Educacional – I

Livro 16 – Odete Sidericoudes, José Armando Valente, Rodolfo Miguel Baccarelli, Tadao Takahashi, Fernanda Maria Freire e Maria Elisabete Brisola Brito Prado, Aplicativos e Utilitários no Contexto Educacional – II

Livro 17 – Odete Sidericoudes, José Armando Valente, Rodolfo Miguel Baccarelli, Tadao Takahashi, Fernanda Maria Freire e Maria Elisabete Brisola Brito Prado, Aplicativos e Utilitários no Contexto Educacional – III

Livro 18 – Odete Sidericoudes, José Armando Valente, Rodolfo Miguel Baccarelli, Tadao Takahashi, Fernanda Maria Freire e Maria Elisabete Brisola Brito Prado, Aplicativos e Utilitários no Contexto Educacional – IV

Livro 19 – Bob Albrecht, Clint Mason Luscombe, Connie Widmer, George Firedrake, Linda Sheffield e Margareth Niess,  Atividades Computacionais na Prática Educativa de Matemática e Ciências

Livro 20 – Eduardo O C Chaves, Tecnologia e Educação: O Futuro da Escola na Sociedade da Informação

A seguir, a “Introdução à Guisa de Prefácio” do meu livro.]

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Introdução à Guisa de Prefácio

O título deste trabalho aponta para um dos maiores desafios da educação e da escola neste momento de transição para o terceiro milênio da era cristã: o desafio da tecnologia, em especial das tecnologias de informática, centradas no computador. O principal produto dessas tecnologias é a informação. Por causa desse complexo de tecnologias nossa era já foi batizada de “era da informação” e nossa sociedade de “sociedade da informação”. Nunca se teve tanta informação e nunca foi tão fácil localizá-la e aceder [1] a ela.

Mas a informática hoje abrange as telecomunicações e, especialmente depois da popularização da Internet, o computador se tornou mais do que um processador de informações: tornou-se um transportador de informações e, mais importante, um meio de comunicação entre as pessoas — segundo tudo indica, o meio de comunicação, por excelência.

Não resta dúvida de que essa tecnologia afetará profundamente a educação — como a tecnologia da fala, dezenas ou mesmo centenas de milênios atrás, a tecnologia da escrita, alguns poucos milênios atrás, e a tecnologia da impressão, cinco séculos atrás, também o fizeram, antes dela.

Quanto à escola, como hoje a conhecemos, a grande questão é se ela sobreviverá ao desafio que lhe coloca essa tecnologia. A escola de hoje é fruto da era industrial. Foi criada e estruturada para preparar as pessoas para viver e trabalhar na sociedade que agora está sendo substituída pela sociedade da informação. Nesta o fluxo de informações, o relacionamento entre as pessoas, o comércio, os serviços, o lazer e o turismo têm muito mais importância, como ocupações humanas, do que a produção de bens materiais, de que se encarregarão, em grande parte, os sistemas automatizados e os robôs. Uma sociedade deste tipo exige indivíduos, profissionais e cidadãos de um tipo muito diferente daqueles que eram necessários na era industrial. É de esperar que a escola, criada e organizada para servir a era anterior, tenha que “se reinventar”, se desejar sobreviver, como instituição educacional, no próximo milênio [2].

O uso que o professor vai fazer do computador em sala de aula, hoje, vai depender, em parte, de como ele entende esse processo de transformação da sociedade que vem acontecendo, em grande medida em decorrência do desenvolvimento tecnológico, e de como ele se sente em relação a isso: se ele vê todo esse processo como algo benéfico, que pode ajudá-lo, na sua vida e no seu trabalho, ou se ele se sente ameaçado e acuado por essas mudanças.

Por isso há, no início deste texto, uma seção relativamente extensa sobre a informatização da sociedade e o papel da tecnologia no desenvolvimento humano — enfocando principalmente a tecnologia mais afeta à educação. Se o professor não entender o que está se passando ao seu redor, dificilmente conseguirá integrar o computador com naturalidade e sem receios infundados à sua prática pedagógica – dentro e fora da sala de aula.

É importante que se registre aqui no início que algo curioso ocorre quando a informática começa a entrar em uma área específica (não só na educação): ela atua como agente catalisador que provoca e desencadeia discussões muito sérias acerca dos fundamentos e conceitos básicos, bem como das práticas firmemente estabelecidas, nessa área. Não raro a introdução do computador em uma área, ou mesmo apenas a perspectiva de sua introdução, tem levado os que nela militam a concluir que seria oportuno revê-la e, quem sabe, reestruturá-la por completo.

O termo “reengenharia de processos” foi cunhado por Michael Hammer porque, na área industrial, se percebeu que a mera introdução do computador para tornar mais eficientes, e, em muitos casos, totalmente automatizar, os processos usados, sem que esses processos fossem antes radicalmente revistos, do início ao fim, poderia levar ao que Hammer caracteriza como “asfaltar uma trilha de bois” [3], ou ao que Seymour Papert descreveu como “colocar motor de avião a jato em charrete — para ver se ajuda os cavalos a andar mais depressa” [4].

Na área de escritórios, há muito que se percebeu que não se trata de meramente “automatizar” rotinas já estabelecidas, mas, sim, com a ajuda da nova tecnologia (computadores, redes, etc.), de reinventar a forma de fazer as coisas, de criar novos fluxos de trabalho, freqüentemente baseados em equipes mediadas pela tecnologia, de permitir, sempre que possível, o teletrabalho, o gerenciamento à distância, etc. [5]

A área da educação não é exceção. Toda vez que se começa a discutir o uso da informática em sala de aula, acaba-se por discutir as questões mais fundamentais da educação, inclusive o próprio conceito de educação: Qual é a função da educação? Qual é o papel dos currículos, dos conteúdos, do ensino, enfim, da escola e do professor no processo educacional? O que dizer da definição de Émile Durkheim, segundo o qual a educação é o processo de transmissão de crenças, valores, atitudes e hábitos, conduzido pelas gerações mais velhas, com o objetivo de tornar as gerações mais novas aptas para o convívio social? [6] O que dizer, por outro lado, da tese de Jean-Jacques Rousseau de que educar é não interferir, é deixar a criança desabrochar, espontaneamente, seguindo a sua natureza, e assim concretizando as suas potencialidades? [7] E o que dizer, por fim, da tese de Sócrates de que a função do professor, semelhantemente à da parteira (que facilita, mas não dá à luz a criança), deve ser facilitar a aprendizagem, mas não ensinar? [8] É realista esperar que a criança construa todo o seu conhecimento por si só, aprenda tudo o que tem que aprender por descoberta, sem que haja ensino ou instrução? É lícito esperar, como nos lembra Karl Popper, que, se toda criança tiver que começar onde Adão começou, ela vá chegar muito além de onde Adão chegou? [9]

