Debate na TV Cultura, Opinião Nacional: Valdemar Setzer e Eduardo Chaves (1999)

Debate na TV Cultura, programa Opinião Nacional
28 de Maio de 1999
O Uso da Informática na Educação

Entrevistador: Heródoto Barbeiro
Comentarista: Carlos A. Sardenberg
Debatedores: Valdemar Setzer e Eduardo Chaves

(Originalmente transcrito no site EduTec.Net, no seguinte URL:
http://edutec.net/Noticias e Eventos/Apoio/edsetze1.htm.
O site original da EduTec.Net não existe mais, mas há
um outro blog, de minha mulher, no lugar. Por isso
transcrevo o material aqui.)

Heródoto Barbeiro: Afinal, o uso da Informática na escola ajuda ou atrapalha? Os computadores estão cada vez mais presentes na sala de aula. Os estudantes usam programas de edição de texto, produção gráfica, softwares educacionais nos seus trabalhos escolares. O professor Valdemar Seltzer da USP considera esse uso prejudicial. Está aqui conosco o professor Eduardo Chaves da Unicamp que defende a informática na educação. Muito bem nós convidamos os dois para um debate aqui. Professor Valdemar, boa noite. Professor Eduardo, boa noite.

Professor Valdemar, esta questão da utilização do computador na escola não nos remete a uma questão anterior? Eu me lembro quando saíram as máquinas de calcular. Aí eu cheguei para um professor de matemática, Professor Orivaldo Pereira, que era meu colega na época, e disse:

— “Escuta, esse negócio, por exemplo, agora, da maquininha, então não precisa mais saber fazer raiz quadrada é só apertar o botãozinho”?

Aí ele me disse:

— “Olha, é como andar de bicicletas. Você sabe andar de bicicletas”?                           

Eu disse:

— “Sei”.

— “Você desaprendeu a andar por que anda de bicicletas”?

Eu disse:

— “Não”.

— “Então vamos usar as maquininhas que são os antepassados dos computadores”.

Eu gostaria de saber se o senhor concorda ou não com este professor que estou citando aqui, professor Orival.

Valdemar Setzer: É interessante, Heródoto, que eu publiquei um artigo no jornal “O Estado de São Paulo”, contra o uso de calculadoras eletrônicas na educação elementar, muito antes de se falar em computadores na educação, acho que foi nos anos 70 e qualquer coisa. Eu acho que aquele artigo tinha sido motivado por uma frase que foi dita por um famoso cientista da computação nos Estados Unidos, Joe McCarthy, dizendo que era um absurdo as crianças aprenderem aritmética em 1000 horas, quando podiam aprender em 10 horas a usar uma maquininha de calcular. Ocorre que essa pessoa não percebe que o aprendizado da aritmética, o decorar da tabuada, representa um esforço mental, um esforço rítmico. O desenvolvimento que a criança faz decorando a tabuada é muito mais importante do que simplesmente sabendo-a de cor. Se se entregar a uma criança uma máquina de calcular muito cedo, a criança vai deixar de passar por essa fase de aprender essa abstração que é a tabuada. Terá deixado de fazer um treino mental essencial para o raciocínio e para a capacidade de memorizar.

Carlos Sardenberg: Mas a criança pode treinar em outras coisas não pode?

Valdemar Setzer: Esse desenvolvimento, não.

Carlos Sardenberg: Não precisa treinar a tabuada ali 8×9, pode treinar em outras coisas, não pode?

Valdemar Setzer: Não, porque a tabuada é algo único, do ponto de vista mental. Isso me lembra toda aquela discussão com a matemática moderna, que felizmente já desapareceu, a menos das pobres crianças e adolescentes que continuam a calcular o “conjunto verdade” das equações – um conceito puramente lógico-formal, uma equação considerada como uma asserção da lógica –, em lugar de procurarem as “raízes” das mesmas. Eu ainda tenho a esperança de que outras coisas ainda vão desaparecer do ensino, outros modismos vão desaparecer, como o uso exagerado de definições. Um exemplo é o absurdo de se ensinar ilha como “um pedaço de terra cercado de água por todos os lados”, o que, além de estar logicamente errado, é uma definição morta, como todas as definições. Essa ilha não tem plantas, praias, rochedos no mar, vento, etc. – é uma ilha morta, e isso mata de certa maneira a imaginação das crianças e força-as a uma atividade mental inapropriada para a idade (talvez 8 anos). O raciocínio matemático, como por exemplo o envolvido no aprendizado da tabuada, é um raciocínio muito especial, abstrato, e ele tem que ser dado com muito vagar. Não há necessidade de se ter pressa pois, afinal, estamos moldando a mente da criança. Nós vimos aqui no bloco anterior um vídeo sobre uma escola. Interessante que é justamente a escola onde minha esposa é médica, e todos meus filhos nela se formaram, onde eu dei aula de matemática por dois anos. Essa escola pertence a um sistema pedagógico mundial, a Pedagogia Waldorf (há mais de 1.000 escolas Waldorf no mundo, 4 aqui em São Paulo, com o ensino fundamental e médio). Essa pedagogia, que tem muito sucesso, de todos os pontos de vista (desenvolvimento intelectual, artístico e social), é totalmente diferente do usual. Por exemplo, todas as crianças fazem tricô no primeiro ano. Isso serve como preparação para a aritmética, porque no tricô é preciso contar os pontos e, como em uma conta armada, não se pode pular nenhum passo, perder nenhum ponto.

Heródoto Barbeiro: Como se fosse um ábaco?

Valdemar Setzer: É, no ábaco também se desloca uma pecinha ao lado da outra, mas ele exige muito menos coordenação motora; além disso, usa um sistema quinário que não é adequado para crianças pequenas como as da primeira série. Por outro lado, o tricô é uma coisa muito mais real, produzindo algo de utilidade. No decorrer dos anos, o tricô vai se tornando mais complexo: chega uma série em que todos os alunos fazem uma meia sem costura, usando 5 agulhas, depois cada um faz uma malha para si, e no colegial chega-se à tecelagem.

Heródoto Barbeiro: Professor Eduardo, é assim que o ensino do século XXI, estamos na beirada do século XXI, é tricotando que nós vamos desenvolver o ensino do século XXI?

Eduardo Chaves: Poderia até ser, mas não será só com isso… Eu queria, de início, em vez de falar do século XXI, falar um pouquinho do século V a.C.. Naquela época, Sócrates, por exemplo, se opôs ao uso da tecnologia da escrita (isto é, ao uso de materiais escritos, livros) na educação, principalmente por duas razões. Primeiro, disse ele, quando a gente usa um material escrito a gente não precisa guardar o conteúdo na memória (pois está sempre ali, disponível) e, assim, esse tipo de material não exercita e fortalece a memória. Segundo, acrescentou ele, com o livro você não pode dialogar: se você fizer uma pergunta para o livro, ele não responde… Assim sendo, para Sócrates, a educação era alguma coisa que deveria ter lugar entre duas pessoas, face a face, uma dialogando com outra… Para ele, o livro, ou qualquer material escrito, iria atrapalhar a educação, pois interferiria com esse diálogo interpessoal face-a-face…

Carlos Sardenberg: … o que era uma bobagem…..(risos)

Eduardo Chaves: É verdade: essa foi uma grande bobagem socrática – o que prova que até grandes homens dizem besteira. A história é análoga à da bicicleta que o Heródoto mencionou: quando a gente aprende a andar de bicicleta, a gente não precisa abandonar o andar a pé. Hoje a gente nem se dá conta de que o livro é tecnologia, de que a gente usa o livro, usa uma série de outras coisas que são tecnologia, usa tudo isso na educação, com a maior naturalidade – sem abandonar o diálogo socrático, que continua importante. Na verdade, a tecnologia até aumenta, exponencialmente, as possibilidades que temos de dialogar socraticamente – interpessoalmente, mas não face-a-face. Tricô é tecnologia: você precisa ter agulhas, você precisa ter uma receita a ser seguida, etc… Então, o que eu não consigo entender em posturas como as do Setzer, é por que a criança, que hoje é acompanhada pela tecnologia desde antes de nascer (faz exames de ultrassom, nasce num centro cirúrgico sofisticado, vai para casa de carro, que é uma tecnologia, em casa tem eletricidade, quando não tem uma babá eletrônica para informar os pais que a criança está chorando, etc.), não pode – ou não deve – aprender com o auxílio da tecnologia. Pelo que sei, o Setzer não se opõe, como Sócrates, a que a criança aprenda usando o livro, usando materiais de toda sorte que são tecnologia ou são sub-produtos da tecnologia. Ora, por que singularizar, por que pegar computador e a máquina de calcular como bodes expiatórios e dizer: na hora de aprender a criança não pode – ou não deve – usar essas coisas aqui. Parece-me que fazer isso é quase cometer uma violência contra a criança, é dizer: olhe, o seu aprender, a sua educação não têm nada que ver com sua vida fora da escola; lá fora você usa toda a tecnologia disponível, mas aqui dentro da sala de aula você só pode usar as tecnologias do livro, do gis, do quadro-negro — ou do tricô. Não é esquisito?

Heródoto Barbeiro: Professor Valdemar.

Valdemar Setzer: Existe um ponto…

Carlos Sardenberg: Deveria usar pela teoria do professor, vídeo-games não tricô, não é?

Valdemar Setzer: Exatamente. Acontece que a situação é bastante complexa. Existem vários pontos de vista. Veja como Sócrates ou Platão tinham toda razão. Antes da escrita era necessário fazer um esforço de memória, aliás, a memória era fantástica. Por exemplo, acredita-se que inicialmente a Ilíada e a Odisséia foram transmitidas de memória. Imagina-se que muito depois de Homero é que elas foram escritas; a humanidade estava perdendo essa capacidade de memória e por isso é que se precisou inventar a escrita e se precisou colocar a história em livro. Mas isso correspondeu a uma perda, claro (a propósito, uma perda necessária para se desenvolver a capacidade de abstração). Eu não sou contra o livro; eles são fantásticos e sua leitura é essencial para o desenvolvimento intelectual e emotivo dos jovens. Só que há idade certa para se começar a ler um livro; com pouco mais de 1 ano de idade pode-se começar a mostrar figuras infantis bonitas, artísticas – raridade nos livros infantis de hoje. Como nesse tipo de escola que vocês mostraram no vídeo no bloco anterior, eu não recomendo que as crianças aprendam a ler antes de 6,5 ou 7 anos, para não forçar uma abstração mental precocemente (as letras latinas são símbolos sem vida ou estética, hoje em dia). Esse aprendizado tem que ser muito lento, como o Herodóto conhece muito bem, porque os filhos dele freqüentaram uma escola que usa aquele método pedagógico. É importante entender-se qual é a influência da tecnologia, dos aparelhos, sobre as crianças, e aí perguntar-se: existe idade adequada para começar a usá-los? Vou dar um exemplo por analogia – com isso termino, para o Eduardo também ter alguma chance. Alguém diria que uma criança de 7 ou até 10 anos devesse guiar automóvel? Certamente, não nesta cidade de São Paulo. O Eduardo Chaves tem a sorte de morar em Campinas, isso é como um sítio para nós, pois aqui nós estamos num caos total no trânsito. Bem, certamente ninguém iria dizer que uma criança de 7 ou 10 anos deveria aprender a guiar um automóvel, não tem coordenação motora, não tem responsabilidade, vai brincar no volante, etc. Por que não se faz um estudo, como eu fiz, de qual é a idade adequada para se usar um computador? Porque o desastre…

Heródoto Barbeiro: Qual é a idade professor por favor?

Valdemar Setzer: … o desastre que o computador produz não é físico como o automóvel. Esse é um desastre mental, é um desastre psicológico.

Heródoto Barbeiro: E qual é a idade então, adequada?

Valdemar Setzer: Bem, a idade que eu cheguei à conclusão nos meus estudos é que deveria ser depois da puberdade, idealmente aos 17 anos. O computador exige uma tremenda auto-disciplina, um enorme auto controle e grande maturidade. Imagine essas crianças todas tendo acesso à Internet sem nenhum controle, sem poder julgar o que é bom e o que é mal.

Heródoto Barbeiro: Mas veja, o senhor não está comparando o computador com a televisão, mas aí nós vamos chegar no lugar da televisão…

Valdemar Setzer: Eu gostaria que vocês me convidassem uma vez e vamos falar só contra a televisão (risos).

Heródoto Barbeiro: Falaremos em outra oportunidade. O senhor também acha que o computador só deveria ser usado após a puberdade, professor Eduardo?

Eduardo Chaves: Não. Eu sei que o Setzer tem um referencial teórico muito elaborado por trás das posições dele, mas estou certo de que esse referencial, elaborado há muito tempo, não leva em conta o fato de que a criança de hoje é muito diferente da criança de 100 anos atrás, quando algumas dessas teorias foram desenvolvidas. Acho que hoje a criança está preparada para a alfabetização muito antes dos 7 anos tradicionais e isso porque, dada a estimulação do meio, repleto de tecnologia, tem uma sofisticação cognitiva que lhe permite lidar com razoável tranqüilidade e naturalidade até com máquinas sofisticadas e abstratas, como é o caso do computador e de aparelhos de vídeo-game – sem que isso lhe cause qualquer efeito nocivo, no curto e no longo prazo, muito pelo contrário. Um jogo de vídeo-game estimula o sistema sensorial-perceptivo, o sistema psico-motor, o sistema cognitivo (o raciocínio) – muito mais do que o tricozinho do Setzer (contra o qual não tenho nada, repito, desde que ele encontre uma criança que prefira aprender fazendo tricô a aprender jogando um vídeo-game, ou interagindo com um computador, ou, melhor ainda, interagindo com seus colegas através do computador).

Heródoto Barbeiro: Olha, tenho duas manifestações aqui já, uma do Sr José Roberto Rosa que é gerente de tecnologias e diz o seguinte: segundo algumas projeções de evolução do processamento de inteligência artificial, no ano 2019 o micro de U$1000 terá a capacidade de um cérebro humano. Imagino como será a sociedade e que educação precisará ter hoje; e o senhor Alexandre Ramalho que é professor universitário diz: sou radicalmente contra a utilização do computador no ensino fundamental. As crianças não devem primeiro aprender a usarem o cérebro? Posteriormente poderão aprender a utilizar os magníficos recursos dessa informática.

Valdemar Setzer: Exatamente.

Eduardo Chaves: Uma coisa não exclui a outra, professor Ramalho: a criança pode muito bem aprender a usar seu cérebro usando a melhor tecnologia disponível hoje. Ficar ouvindo um professor que usa, como tecnologia, apenas a voz, o giz e o quadro negro (como o faz a maioria dos professores universitários) não me parece ser uma forma muito eficaz de aprender a usar o cérebro – a não ser, talvez, como repositório de informação, muitas vezes inútil. Uma das formas mais eficazes de aprender a usar a nossa capacidade cognitiva é interagindo com o nosso ambiente natural, humano e tecnológico (i.e., artificial), tentando resolver os problemas que esse ambiente apresenta… e esse meio ambiente hoje é repleto da mais variada e poderosa tecnologia. Nós encontramos tecnologia sofisticada hoje em todo e qualquer lugar. Tentar fazer com que a educação escolar abstraia desse universo tecnológico em que a criança vive, para que apenas depois, lá pelos 17 anos, ela subitamente comece a interagir com esse ambiente todo, me parece, no mundo em que nós vivemos hoje, mais do que irrealista: é um grande desperdício de oportunidades educacionais.

Valdemar Setzer: Isso depende dos pais e da escola. Felizmente nós estamos num país onde se pode ter e fazer dentro do lar aquilo que se quiser, desde que não se maltratem as crianças. Pode-se organizar o próprio lar da maneira como a gente escolher, não há imposição quanto a isso. Então é muito simples, e eu apelo para os pais pensem, estudem, reflitam: não há a mínima necessidade de uma criança usar o computador…

Heródoto Barbeiro: Isso é um modismo na opinião do senhor?

Valdemar Setzer: Não é só um modismo, é um tremendo mercado, por que atende os interesses dos fabricantes e não da sociedade – se bem o interesse da sociedade está sendo induzido a consumir computadores.