Por isso, antes de investigar o potencial do computador em sala de aula este texto procura discutir essas — e algumas outras — questões. Ele é voltado principalmente para o professor. Ele foi elaborado para ser usado como material de apoio que ajude o professor ainda não familiarizado com o computador a entender como esse equipamento pode ser usado como tecnologia educacional (dentro ou fora da escola) e a vislumbrar como ele, professor, pode vir a usar o computador em suas atividades (agora, especialmente em sala de aula).

O Ministério da Educação e do Desporto, através de sua Secretaria de Educação à Distância, tem estado, especialmente através do PROINFO — Programa de Informática na Educação, ativamente envolvido na transformação da escola. As Secretarias da Educação dos Estados e mesmo dos maiores municípios do país também possuem seus programas suplementares nessa área. Pedra angular desses programas é a capacitação dos professores para entender, e lidar com, as novas tecnologias.

Para que possa usar, crítica e conscientemente, as tecnologias de informática em seu trabalho, o professor precisa, portanto, mais do que simplesmente treinamento técnico: precisa enfrentar seriamente um conjunto de questões, a maioria de natureza teórica e conceitual, que tradicionalmente ficam no âmbito da filosofia da educação. Discute-se muito, hoje em dia, acerca do uso do computador na educação — mas muitas (talvez a maior parte) das questões envolvidas nessa discussão dizem respeito, não à informática, em si, mas, sim, à educação, porque, antes de começar a usar o computador em sala de aula, precisamos ter clareza sobre os vários modelos de inserção do computador nos processos de ensino e aprendizagem.

Por isto, este texto não pode deixar de explorar essas questões: elas estão na base de tudo o que se propõe, de cunho mais prático, como forma de usar o computador na educação, em geral, e na escola, em particular.

Entretanto, da mesma forma que não adianta, no momento, apenas treinar o professor para que aprenda a usar softwares aplicativos genéricos (processadores de texto, planilhas eletrônicas, gerenciadores de apresentação, gerenciadores de bancos de dados, etc.), sem discutir com ele, previamente, e com toda a seriedade, essas questões básicas de filosofia da educação, também não adianta apenas apresentar ao professor, em todo detalhe, as teses ditas construtivistas de Jean Piaget, Lev Vygotsky, Aleksandr Luria, e, ultimamente, até Paulo Freire, sem deixar bastante claro qual a relevância que essas questões teóricas têm para com as questões práticas relacionadas ao que fazer com o computador em sala de aula e sem orientar o professor sobre o que fazer na prática, em sala de aula, com o computador e os conteúdos curriculares que lhe cabe cobrir e cumprir. Hoje se discute muito esses autores. Mas como Papert bem assinala, é preciso um “microscópio mental” para detectar sua influência real em sala de aula. [10]

Obviamente, o que o professor eventualmente fará com o computador em sua sala de aula vai depender também da matéria pela qual é responsável, da faixa etária de seus alunos (ou das séries em que ele ministra a sua matéria),  e de um conjunto de outros fatores. Por isso, é muito difícil elaborar um texto que seja igualmente útil para professores de todas as matérias, em todas as séries.

O que se propõe aqui é a elaboração de um material que sirva de orientação basicamente para o professor das séries finais do Ensino Fundamental (5ª a 8ª), embora muitas das idéias sejam aplicáveis também para o professor do Ensino Médio e até mesmo para o professor das séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª) e da Educação Infantil.

Uma outra limitação é que o que se vai dizer procura levar em conta a relativa indisponibilidade, para o professor brasileiro, de software dito educacional.

Por isso, o texto vai discutir a utilização em sala de aula de programas (em Português) que geralmente acompanham todos os computadores comercializados hoje, como, por exemplo, Microsoft Office [11]. Não se deixará, porém, de discutir também a alternativa Logo, que possui ferrenhos defensores dentro e fora do país, e que está facilmente disponível em várias versões, em Português, pelo menos uma das quais (a do NIED da UNICAMP) é gratuita para escolas [12]. Dir-se-á também uma palavra sobre o uso de softwares educacionais facilmente encontráveis no mercado, em Português, geralmente distribuídos em CD-ROMs — embora sabendo-se que a maioria das escolas não os possui [13]. Por fim (“last, but not least”), também se discutirá o uso pedagógico da Internet, visto que ela está hoje geralmente disponível (mesmo que as escolas raramente se valham da ubiqüidade da rede para fins pedagógicos). Nesse caso, há materiais interessantes em Português e em outras línguas, especialmente em Inglês.

NOTAS

[1] Seguindo o exemplo dos portugueses, o verbo “aceder” (transitivo indireto, regendo a preposição “a”) é aqui usado, em sentido admitidamente um pouco diferente dos tradicionais, para significar “ganhar acesso”, na esperança de que venha a substituir o horrendo neologismo “acessar” (que tem sido conjugado como verbo transitivo). Como se verá neste texto, alguns neologismos (como o verbo “clicar”) são inevitáveis, porque não há nenhuma palavra portuguesa que corresponda a eles. Já o adjetivo “clicável” é mais difícil de digerir, e, por isso, embora usado com alguma parcimônia no texto, ainda assim foi sempre colocado entre aspas. Termos em Inglês geralmente usados na área de informática são usados no texto sem aspas ou itálico, como é o caso de “link”. Já o verbo “linkar” (que teria o particípio passado “linkado”) está claramente fora dos limites do aceitável.

[2] Seymour Papert, em The Connected Family: Bridging the Digital Generation Gap (Longstreet Press, Atlanta, GA, 1996), p.166,  afirma que o principal executivo da IBM escreveu um livro em que defende a tese de que a escola deve ser “reinventada”. Infelizmente ele não dá o nome do livro. A passagem no texto já estava escrita, porém, quando essa referência foi encontrada. É interessante que em seu livro anterior (The Children’s Machine: Rethinking School in the Age of the Computer [Basic Books, New York, NY, 1993]; tradução para o Português de Sandra Costa, A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática [Editora ArtMed, Porto Alegre, RS, 1994], Papert defende a tese de que a escola deve ser “repensada” – algo que parece mais fraco do que “reinventada”.

[3] Michael Hammer e James Champy, Reengineering the Corporation: A Manifesto for Business Revolution (Harperbusiness, New York, NY, 1993), p.48; na tradução brasileira de Ivo Korytowski, Reengenharia (Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ, 1994), p.34, a expressão original “paving cow paths” é traduzida como “asfaltar uma trilha de carro de boi”, tradução que reduz um pouco a força da expressão original.

[4] Seymour Papert, The Children’s Machine, op.cit., p.29.

[5] Ver Richard H. Irving e Christopher A. Higgins, Office Information Systems: Management Issues and Methods (John Wiley & Sons, New York, NY, 1991) e Ursula Huws, Werner B. Korte e Simon Robinson, Telework: Towards the Elusive Office (John Wiley & Sons, New York, NY, 1990).

[6] Essa definição, que aqui não é citada verbatim, se encontra em Sociologia da Educação, tradução brasileira de Lourenço Filho, 10ª edição (Edições Melhoramentos, São Paulo, SP, 1975), passim. Na pág. 41 se encontra a famosa definição: “A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social, [com o] objetivo [de] suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”.

[7] Essa tese se encontra exposta e defendida em Emílio  — ou da Educação, tradução de Sérgio Milliet (Difusão Européia do Livro, São Paulo, SP, 1968), passim. Passagens importantes se encontram às págs 14, 22, 67, 68, 69 : “Arrastados pela natureza e pelos homens por caminhos contrários, obrigados a nos desdobrarmos entre tão diversos impulsos, seguimos um, de compromisso, que não nos leva nem a uma nem a outra meta” [p.14]. “Observai a natureza e segui o caminho que ela vos indica. . . . Por que a contraria[i]s? Não vedes que, pensando corrigi-la, destruís sua obra, impedis o efeito de seus cuidados?” [p.22]. “O único indivíduo que faz o que quer é aquele que não tem necessidade, para fazê-lo, de por os braços de outro na ponta dos seus; do que se depreende que o maior de todos os bens não é a autoridade e sim a liberdade. O homem realmente livre só quer o que pode e faz o que lhe apraz. Eis minha máxima fundamental. Trata-se apenas de aplicá-la à infância, e todas as regras da educação vão dela decorrer” [p.67]. “Ninguém tem o direito, nem mesmo o pai, de mandar a criança fazer algo que não lhe seja útil . . . Há duas espécies de dependência: a das coisas. que é da natureza; a dos homens, que é da sociedade” [p.68]. “Conservai a criança tão-somente na dependência das coisas; tereis seguido a ordem da natureza nos progressos de sua educação. Não ofereçais a suas vontades indiscretas senão obstáculos físicos ou castigos que nasçam das próprias ações e de que ela se lembre oportunamente. Sem proibi-la errar, basta que se a impeça de fazê-lo. Só a experiência e a impotência devem ser para ela leis” [p.69].

[8]  A famosa autocaracterização de Sócrates como parteira está no início do diálogo platônico Teeteto. É daí que vem o termo “maiêutica”: em Grego, o verbo grego maieuesthai quer dizer “agir como parteira”, e o substantivo maia quer dizer “parteira”. No texto Sócrates descreve a atividade dele como a de uma parteira. Por isso, muitos têm considerado o modelo como se aplicando ao filósofo, mas, neste contexto, ele se aplica até melhor ao professor.

[9]  Vide “Truth, Rationality and the Growth of Scientific Knowledge”, in Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific Knowledge (Harper Torchbooks, New York, NY, 1963, 1965), p.238. Cp. também “Towards a Rational Theory of Tradition”, no mesmo livro, p.129. Na tradução brasileira de Sérgio Bath, sob o título Conjeturas e Refutações (Editora Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1972), as passagens mencionadas estão nas pp. 264 e 155, respectivamente.

[10] Seymour Papert, The Connected Family, op.cit., p.162.

[11] Microsoft Office inclui fundamentalmente Microsoft Word, Microsoft Excel, Microsoft PowerPoint e Microsoft Access.

[12] A versão do NIED, chamada Slogo para Windows 95, pode ser obtida através de download a partir do site http://www.nied.unicamp.br/projetos/softw/logow/index.htm.

[13] A maioria dos CD-ROMs discutidos foi distribuída às escolas estaduais de São Paulo que receberam a coleção de CD-ROMs chamada “Ensino Online” da Secretaria de Estado da Educação.

Eduardo O C Chaves
Campinas, Dez/98

Transcrito aqui em Salto, 3 de Fevereiro de 2016

Cutucando o Paradigma…

Artigo número 9, escrito por Eduardo Chaves em 5/5/2011, e publicado originalmente no site das Editoras Ática e Scipione em 16/5/2011.

Neste meu nono artigo no blog vou dialogar, de forma talvez um pouco provocadora, com três artigos que me vieram parar nas mãos nos últimos dias. Há, a meu ver, um tema comum a perpassar os três. E esse tema me faz lembrar de Ivan Illich e A Sociedade Sem Escolas (1971 – a tradução literal do título do livro de Ivan Illich seria A Desescolarização da Sociedade)… E me sugere algo do tipo: “The school is dead! Long live learning”.

(O artigo é longo. Deixo-o assim porque o assunto merece. Mas se você é daqueles que acha que a escola uma instituição “imexível”, tome uma maracujina antes de continuar.)

o O o

O primeiro dos três artigos é um instigante texto de Rosa María Torres, educadora equatoriana, diretora do Instituto Fronesis (vide http://www.fronesis.org/). O artigo tem o título de (traduzindo do correspondente em Inglês) “Aprendizagem ao Longo da Vida: indo além de Educação para Todos” e foi apresentado primeiro como conferência principal no Fórum Internacional sobre Aprendizagem ao Longo da Vida que se realizou em Shanghai, na China, de 19-21 de Maio de 2010. (O texto do artigo de Rosa María Torres e as demais contribuições ao Fórum podem ser encontrados em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001920/192081e.pdf).