Carlos Sardenberg: Há estatísticas a respeitos disso, por exemplo, você avaliar o desempenho de alunos de escolas que usam o computador e não usam o computador? Há modos de medir isso?

Valdemar Setzer: Sim, eu gostaria de citar dois estudos, aliás os dois da mesma universidade de Carnegie Mellon, uma das melhores universidades americanas. Um deles é um estudo que foi publicado há alguns meses, em que se demonstrou que o uso da Internet produz aumento de depressão e antissociabilidade. Foi uma surpresa porque inclusive esse estudo foi financiado por Bill Gates & Cia., que queriam resultados exatamente contrários. Um outro estudo foi muito interessante e diz respeito direto à nossa questão aqui. Eu li uma referência a esse estudo em uma tese que acabei de receber há pouco tempo pela Internet (risos) de Lowel Monkey, professor secundário nos Estados Unidos, que fez doutorado numa universidade americana. Ele cita uma pesquisa, naquela mesma universidade, em que se examinou o resultado de testes de matemática de crianças que tiveram aulas de uso do computador, em comparação com outro grupo de crianças que não teve aulas de uso do computador, mas estudou música, estudou piano. O resultado daqueles que estudaram piano foi muito melhor nos testes de matemática dos que tiveram computador. Na sua tese, Monkey cita que ele era membro de um conselho de tecnologia das escolas secundárias lá da sua cidade, Des Moines, capital do estado de Iowa, nos EUA. Ele escreveu um relatório dizendo que, baseado, naquele estudo, não se deveria embarcar na campanha do presidente Bill Clinton de instalar um computador em cada sala de aula; o correto, do ponto de vista educacional, seria instalar um piano em cada sala de aula, pois o resultado seria muito melhor. Eu gostaria de acrescentar o seguinte. Todas as experiências de uso de arte em qualquer ambiente escolar, prisão, FEBEM (que é o caso do magnífico projeto Guri, de ensino de música e formação de orquestras juvenis), dá resultados extraordinários, como pode ser verificado nas escolas Waldorf, onde há um intenso ensino artístico. O computador não dá resultados extraordinários, pelo contrário, em minha conceituação ele é extremamente prejudicial à formação intelectual, sentimental e volitiva das crianças e jovens. Isso está sendo comprovado cada vez mais por pesquisas estatísticas.

Eduardo Chaves: Ninguém está defendendo que só se use a tecnologia na escola, que a escola abra mão do uso da pintura, da música, da arte em geral. Algumas dessas pesquisas mostram que se o indivíduo ficar fixado no computador 10 ou 12 horas por dia, ele pode sofrer efeitos nocivos para a sua personalidade, da mesma forma que se ele ficar trancado numa biblioteca, lendo 12 horas por dia, se ele não tiver uma vida social, se não se movimentar, brincar, correr, se não fizer outras coisas além de ler, isso também pode prejudicá-lo…

Carlos Sardenberg: E se ele ficar a tarde inteira decorando tabuadas?…

Eduardo Chaves: … É a mesma coisa. Falou-se no início sobre o suposto mérito da memorização. Eu não vejo mérito algum na memorização como tal, em decorar tabuada ou coisas desse tipo. O importante é saber o que fazer com as informações que estão disponíveis para nós. Se eu compreendo a natureza das operações aritméticas, sei quais são as operações que precisam ser feitas para resolver um problema, e faço essas operações usando a máquina de calcular ou o computador (e não de memória – ou usando papel e lápis, que, convenhamos, são tecnologias…), eu não preciso ter presente na memória o tempo todo o algoritmo que me permite multiplicar ou dividir dois números, extrair raiz quadrada, etc. Eu sei quais são as operações, vou ali na maquininha e as faço – pronto, problema resolvido. Então o suposto mérito de memorizar a tabuada, ou os algoritmos necessários para extrair a raiz quadrada, ou as declinações e conjugações latinas, como se fazia antigamente, é uma coisa, na melhor das hipóteses, sobre-valorizada – na pior das hipóteses, uma perda de tempo terrível. Certamente nossa capacidade de memorizar foi reduzida com as várias tecnologias que surgiram, com o aparecimento do livro, com o surgimento da máquina de calcular, com a presença ubíqua do computador entre nós… Mas nós certamente ganhamos em nossa capacidade de armazenar informações fora da memória e em nossa capacidade de processar a enorme quantidade de informações armazenadas em meios externos e disponíveis a qualquer momento. Ganhamos na forma de processar essa informação, de analisá-la, de raciocinar em cima dela, de colocá-la a bom uso. Pode parecer um truísmo, mas utilizando a tecnologia fazemos aquilo que podemos fazer com o auxílio ou o apoio da tecnologia. Assim teremos até mais tempo para fazer as outras coisas, aquelas que não podemos fazer com a tecnologia, do jeito que devem ser feitas: a pintura, o teatro, ou o tricô do Setzer…  

Valdemar Setzer: Posso responder? Eu gostaria de citar mais um fato, não sei se o Eduardo Chaves sabe, existem várias universidades americanas que estão com aconselhamento psicológico para estudantes que são viciados na Internet, porque ela está prejudicando seus estudos de uma maneira extraordinária. Eu pergunto aos senhores o seguinte: alguém já ouviu falar de “rato” de biblioteca que fosse mal nos estudos?

Eduardo Chaves: O problema, Setzer, não é a Internet: é o vício. Ser viciado em qualquer coisa é sempre ruim – ainda que o objeto do vício seja, fora do contexto do vício, alguma coisa boa.

Valdemar Setzer: Um aluno viciado em biblioteca não irá mal nos estudos.

Eduardo Chaves: Isso me faz lembrar a história do indivíduo que era alcoólatra. Um dia quiseram mostrar para ele o mal que o álcool fazia ao organismo e jogaram um ovo fresco dentro de um copo com pinga: o ovo imediatamente ficou cozido. O alcoólatra olhou e falou: puxa vida, de hoje em dia não como mais ovo… (risos….). O problema é o vício, não é a Internet. Qualquer coisa em excesso, até uma coisa boa, é prejudicial. Um aluno que se trancafie na biblioteca 12 horas por dia, lendo o tempo todo, e não fazendo outra coisa pode até não ir mal nos estudos, mas irá terrivelmente mal na vida.

Valdemar Setzer: Repito, nenhum aluno viciado em biblioteca foi mal nos estudos. Isso mostra que o computador e a Internet têm uma influência maléfica especial. Mas estou de acordo quanto aos prejuízos sociais, se isso prejudicar o convívio social, mas isso aplica-se a qualquer vício. A segunda coisa que você falou foi o latim. Aqui eu gostaria de citar uma historinha que se conta de um dos fundadores do ensino da matemática superior na antiga Faculdade de Filosofia da USP, um daqueles famosos matemáticos europeus, franceses e italianos, talvez Fantapié, Dieudonné ou Alabanesi, que estiveram aqui, acho que evitando o nazismo. Perguntou-se a ele o que se deveria ensinar no colegial ou na escola para que ele recebesse posteriormente bons alunos de matemática no ensino superior. Sabem o que ele respondeu? “Por favor, não ensinem matemática, ensinem latim”. Vejam a sabedoria, a intuição que havia naquela época. Porque quando se estuda o latim faz-se um intenso desenvolvimento de raciocínio lógico, em cima de uma linguagem natural. Hoje em dia essa língua está morta, mas existiu. É uma linguagem natural, não é uma linguagem simbólica, formal como a matemática…

Eduardo Chaves: … Mas dá para estudar lógica em cima de uma linguagem viva…

Valdemar Setzer: …mas o latim tem uma estrutura lógica que hoje em dia é difícil de encontar em outras linguagens. Por exemplo, nele a ordem das palavras não interessa, as declinações dão o sentido de um sujeito, de um objeto direto ou indireto, etc. A capacidade de raciocinar que o Eduardo Chaves mencionou pode ser desenvolvida com o latim. Na estou advogando que se volte a ensinar latim, como era obrigatório no Brasil inteiro, por 4 anos, quando eu estava o antigo ginásio (atuais 5ª a 8ª séries). Ele mencionou uma outra palavra antes: chamou o computador de máquina abstrata. De fato, o computador é uma máquina puramente matemática, isso pouca gente sabe. Ele é uma máquina abstrata porque nós podemos descrever todas as funções que ela exerce por meios matemáticos, estritamente formais. A linguagem que se usa com o computador, pode ser digitando algum comando, control + C por exemplo, ou então selecionando um ícone, é estritamente formal, ela não tem ambigüidades como as linguagens naturais…

Eduardo Chaves: Eu como usuário posso muito bem usar o computador sem fazer uso dessas linguagens formais que são necessárias para programá-lo.

Valdemar Setzer: Não, é impossível. Eu não estou falando de linguagens de programação, que obviamente são formais, mas nos comandos que é necessário dar no uso de qualquer software. Na hora que você aciona um ícone sempre a mesma função matemática de manipulação de símbolos vai ser executada pelo computador. As pessoas não percebem isso, mas no fundo quando se usa o computador com qualquer programa, por exemplo com um editor de textos (não precisa ser na confecção de um programa, onde o formalismo lógico-matemático é óbvio), também se está usando uma linguagem formal. Qual é a conseqüência disso?

Heródoto Barbeiro: O resultado é sempre o mesmo?

Valdemar Setzer: Sim o computador é uma máquina totalmente determinista. É isso que faz o computador ser uma máquina tão potente: sempre que ele está em certo estado, por exemplo apresentando alguma coisa na tela, apertando-se uma tecla – tanto faz qual é a pessoa que aperte aquela mesma tecla –, ele vai sempre fazer a mesma ação; trata-se de um processo matemático. Agora, qual é a conseqüência disso? Que o computador força, induz, um pensamento lógico-simbólico. Por exemplo, os ícones são símbolos, os caracteres são símbolos, constituindo uma linguagem lógico-simbólica. Portanto e ele força um tipo de raciocínio, um tipo de pensamento, lógico-simbólico, e aí é que vem o problema. Na minha concepção não é correto que se force crianças a pensar dessa maneira: vai ser prejudicial posteriormente.

Heródoto Barbeiro: Professor Eduardo, gostaria de ouvir o comentário do senhor porque o nosso tempo está esgotando.

Eduardo Chaves: Certamente o computador é uma máquina abstrata, lógica, determinista. Mas é possível usá-la de forma concreta, não determinista, até ilógica. Vou usar uma comparação para ilustrar o que estou dizendo. A linguagem que usamos – a linguagem escrita mais do que a falada – é uma tecnologia abstrata, lógica, determinista. É abstrata porque usamos símbolos para representar entidades (reais ou fictícias), características e atributos (empíricos ou abstratos), conceitos de vários tipos. É lógica porque esses símbolos precisam ser usados de acordo com certas regras. E é determinista: exceto em situações muito especiais, não temos liberdade de inovar à vontade nos usos desses símbolos e nas regras que os governam. E, no entanto, a despeito de tudo isso, somos capazes de usar a linguagem não só em contextos matemáticos e científicos, admitidamente rigorosos, mas para registrar eventos, para narrar histórias (reais ou inventadas), para inventar contos surrealistas ou pós-modernos, para compor poemas que inspiram e nos fazem sentir que a vida vale a pena. O mesmo vale para o computador. Ele é, lá dentro dele, uma máquina abstrata, lógica, determinista. Mas nós o usamos – o mundo inteiro o usa – para conversar com os entes queridos pela Internet, para trocar e visualizar fotos, para compartilhar e ouvir músicas, para distribuir nossos ensaios literários e nossos poemas, para registrar nossas viagens em textos e imagens… Tudo isso é concreto e nada tem de lógico ou determinista. Toda a estrutura abstrata, lógica, determinista do computador está lá, mas ela não é visível para mim, ela é transparente, eu não a enxergo – e posso usar para o computador para fazer coisas que não são condicionadas por essa infra-estrutura tecnológica. Concentrar a atenção, como se fosse, nos intestinos do computador, da forma que o faz o Setzer (algo até compreensível para quem é um cientista da computação, mas que implica um reducionismo terrível), é deixar de lado o fato de que com o computador nós podemos uma multidão de coisas extremamente úteis e importantes – como, por exemplo, interagir e dialogar com nossos semelhantes, aceder às informações de que precisamos para fazer aquilo que desejamos, etc. Interação humana, acesso a informações, manipulação de informações, etc. são atividades essenciais para o mister de aprender, de educar.

Heródoto Barbeiro: Eu quero agradecer a presença dos dois aqui, professor Valdemar, Professor Eduardo. Quero dizer que vocês acabaram de responder o senhor Romildo Neto de São Paulo e o comentário do senhor Cláudio Teles – Salvador na Bahia: olha são os mais nobres valores de conduta, noção de vida, sociedade e respeito ao próximo. Felizmente o computador não tem condição de transformar indivíduos e seres humanos.

Valdemar Setzer: Na minha concepção, transforma, sim, pois atua no nível mental. No caso de crianças, para muito pior. Por favor, sobre isso, leiam os artigos em meu site. Insisto em que o computador impõe certo tipo de pensamento, que é inadequado para crianças e adolescentes. Há várias pesquisas mostrando que, quanto mais um aluno usa o computador, pior o seu rendimento escolar. Uma das razões que se dá é o tempo que a criança ou adolescente perde com o computador, prejudicando suas outras atividades, inclusive o estudo. Isso é óbvio. Mas eu vou muito mais a fundo: preocupa-me a influência do tipo de pensamento e na linguagem lógico-simbólicos forçados pelo computador. Isso obviamente não ocorre quando uma criança está digitando um e-mail, mas na hora de enviar o e-mail, ela usará um comando que, no fundo, é matemático, pois dispara funções matemáticas dentro do computador. Como exemplo de prejuízo, tenho certeza que algum dia uma pesquisa mostrará que o computador prejudica a imaginação, e portanto a criatividade. Gostaria ainda de salientar o que já disse: não há necessidade de se começar a usar o computador e a Internet muito cedo. Quase todos os que têm mais de 40 anos hoje não os usaram quando crianças, e não tiveram dificuldade de aprender a usá-los quando adultos.

Eduardo Chaves: Só uma observaçãozinha final, curtinha… Um dos grandes males da escola é tentar impingir sobre as crianças um modelo de aprendizagem, fazendo de conta que é o único. As crianças, tradicionalmente, acreditavam que ouvir o professor falar, ler o que ele escrevia no quadro-negro, e fazer anotações no caderno era o único jeito de aprender. Hoje, quando têm acesso a uma tecnologia sofisticada que lhes permite aprender de várias outras formas – pesquisando, discutindo, criando modelos, fazendo simulações, resolvendo problemas que consideram importantes – é natural que se dêem conta de que o modelo de aprendizagem que a escola tenta lhes impor deixa muito a desejar e, por isso, que percam ainda mais o pouco interesse numa escola que mantém esse paradigma hoje ainda, infelizmente, vigente – e que seu rendimento escolar caia.   

Heródoto Barbeiro: Mas o debate segue na Internet, via computador. Os dois participantes têm nas suas páginas artigos sobre o assunto. O endereço do professor Setzer é www.ime.usp.br/~vwsetzer. A home page do Projeto EduTec.Net do professor Chaves é http://edutec.space. O debate vai seguir lá com certeza, mais animado depois da participação dos dois aqui. Muito obrigado aos dois. Muito Obrigado.

[ A transcrição deste debate foi feita, a partir de fita gravada, por Lourdes Matos, do grupo de discussão EduTec.Net. Ela foi revista pelos entrevistados em Abril de 2008. ]

Anarquismo, Desestatização e a Desescolarização da Educação

1. Introdução

Não existe consenso na definição da maior parte das teorias que propõem a melhor forma de viver em sociedade — aquilo que podemos chamar de filosofias políticas, como, por exemplo, comunismo, socialismo, socialismo democrata, democracia social (ou social-democracia), liberalismo social, liberalismo clássico, anarquismo, etc. Mas, dentre esses rótulos todos, certamente o maior dissenso prevalece a respeito do anarquismo.

No entendimento tradicional, antes que a coisa ficasse extremamente complicada, anarquismo queria dizer algo como “sociedade sem autoridade formalmente constituída“. Como a autoridade formalmente constituída para organizar as coisas na sociedade é o que denominamos de estado, anarquismo queria dizer “sociedade sem estado“. E como o estado é estruturado, organizado e operacionalizado através de um “governo” (que é a face humana, por assim dizer, do estado), anarquismo queria dizer “sociedade sem governo“.