O texto discute sutis diferenças de ênfase entre dois movimentos iniciados pela UNESCO nos últimos anos, Educação para Todos e Aprendizagem ao Longo da Vida.

Educação para Todos foi (na verdade, ainda é) um movimento iniciado pela UNESCO em 1990, na Conferência Mundial da Educação de Jomtien, na Tailândia. Nessa Conferência, participantes de 155 países e 150 organizações aprovaram a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em que se comprometiam a buscar a meta de, nos dez anos seguintes (até no ano 2000, portanto), oferecer educação básica para todas as crianças, jovens e adultos do planeta – e ter a oferta aceita.

Vide os sites da UNESCO:

http://www.unesco.org/education/efa/ed_for_all/,

sobre o movimento, e

http://www.unesco.org/education/efa/ed_for_all/background/jomtien_declaration.shtml

sobre a declaração.

O movimento Educação para Todos alcançou sua culminância no Forum Mundial da Educação que teve lugar em Dakar, no Senegal, dez anos depois, no ano 2000. Esse fórum também aprovou um documento, a Estrutura para Ação de Dakar: Como Implementar o Nosso Compromisso Coletivo com a Educação para Todos.

Vide os sites da UNESCO:

http://www.unesco.org/education/efa/wef_2000/index.shtml,

sobre o fórum, e

http://www.unesco.org/education/efa/ed_for_all/dakfram_eng.shtml

sobre o documento.

(É bom registrar, em parênteses, que, quando esses documentos falam em educação, eles têm em vista a educação básica formal, isto é, a educação básica oferecida em escolas. A Constituição Federal Brasileira de 1988 define educação básica de modo a incluir a educação infantil, a educação fundamental e a educação de nível médio. Ela cobre, portanto, cerca de 14 anos da vida da pessoa: digamos que dos quatro aos dezessete anos, se atribuirmos apenas dois anos à educação infantil. Aqui entre nós, quatorze anos é duração de pena para crime razoavelmente sério… É mais do que o dobro da pena mínima para homicídio simples, que tem pena de reclusão de 6 a 20 anos, por exemplo. Fim do parêntese).

O documento de Dakar, de 2000, constata que houve progresso na década anterior em direção ao objetivo maior de propiciar educação básica para todos, mas que o objetivo ainda estava longe de ser alcançado. Metas bem mais modestas, mas mais realistas, foram então propostas – o prazo também sendo estendido para o ano 2015 (porque o prazo anterior estava esgotado).

Entre essas metas estavam:

  1. Expandir e aprimorar o cuidado e a educação de crianças pequenas, “em especial as mais vulneráveis”;
  1. Garantir que todas as crianças, “especialmente as meninas, as crianças em circunstâncias difíceis e as crianças pertencentes a minorias étnicas”, tenham acesso a “educação primária” de boa qualidade, gratuita e compulsória;
  1. Garantir que as necessidades de aprendizagem de jovens e adultos sejam atendidas através de programas apropriados, voltados para o desenvolvimento das habilidades requeridas para a aprendizagem e para a vida;
  1. Alcançar melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos, “especialmente para as mulheres”;
  1. Reduzir disparidades entre a educação primária e secundária oferecida a pessoas de um sexo e de outro (neste caso até 2005) e totalmente eliminar essas disparidades até 2015;
  1. Disponibilizar programas de educação básica e educação continuada para todos os adultos.

Novamente entre parênteses, no Brasil a campanha Todos pela Educação (vide http://www.todospelaeducacao.org.br/) propõe que lutemos para alcançar as seguintes metas (relativamente modestas) até o ano 2022:

  1. Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola;
  1. Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos (i.e., ao começar o seu quarto ano na Educação Fundamental);
  1. Todo aluno tendo aprendizado adequado à sua série;
  1. Todo jovem concluindo a Educação de Nível Médio até os 19 anos;
  1. O investimento em educação sendo ampliado e bem gerido.

Voltando ao artigo de Rosa María Torres, mais recentemente a UNESCO propôs a discussão do tema Aprendizagem ao Longo da Vida (vide http://www.uil.unesco.org/), que, segundo a autora, introduz sutis diferenças nas questões propostas até então.

Em primeiro lugar, fala-se agora em aprendizagem, não em educação. Com isso parece que a importância da distinção entre aprendizagem formal (escolar) e aprendizagem não-formal (não-escolar) é reduzida, pois se trata, em ambos os casos, igualmente de aprendizagem. Assim, a escola deixa de ser o foco exclusivo de atenção, pois se reconhece o papel, na aprendizagem, também da família, da comunidade, dos meios de comunicação e acesso à informação, da vida profissional, e das atividades culturais e de lazer, viabilizadas ou não pela tecnologia – como bem já o colocava Jacques Delors, no Prefácio de 1996 ao relatório publicado no Brasil como Educação: Um Tesouro a Descobrir (http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf).

(Mais algumas observações entre parênteses. É curioso que, em sua edição original em Inglês, o relatório da Comissão de Jacques Delors tem o título de Learning: The Treasure Withinhttp://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590eo.pdf. Por que os tradutores brasileiros substituíram “Learning”, que deve ser traduzido como “Aprendizagem”, por “Educação” é algo sobre que só se pode especular – especialmente porque “Aprendizagem” é uma palavra acima de qualquer suspeita. Outra mudança sutil é a tradução de “Within”, “Dentro”, por “A Descobrir”. Um tesouro a descobrir sugere algo que está fora da pessoa e que ela pode encontrar, como numa caça ao tesouro. Um tesouro dentro sugere que o tesouro está dentro da pessoa e precisa ser buscado ali… Por fim, os tradutores traduziram “The Treasure”, “O Tesouro”, por “Um Tesouro”… Durma-se com um barulho desses.)

Em segundo lugar, na argumentação de Rosa María Torres, enfatiza-se agora o fato de que a aprendizagem tem lugar ao longo da vida toda, desde o nascimento da pessoa até a sua morte. Com isso parece que a importância da aprendizagem que acontece na educação básica escolar é relativizada, passando a receber ênfase comparável à que é dada à educação de jovens e adultos, à educação técnica, tecnológica e profissional, ao que se chamava anteriormente de educação de adultos, às diversas formas de aprendizagem decorrentes de programas de educação continuada (mesmo os que têm lugar no contexto do trabalho), ao e-learning corporativo, e, por que não, até mesmo ao ensino superior (graduação e pós-graduação). Tudo isso está incluído em Aprendizagem ao Longo da Vida – e tudo isso está fora da educação básica oferecida pela escola.

Pessoalmente, considero essas mudanças sutis destacadas por Rosa María Torres um grande e bem-vindo avanço – mas esse avanço só torna as metas que a UNESCO se propõe alcançar ainda mais difíceis. (Tudo aquilo que, não sendo natural, como o ar que respiramos, é para todos, não resta dúvida que é difícil – em especial aprendizagem de qualidade para todos ao longo de toda a sua vida).

Isso quer dizer que, no Dia Mundial da Educação de 2011 celebrado em 28 de Abril passado, o grande desafio continuou sendo conseguir envolver a todos na luta pela educação para todos e na busca de uma aprendizagem que possa ser cultivada por cada e um e por todos ao longo de toda a sua vida.

E, naturalmente, conseguir que a qualidade da educação e das experiências de aprendizagem melhore em relação ao nível de qualidade alcançado hoje – que, convenhamos, é baixo.

o O o

O segundo artigo com o qual quero sucintamente dialogar é um white paper escrito por meu amigo Bruce Dixon, presidente da Anytime Anywhere Learning Foundation (AALF – http://www.aalf.org), com a cooperação de Susan Einhorn. O título do artigo é: O Direito de Aprender: Identificando Precedentes para Mudanças Sustentáveis. (O texto completo do artigo pode ser encontrado em http://thebigsummit.wordpress.com/the-right-to-learn/).

 Bruce Dixon resume a discussão realizada e as sugestões feitas na Reunião de Cúpula Global sobre Grandes Ideias 2010, que foi dedicada ao tema de Um Computador por Criança (não por Aluno). A reunião foi realizada em Portland, Maine, em Junho do ano passado, perto da residência de Seymour Papert, que foi o convidado de honra. Tive o privilégio de participar do evento e de revê-lo. (Maine foi escolhido para sediar a cúpula por ser o primeiro estado americano a colocar um computador nas mãos de cada aluno. O governador que tomou essa ousada decisão foi Angus Watkins, que, agora ex-governador, participou da reunião. Foi um prazer conhecê-lo.)

As principais sugestões feitas pelos participantes às autoridades responsáveis por políticas educacionais, ou a quem de direito, foram:

  1. Reconhecer o direito de aprender da pessoa humana, pois é aprendendo que ela se desenvolve;
  1. Permitir que as pessoas foquem sua aprendizagem em seus talentos e suas paixões;
  1. Garantir que os ambientes de aprendizagem orientem
    e apoiem os desejosos de aprender, expandindo suas oportunidades e não lhes criando barreiras artificiais;
  1. Usar a avaliação como parte natural do processo de desenvolvimento da pessoa, não como barreira;
  1. No caso da escola, focar a preparação de professores no seu papel de protetores e promotores desse direito essencial do ser humano.

Aqui, novamente, é preciso estar atento às ênfases, porque elas são sutis.

Primeiro, o direito que se proclama é o direito de aprender – não o direito à educação, vale dizer, o direito de frequentar a escola (que, na nossa legislação, é um direito que também é um dever – mais sobre isso, adiante).

Segundo, indica-se, no espírito das observações de Sir Ken Robinson sobre “O Elemento”, já discutidas por mim em dois artigos anteriores aqui (http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/o-elemento/ e http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/como-aplicar-o-elemento-a-aprendizagem-escolar/), que a aprendizagem que vale a pena é a que une os talentos e as paixões das pessoas.

Terceiro, sugere-se que a escola (o principal ambiente de aprendizagem reconhecido), longe de proteger e promover esse direito, concebido na forma indicada, tem construído barreiras artificiais ao seu exercício – como os currículos padronizados, “de tamanho único”, o foco nos conteúdos em vez de nas competências, o foco exclusivo no cognitivo em detrimento do não-cognitivo, as avaliações na forma de testes padronizados, os professores especialistas em conteúdo que raramente conhecem bem os fatos necessários acerca do desenvolvimento humano e da aprendizagem e raramente possuem as competências pessoais e interpessoais necessárias para atuar como protetores e promotores do direito de aprender das alunos e facilitadores do seu exercício.

Como se pode ver, o que aqui se propõe não é incompatível com as sutilezas que Rosa María Torres detecta na evolução das iniciativas da UNESCO. Pelo contrário: leva a discussão um passo adiante.

o O o

Finalmente, o terceiro artigo, uma matéria de Rosely Sayão na Folha de S. Paulo de 3 de Maio de 2011, com o título de Infância Roubada. (Os assinantes da Folha ou do portal UOL, que o hospeda, têm acesso ao  texto completo do artigo no site do jornal em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0305201113.htm).

Destaco algumas passagens do texto da conhecida psicóloga:

“A criança deve ter o direito de ser criança enquanto pode. Deveríamos, todos, defender essa causa.”

“Temos nos ocupado tanto com o futuro das crianças que esquecemos que elas têm um presente que precisa ser vivenciado, explorado, vivido até as últimas consequências. Aliás, antes de tudo, vamos lembrar que a maneira como vivemos o presente ajuda a desenhar o traçado do futuro.”

“Será que, porque o destino da criança é crescer, precisamos fazer com que isso aconteça o mais rapidamente possível? Não faz o menor sentido pensar e agir assim. Seria a mesma coisa pensar que, já que vamos mesmo morrer, não faz o menor sentido viver, não é verdade?”

“Já não lembramos mais que a maioria dos adultos chegou onde chegou tendo vivido calmamente a sua infância, sem grandes preparações para o futuro. E isso faz com que a gente tente atropelar a infância de quem hoje é criança.”