Anarquismo, portanto, era o nome que se dava a uma sociedade sem autoridade formalmente constituída, sem estado, sem governo (se é que é possível haver uma sociedade desse tipo – que é um outro problema que tem mais que ver com a natureza humana). De qualquer forma, como uma sociedade desse tipo seria, ou pelo menos assim se supõe, uma sociedade em que a liberdade e a autonomia de uma só pode ser restringida por igual restrição à liberdade e autonomia de todos, e não há um poder superior, que fica acima de todos, e que detém monopólio no uso da força, e que, portanto, tem autoridade para restringir a liberdade de todos, o anarquismo era entendido também como sinônimo de libertarianismo: o máximo de liberdade possível (assumindo que liberdade total de todos seja algo impossível ou, pelo menos, impraticável).

Assim, vejamos.

George Woodcock, autor de um livro com o título Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements (1962), parece sugerir, já no (sub)título, que os termos anarquismo e libertarianismo são basicamente equivalentes, mesmo que não exatamente sinônimos.

A primeira frase do livro de Woodcock é uma citação de Sébastien Faure (1858-1942), ativista libertário francês da segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20, que afirmou: “Quem quer que seja que nega a autoridade, e luta contra ela, é um anarquista”. Aqui parece haver uma sugestão de que a negação da (validade da) autoridade é uma coisa, e a luta contra ela, outra – embora ambas possam vir juntas, e não raro venham.

Na Introdução ao livro The Essential Works of Anarchism (1971), seu editor, Marshall S. Shatz, cita a seguinte definição, bem mais completa, de Anarquismo, proposta por Peter Kropotkin (1842-1921), um dos grandes nomes dessa tendência política:

“Anarquismo é o nome dado a um princípio ou teoria de vida e conduta segundo a qual a sociedade é concebida sem governo, a harmonia dessa sociedade sendo obtida, não por submissão a leis, ou por obediência a uma autoridade [suprema], mas por livres acordos estabelecidos entre os vários grupos, sejam eles territoriais, profissionais, constituídos com o objetivo de produzir, ou consumir, ou satisfazer a infinita variedade de necessidades e aspirações de um ser civilizado”. [A definição de Kropotkin foi dada em seu artigo “Anarquismo” escrito para a memorável 11a edição da Encyclopaedia Britannica, publicada em 1910 (vol. I, p.914).]

William Godwin (1756-1836), também um nome importante nos primórdios da tradição anarquista (ele é o único desses grandes nomes a ter nascido no século 18), também caracteriza o Anarquismo como “uma bem concebida forma de sociedade sem governo“, em seu livro Enquiry Concerning Political Justice, de 1798 (também citado por Shatz).

2. Anarquismo Sem Qualificativos

Tenho a maior simpatia por aqueles que se contentam em parar por aqui, sem sentir a necessidade de acrescentar algum qualificativo ao termo anarquismo, que não seja libertário, ou, talvez, liberal, ou, talvez ainda, individualista. Creio que criar expressões como anarquismo comunitário, anarquismo mutualista, anarquismo sindicalista, anarquismo socialista, anarquismo comunista, etc., só complica a questão e cria confusão. Os dois últimos rótulos, por exemplo, anarquismo socialista e anarquismo comunista, apresentam um problema de coerência sério na definição de Anarquismo. Se o conceito prevê uma sociedade sem autoridade formal, sem estado, e sem governo, como associá-lo a duas tendências que propugnam, respectivamente, por um estado máximo e um estado total (ou totalitário)? Reconheço que uma sociedade anarquista pode até optar por operar com base em princípios capitalistas – mas me parece impossível que, optando por operar com base em princípios socialistas e comunistas, ela possa continuar a ser chamada de sociedade anarquista sem considerável abuso do sentido do termo.

Sou favorável, portanto, à decisão de Voltairine de Cleyre (1866-1912), uma anarquista americana do fim do século 19, começo do século 20, que dá atenção à educação, e pela qual me vi tomado de grande simpatia, embora só tenha vindo a travar conhecimento de suas ideias, e mesmo de sua curta existência, bem recentemente. Em um dado momento de sua vida, quando tentavam constrangê-la a admitir-se comunista (porque anarquista!), ela tomou a decisão de se designar simplesmente “anarquista”, e nada mais, sem qualquer qualificativo, afirmando, para aqueles que insistiam em ver nela uma comunista, que não era, nunca havia sido, e nunca seria comunista (porque anarquista!).

3. Anarquismo e Desestatização

Se estou basicamente certo até aqui, o Anarquismo será favorável a qualquer proposta que possa ser caracterizada como desestatização (ainda que gradual, parcial e lenta). Como, para quem já vive em uma sociedade estatizada, que somos todos nós, uma desestatização total e súbita parece impossível, o Anarquismo, para ser coerente, deve ser favorável a medidas que levem à desestatização da sociedade, ainda que essa desestatização se dê de forma lenta, gradual e restrita, desde que segura, e que represente um progresso na direção de uma desestatização irrestrita.

É por isso que não vejo muito problema em falar em anarquismo liberal e libertário, porque o liberalismo luta por um estado mínimo, e o libertarianismo por um estado tão mínimo que, como o sorriso do Gato Cheshire em Alice no País das Maravilhas, vai sumindo, sumindo, sumindo, até que desaparece de vez. Defender a transformação do estado em um estado mínimo, e, portanto, conviver, ainda que temporariamente, com um estado que se minimiza, é estar na direção certa no tocante ao anarquismo — algo que de modo algum acontece com os que defendem um estado máximo e um estado totalizante, que, a meu ver, andam, na contramão, em uma direção totalmente contrária do anarquismo.

Como a educação pública, em países como o Brasil e os Estados Unidos, é uma educação estatista (ou estatal), esforços no sentido de privatizá-la, ainda que de forma lenta e gradual, mas segura, desde que o objetivo final seja chegar a uma desestatização irrestrita de forma não traumática, fazem parte de uma tendência anarquista. Tenho em mente iniciativas como as charter schools e os vouchers, introduzidas nos Estados Unidos, sob a inspiração de ideias e sugestões de Milton Friedman (1912-2006), conhecido economista liberal.

4. Anarquismo e a Desescolarização da Educação

Em países em que a educação estatal (chamada de educação pública) predomina, o anarquismo deve ser favorável a medidas de privatização gradativa da escola estatal (como nas formas vistas no item anterior), ou (na verdade, e/ou) da total desescolarização da educação em geral, estatal ou privada, desde que essa desescolarização não admita, uma vez concluída, nenhum resquício de controle estatal sobre a educação então totalmente desescolarizada.

Não vou discutir aqui a privatização da escola estatal porque estou convicto de que a educação escolar, inclusive a privada, já deu o que podia dar e está com seus dias contados. Vou discutir rapidamente uma estratégia para a lenta e gradual desescolarização da educação.

A. O Anarquismo, a Liberdade e a Autonomia

O anarquismo surgiu como uma tentativa de aumentar os espaços de liberdade e autonomia dos indivíduos — principalmente em relação ao estado. Reconheceram os primeiros anarquistas que quanto maior é o espaço de ação do estado, tanto menor o espaço que sobra para a liberdade e a autonomia dos indivíduos. Essa, portanto, a primeira e maior luta.

As lutas subsequentes, como por exemplo, a luta das mulheres casadas contra a autoridade atribuída pelo estado ao marido, como cabeça e chefe da sociedade conjugal, dono de sua mulher e dos filhos do casal, que não podiam ter propriedade em seu nome, nem comprar e vender, e, no caso da mulher, que não tinha nem sequer poder pátrio sobre os filhos do casal, que era mantido com o ex-marido, no caso de uma separação, luta essa que caracterizou o início do movimento feminista, também é uma luta contra o estado, porque é pelas leis do estado que essa autoridade e esses poderes são atribuídos ao homem.

Outro exemplo é a luta dos trabalhadores contra os donos de empresas, que tomavam decisões unilaterais acerca do contrato de trabalho e as normas e regras que disciplinavam o trabalho, luta essa que era contra os donos de empresa e o estado, porque eram as leis do estado que davam esse direito aos donos de empresa. Assim a luta do movimento dos trabalhadores também era uma luta contra as leis do estado e a autoridade do estado de disciplinar as relações entre as pessoas — não só marido e mulher, mas também patrão e trabalhador.

E assim vai: a luta do anarquismo é uma luta pela liberdade e autonomia das pessoas para estabelecer laços afetivos, de convivência e de trabalho em termos acordados exclusivamente entre elas. Como diz Kropotkin, na passagem já citada:

“Anarquismo é o nome dado a um princípio ou teoria de vida e conduta segundo a qual a sociedade é concebida sem governo, a harmonia dessa sociedade sendo obtida, não por submissão a leis, ou por obediência a uma autoridade, mas por livres acordos estabelecidos entre os vários grupos, sejam territoriais, sejam profissionais, constituídos com o objetivo de produzir e consumir, bem como de satisfazer a infinita variedade de necessidades e aspirações de um ser civilizado.”

A citação de Kropotkin fala em “acordos estabelecidos entre grupos“, mas os anarquistas logo perceberam que os grupos, se formalizados, como acabou se tornando o caso dos sindicatos, podiam facilmente se tornar uma nova fonte de opressão, com autoridade e poder delegados pelo estado, de modo que a luta anarquista que, no mundo do trabalho, foi, em um primeiro momento, viabilizada pelos sindicatos, veio a se tornar também uma luta contra essas entidades de representação profissional, que se tornaram opressivas. A criação, em países como o nosso, de um “imposto sindical” que o estado cobra das pessoas para transferir para os sindicatos, mostra que sindicatos que aceitam esse mecanismo de financiamento obrigatório são forçosamente dependentes do estado e, por conseguinte, pelegos.

Custou muito para que as pessoas percebessem que a escola pública era uma outra forma de o estado puxar para si mais uma significativa fatia da liberdade e da autonomia das pessoas, agora, em relação à educação de seus próprios filhos. A escolarização, que começou a ser vista como direito das crianças, logo passou a ser uma também obrigação para os pais. Mas, pari passu, essa obrigação não podia ser executada da forma escolhida pelos pais. As pessoas podiam ser punidas se não colocassem seus filhos na escola. Isso se deu, em especial, em relação à escola estatal, mantida com os impostos cobrados de todos, não só dos que estavam dispostos a colocar seus filhos na escola do estado. Quem optasse por colocar os filhos em uma escola privada, não estatal, tinha de pagar duas vezes: uma na forma dos impostos que sustentavam a escola estatal, a outra na forma de retribuição da escola privada que prestava o serviço — entre as quais as escolas religiosas. O estado aprovou leis que o proibiam de dar subsídios às escolas privadas, para forçar essas escolas a arcar com todos os custos de seu funcionamento e, assim, cobrar mensalidades que dissuadiam as pessoas de pagar pelos serviços delas (já que pagavam, com seus impostos, para sustentar a escola estatal). Dessa forma, mais e mais pessoas abriram mão de sua preferência, de sua liberdade de escolha, de sua autonomia, para aumentar o grau de controle do estado sobre suas próprias vidas.

B. Como Lenta e Gradualmente Desescolarizar a Educação?

É evidente que, em um país como o nosso, em que a tanto a educação básica como a educação de nível superior são totalmente escolarizadas e amplamente estatais (em especial no caso da educação básica, havendo maior espaço para participação da iniciativa particular na educação de nível superior), nenhuma desescolarização da educação pode ser feita de uma hora para outra, ou mesmo dentro do período de uma geração.

No entanto, é forçoso reconhecer que o movimento de desescolarização da educação tem, pelo menos cinquenta anos, pois um dos autores mais conhecidos a propô-la escreveu seu livro em 1970: Ivan Illich é seu nome e Deschooling Society (Sociedade sem Escolas) o seu famoso livro. Paulo Freire, amigo de Illich, escreveu na mesma época, que “ninguém educa ninguém”, e tampouco “alguém se educa sozinho”, insistindo que “nós nos educamos uns aos outros em comunhão” (isto é, pela interação, pelo diálogo, pela colaboração, pela cooperação) — e aqui vem um acréscimo importante: “mediatizados pelo mundo”. A mediação não é da escola nem do professor: é da nossa atividade no mundo, do nosso que fazer no mundo do trabalho, do lazer, da vida em sociedade.

A meta e a direção estão, portanto, claramente definidas. Mas não a estratégia e a tática, que podem ser diversas. A meta é a desescolarização da educação que a sociedade proporciona aos seus membros (deschooling, para os que já estão na escola, unschooling para os que ainda não estão cumprindo pena na escola). As estratégias podem ser home schooling (escolarização em casa), manter algo parecido com o processo de escolarização, mas sob controle exclusivo da família, como o fazem os Amish, community schooling (escola comunitária), manter algo como a atual escola, mas sob controle exclusivo da comunidade mais próxima, ambientes de aprendizagem “sem cara de escola”, mas, sim, centrado em aprendizagens consideradas úteis agradáveis, como academia de danças, clubes de debates, clubes de aprendizagem de língua estrangeira (não confundir com escolas de língua, que são escolas, ainda que não façam parte do sistema escolar reconhecido), clube de gastronomia, em que se aprende a cozinhar todo tipo de comida, etc.

As escolinhas de futebol já adotaram o modelo escolar de começo a fim. Escrevi um artigo, em 2006, para a Fundação Lego, argumentando que a qualidade do futebol brasileiro começou a cair quando as crianças deixaram de aprender a jogar futebol nos campinhos de rua, de maneira totalmente informal, e passaram a frequentar escolinhas de futebol, em que aprendem, com um professor-técnico, as particularidades de dar uma pedalada ou uma bicicletada…

Nos Estados Unidos, as chamadas charter schools e os chamados vouchers são processos de tirar a escola, ou boa parte de suas atividades, de debaixo do controle do estado — não de tirar a educação do âmbito da escola.

Por enquanto, é isso aí. A luta continua. Voltarei à carga.

Salto, em 8 de Dezembro de 2020.

Eu e a Educação – Primeira Parte

Parte 1 – A Evolução das Minhas Ideias sobre a Educação

  1. O Ponto de Partida
  2. Sete Linhas de Reflexão
  3. O Ponto de Chegada

Quando se vai discutir a educação, em geral, ou do ponto de vista de qualquer pessoa (até mesmo do da gente, que é o que eu vou fazer aqui), é preciso, desde o princípio, estar preparado para abordar estas três questões básicas:

  • A questão do conceito de educação — como se deve entender a educação?
  • A questão do currículo da educação — qual deve ser o principal conteúdo da educação?
  • A questão da metodologia da educação — qual deve ser a melhor maneira de educar?

Vou, na sequência, procurar discutir essas três questões de forma tão objetiva e sucinta quanto me for possível. Mas o artigo, como o título explicita, é basicamente biográfico. Por isso, minha objetividade será circunscrita pelo fato de que estarei lidando com a minha visão — principalmente a atual — da educação. Minha visão atual da educação, embora seja, acredite eu, inovadora, não é nova: traz consigo elementos bastante antigos. É inovadora no sentido de que se contrapõe àquilo que tem passado como educação nos últimos tempos — talvez uns quinhentos anos, por aí…

Discutir os vários conceitos de educação propostos ao longo da história da filosofia e da educação, mesmo nos atendo apenas aos principais, é algo quase proibitivo: os conceitos propostos são em número muito elevado. É preciso, portanto, tentar agrupá-los, de alguma forma, em algumas categorias básicas.

Meu pensamento acerca dessa questão tem evoluído bastante. Mas antes de discutir a evolução na minha forma de ver a educação, vou discutir de onde parti.

A. O Ponto de Partida

Meu ponto de partida foi um conceito extremamente simples — quase simplório.

Comecei minha carreira como professor universitário, no ano de 1972, nos Estados Unidos, na área em que obtive o meu doutorado: Filosofia. No doutorado estudei bastante História da Filosofia, Teoria do Conhecimento, Filosofia da Ciência, Filosofia da História, e Filosofia da Religião. Não estudei absolutamente nada de Educação — nem mesmo Filosofia da Educação ou Teoria da Educação.