Neil Postman já havia apontado alguns desses problemas, e ainda outros, em seu livro O Desaparecimento da Infância, de 1982. As crianças estão se tornando adultos precoces, porque as tratamos como se o fossem. Nós, os pais, damos-lhes demasiadas responsabilidades antes que elas estejam preparadas para assumi-las, discutimos com elas assuntos e problemas que elas não entendem direito e para os quais elas pouco podem contribuir – e o fazemos para lhes dar a impressão de que somos todos democraticamente iguais… Enchemos seu horário de compromissos (escola, curso de Inglês, de judô, de dança, de tênis de mesa, acampamentos, passeios programados…) de tal modo que elas precisam de uma agenda para coordená-los – e, quem sabe, um motorista, para atendê-los todos. Deixamos – ou mesmo incentivamos – que as meninas se vistam, se calcem, se pintem e se comportem como mulheres adultas… Resultado: nossas crianças passam pela vida como Dom Fulgêncio, o homem que não teve infância… O pior é que a infância suprimida às vezes aponta a sua cara quando elas já são adultas, o adulto infantil sendo, talvez, a contrapartida necessária, mas ridícula, da criança adulta…

o O o

Concluindo…

Preocupa-me a superescolarização da nossa sociedade. Preocupa-me a tendência de colocar a criança na escola o mais cedo possível (dois anos está se tornando padrão nas classes A-C), de aumentar o número de dias letivos no ano, de estender as horas em que as crianças são obrigadas a ficar na escola (até o dia todo, o famigerado, mas tão louvado “período integral”), de reduzir o tempo do recreio e as “janelas vagas” no horário das turmas, de pressionar o professor a não “desperdiçar” o tempo em sala de aula com conversa miúda com os alunos e tarefas burocráticas, de estender os anos ou as idades de escolaridade obrigatória (eram quatro, passaram a ser oito, depois nove, logo serão doze…).

A menos que a escola proporcione excepcionais experiências de aprendizagem (que a maioria das escolas hoje certamente não proporciona), precisamos reduzir a presença da escola na vida das crianças, precisamos reduzir o tempo em que as crianças ficam institucionalizadas (a sua “sentença”), permitindo que elas brinquem mais, desfrutem mais as alegrias da infância, vivam mais, aprendam mais, em contextos não-formais, como conseguir que seus talentos e suas paixões convirjam…

O que é que diz o poema Instantes, atribuído a Jorge Luís Borges? O autor está no fim da vida, com mais de oitenta anos, e reflete:

“Si pudiera vivir nuevamente mi vida,
en la próxima trataría de cometer más errores.
No intentaría ser tan perfecto, me relajaría más.
Sería más tonto de lo que he sido,
de hecho tomaría muy pocas cosas con seriedad.

.  .  .

Si pudiera volver a vivir,
comenzaría a andar descalzo a principios de la primavera
y seguiría descalzo hasta concluir el otoño;
daría más vueltas en calesita,
contemplaría más amaneceres, y jugaría con más niños…
si tuviera otra vez vida por delante.”

O poema Epitáfio, cantado pelos Titans, vai na mesma linha…

“Devia ter amado mais, ter chorado mais,
Ter visto o sol nascer…
Devia ter arriscado mais e até errado mais,
Ter feito o que eu queria fazer…

.  .  .

Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr…
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor…”

(Vide o texto completo dos dois poemas em meu blog pessoal: http://liberalspace.net/2008/07/25/instantes-e-epitafio/).

Mas a tônica dos dois poemas pode ser resumida na frase de Horácio: carpe diem, quam minimum credula postero – aproveite o dia de hoje, porque no futuro não se pode confiar…

Quando vamos aprender?

A inteligência, como disse um colega meu, professor de filosofia da PUC-SP, requer uma certa dose de ociosidade – vagabundagem, mesmo – para prosperar. A criatividade, como disse um jornalista famoso que trata de educação, requer liberdade e uma certa dose de indisciplina – anarquia e bagunça, mesmo – para prosperar.

O Senador Cristovam Buarque, com quem tive o privilégio de compartilhar uma mesa redonda no dia 3 de Maio último, no IPEA, em Brasília, em encontro promovido pela UNESCO sobre Educação e Desenvolvimento: Integrando Políticas (o programa do encontro estando disponível em http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/FIELD/Brasilia/images/brz_ed_seminar_education_development_agenda_pt_2011-2.pdf), sugeriu que devemos parar de pensar em crescimento econômico e pensar em decrescimento econômico, vida mais simples e frugal, redução de consumo, redução de produção… Menos, neste caso, pode ser mais: menor crescimento econômico, maior qualidade de vida, no sentido que realmente importa. Mas, para o Senador, precisa haver mais escola e mais tempo na escola… 😦

Será que, nesse espírito, seria uma heresia muito grande se eu propuser menos escola? Menos escola, e mais qualidade de vida, mais brincadeira, mais ociosidade, e mais aprendizagem, no sentido que realmente importa, que envolve mais inteligência e mais criatividade?

Ou será que o Senador e eu somos, cada um a seu modo, sonhadores incorrigíveis?

Nossa Constituição diz que a educação (escolar, no caso – tente educar seus filhos em casa para ver como o Ministério Público vem atrás de você) é um direito de todos (Art. 6º). Diz também que a liberdade é um direito individual nosso. No entanto, obriga as crianças a frequentar a escola dos 7 (agora 6) aos 14 anos, e obriga os pais a colocarem os filhos na escola. O que era para ser um direito passou a ser um dever – para as crianças, uma sentença, a menos que ir para a escola se torne algo que lhes traga prazer, por permitir que, lá, elas encontrem o seu “elemento”.

Onde está Ivan Iliich quando a gente mais precisa dele? Este ano faz 40 anos que ele escreveu A Sociedade sem Escolas (A Desescolarização da Sociedade). Ele morreu em 2002 – mas o seu livro, publicado no auge da contracultura e do movimento hippie, apesar de ter influenciado importantes pessoas, como John Holt, morreu antes. Na verdade, porém, e surpreendentemente, o livro é mais radical hoje do que quando foi publicado. A sociedade, em vez de se desescolarizar, como ele propunha e queria, está cada vez mais escolarizada. E o estabelecimento educacional acredita que criticar a escola é mais inadmissível do que profanar o nome da Santíssima Trindade. Illich, nas palavras de um resenhador, “vê na escola moderna um falso mito da salvação”. (Vide o texto completo do livro de Ivan Illich em http://www.arvindguptatoys.com/arvindgupta/DESCHOOLING.pdf e a resenha mencionada, escrita por Justin Wyllie, em http://www.justinwyllie.net/essays/deschooling_society.pdf).

Semana que vem, Illich e as redes sociais. O artigo de hoje foi apenas um preâmbulo.

São Paulo, 5 de Maio de 2011

Traanscrito em Salto, 3 de Janeiro de 2016

Redes Sociais, Um Computador por Aluno e a Reinvenção da Escola

Artigo número 7, escrito por Eduardo Chaves em 21/4/2011, e publicado originalmente no site das Editoras Ática e Scipione em 2/5/2011.

Volto, neste sétimo artigo da série, ao tema do primeiro: as Redes Sociais que se criaram a partir da chamada Web 2.0. E acrescento um tema novo: Um Computador por Aluno.

Encontrei uma passagem interessante sobre a Web 2.0 em um estimulante livro de Marc Prensky: Teaching Digital Natives: Partnering for Real Learning. Ele é a pessoa que criou e popularizou o uso das expressões “Nativo Digital” e “Imigrante Digital”. Só isso já lhe valeria um prêmio…

Mas eis o que Prensky diz sobre a Web 2.0:

“É difícil, hoje, falar em tecnologia e escola sem mencionar os grandes benefícios da Web 2.0 para a aprendizagem. Caso você não saiba, o que as pessoas querem dizer por Web 2.0 é que, além de ser um meio (medium) em que se leem e se veem coisas (que, faz muito tempo, ela já é), a Web também é um meio (medium) em que qualquer um pode publicar seus textos, suas fotos, seus vídeos, etc.

Também isso não é muito novo. O inventor da Web, Tim Berners-Lee, já disse, muitos anos atrás, que ‘aquilo que as pessoas colocam na Web é muito mais importante do que aquilo que elas retiram de lá‘.

A Web 2.0 só assusta aqueles que enxergam a Web apenas como uma biblioteca, um lugar de ler e ver coisas. Quem ainda adota esse modelo da Web não tem sido capaz de perceber a evolução que vem ocorrendo nela.

O que acontece hoje é que ferramentas extremamente amigáveis permitem que qualquer um – inclusive os nossos alunos – publique seus textos, suas fotos, seus videos na Internet, para o mundo inteiro ler e ver. Assim, qualquer aluno pode ser um editor (publisher) de seu trabalho.

A publicação do trabalho dos alunos é importante para o aprendizado, especialmente quando acompanhada de feedback dos que o leem ou veem o que foi publicado.

. . .

Os alunos devem ser encorajados a usar as ferramentas da Web 2.0, como blogs, wikis, YouTube, as Redes Sociais, etc., o mais possível. E todos devemos ficar à espreita, na espera da Web 3.0, a ‘web semântica’, em que a gente vai poder pesquisar qualquer coisa em qualquer trabalho jamais criado (texto, imagem, video, etc.) e daí facilmente interligar (link) os resultados num novo trabalho.

A Web 3.0 está pertinho… Basta virar a esquina”.

o O o

Há escolas que, ainda hoje, proíbem seus alunos de entrar na escola com telefones celulares – mesmo que não sejam smartphones com acesso à Internet. E há professores, e muitas outras pessoas que se julgam avançadas, que acham que essa proibição está certa.

Li, há algum tempo, um livrinho sobre Um Computador por Aluno (1:1 Computing), publicado por algumas das maiores empresas de tecnologia do nosso tempo. Nesse livrinho, ao mesmo tempo que se defendia a necessidade de que, nas escolas, cada aluno tivesse seu computador, e até mesmo pudesse levá-lo para casa ao fim da jornada escolar, tentava-se arrancar palmas de professores resistentes a essa medida dizendo algo mais ou menos assim (parafraseio de memória):

“O fato de cada aluno ter em mãos seu próprio computador não significa, professor, que você vai perder controle de sua sala de aula. A escola, e se ela não o fizer, você, no âmbito da sua sala de aula, deve estabelecer normas para uso dos computadores durante a aula. Você pode estipular, por exemplo, que enquanto você estiver falando, todos os notebooks ficarão obrigatoriamente com as tampas baixadas a um ângulo de 45 graus”.

Se empresas que se julgam avant garde na educação sugerem isso, o que não acontecerá nas salas de aula dos locais mais recônditos do país?

Mas esse cenário vai mudar.

Você já imaginou uma empresa que proíba seus funcionários de usar computadores conectados à Internet dentro da empresa porque os funcionários podem desperdiçar seu tempo em Redes Sociais, lendo jornais, enviando mensagens para seus amigos, etc., ou porque o uso do computador na frente dos chefes é um gesto de desrespeito à sua autoridade?

Não faz sentido, não é mesmo? Nem na empresa, nem na escola.

Mas você já pensou, professor, o que você vai fazer quando, em sua escola, todos os seus alunos tiverem acesso a um notebook conectado à Internet 100% do tempo, contarem com autorização da administração da escola para utilizá-los até mesmo dentro da sua sala de aula, criarem seus blogs, seus wikis, seus sites de desenhos, pinturas e fotos, seus sites de pequenos vídeos stop and motion, e estiverem ansiosos para abastecê-los com crônicas, contos, poemas, desenhos, pinturas, fotos e histórias em vídeo?

Será que você é daqueles que, ao contemplar um cenário desses, dá graças a Deus porque imagina que, quando isso acontecer, você já estará gozando sua merecida aposentadoria?

Ou será que você fica aliviado porque acredita que a administração de sua escola nunca vai permitir uma coisa dessas?

O futuro espera que você seja daqueles que contemplam esse quadro, refletem sobre ele, e dizem, com esperança: Imagine the possibilities!?

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A  Web 1.0 ampliou, facilitou  e assim democratizou o consumo da informação. Nunca antes na história da humanidade se viu tanta informação sendo consumida como nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos do século XXI.