Assim, quando vim para o Brasil, para trabalhar na UNICAMP, em 1974, imaginava que seria aproveitado em uma dessas áreas da Filosofia. O destino não quis que assim fosse: o Curso de Pedagogia da UNICAMP estava sendo criado e fui incumbido de assumir a disciplina de Filosofia da Educação, que havia sido prevista para o primeiro semestre do curso. Não adiantou argumentar que eu nunca havia estudado Filosofia da Educação. Quando a gente está chegando não tem como se recusar a fazer o que lhe é pedido: aceitei. Tinha um mês para preparar a disciplina. Fui comprar uns livros nas livrarias de Campinas, São Paulo e Santo André e comecei a estudar.

Ao iniciar os meus estudos, o meu conceito de educação era elementar: educação, para mim, era, em um sentido básico, aquilo que tinha lugar na escola — e isso eu conhecia relativamente bem, depois de passar mais de vinte anos seguidos em diversos tipos de escola (de nível elementar, médio e superior). Para mim, naquele momento, não havia uma distinção significativa entre educação e educação escolar: era tudo fundamentalmente a mesma coisa.

Quais eram, na minha forma de entender inicial, os elementos básicos da educação que tem lugar na escola? Eram três:

Conteúdo: Havia uma série de coisas que a gente não sabia e precisava aprender na escola, especialmente, na educação básica, nas áreas (a) da linguagem (aprender a ler e escrever), (b) da matemática (aprender a fazer contas e outros tipos de cálculos), e (c) das ciências (aprender fatos relacionados ao ser humano [história e geografia], fatos relacionados aos seres vivos, em geral [biologia], e fatos relacionados às coisas inanimadas que constituem a natureza [física e química]).

Método: A metodologia utilizada pela escola para a gente aprender isso não era, exatamente, uma metodologia de aprendizagem: era uma metodologia de ensino. Pressupunha-se que a melhor maneira de a gente aprender essas coisas era, no fundo, ficando quieto e prestando atenção àquilo que alguém que conhecia esses conteúdos, o professor, dizia. E ele o dizia tanto oralmente, de viva voz, como pela escrita, rabiscando no quadro negro. Assim o professor apresentava e explicava os conteúdos a serem aprendidos. E a gente prestava atenção, anotava e copiava o máximo do que era apresentado, para estudar depois. Livros didáticos eram usados como material complementar e de apoio, para leitura posterior, em casa.

Avaliação: a forma de avaliar a aprendizagem da gente (não o ensino do professor) consistia de testes, provas e exames, exigidos periodicamente bem como ao final do semestre e ano letivo, que aferiam se a gente havia assimilado e memorizado de forma satisfatória uma quantidade mínima dos conteúdos transmitidos em sala de aula.

B. Sete Linhas de Reflexão

Minhas linhas de reflexão tiveram como ponto de partida os diversos elementos desse quadro apresentado e se concentraram nos elementos que a seguir passo a listar, que foram surgindo, em minha mente, basicamente na ordem em que os apresento.

Em primeiro lugar, sendo uma pessoa meticulosa, e começando pelo que me parecia ser o começo, tentei construir uma definição de educação com base nos textos que ia lendo. Isso se mostrou bem mais difícil do que a princípio parecia.

Em segundo lugar, tendo iniciado o Curso Primário (hoje Fundamental I) relativamente tarde, aos oito anos e meio, quando já sabia ler, escrever e contar de maneira bastante satisfatória (já lia Sherlock Holmes, por exemplo), e tendo aprendido a fazer essas coisas fora de sala de aula e sem ensino formal, apenas com pequenas ajudas de meus pais, aqui e ali, tentei descobrir por que, na escola, o ensino parece ser considerado indispensável para a nossa aprendizagem, se a gente aprende tanta coisa, antes e fora da escola, e, presumia eu, também depois dela, sem ser formalmente ensinado, até mesmo coisas que são ensinadas na escola. Como eu gostava muito de ler, comecei a refletir sobre por que a gente precisava da escola, se podia aprender tanta coisa lendo, em casa. Por que não aprender tudo assim? (O fato corroborativo de eu estar incumbido de dar aulas de Filosofia da Educação numa universidade brasileira de primeira linha, e de nunca ter sido ensinado nada acerca desse assunto na escola, aprendendo tudo o que aprendi fora dos bancos escolares, lendo, refletindo e discutindo, em contextos não-formais, especialmente em casa, passou a ser extremamente significativo para minha visão da educação.)

Em terceiro lugar, esta uma linha de reflexão já mais sofisticada, que se tornou meu primeiro projeto de pesquisa formal na UNICAMP, para fazer jus ao tempo integral e à dedicação exclusiva: tentei descobrir quais as diferenças essenciais entre educação e doutrinação, se ambos os processos, os educacionais e os doutrinatórios [esse termo, eu sei, não existe nos dicionários, mas eu o estou criando], em especial quando usados dentro da escola, fazem uso do ensino e tem por objetivo fazer com que a gente aprenda, isto é, venha a aceitar e a adotar, como verdadeiros, fatos presumidos, ideias, pontos de vista, visões de mundo, etc. (É bom lembrar que, em 1974, quando montei esse projeto de pesquisa, ainda estava em plena vigência o regime militar brasileiro, que considerou obrigatórios, em todos os níveis de escolaridade, seja a Educação Moral e Cívica, seja o Estudo de Problemas Brasileiros, institucionalizando um processo doutrinatório dentro da escola.)

Em quarto lugar, esta uma linha de reflexão ainda mais avançada, que se originou, em parte, no fato de eu ter resolvido aprender a nadar já depois dos trinta anos: tentei descobrir qual a diferença entre, de um lado, aprender, no sentido de assimilar (aceitar como da gente) conteúdos informacionais, como fatos, ideias, pontos de vista, doutrinas, visões de mundo, ideologias, etc., que a gente até aquele ponto desconhecia, e, de outro lado, aprender, no sentido de tornar-se capaz de fazer alguma coisa que a gente até aquele ponto não conseguia fazer.

Em quinto lugar, esta a linha de reflexão mais recente, e que tem por base dois fatos básicos: (a) todas as linhas de reflexão anteriores parecem ter que ver, principalmente, com o componente intelectual de nossa mente (nosso intelecto), que também parece ser a preocupação central, se não única, da escola; e (b) segundo vários filósofos, a nossa mente tem, pelo menos, dois outros componentes: primeiro, o componente que lida com as emoções, os sentimentos, a sensibilidade; segundo, o componente que lida com os processos de escolha e decisão, bem como os valores neles envolvidos, com vistas à nossa conduta, às nossas ações, aos nossos comportamentos, em especial quando se tornam habituais e configuram aquilo que os antigos chamavam de “formação do caráter”. Em outras palavras: como é que a gente, além de aprender a conhecer e a fazer, aprende a sentir e a respeitar os sentimentos dos outros, ou para resumir, aprende a ser, mas não a ser só, a ser socialmente, isto é, a conviver?

Em sexto lugar, esta a minha linha de reflexão talvez mais conhecida: se hoje a gente faz a maioria das coisas que precisa fazer, pelo menos parcialmente, em espaços virtuais criados ou tornados extremamente eficazes pela tecnologia, por que não também aprender o que é preciso ou desejável aprender em espaços virtuais constituídos pela tecnologia, desescolarizando de vez, e totalmente, a educação, como propôs, um dia, cinquenta anos atrás, quando a Internet nem existia ainda, Ivan Illich, retirando a educação da escola e levando-a para a sociedade como um todo, e, paradoxalmente, trazendo-a de volta para dentro de casa, usando as redes sociais e as demais tecnologias de comunicação e acesso à informação para aprender e nos educar uns com os outros, como um dia recomendou Paulo Freire, na mesmíssima época em que seu amigo Ivan Illich fazia a recomendação dele?

Em sétimo e último lugar, a minha linha de reflexão mais radical, mas coerente com o liberalismo clássico e o libertarianismo anárquico que tenho tentado viver  ao longo da minha vida: por que não aproveitar a revolução que está sendo causada pela tecnologia e retirar o governo da educação, decretando, de uma vez por toda, a separação entre a educação e o estado?

C. O Ponto de Chegada

É forçoso reconhecer que o ponto de chegada está bem distante do ponto de partida. Comecei, como ponto de partida, vendo a educação como aquilo que tinha lugar dentro das escolas, que, em sua maioria eram públicas, vale dizer, estatais. Chego ao final vendo a educação como um processo que pode e deve ter lugar totalmente fora da escola, de forma desinstitucionalizada e desestatizada. Como era a educação de antigamente — só que, agora, com todas as possibilidades inerentes às mais sofisticadas tecnologias digitais.

Em Salto, 23 de Julho de 2020.

Apresentação do meu Novo Livro

Meus caros leitores e amigos:

Lanço hoje – 20/2/2019 – a segunda edição, revista e bastante ampliada, do meu principal livro, que venho escrevendo há dezoito anos. Por enquanto ele está apenas no formato e-book, padrão Kindle, da Amazon Books.

O título é Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era (Segunda Edição).

Tem um belo Prefácio do Rubem Alves, escrito na data da primeira edição do livro, em 2003. Uma preciosidade: só ele vale o preço do livro…

Entre a Primeira e a Segunda Edição, passaram-se dezesseis anos em que continuei a atualizar o material até trazê-lo à sua forma presente.

O conteúdo do livro é basicamente o seguinte.

Além do Prefácio, da Apresentação e das Explicações do Autor (estas tanto na segunda como na primeira edição), o livro tem sete capítulos, seis anexos, e um epílogo, distribuídos em 342 páginas (espaço 1,2), em Microsoft Word (535 páginas no e-book Kindle), e está dividido em quatro blocos:

  • Um bloco constituído pelos três primeiros capítulos;
  • Um bloco constituído pelos quatro últimos capítulos
  • Um bloco constituído pelos seis anexos;
  • Um bloco constituído apenas pelo epílogo.

Os três primeiros capítulos do livro (Capítulo Primeiro ao Capítulo Terceiro) são mais genéricos e procuram amarrar bem estas três teses:

  • Vivemos em uma Nova Era;
  • Uma Nova Era exige uma Nova Educação;
  • Uma Nova Educação Exige uma Nova Escola.

Pedem o Bom-Senso e a Lógica que essas três questões sejam discutidas em bloco, e nessa ordem.

O Capítulo Primeiro discute a Nova Era, que tem sido batizada com vários nomes: Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, mais recentemente, Sociedade da Criatividade, Sociedade da Aprendizagem, etc. Nomes como Segunda Renascença, Sociedade Pós-Industrial, Sociedade Pós-Moderna, etc., também têm sido empregados, cada um de seus proponentes procurando enfatizar um aspecto da mesma Nova Era.

O Capítulo Primeiro descreve, em linhas gerais, essa Nova Era, mostrando, de um lado, suas conexões com as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, as tecnologias digitais, disseminadas a partir da revelação ao mundo do Primeiro Computador Eletrônico Digital, em 1946, e, de outro lado, suas implicações para a Educação, em geral, e para a Escola, em particular.

O Capítulo Segundo discute, em mais detalhe, a Nova Educação que se faz necessária nessa Nova Era.

A nova visão de educação proposta e defendida é a da Educação como Desenvolvimento Humano, que deverá substituir a visão tradicional de educação, centrada na Transmissão de Conteúdos Informacionais.

O Capítulo Terceiro discute, em linhas gerais, a Nova Escola que se faz necessária quando se adota essa Nova Educação.

A Nova Escola proposta e defendida promoverá a Educação como Desenvolvimento Humano, e isso fará com que precise ter

  • um Novo Currículo (centrado na Construção de Competências e Habilidades);
  • uma Nova Metodologia (que será de Aprendizagem, não de Ensino);
  • Novos Papéis (com protagonismo para os Aprendentes, não para os Ensinantes);
  • uma Nova Organização do Tempo e do Espaço (que não são mais determinados pela Aula e pela Sala de Aula, mas, sim, voltados para facilitar a interação, a comunicação e o diálogo dos aprendentes, com colegas e facilitadores da aprendizagem, internos e, via tecnologia, externos, bem como seu acesso às informações de que possam vir a ter necessidade para por em andamento seus projetos de aprendizagem);
  • Novas Formas de Usar a Tecnologia (um uso criativo e inovador, voltado para preservar os espaços e ambientes de aprendizagem organizados e facilitar o acesso a eles em qualquer momento e a partir de qualquer lugar).

Os Capítulos Quarto ao Sétimo discutem em mais detalhe cada um desses elementos da Nova Escola, já introduzidos no Capítulo Terceiro:·

  • O Capítulo Quarto, o seu Currículo;·
  • O Capítulo Quinto, a sua Metodologia e sua Forma de Avaliação;
  • O Capítulo Sexto, a sua Organização de Papéis, bem como de seus Tempos e Espaços;·
  • O Capítulo Sétimo, o seu Uso da Tecnologia e sua Conexão com o Mundo Externo.

O Capítulo Sétimo dá um fecho temporário ao livro – mas há muito por vir ainda…

Os Seis Anexos consistem de três artigos e três entrevistas minhas, escritos na mesma época que o livro, em sua primeira edição, estava sendo publicado (2003).

O Primeiro Anexo retoma a discussão, agora mais detalhada, da Evolução das Tecnologias Relevantes à Educação e oferece uma comprovação do fato de que, toda vez que essas tecnologias se alteram drasticamente, há mudanças importantes no paradigma educacional vigente e, até mesmo, a troca de paradigmas educacionais.

As tecnologias, mesmo as antigas, quando usadas de forma criativa e inovadora, se incorporam de forma natural à educação, depois de vencidas as primeira reações negativas, em regra bastante naturais.

A fala, a escrita, e o livro impresso são tecnologias – dentre tantas que têm se mostrado essenciais na educação.

A escola moderna, aquela que hoje é chamada de a escola tradicional, é fruto da Reforma Protestante do século XVI na Alemanha, que, por sua vez, é um dos frutos da revolução introduzida pela prensa de tipo móvel, de Johannes Guttenberg (1400-1468), que, por volta de 1455, imprimiu, em Mainz, na Alemanha, o primeiro livro: uma Bíblia (em Latim, naturalmente).

A escola moderna é, em alguns aspectos, fruto da iniciativa de Martinho Lutero (1483-1546), líder da reforma religiosa alemã, que criou a vinculação da escola com o estado (a escola pública, com se chama hoje), sua gratuidade para o usuário direto (posto que o estado se encarregava de sustentá-la), sua natureza universal (era aberta para todas as crianças de uma determinada região, homens e mulheres, ricos ou pobres), sua natureza compulsória (para a infância) e sua frequência obrigatória (para os matriculados).

Em outros aspectos, mormente em seu currículo e sua metodologia, a escola moderna recebeu forma nas mãos do também líder religioso, este tcheco (moraviano/boêmio), Jan Amos Comenius (1592-1670), autor da Didactica Magna e inventor da Matética (a Arte de Aprender). (Tendo sistematizado a Didática, talvez Comenius lhe tenha também escrito o epitáfio, ao inventar a Matética – só que o doente está custando séculos para morrer…).

Quando as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, as digitais, estiverem sendo usadas na educação e na escola de forma tão natural quanto a fala, a escrita e o livro são usados hoje, na escola tradicional, a escola tradicional terá sido subvertida e encontrará seu breve fim. Nesse momento as Novas Tecnologias da Nova Era passarão a ser usadas para promover a Nova Educação e viabilizar a Nova Escola: para promover o desenvolvimento humano, para ajudar os alunos a construir competências e habilidades básicas que lhes permitirão definir seu projeto de vida e, oportunamente, transformá-lo em realidade, vindo a viver uma vida realizada e feliz.

O Segundo Anexo discute a difícil mais importante questão do Gerenciamento de Mudanças. Muita coisa tem sido escrita sobre o tema, e boa parte do que foi escrito é complexo e sofisticado. Eu procurei abordar a questão de forma tão simples quanto possível, lidando com questões do dia-a-dia.

O Terceiro Anexo discute a questão da Avaliação de Projetos de Aprendizagem. Essa também é uma questão fundamental no contexto de uma nova educação e de uma nova escola – essenciais para uma nova era.

Os Três Anexos Finais retomam, em entrevistas, a discussão de diferentes aspectos da Introdução da Tecnologia na Escola e do Uso da Tecnologia na Educação que Tem Lugar Fora da Escola.

Por fim, o Epílogo, que vem depois dos anexos, dá um fecho no texto e esboça um olhar para o futuro e aponto caminhos.

O Epílogo, parte final do livro, se conecta com a parte inicial, o Prefácio do Rubem Alves.

Em vários lugares no livro discuto dois componentes importantes de qualquer educação que valha a pena: Competências e Sonhos. O Rubem pegou essa referência e formulou uma tese genial, que uso como mote do Epílogo. Cito:

“Competência é ter a capacidade para resolver os problemas que nos desafiam no dia a dia. Muito cedo, sem que ninguém saiba como, a criança adquire competência para andar. Com isso ela resolve o problema de deslocar-se no espaço. E aprende a falar. Com isso ela se torna competente na comunicação. O menino que roda o pião ficou competente em rodar pião. A menina que pula corda ficou competente em pular corda. O jovem que toca violão se tornou competente em tocar violão. Para isso foi necessário que o seu sonho fosse muito forte. Se ele não sonhasse forte ele não teria paciência… Sempre que o sonho é forte a inteligência trabalha com paciência e persistência. Não é preciso que ninguém lhe dê ordens.

A vida é feita de competências. Corrijo-me. A vida é feita de competências e sonhos. São os sonhos que buscam as competências. As competências nos dão os ‘meios para viver’. Os sonhos nos dão as ‘razões para viver’”.

Fim da Citação.

As competências existem para que os sonhos se realizem.” No que segue, caminho para fechar esta apresentação, comentando, com palavras minhas, retiradas do Epílogo…

Falei dos dois, de competências e de sonhos, mas gastei muito mais tempo com as competências do que com os sonhos, com os meios em vez dos fins, com o acessório quando deveria ter focado o essencial… “São os sonhos que buscam as competências”, diz o Rubem. É verdade. São os nossos sonhos que determinam nossos projetos de vida que, por sua vez, definem quais as competências que devemos buscar para fazer deles a realidade de nossa vida, nossa vida vivida.

Se isso não está acontecendo, alguma coisa está errada com a nossa educação.

Talvez o maior pecado da Educação Tradicional, que não se preocupa com sonhos, projetos de vida, talentos e paixões, esteja aí – exatamente aí. A Educação Tradicional é padronizada, algo em um só modelo, em um só tecido e de um tamanho e de uma cor só. Não é personalizada, ajustada — “feita sob medida” – para os seus sonhos, as suas paixões, os seus talentos.

Este livro busca traçar um mapa e fornecer uma bússola que nos permitam ir da escola que temos para a escola que queremos – e, quem sabe, além. Um mapa e uma bússola– não um itinerário, muito menos um passo-a-passo. O bom de um mapa e de uma bússola é que com eles é você que define o seu destino e escolhe o seu caminho.

Eu estou lançando o livro hoje, 20/2/2019, vinte e cinco dias antes do prazo que eu havia me dado.

Eduardo CHAVES
20 de Fevereiro de 2019
(Data prevista: 15 de Março de 2019)

DISPONÍVEL EM:

Para quem tem conta na Amazon Brasil, em:

https://www.amazon.com.br/Educação-Desenvolvimento-Humano-Segunda-Edição-ebook/dp/B07NPVWMJG/

Para quem tem conta na Amazon US, em:

https://www.amazon.com/Educação-Desenvolvimento-Humano-Segunda-Portuguese-ebook/dp/B07NPVWMJG/

Mas o livro está disponível em todas as lojas virtuais da Amazon no mundo para leitores dos respectivos países: UK, Deutschland, France, España, Canada, etc.

NOTA:

Quem tem conta em uma Loja Nacional da Amazon pode comprar livro impresso em qualquer loja da Amazon no mundo — mas só pode comprar e-books, como este, na Loja em que abriu a sua conta.

Home Schooling e Escolaridade Compulsória

Começo declinando o ponto do qual tenho minha vista e perspectiva. Sou um liberal clássico que está bem mais próximo de ser um anarquista libertário do que de ser algo que às vezes é chamado de liberal social.

O partido do atual presidente se chama PSL: Partido Social Liberal. Embora tenha votado em Jair Bolsonaro na última eleição presidencial, não o fiz pelo partido que o abrigou ou que ele adotou. Fi-lo por quem Jair Bolsonaro representou nessa eleição: do aspecto negativo, a a anti esquerda e o anti petismo; do ponto de vista positivo, o combate sério à corrupção e ao crime, com a necessária defesa e valorização das polícias, na área da Justiça, a ênfase nos direitos individuais clássicos, não os assim chamados direitos sociais, na vida social e nas relações trabalhistas, o liberalismo tão clássico quanto possível na economia, a redução do tamanho do estado, e o realinhamento do Brasil com os Estados Unidos na política externa (e não com a Europa, nem muito menos com a África e o Oriente Médio, nem com a China e a União Soviética) e a consequente oposição à tentativa da ONU de se tornar um governo global.

Não sou um conservador. Sou a favor do aborto sob demanda dentro dos primeiros meses da gravidez, sou a favor da liberdade das pessoas se relacionarem afetiva e sexualmente com quem quiserem, em relacionamentos mono ou pluri, tanto no aspecto afetivo como sexual, sem intervenção do governo, que deve se abster de interferir com a vida das pessoas, sou a favor do direito ao suicídio e da eutanásia, sem ou com assistência, etc. Embora tenha voltado a ser membro de igreja há uns dez anos, depois de quarenta anos longe, não o fiz por aceitação dos seus aspectos credais, confessionais e dogmáticos, nem mesmo morais, mas, sim, pela vida comunitária que algumas igrejas oferecem, como é o caso da minha, qualificada pelo seu pastor titular como sendo uma igreja de baixa demanda: que oferece oportunidades de você fazer o que tem interesse em fazer e não exige que você não faça quase nada além de demonstrar respeito pelos outros e pela igreja, como instituição – algo que eu faço sem nenhum esforço, por ter nascido na igreja e crescido dentro dela. Isso não quer dizer que não tenha minhas convicções nem meus valores. Certamente eu os tenho e não me furtarei de desfraldá-los aqui neste artigo.

Se você tem dúvida sobre a diferença entre ser um liberal clássico e ser um anarquista libertário, passo a explicar. Os dois são parentes próximos. Ambos são defensores radicais da liberdade. Nenhum dos dois confia em governo ou gosta de governo – e a razão é simples de entender: qualquer poder que o governo tiver, é tirado à força de você, qualquer dinheiro que o governo tiver, é roubado de você. A atitude dos dois para com governos é aquela do autor do dito famoso: si hay gobierno, soy contra – y si no hay, también lo soy. A única diferença entre o liberal clássico e o anarquista libertário é uma diferença que eu chamo de cálculo na análise da resposta a esta pergunta:

  • Devo eu defender uma forma organização social com um governo mínimo, que tem três poderes, mas atribuições e funções absolutamente limitadas, estritamente controladas e severamente vigiadas,
  • Ou devo defender uma organização sociedade anárquica, sem nenhum governo, onde todos os conflitos se resolvem na base da conversa, da negociação, na pior das hipóteses, de uma arbitragem ad hoc, diante de um árbitro em que ambos confiam?

Quem responde “sim” à primeira pergunta, é um liberal clássico; quem responde “sim” à segunda pergunta, é um anarquista libertário.

Os dois brigam um com o outro sobre qual dessas duas posições contribui para que o indivíduo – você e eu, no caso — tenha mais liberdade. Os dois querem a maior liberdade possível, e, portanto, concordam no tocante aos fins. Mas discordam quanto aos meios: qual forma de organização da sociedade dá mais liberdade aos indivíduos? Por isso me referi à disputa entre eles como uma questão de cálculo.

À primeira vista, o anarquista libertário parece sair ganhando, porque nenhum governo retira dele alguma liberdade. No caso do liberal clássico, por mais mínimo que seja o governo que ele defende, esse governo sempre vai lhe roubar um bom pedaço de sua liberdade. A menos que o país em que você mora tenha uma milícia ou um exército profissional, seu governo vai compelir você a prestar serviço militar para a eventualidade de precisar defender seu país numa guerra. Lá vai uma parcela de sua liberdade. Se ele tiver uma milícia ou um exército profissional, seu governo vai compelir você a pagar pelos seus serviços com o seu rico dinheirinho — através de impostos. E lá vai uma parcela de sua liberdade. E assim vai.

Como é que o liberal clássico se defende dos argumentos do anarquista libertário? Defende-se alegando que o anarquista se engana sobre a natureza humana… O liberal clássico argumenta que o anarquista libertário tem uma visão muito otimista e ingênua da capacidade do ser humano de viver em comunidade, em paz com os seus concidadãos, sem um poder maior que impeça que os mais fortes ajam com violência para com os mais fracos, roubando suas propriedades, seu dinheiro, obrigando os mais fracos a trabalhar para eles de graça ou apenas em troco de casa e comida (trabalho escravo), etc. Se não houver um governo, ainda que com atribuições mínimas, desde que nessas atribuições estejam incluídas fazer leis e baixar normas, cuidar para que elas sejam cumpridas, prender e punir quem não as obedece, etc.

Esse argumento do liberal clássico não é sem mérito.

No entanto, disse lá atrás, na primeira linha, que, à medida que o tempo passa, e pra mim já passou um bocado, eu, que comecei sendo um liberal clássico radical, tenho me inclinado cada vez mais na direção do anarquismo libertário. Isso porque mesmo o governo mínimo do liberal clássico não consegue defender você contra ele próprio ou não tem interesse em fazê-lo. O governo, mesmo com atribuições mínimas, é sempre a maior ameaça ao cidadão. Maior mesmo que o crime organizado. A maior dificuldade que um povo que vive sob um governo liberal clássico tem – e o povo que mais se aproximou de viver essa experiência foi o americano, nos cinquenta anos de 1865 a 1914 – está no fato de que o governo vai aproveitar qualquer situação, seja uma guerra, como a Primeira Guerra de 1914-1918, seja uma crise econômica, como a Depressão que aconteceu depois do crash da bolsa americana em 1929, seja qualquer outro tipo de emergência, real ou imaginada, para dizer ao povo e ao Congresso: estamos numa crise séria, é preciso que o Congresso aumente as atribuições e os poderes do governo, ainda que excepcionalmente, porque, se não fizer isso, todo mundo vai se ferrar. E o Congresso, com medo de ser responsabilizado pelo povo, que não reelegerá os seus membros se a crise não terminar, cede e dá mais poderes ao governo – e nunca mais vai conseguir devolver esses poderes a quem deveria ter ficado com eles, o povo.

O que é que tudo isso tem que ver com a questão do bendito Home Schooling?

Tem tudo que ver. Se a frequência à escola não fosse compulsória para determinadas faixas etárias, que hoje, se não me engano, vai dos quatro aos dezessete anos, ninguém estaria brigando pelo direito de educar seus filhos em casa, sem precisar enviá-los para a escola durante quatorze anos!

Quando eu entrei na escola (pública, notem bem) no início dos anos 50, a escolaridade já era compulsória – mas era compulsória apenas por quatro anos (o Curso Primário), para crianças de 7 a 10 anos. Depois a duração da escolaridade compulsória foi dobrada, para oito anos, passando a ser o equivalente ao Primário e o Ginásio, na denominação que tinham naquela época (creio que era Ensino de 1º Grau de Oito Anos), e as crianças tiveram sua sentença estendida para a idade de 7 a 14 anos. Depois o Ensino de 1º Grau virou Ensino Fundamental e não custou muito para o governo estender o Ensino Fundamental para nove anos – aumentando um ano na escolaridade compulsória: nove anos (6 a 14). Isso porque esse ano extra foi tirado da Educação Infantil, que durava três anos, mas não era obrigatória, e transferido para o Fundamental. Mas logo veio a bomba: o Ensino Infantil, agora de dois anos (faixa etária de 4 e 5) e o Ensino Médio, de três (faixa etária de 15 a 17), passaram a integrar a escolaridade compulsória, que foi estendida para quatorze anos (faixa etária dos 4 aos 17).

Belíssimo, não é? As crianças de hoje têm quatorze anos de sua liberdade retirada delas, à força, pelo governo, sem que este tenha consultado as crianças ou seus pais para ver se eles achavam se isso era bom ou ruim. Quando consulta alguém, o governo consulta as corporações de professores, diretores, supervisores, orientadores, donos de escola, etc. Esses têm total interesse em aumentar o escopo do seu campo de trabalho.

Mas a coisa ainda ficou pior. O ano letivo, quando eu entrei na escola, era de 140 dias. De lá passou por 160, por 180 e hoje é de 200.E tem gente que defende 240 dias. O número de horas de permanência na escola, que, quando eu estava no Primário, era de três horas diárias (a escola tinha três turnos: 8 às 11, 11 às 14 e 14 às 17 horas), aumentou para quatro, depois para cinco horas, os turnos se reduziram para dois (7 às 12 e 13 às 18 horas, por aí).  E há um movimento a todo vapor querendo que as crianças permaneçam encarceradas na escola em tempo integral, o tempo todo – ou, pelo menos, sete horas por dia (com chance de que isso aumente para oito, nove e até dez). O governo quer ter nossas crianças em suas mãos o máximo do tempo possível para quê? Para poder doutrina-las, de modo a que elas nunca venham a conseguir escapar de suas doutrinas e do seu poder?

Se a escola fosse uma coisa boa, e fosse realmente percebida como tal, não seria preciso obrigar as pessoas a colocar seus filhos na escola, privando-os de sua liberdade, e os pais de sua companhia, durante os melhores anos da vida das crianças, não é verdade?

Vocês já notaram que, sem querer, a escola reconhece que é uma prisão? Quando alguém não vai bem, academicamente, ele é punido: é reprovado. A escola poderia achar formas de lidar criativamente com o que, para ela, é um problema. Mas reprovar o aluno e obriga-lo a repetir o ano inteiro em que foi reprovado, não só as matérias em que foi reprovado. Isso significa obriga-lo a cursar de novo as mesmas coisas que não interessam ao aluno (se o conteúdo curricular fosse interessante, o aluno estudaria, pelo menos um pouco, não iria faltar, e não seria reprovado). A própria escola, quando quer punir um aluno, dá-lhe mais escola, como punição. Querem outro exemplo? Quando alguém não vai bem ou não se comporta bem na escola cai vítima da retenção: fica na escola por mais tempo depois das aulas. De novo, a própria escola, para punir, obriga o aluno a ficar mais tempo dentro dela, como punição… Se fosse bom, agradável e benéfico ficar dentro da escola, a punição não seria ficar mais tempo dentro dela, não é verdade?

Se a extensão da escolaridade compulsória, o “espichamento” do calendário escolar, o aumento das horas de permanência diária na escola redundassem em mais e melhor aprendizagem, eu não precisaria estar escrevendo este artigo. O problema é que, quanto mais escola o governo tenta enfiar goela abaixo das crianças, adolescentes e jovens (pensando que o está fazendo mente adentro), pior: as crianças, os adolescentes e os jovens resistem bravamente e aprendem menos. O problema da escola obrigatória não se resolve com mais escola obrigatória. Resolve-se com menos, ou com nenhuma, escola.

Os alunos em geral demonstram criatividade, inteligência e motivação natural para aprender quando fora da escola, fazendo coisas de seu interesse, que passam longe do currículo da escola. Quando dentro da escola, porém,  parece que, como disse Tolstói, que “se aposentaram da vida”. Puro tédio, decorrente de falta de interesse. A escola, porém, não reconhece esse fato: os psicólogos da educação e os pedagogos inventaram dificuldades de aprendizagem uma atrás da outra, desordens de déficit de atenção, etc. Uma camiseta que eu vi nos Estados Unidos uma vez dá a dimensão exata. Ela dizia: “ADD? No way! Just not interested!” (“Desordem de Déficit de Atenção? De jeito nenhum! Eu simplesmente não estou interessado!”).

Em países mais civilizados do que o nosso, se os pais têm interesse, capacidade e disponibilidade de tempo para assumir a educação dos seus filhos, eles têm liberdade para assumi-la. Têm de prestar contas de tempo em tempo do que os filhos estão aprendendo, mas não precisam obrigar seus filhos a se levantar às 6h15 num Inverno como o que está havendo nos Norte dos EUA agora (como os meus netos lá têm de fazer [duas netas de sangue e um casal de netos “herdado by law”]).