A Web 2.0 está possibilitando, entretanto, que milhões de indivíduos se tornem produtores de informação – algo anteriormente limitado a uma minoria extremamente restrita. Hoje, o céu é o limite. Em princípio, nada impede que todo mundo se torne um produtor de informação – inclusive cada um de nossos alunos. E provavelmente os próximos anos serão anos dos quais venhamos a dizer que nunca na história da humanidade tanta gente produziu tanta informação de forma tão democrática…

Como disse Marc Prensky, a publicação dos trabalhos dos alunos na Internet é importante para o seu aprendizado, especialmente quando acompanhada de feedback dos que o leem ou veem o que foi publicado. Paulo Freire ressaltou que aprendemos uns com os outros, num plano horizontal, bilateral ou multilateral, em comunhão, não em relações verticais, unilaterais, como a que prevalece entre professor e aluno na sala de aula. Na sala de aula, o professor fala, em geral sobre um assunto que o aluno não escolheu e em que não está interessado – o aluno é obrigado a ficar quieto e prestar atenção. Poucos ambientes são mais inadequados à aprendizagem do que esse.

A Web 2.0, com sua interatividade, com sua liberalidade, com a promiscuidade entre experts e iniciantes que ela permite nas Redes Sociais, se tornou, dessa forma, um gigantesco “supermegahiper” ambiente de aprendizagem extremamente importante para o desenvolvimento dos alunos – muito mais importante, ouso dizer, do que as salas de aula de nossas escolas.

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Meu querido amigo Les Foltos, criador do programa Peer Coaching (Aprender em Parceria, no Brasil), hoje distribuído no mundo inteiro pela Microsoft, uma vez contou à Mary Grace Andrioli (minha mulher, Paloma, e eu fomos testemunhas), o seguinte causo, acontecido nos primórdios da era dos blogs, quando a expressão Web 2.0 ainda nem existia. Um professor de Redação e Composição nas cercanias de Seattle resolveu estimular seus alunos de 11-12 anos a criar seus blogs e neles escrever sobre assuntos de seu interesse. O negócio virou uma febre, e os blogs dos alunos começaram a receber visitantes externos, que deixavam palavras de estímulo, faziam comentários e sugestões, ou, por vezes, criticavam um ou outro aspecto do que havia sido publicado.

O professor deixou claro para os alunos, porém, que esse trabalho com os blogs era, por assim dizer, e aproveitando um termo da teologia, supererrogatório: ficava além do que era necessário como trabalho obrigatório da classe e não deveria ser visto como um substitutivo para as exigências regulares. Assim sendo, surpreendeu-se um dia quando uma menininha, que era uma das melhores alunas da classe e sempre fora pontual na entrega dos deveres, lhe disse que não havia feito a tarefa de casa prescrita no dia anterior e que agora lhe era cobrada. O professor logo imaginou que a menina tivesse ficado doente, algo assim, para deixar de fazer seu dever. Mas surpreendeu-se ainda muito mais com a resposta da menina: “Professor, eu estava escrevendo uma coisa tão bacana no meu blog, que pensei assim. Se eu parar de escrever isso para fazer a tarefa, dezenas, quem sabe centenas, de pessoas na Internet não vão poder ler um artigo novo no meu blog. E elas normalmente deixam comentários e elogios. Se eu não fizer a minha tarefa, que só o professor lê, raramente comenta e quase nunca elogia, apenas ele ficará sem algo meu para ler e comentar. Diante disso, achei preferível não fazer a tarefa de casa.”

Dá pra entender? Bem, claro que dá para entender. Quem sabe no lugar dela a gente não faria o mesmo, não é verdade? Quem sabe a gente já não fez algo equivalente, em condições semelhantes, quando optou por fazer algo que dava mais satisfação e não o que era esperado e nos seria cobrado…

Mas o que faz um professor numa situação inusitada dessas? A menina não inventou uma desculpa qualquer que enganasse o seu professor. Podia muito bem tê-lo feito – tantos o fazem! Ela disse, na cara do professor, e com todas as palavras, que havia encontrado algo mais importante para fazer do que realizar para ele pequenos deveres de casa.

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Meu amigo Glen Bull, diretor do Centro de Tecnologia e Formação do Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Virgínia, em Charlottesville, VA, uma vez me contou um caso interessante, sobre  John Grisham, o famoso escritor de bestsellers, que mora ao lado de Charlottesville. Vendo a história pelo preço que paguei por ela… John Grisham, que é um filantropo batista muito interessado na educação, e que está rico com as vendas de seus livros e dos direitos de filmagem sobre eles, resolveu fazer uma proposta para a High School que fica perto de seu ranch. Daria um notebook para cada aluno e equiparia a escola com redes sem fio da última geração, bem como com acesso à Internet da melhor qualidade, sob uma condição: a escola não deveria impor restrições ao uso dos notebooks pelos alunos, fora ou dentro da sala  de aula. Nada de tampa baixada num ângulo de 45 graus aqui.

A escola concordou. Aqui entre nós: que administrador de escola não concordaria?

Você já se imaginou, professor, nesse tipo de escola? Se você diz alguma coisa interessante, todos os alunos vão checar o que você disse na Internet. Se algo não bate, você provavelmente vai ficar sabendo através de um nerdzinho ou de alguém que é amigo, no Facebook, de um grande especialista na área. Se você diz coisas que não são interessantes, você perde os alunos, que vão fazer outra coisa, não prestando mais atenção ao que você está dizendo.

E daí? Fazer o quê?

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Um contexto escolar assim, em que cada aluno tem seu computador e tem acesso constante e de qualidade à Internet, em especial à Web 2.0, dentro e fora da sala de aula, vai nos obrigar a repensar a educação escolar: será preciso reinventar a escola, talvez abandonar a idéia de aula e de sala de aula, recriar, quem sabe a partir do zero, o nosso ofício de mestre. A aprendizagem será 24/7/52: ela acontecerá vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, 52 semanas por ano – e ela será eminentemente horizontal, multilateral.

O quanto antes começarmos a pensar nisso, melhor.

São Paulo, 21 de Abril de 2011

Transcrito aqui em Salto, 3 de Janeiro de 2016.