Aqui no Brasil, se um casal, apesar de pagar impostos escorchantes, boa parte dos quais vai para sustentar um sistema escolar público falido, resolvem educar seus filhos em casa, no que nos EUA se chama de Home Schooling, eles vão presos – porque incorreram no crime de desobedecer a lei da escolaridade compulsória — desobedeceram ao governo, tentando recuperar um pouquinho de sua liberdade.

O que a recente medida do governo fez foi permitir que os pais que assim desejem, que tenham capacidade e tempo disponível, possam educar seus filhos em casa, sem ser presos. É isso. Só isso. A medida abriu uma exceçãozinha na lei da escolaridade compulsória. Aqueles que acham a escola pública uma beleza, têm certeza de que os filhos estão recebendo uma educação de fazer inveja à Finlândia e à Coreia do Sul juntas na escola, fiquem tranquilos: poderão deixar seus filhos se deliciando na escola pública (ou particular) pelo tempo que eles pais desejarem. Mas perguntem a opinião dos filhos, antes.

Bastou o novo  governo, meio de direita, meio liberal, tomar essa medida sensatíssima e de mínimo impacto, e a esquerda começou a ter chiliques. Chiliques mesmo. As crianças não vão para a escola apenas para adquirir conhecimentos (como se adquirissem), diz a esquerda, mas também para se socializar, para aprender a conviver, a respeitar o outro, a tolerar diferenças…

Até aparece… Será que esse pessoal já passou um dia numa escola pública típica? Ou, então, numa escola particular no centro de São Paulo ou nos melhores bairros da cidade? Os torcedores das torcidas uniformizadas, que frequentam os campos de futebol e fazem deles e da vizinhança um campo de batalha, passaram todos pela escola compulsória – de cabo a rabo. Esses torcedores foram socializados? Aprenderam a conviver? Aprenderam a respeitar os outros e a tolerar diferenças? Se aprenderam, de onde vem tanto ódio e tanta violência.

A verdadeira socialização se faz em casa ou debaixo da influência da família nuclear, da família estendida, e da comunidade. Deveria se fazer socialização também pela televisão e pela Internet, mas nós sabemos que isso não acontece, não é?

Todo mundo que está lendo este artigo (se alguém chegou até aqui) sabe que uma novela da Globo, até mesmo a das 19h, quanto mais a das 21 e as séries que passam depois, são um perigo maior para a socialização das crianças e adolescentes do que um casal bem intencionado que resolve educar seus filhos em casa, para que eles não sejam bombardeados, dentro da sala de aula, por um monte de lixo de vários matizes, e, fora da sala de aula, mas dentro dos muros com arames farpados, sejam vítimas de bullying, assédio sexual, ofensas morais geralmente expressas em uma linguagem de fazer corar a torcida PonTerror da Ponte Preta de Campinas…

Na Internet, mesmo no Facebook, a violência verbal, a linguagem mais do que chula, obscena, o desrespeito, a intolerância – quase tudo ali subverte a socialização dos adolescentes e jovens que frequentam a plataforma muito mais do que Home Schooling (se é que Home Schooling a subverte, que eu nego). Mas, para a esquerda chilicosa, um casal educando os filhos em casa é um perigo ainda maior.

Quem inventou a escola estatal e a escolaridade compulsória foi Martinho Lutero, na região da Saxônia, na Alemanha, a partir de 1525 (vai fazer 500 anos: esquerda, hoje a maior defensora da escola estatal e compulsória, deve se preparar para comemorar!). Enquanto o pedaço do mundo em que Lutero vivia era ainda católico, ele nem pensava em exigir que a escolaridade fosse obrigatória nem em sugerir que o estado a custeasse (a Igreja Católica fazia isso). Quando o Príncipe Frederico III, o Sábio, deixou evidente que havia se tornado luterano, e, por causa disso, todo mundo na Saxônia virou luterano da noite para o dia (pelo princípio do cujus regio, ejus religio – aquela que for a religião do rei será a religião de todo mundo), Lutero começou plantar escolas ao lado de tudo que era igreja, e exigiu do Príncipe que a escolaridade fosse compulsória, bem como que o Príncipe custeasse todo o sistema escolar (como já custeava todas as igrejas tornadas luteranas, pagando até salário dos padres tornados pastores). O mundo pode culpar Lutero por pelo menos dois grandes males: a estatização da escola e a escolaridade compulsória.

Vai ser preciso muito Trump e muito Bolsonaro para reverter isso…

Em Editorial de 14/9/18, o Estadão opinou de forma sensata e elogiou o fato de que, sob a liderança, no caso, do Ministro Alexandre de Moraes, o STF reconheceu que a Constituição não proíbe home schooling mas que ela, a educação em casa, precisa ser, primeiro, regulamentada pelo congresso, diante da exigência constitucional da escolaridade compulsória. Isso retarda uma medida inevitável — mas é um sinal positivo de que o STF vai reduzir o seu “ativismo jurídico”, em que legisla nas lacunas e nos interstícios da lei. Pessoalmente, porém, eu teria preferido que o STF tivesse votado com o magnífico relatório do Ministro Relator, Barroso, favorável a home schooling.

 Para terminar, vou acrescentar trechos adaptados de um post recente meu no Facebook. Nesse trecho falo em escolaridade obrigatória em vez de compulsória. É basicamente a mesma coisa.

Home Schooling não é uma medida destinada a quem não a quer ou não tem condições (intelectuais ou de disponibilidade) de se valer dela.

Primeiro ponto importante:

O foco da medida não é obrigar ninguém a se valer de Home Schooling: é LIBERAR, quem quiser e puder educar em casa os próprios filhos, DE SER OBRIGADO A COLOCAR OS FILHOS NA ESCOLA.

Segundo a legislação brasileira atual, os pais cujos filhos não frequentam uma escola durante a idade de escolaridade obrigatória (acho que é de 4 a 17 anos, hoje) cometem um crime. Acho isso um absurdo. Em um país democrático e minimamente liberal, os pais devem ter o direito de fazer uma escolha livre: colocarem ou não colocarem seus filhos na escola. Colocando-os, devem ter o direito de os tirarem da escola quando quiserem. O Estado que vá cuidar de segurança, da ordem, das invasões de refugiados, dos que invadem fazendas alheias, ocupam prédios de apartamento que não seu seus, que vá fiscalizar empresas que colocam em risco a vida e o bem-estar da população, como a Vale – que, absurdamente, ainda são, em parte, do governo.

Segundo ponto importante:

Porque o estado resolveu tornar a escolaridade obrigatória, ele se viu forçado a investir na educação pública, gratuita, para que ninguém fosse obrigado a fazer algo (colocar os filhos na escola) e ainda por cima ter de pagar para poder cumprir a obrigação.

Logo, a imposição de uma obrigação legal absurda aos pais (a escolarização obrigatória de seus filhos) acarretou a criação de um dever absurdo ao Estado (o fornecimento de educação pública gratuita — supostamente gratuita, pois todos nós pagamos por ela).

O que os países que possuem sistemas de educação pública gastam hoje com a educação é um absurdo: esses gastos impõem uma sobrecarga de impostos à população que está levando à falência a maior parte dos estados.

Fornecer quatro anos de educação primária, parecia razoável. Mas quatorze! E quem não tem filhos em idade escolar, ou simplesmente não tem filhos, ou que tem filhos em idade escolar mas frequentando escola particular, pagam, através de seus impostos, por uma educação da qual não se beneficiam. As famílias cujos filhos estudam no Dante ou no Porto Seguro, ou, no nível superior, na PUC ou no Mackenzie, continuam a pagar, com seus impostos, o altíssimo custo da USP, da UNICAMP da UNESP, universidades de elite, frequentadas em grande parte pela classe média a alta, e das FATECs no Estado de São Paulo, e o de não sei quantas Universidades Federais, Institutos Federais, CEFETs, e outros, frequentados pela classe média para baixo. Essas são instituições gratuitas que atuam além do nível da escolaridade obrigatória, e que, portanto, se existem (não deviam), não poderiam, de forma alguma, ser gratuitas.

Não sou tributarista, mas tenho certeza de que nossa carga de impostos poderia cair quase pela metade se a educação pública, de todos os níveis, terminasse do dia para a noite.

Terceiro ponto importante:

O altíssimo custo da escola pública não se traduz em uma educação de qualidade. Todo mundo que eu conheço, até a maior parte dos meus ex-colegas esquerdinhas na Faculdade de Educação da UNICAMP, defensores da manutenção e da expansão da escola pública (e até da proibição da escola particular), quando pode, coloca os filhos em escolas particulares, pagas, pagando duas vezes pela educação de seus filhos: diretamente para a escola particular, indiretamente pelos impostos que precisam continuar a pagar para sustentar a escola em que não querem deixar seus filhos, porque a qualidade de sua educação é baixa que ela virou um risco para a vida e a segurança das crianças, dos adolescentes e dos jovens.

Quarto ponto importante:

Façamos uma conta rápida, para terminar.

Em 1950, um aluno cumpria 3 horas por dia, durante 140 dias por ano, durante 4 anos – 1.200 horas de escolaridade compulsória.

Em 2020, um aluno vai cumprir 8 horas por dia (vai chegar lá), durante 200 dias por ano, durante 14 anos: 22.400 horas de escolaridade compulsória.

Aumento de quase vinte vezes ou por volta de 1.800%, ao longo de setenta anos.

Este é o tamanho do aumento da servidão de nossas crianças, adolescentes e jovens ao longo dos últimos setenta anos.

POR FIM:

A única coisa que Decreto do Governo Bolsonaro faz é FACULTAR, isto é, RESTITUIR O DIREITO, aos pais que desejam e tem condições intelectuais, materiais, e de disponibilidade de fazer isso, de educar seus filhos fora da escola, em casa ou onde quer que queiram.

NOTE-SE BEM:

  1. O Decreto não obriga ninguém a fazer isso, em especial os que não querem e os que não podem, por qualquer razão (até mesmo ideológica).
  2. O Decreto nem de longe contempla acabar com a Escola Pública, nem mesmo com a Universidade Pública ou Ensino Superior Público em outras modalidades (técnico ou tecnológico, por exemplo) – embora eu seja a favor disso.
  3. O Decreto obriga os pais que escolherem educar seus filhos em casa a submeter seus filhos a exames públicos que constatem que estão sendo educados.

É isso.

Salto, 2 de Fevereiro de 2019

A Questão da Educação Moral

[Trabalho redigido em Agosto de 2000 para uso dos alunos da disciplina “Educação Moral” ministrada no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação e Ciências Humanas do Instituto Adventista São Paulo (IASP), no segundo semestre de 2000]

Conteúdo

  1. Educação Integral e Educação Moral
  2. A Moralidade: Início da Discussão
  3. Ações Morais, Imorais e Moralmente Neutras
  4. Critérios – Saber o que é Certo: O Plano Cognitivo
  5. Critérios – Querer Fazer o Certo: O Plano Conativo
  6. Critérios – O Plano da Ação
  7. Moralidade e Valores

1. Educação Integral e Educação Moral

A educação escolar tem tradicionalmente concentrado sua atenção nos aspectos cognitivos do ser humano – naqueles aspectos relacionados com o desenvolvimento do seu intelecto, de sua inteligência. Para quem observa uma escola tradicional, parece que sua única preocupação é conseguir passar aos alunos informações e conhecimentos – e, na melhor das hipóteses, desenvolver neles algumas competências de natureza cognitiva, a maior parte delas de cunho lógico ou linguístico – que os alunos precisam possuir (acredita-se) para poder vir a atuar competentemente no mundo adulto.

No entanto, tão importantes para os seres humanos quanto o seu intelecto são sua sensibilidade, suas emoções, sua vontade – em geral tristemente ignoradas pela educação escolar tradicional. Falar para alguns educadores em “educação da sensibilidade”, “educação das emoções” e “educação da vontade” é arriscar-se a receber em resposta um olhar vidrado de quem imagina que está tendo contato com um extraterrestre.

No entanto, a retórica pedagógica até mesmo atual frequentemente inclui referência à chamada “formação integral” (da criança), sugerindo que a educação não pode se focar apenas na transmissão de informações e conhecimentos e no desenvolvimento das competências e habilidades cognitivas do ser humano. É raro, porém, que fique claro no que consistiria essa formação integral. Instituições educacionais de origem confessional geralmente dão a entender que ela inclui educação moral e educação religiosa – mas em geral concebem a educação moral e a educação religiosa de forma intelectualizada, quando não puramente doutrinacional, como a inculcação de certos valores e regras de conduta moral e de algumas doutrinas religiosas.

Por isso, apesar de a expressão “formação integral” aparecer, hoje em dia, com certa frequência também na literatura pedagógica secular e leiga, para muitos não é muito claro o que se tem em mente quando se fala em facetas da educação que vão além da transmissão de informação e conhecimento e do desenvolvimento de competências e habilidades puramente cognitivas.

A finalidade deste texto é procurar esclarecer um dos componentes – talvez o mais importante – da dita formação integral: a “educação moral”. No processo, discutir-se-á como ela pode ser realizada – em casa, na escola, na comunidade, na igreja, ou em qualquer outro contexto. Ver-se-á que a educação moral, embora contenha elementos cognitivos (que, para alguns, esgotam o seu significado), está estreitamente envolvida com a educação da sensibilidade, das emoções, e, principalmente, da vontade.

Assim, pressupondo que já tenhamos razoável clareza acerca do que seja a educação, é necessário discutir, para que entendamos o que é a “educação moral”, o que é a moralidade. A isto nos dedicaremos a seguir.

2. A Moralidade: Início da Discussão

O que é a moralidade?

Em vez de partirmos, de início, de uma definição, como as que encontramos em dicionários, vamos tentar delimitar o conceito de forma mais indireta – perguntando, por exemplo: “De que tipo de coisas dizemos que são morais ou imorais?”

Fazendo esta pergunta a uma classe numa escola confessional na qual discutia a questão, a primeira resposta que me foi dada foi: “Roupas”. De início fiquei surpreso que minha interlocutora fosse pensar, em primeiro lugar, nesse tipo de coisa, ao refletir sobre a moralidade. Mas lembrando-me de que a igreja a que pertence a referida aluna é das que colocam bastante ênfase na indumentária dos alunos, proibindo (ou, pelo menos, enfaticamente “desincentivando”), para mulheres, calças justas, saias curtas, e blusas decotadas ou transparentes, a resposta começou a fazer sentido e acabou gerando excelente discussão.

Retruquei, meio socraticamente, perguntando à minha interlocutora em que sentido roupas podiam ser morais ou imorais? Perguntei a ela se a roupa que eu estava usando na ocasião (calças jeans, camisa social e suéter) seria moral ou imoral. A resposta foi de que minha roupa era moral – ali naquele contexto; se eu estivesse num banquete chique, continuou a moça, minha roupa seria considerada – digamos – inadequada. Até ela relutou em dizer “imoral”.

A partir dali procurei aprofundar a discussão da distinção entre uma roupa “imoral” e uma roupa “inadequada à ocasião”. É claro que roupas podem ser claramente inadequadas a determinadas ocasiões. Perguntei à aluna se ela achava que, no tocante a roupas, ser imoral era a mesma coisa que ser inadequada à ocasião.

Sua resposta tergiversou um pouco. Ela disse: “Roupa imoral é roupa indecente”. Com isso, introduziu um novo conceito na discussão: o de decência.

Perguntei a ela se, a seu ver, o indecente não seria apenas um caso especial do inadequado à ocasião, no tocante a roupas? Perguntei-lhe se ir à igreja de biquíni seria indecente – e ela (como era de esperar) respondeu que sim. Perguntei-lhe, então, sem muita certeza do que ela iria responder, se ir à praia de biquíni também seria indecente. Felizmente, para o que eu pretendia, ela disse que não. Perguntei a ela, por fim, se isso não indicava que uma roupa indecente não é simplesmente um caso (talvez extremo) de roupa inadequada à ocasião – havendo ocasiões em que, possivelmente, até nenhuma roupa seja considerado “traje” adequado…

Se me detenho com certo detalhe nessa conversa, é porque ela revela a confusão que existe na mente de muitas pessoas acerca do objeto da moralidade. Procurei esclarecer aos alunos que, no uso mais básico dos termos “moral” e “imoral”, eles normalmente não são aplicados a coisas – na realidade, nem mesmo indiscriminadamente a coisas vivas como plantas e aos animais. Normalmente, apenas pessoas são consideradas morais ou imorais.

Mais precisamente, não são as pessoas, enquanto objetos físicos, que são chamadas, em determinados contextos, de morais ou imorais, mas as pessoas enquanto seres conscientes capazes de pensar, refletir e principalmente agir.

Procurei mostrar, com perguntas aos alunos, que, na verdade, são as ações das pessoas que são consideradas moralmente certas ou erradas. Não faz sentido da cara ou do pé de uma pessoa que seja moral ou imoral, observei. “Ah”, disse uma aluna: “mas um olhar pode ser imoral!”. Essa observação nos levou a esclarecer a diferença entre uma característica física de uma pessoa, como os seus olhos, e uma ação sua, como um olhar. Os olhos são os olhos. Mas os olhares dos olhos são ações – e embora possamos olhar as coisas e as pessoas despreocupadamente, sem pensar, muitas vezes nosso olhar – certamente o tipo de olhar em relação ao qual faria sentido dizer que é imoral – é (quero crer), um olhar intencional (e, consequentemente, refletido).

(Em parênteses é oportuno levantar a questão, para discussão posterior, se coisas que não são facilmente classificáveis como ações, como pensamentos, decisões e desejos, podem ser apropriadamente classificados de morais ou imorais. Mas por enquanto vamos nos limitar a discutir ações – pressupondo que, intuitivamente pelo menos, sabemos o que são ações e como elas diferem de meros movimentos – podendo, concebivelmente, haver ações que não envolvem movimento algum – como pensamentos, decisões, desejos, etc.).

(Em outros parênteses, é também oportuno registrar que alguns objetos são frequentemente descritos como morais – ou, mais frequentemente, imorais: pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc. Nestes casos, quer me parecer que sua suposta imoralidade seja uma forma elíptica de se referir à imoralidade de ações humanas neles representadas ou descritas – mas devemos nos manter alertas para eventualmente rever essa posição, se necessário.

É porque as ações, em si, podem ser vistas como morais ou imorais, que frequentemente estendemos essas categorias à conduta em geral, às atitudes, às posturas, etc. (que são de certo modo agrupamentos [clusters] ou padrões [patterns] de ações) ou mesmo a objetos (como pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc.)

3. Ações Morais, Imorais  e Moralmente Neutras

Seriam todas a ações humanas morais ou imorais, ou haveria ações humanas que não são nem uma coisa nem outra?

Esta questão geralmente permite que uma discussão muito frutífera tenha lugar em sala de aula. Colocada aos alunos, rapidamente surgem vários exemplos de ações que (pelo menos aparentemente) não possuem nenhuma conotação moral: entre outras, as ações de pentear os cabelos, amarrar os sapatos, comer à mesa, e vestir-se parecem não ter implicações morais – embora, naturalmente, a questão do que é lícito ou recomendável comer ou vestir possa não ser tão consensual (haja vista a discussão relatada atrás sobre a pretensa imoralidade de determinadas roupas e a notória proibição, para os fiéis de determinadas religiões, de comer determinadas coisas).

Apesar de dificuldades de classificação, não é difícil obter consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras do ponto de vista moral (isto é, nem morais nem imorais).

Uma primeira aproximação à questão de delimitação do conceito de moralidade nos leva, portanto, a distinguir, num primeiro momento, duas grandes categorias de ações: as que têm, digamos, conotação moral e as que não têm. Num segundo momento, as que têm conotação moral podem, por sua vez, ser diferenciadas em ações morais (ou “moralmente certas”) e ações imorais (ou “moralmente erradas”).

Categorizando as ações humanas desta forma, temos o que poderia ser representado como um retângulo dividido em duas metades, uma das quais é também subdividida em duas metades. Do lado da metade não subdividida, colocaríamos as ações sem conotação moral. Do lado da outra metade, colocaríamos as ações com conotação moral, devidamente classificadas em “moralmente certas” (morais) e “moralmente erradas” (imorais).

Colocando as coisas nestes termos, é forçoso reconhecer que a primeira linha que, por hipótese, divide o retângulo em duas partes, não fica exatamente no centro para todas as pessoas – talvez não fique aí para nenhuma. Pessoas mais liberais em geral deixam um espaço bem menor para ações com conotação moral do que para ações ditas neutras. Pessoas com um senso se moralidade mais aguçado tendem a aumentar o lado das ações com conotação moral – deixando às vezes muito pouca coisa no lado considerado neutro.

(Como já observamos de passagem, para algumas pessoas, o que alguém come, ou o modo de alguém se vestir, estaria do lado da ações com conotação moral – outras pessoas achando que nem mesmo andar pelado ou manter relações sexuais promíscuas e indiscriminadas é imoral.)

(Na verdade, o Velho Testamento é fonte aparentemente inesgotável de exemplos de ações, realizadas por grandes vultos bíblicos, que muitos considerariam imorais: Abrahão, ansioso por ter um filho, e sendo sua mulher, Sarah, estéril, teve filhos com a criada de Sarah, por sugestão da própria mulher, que depois escorraçou a rival [Gênesis 16:1-6]; o próprio Abrahão, depois de ter um filho com Sarah [Isaac], miraculosamente curada da sua esterilidade [Gênesis 17:15-16, 18:9-15 e 21:1-2], se dispõe a matá-lo em sacrifício a Deus, por ordem deste [Gênesis 22]; David, embevecido pela beleza de Bethseba, mulher casada, a toma para si e manda o marido dela, Urias, para a frente de batalha, para que seja morto [II Samuel 11]. E assim vai. A ação de David é punida, mas as de Abrahão “passam batidas”, sem punição ou recriminação, sua disposição de sacrificar Isaac sendo até mesmo colocada como exemplo de total obediência às ordens divinas).

4. Critérios: Saber o que é Certo: O Plano Cognitivo

Tendo chegado de forma relativamente fácil a um consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras (nem morais nem imorais), há que se confrontar uma questão sobre a qual consenso talvez seja totalmente impossível: através de que critérios diferenciamos

  1. Ações neutras (que não possuem conotação moral) das ações que possuem conotação moral (podendo ser consideradas moralmente certas [morais] ou moralmente erradas [imorais];
  2. Dentro das ações que possuem conotação moral, aquelas que são moralmente certas (morais) das que são moralmente erradas (imorais)?

Note-se que se trata de dois critérios diferentes aqui: um demarca entre ações neutras, do ponto de vista moral, e ações que possuem conotação moral; o outro procura demarcar, dentro do universo das ações que possuem conotação moral, as que são moralmente certas das que são moralmente erradas.

Embora em ambos os casos estejamos lidando com critérios, vou chamar o primeiro problema demarcatório de a questão do escopo da moralidade, e o segundo, a questão do critério (propriamente dito) de moralidade. [Há quem acredite que um só critério resolve os dois problemas. Eu discordo.

Registre-se ainda que aqui estamos lidando com uma questão epistemológica – isto é, com uma questão que tem que ver com as condições de nosso conhecimento. Em outras palavras, o que se pergunta é como eu sei (ou aprendo) que uma ação é neutra, moralmente certa ou moralmente errada? O que se busca, ao se fazer essa pergunta, são critérios de demarcação: como é que eu demarco ações de um tipo de ações dos outros tipos.

Ao discutir essas questões estaremos, portanto, discutindo a moralidade no plano cognitivo – o plano em que nos perguntamos como é que eu sei que determinadas ações são erradas e outras certas, do ponto de vista moral, e ainda outras não são nem moralmente certas nem moralmente erradas, porque não possuem conotação moral (sendo moralmente neutras, portanto)?

Vários critérios têm sido propostos ao longo da história da humanidade. Mencionarei apenas dois – um, um critério que apela para uma autoridade (que determina em que categoria se enquadram as várias ações); o outro, um critério consequencialista (que julga as ações de conformidade com suas consequências).

Aqueles que consideram a Bíblia sua única “regra de fé e prática”, geralmente acreditam que, se a Bíblia ordena determinada ação, ela é moralmente certa; se a Bíblia a proíbe, ela é moralmente errada; se a Bíblia nem ordena nem proíbe, a ação não é nem moralmente certa nem moralmente errada – é moralmente neutra.

Os filósofos utilitaristas do século XIX pressupunham que o que importa são as consequências de nossas ações, não sua “natureza intrínseca” (se é que se pode falar nisso). E seu critério básico de moralidade estava ligado à “fazer bem” aos outros (ou torná-los felizes). Assim, se uma determinada ação faz bem aos outros (os torna felizes), ela é moralmente certa; se faz mal aos outros (os torna infelizes), ela é moralmente errada; se não faz nem bem nem mal, ela não é nem certa nem errada, do ponto de vista moral. Se duas ações fazem bem aos outros, é preferível a ação que faz mais bem (torna os outros mais felizes ou torna mais gente feliz) – o princípio da maior felicidade do maior número de pessoas sendo o critério aplicável. [Os utilitaristas foram a extremos desenvolvendo o que chamaram de “cálculo felicífico”…]

Não vamos discutir aqui, neste momento, essas teorias – nem mencionar outras (como a de Kant – que poderiam facilmente ser invocadas. Apenas mencionadas essas duas, e de forma admitidamente simplificada, para ilustrar a necessidade de critérios de demarcação – algo que se busca e se acha no plano cognitivo.

5. Critérios: Querer Fazer o Certo: O Plano Conativo

Para que consideremos uma determinada ação moral, basta que saibamos mostrar, através de critérios defensáveis, que aquela ação se inclui na categoria das ações de conotação moral e, dentro destas, na subcategoria das ações moralmente certas.

Para que uma pessoa seja considerada moral, entretanto, ainda que em um sentido derivativo, não basta que ela saiba, no plano intelectual, quais ações são moralmente certas, quais são moralmente erradas e quais são neutras. É preciso que ela faça o que é moralmente certo e não faça o que é moralmente errado.

Mas, na verdade, não basta que a pessoa faça o moralmente certo e deixe de fazer o moralmente errado: é preciso que esse fazer e deixar de fazer não sejam resultantes de forças fortuitas (mero acaso) ou alheias à pessoa (como quando alguém a força a agir de uma forma ou de outra), mas, sim, de sua decisão livre e consciente – ou seja, de sua própria vontade. Assim, entre o saber e o fazer, há um elemento intermediário: o querer fazer. Sobre esse “querer fazer” falaremos agora.

[Em seguida falaremos sobre o passo que vai do “querer fazer” para o “fazer”.]

Ao discutirmos o “querer fazer” estamos lidando com que se denominou, na filosofia tradicional, a vontade. Nem sempre é fácil distinguir a vontade do saber e do fazer, propriamente dito.

Imaginemos que uma pessoa casada e com filhos, que vive de forma relativamente feliz com a família, e que tem no cônjuge uma pessoa boa, responsável e fiel, subitamente se apaixone por outra pessoa, que ela sabe ser solteira, irresponsável e volúvel, mas que é bastante atraente.

Imaginemos que, neste caso, a pessoa casada conclua, no plano intelectual (cognitivo), e usando seu próprio critério de moralidade, que trair o conjuge é moralmente errado. Essa é uma conclusão que ela alcança com sua cabeça, por assim dizer. Ao mesmo tempo, porém, ela não quer fazer o que ela mesma considera moralmente certo – quer, isto sim, fazer o que ela mesma considera moralmente errado: trair o cônjuge — porque está apaixonada por outra pessoa.

O que temos aqui é um conflito moral entre o intelecto e a vontade, entre o plano cognitivo e o plano conativo.

Na novela Laços de Família, é possível imaginar que a filha, no plano cognitivo, ache moralmente errado envolver-se com o namorado da mãe. No plano da vontade, porém, assim que se percebeu apaixonada por ele, quer se envolver com ele. O conflito do cognitivo com o conativo está delineado.

Esses exemplos são de certo modo suficientes para mostrar que as emoções são muito mais potentes para mover a vontade do que o intelecto. A pessoa em geral quer (vontade) porque as emoções a empurram (está apaixonada). As considerações racionais que o intelecto pode produzir para dissuadi-la de agir em geral fazem sentido mas não são capazes de mover a vontade. [É por isso que alguns filósofos, como David Hume, negam que a razão seja capaz de mover a vontade, quando a ele se contrapõem as paixões…]

É aqui, neste conflito da razão com as emoções, do intelecto com a vontade, que se situam os grandes dilemas que formam o enredo de obras literárias famosas, de filmes e de novelas…

Como resolver esses dilemas de modo a querer o que é moralmente certo e a deixar de querer o que é moralmente errado? Talvez aqui, e não no plano cognitivo, se situe a maior dificuldade da educação moral.

Se estão certos os que, com Hume, afirmam que são as emoções, e não as considerações racionais, que movem a vontade, a educação moral, aqui neste plano, se reveste de educação das emoções: como alinhar as nossas emoções com aquilo que sabemos ser moralmente certo, de modo que elas funcionem para nós e não contra nós?

6. Critérios: O Plano da Ação

Muitos confundem este plano com o anterior, mas ele é claramente diferente. Aqui se trata da questão de fazer o que se quer fazer e não fazer o que não se quer fazer.

Há uma passagem conhecida de São Paulo em que ele se lamenta, afirmando que “o bem que eu quero, este não faço, e o mal que não quero, este faço” [Romanos 7:15,19].

São Paulo, aqui, sabe o que é certo e o que é errado – nenhuma dúvida acerca disso. E também não há dúvida de que ele quer fazer o certo e não quer fazer o errado. Entretanto, segundo sua própria admissão, ele não consegue.

Estamos aqui lidando com um conflito diferente do mencionado no item anterior. Aqui a razão e a vontade estão alinhadas – mas, apesar disso, alguma força misteriosa se contrapõe a ambas e a pessoa não consegue fazer aquilo que ela sabe ser certo e quer fazer, nem consegue deixar de fazer aquilo que ela sabe ser errado e quer não fazer.

Aqui nos situamos nos planos das compulsões, que afetam aqueles que se deixam controlar por atividades que, segundo se diz, “viciam”: fumo, bebida, droga, comida, jogo, consumo, sexo, Internet.

Compulsões, quando graves, requerem tratamento especializado, em geral psiquiátrico ou psicanalítico (ou então religioso – São Paulo explicou seu dilema dizendo que, quando ele faz o que sabe ser errado e não quer fazer, na realidade não é ele que faz: quem faz “é o que pecado que mora em mim”). Nesses casos, o indivíduo, desassistido, não consegue fazer o que quer nem deixar de fazer o que não quer. Sua vontade não tem força suficiente para levá-lo a fazer o que ele acha certo e tem vontade de fazer – nem para levá-lo a deixar de fazer o que ele acha errado e tem vontade de não fazer.

7. Moralidade e Valores

Valores são os nomes que geralmente damos àquilo que a gente luta para ter ou conservar – ou seja, àquilo que a gente quer.

Alguns de nossos valores são, digamos, valores-meio (ou valores extrínsecos): seu valor advém do fato que nos permitem chegar a outras coisas que valoramos mais do que elas.

Dinheiro é um valor-meio. Queremos dinheiro não para poder guardar, como algo que é valioso em si mesmo, mas, sim, porque o dinheiro nos permite acesso a coisas que valoramos mais do que dinheiro – doutra forma não daríamos nosso dinheiro para obtê-las.

A maior parte de nossos valores é desse tipo – valores-meio, valores instrumentais.

É possível concluir, porém, que há coisas, porém, que haja coisas que têm valor em si mesmas – que são valores intrínsecos. Em relação a essas coisas, se nós as valorizamos, valorizamo-nas por si mesmas – e se não as valorizamos de fato, dizemos que deveríamos valorizá-las. A moralidade se situa aí.

Com isso, possivelmente estejamos apontando para o critério fundamental que vai nos permitir demarcar ações (ou questões) que possuem uma conotação moral das que não possuem: o fato de valores intrínsecos estão envolvidos.

Por isso, quando se trata de moralidade, propriamente dita, normalmente não se conclui que cada um pode ter seu ponto de vista – e tudo bem. Poucos são os que acham que matar, roubar, ser desonesto, mentir, etc., são coisas que as pessoas podem escolher fazer ou não, conforme o seu gosto.

Em geral, um indicativo de que não estamos tratando de questões morais pode ser encontrado no fato de que achamos perfeitamente natural que outros se comportem de maneira totalmente diversa daquela que consideramos certa.

Escrito em Agosto de 2000.

Eduardo Chaves

Transcrito aqui em Salto, 25 de Janeiro de 2019

A Questão do Escopo da Moralidade

[Trabalho redigido em Agosto de 2000 para uso dos alunos da disciplina “Educação Moral” ministrada no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação e Ciências Humanas do Instituto Adventista São Paulo (IASP), no segundo semestre de 2000]

Conteúdo

  1. Costume, Lei e Moralidade
  2. Costume
  3. Lei
  4. Moralidade

1. Costume, Lei e Moralidade

Aqui neste módulo estaremos buscando definir o que faz com que certas questões – certos tipos de ação – sejam considerados como tendo conotação ou significado moral e outras questões – outros tipos de ação – como sendo moralmente indiferentes.

Uma maneira interessante de abordar essa questão é procurando demarcar a moralidade, de um lado, do costume, e, de outro, da lei. Se acreditarmos que o costume e a lei são suficientes para regulamentar todos os tipos de ação, não acharemos que haja espaço para a moralidade.

2. Costume

O conceito de costume é amplo, e abrange uma enormidade de coisas. Aqui vou designar como costume tudo aquilo que as pessoas consideram “certo” ou “errado” fazer mas que não tem fundamento em considerações de cunho legal ou moral (embora seja inegável que alguns costumes acabem por se tornar leis).

Exemplos de costumes (que geralmente prevalecem na nossa sociedade):

A. Normas de Etiqueta

À mesa deve-se mastigar com a boca fechada (ou: é errado [de mau tom, feio] mastigar com a boca aberta à mesa)

Não se deve arrotar à mesa (ou: é errado [de mau tom, feio] arrotar à mesa)

Em circunstâncias mais formais, não se deve passar à sobremesa enquanto há pessoas à mesa que ainda não terminaram o prato principal (ou: é errado [de mau tom, feio] começar a comer a sobremesa até que todos estejam em condição de fazê-lo quando se está em circunstâncias de maior formalidade)

B. Normas de Cortesia

Num transporte coletivo, uma pessoa jovem deve dar o seu assento a uma pessoa mais velha ou a uma mulher grávida (ou: é errado [descortês] para um jovem ficar assentado quando uma pessoa mais velha ou uma mulher grávida está em pé).

Não se deve furar filas (ou: é errado [descortês] passar na frente dos outros, quando numa fila)

Um homem deve dar passagem para uma mulher ou uma pessoa idosa, de qualquer sexo (ou: é errado [descortês] para um homem não dar passagem para uma mulher ou pessoa idosa)

Não se deve chamar uma pessoa mais velha e desconhecida de “você” (é errado [descortês] chamar uma pessoa mais velha e desconhecida de “você”)

C. Normas de Decência

Mulheres não devem exibir seus seios em público (ou: é errado [indecente] para as mulheres exibir seus seios em público)

Ao se sentar em público, mulheres, quando usando saias (sobretudo curtas), devem manter as pernas cruzadas ou bem unidas (ou: é errado [indecente], para as mulheres, exibir em público as partes internas das coxas quando estão usando saias)

Homens não devem, nem mesmo por cima da roupa, tocar (coçar, ajeitar) seus órgãos sexuais em público (ou: é errado [indecente] para os homens tocar seus órgaos sexuais em público, mesmo por cima da roupa)

D. Normas de Linguagem

Não se deve usar um sujeito no plural com o verbo no singular ou vice-versa, como, por exemplo, “nós foi”, ou “a gente fomos” (ou: é errado [gramaticamente incorreto] não concordar sujeito e verbo)

Não se deve dizer “fazem vários anos” ou “haviam várias pessoas na sala” porque nesses casos as expressões no plural não são sujeitos dos verbos (ou: é errado [gramaticamente incorreto] dizer “fazem vários anos” ou “haviam várias pessoas na sala”)

Não se deve dizer “Concerta-se automóveis”, mas, sim, “Consertam-se automóveis” (ou: é duplamente errado [envolve dois erros gramaticais, um de grafia e outro de concordância] dizer-se “Concerta-se automóveis”)

E. Normas de Contexto

Não se deve usar gírias em publicações de natureza científica (ou: é errado [inadequado ao contexto] usar gírias em publicações científicas)

Não se deve usar palavras de baixo calão (“palavrões”) exceto em ambientes em que se tenha absoluta certeza de que seu uso não é ofensivo (ou: é errado [inadequado ao contexto] usar “palavrões” perto de pessoas que podem se ofender com o seu uso)

Não se deve limpar as narinas com os dedos em público (ou: é errado [inadequado ao contexto] limpar as narinas com os dedos em público)

F. Normas de “Correção Política”

Não se deve usar uma expressão se ela pode ser interpretada como tendo uma conotação racista, como, por exemplo, “as coisas estão ficando pretas” (ou: é errado [politicamente incorreto] usar expressões que possam ser interpretadas como tendo conotações racistas, como, por exemplo, “as coisas estão ficando pretas”)

Não se deve referir a uma pessoa destacando alguma característica física sua, especialmente se essa característica é geralmente considerada indesejável, como “baixinho”, “gordinha’, etc. (é errado [politicamente incorreto] referir-se a uma pessoa usando expressões que, referindo-se a alguma característica física dela, possam constrangê-la, como “baixinho”, “gordinha’, etc.)

G. Normas de Saúde

Não se deve fumar (ou: é errado [prejudicial à saúde] fumar)

Não se deve fazer exercícios puxados intermitentemente (ou: é errado [arriscado ou perigoso para a saúde]fazer exercícios puxados apenas de vez em quando)

Não se deve tomar remédios sem indicação médica (ou: é errado [arriscado ou perigoso para a saúde] tomar remédios sem receita médica)

H. Normas de Prudência

Não se deve falar ao telefone celular enquanto se dirige um veículo (ou: é errado [imprudente] falar ao telefone celular enquanto se dirige)

[NOTA: No Brasil essa norma costumária tornou-se lei]

I. Normas Práticas (Sabedoria Popular)

Não se deve tentar tapar o sol com uma peneira (ou: é errado [ineficaz] tentar tapar o sol com uma peneira)

Não se deve colocar o carro adiante dos bois (ou: é errado [porque não funciona] colocar o carro adiante dos bois)

Quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras no telhado do vizinho (ou: é errado [arriscado] jogar pedra no telha dos outros quando o da gente é igualmente quebrável)

J. Normas de Preconceito

Não se deve referir de forma desairosa às crenças (políticas, religiosas, etc.), raça, cor, etnia, nacionalidade, origem regional, sexo ou orientação sexual, condição física, mental ou emocional das pessoas (ou: é errado [preconceituoso] referir-se de forma desairosa às crenças (políticas, religiosas, etc.), raça, cor, etnia, nacionalidade, origem regional, sexo ou orientação sexual, condição física, mental ou emocional de outra pessoa)

[NOTA: Neste caso, aqui no Brasil, é possível argumentar que a expressão de preconceito é apenas ilegal, mas costumeira, porque a expressão do preconceito, apesar de ser punível por lei, é geralmente admitida. Observe-se ainda que a lei proíbe a expressão do preconceito, não lhe sendo possível proibir o preconceito, da mesma forma que explicita que é livre a expressão do pensamento, por ser óbvio que pensamentos ocultos ficam totalmente fora do escopo do legislável].

K. Normas de Religião

 a. Primeira Categoria

Não se deve trabalhar aos domingos / sábados (ou: é errado [contrário ao que determina a Bíblia, a religião] trabalhar nos dias consagrados ao descanso)

O fiel (crente) deve dar o dízimo à igreja (ou: é errado [contra o ensinamento ou a prática da igreja – algumas delas] para o fiel não dar à igreja 10% dos seus vencimentos)

b. Segunda Categoria

Não se deve manter relações sexuais fora do casamento (ou: é errado [contrário às normas da igreja] manter relações sexuais fora do casamento)

Não se deve usar métodos anticoncepcionais artificiais (ou: é errado [contrário aos ensinamentos da Igreja Católica] usar métodos anticoncepcionais não-naturais)

Acredito que esses exemplos bastem. Seguem algumas considerações.

  1. Costumes, ao que tudo indica, têm muito que ver com convenções sociais de maior ou menor amplitude (i.e., que se aplicam a grupos de maior ou de menor amplitude). Por isso, costumes geralmente se referem a comportamentos públicos. “Costumes Privados” – comportamentos que se consideram certos ou errados mesmo que a pessoa esteja sozinha num quarto – são raros, se é que existem – neste caso normalmente se aplicam os termos “hábito”, “mania”, etc. – ou então, “mau costume”. Por isso a freqüência com que, ao descrever costumes, é preciso acrescentar qualificativos como “em público” ou alguma referência ao contexto ou às circunstâncias do comportamento em questão. Quando se trata de normas de linguagem, pressupõe-se sempre que o falar correto é recomendável em determinados contextos, não sendo obrigatório em situações bastante informais.
  2. Outra nota distintiva dos costumes parece ser o fato de que ninguém reivindica que eles, em si, sejam, ou devam ser, universais. É consenso que o que é costume num grupo social pode não ser costume em outro, sem que isso gere qualquer perplexidade. (É importante registrar isso, porque estou pressupondo aqui, e pretendo explicitá-lo no momento certo, que aquilo que consideramos moralmente certo e moralmente errado tenha uma certa “pretensão universal” que não se encontra no costume). Assim, costumes não são nem estritamente pessoais (individuais), nem universais: são coisas tipicamente “grupais” (o tamanho do grupo não fazendo muita diferença).
  3. Não há clareza como surgem os costumes. A maior parte deles parece surgir de forma espontânea e se tornar um “hábito coletivo” dentro de determinado grupo social. Parece que, no caso de normas costumárias que acabam se tornando bem cristalizadas e encontrando expressão escrita (como as de etiqueta), o comportamento surge, de modo mais ou menos espontâneo, e, à medida que encontra pessoas que o acham sensato, eventualmente, adquire o status de costume. Raramente se dá o processo inverso. Uma coisa é clara: costumes não são inicialmente “baixados” por uma autoridade. Eventualmente eles podem vir a ser oficializados, dentro de uma determinada instituição (são institucionalizados), mas esse é um processo que geralmente ocorre quando o costume já está bem estabelecido.
  4. Embora haja vários tipos de pressão social para que o indivíduo não viole os costumes do grupo, as sanções para os que conscientemente os violam são sociais (olhares censuradores, censura verbal explícita, afastamento parcial ou mesmo total do grupo, etc.), e são exercidas pelos membros do grupo, de forma mais ou menos organizada. Dependendo da gravidade da ofensa, aqueles que mostraram solidariedade aos infratores podem também sofrer sanções. Mas não há tribunais para julgar os infratores e raramente se lhes dá direito de defesa. Mas os grupos sociais variam no grau de tolerância com que admitem críticas de seus costumes e mesmo infração a eles e essa tolerância pode variar em função da importância dos costumes ou mesmo das características dos que os infringem. Tolera-se muito mais facilmente infração de costumes por parte de crianças e jovens do que por parte de adultos.
  5. E) Em comunidades mais complexas, não raro o que era apenas um costume pode se tornar lei. Falando em termos de país, discute-se, em quase todos os países, se se deve adotar, como lei, o que em muitos é uma norma (lei ou norma costumária de prudência), que estipula que não se deve falar ao aparelho celular enquanto se dirige. No Brasil essa norma se tornou lei antes mesmo de os celulares se popularizarem. Nos Estados Unidos, porém, ainda hoje se discute se deve haver uma lei proibindo esse comportamento. Lá, portanto, a norma ainda expressa um costume não muito generalizado; aqui no Brasil, uma lei.
  6. Na realidade, é questionável que, em relação a telefones celulares no trânsito, no Brasil, a lei esteja sendo seguida de forma generalizada. Neste caso, o que determina a lei vai na direção oposta do que de recomenda o costume. Assim, não só pode um costume evoluir para uma lei, como pode, eventualmente, estar em clara oposição à lei. Nestes casos, é difícil que a lei “pegue” – nem mesmo a multa severa que é especificada como pena para a infração da lei dissuade a população de infringi-la.
  7. O caso dos preconceitos corrobora o que acabou de ser dito. Há uma lei – no fato a própria Constituição – que especifica o que o governo gostaria que se tornasse um costume, mas que de fato não é. Os costumes, na realidade, afrontam a lei neste caso – e a lei tem dificuldade para “pegar”. Neste caso, nem mesmo a possibilidade de prisão que é especificada como pena para a infração da lei dissuade a população de infringi-la.
  8. No caso da primeira categoria das normas de religião, é possível que alguma religião as considere leis no âmbito da instituição. A Igreja Católica, por exemplo, possui um chamado “direito canônico” que especifica leis de caráter religioso que se aplicam dentro da Igreja.
  9. No caso da segunda categoria das normas de religião, é possível que a maior parte das pessoas religiosas ache que as duas normas citadas são morais e não meramente religiosas. Mais adiante a questão será novamente discutida.
  10. Como visto atrás, os grupos sociais variam no grau de tolerância com que admitem críticas de seus costumes e mesmo infração a eles. Um costume pode ir perdendo força em função de críticas internas, críticas externas (de outros grupos), influência dos meios de comunicação, etc. Em geral são os jovens que começam a infringir os costumes de forma generalizada e que, assim, preparam o caminho para o seu gradual abandono, mais ou menos generalizado, até que caia em dessuetude.

3. Lei

A tradição católica fala em lei natural e a tradição anglo-saxã fala em leis consuetudinárias. Em ambos os casos trata-se de leis que não são positivamente baixadas por uma autoridade humana, a primeira sendo, de certo modo, escrita na natureza das coisas, e a segunda baseada de forma tácita nos costumes. Apesar disso, vou deixar de lado (pelo menos no momento) essas duas tradições e considerar como lei apenas aquilo que, para diferenciar desses outros dois tipos de lei, se chama de lei positiva.

Lei positiva é lei que é explicitamente elaborada e promulgada por pessoa ou instituição humana devidamente autorizada a fazê-lo.

Essa conceituação de lei – às vezes chamada de positivista – faz com que a lei seja definida e entendida em termos puramente formais. Se o processo utilizado para elaborá-la e promulgá-la for perfeito, o resultado será uma lei – independentemente de seu conteúdo.

O instituto legal é mais bem conhecido de todos para merecer discussão detalhada aqui ou para que sejam necessários exemplos. Basta assinalar algumas questões básicas.

Mais ainda do que no caso dos costumes, a lei regula o comportamento público, não a conduta privada, só intereferindo com esta quando se trata de questões consideradas como de interesse público.

A única razão pela qual ainda há leis regulando, por exemplo, o casamento, fazendo dele uma instituição parcialmente pública e não uma questão meramente privada, é que o casamento tem envolvido, tradicionalmente, questões relativas a propriedade, herança, guarda de filhos, etc. Mais e mais, porém, as pessoas estão se encarregando de elas mesmas, na esfera privada, regulamentar seus acordos matrimoniais. Nessas situações, especialemente em casos em que não há bens ou filhos envolvidos, a dissolução do vínculo conjugal acaba sendo uma decisão totalmente privada e relativamente simples, que não envolve lei alguma. O recurso à lei só acontece quando um dos parceiros se julga injustiçado pelo outro.

No nível dos costumes, o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é amplamente aceito e praticado em segmentos cada vez mais amplos de nossa sociedade. Agora, em quase todas as sociedades desenvolvidas, se procura transformar essa aceitação em lei, alterando-se as leis que estipulavam que o casamento só poderia se realizar entre pessoas do mesmo sexo e com finalidades procriativas.

Problemas relativos a adoção de filhos também estão estreitamente ligados a essa questão.

Como vimos e estamos vendo, alguns costumes são eventualmente transformados em leis. Trata-se, neste caso, de “legalização dos costumes”. Uma vez tornados leis, os costumes deixam de ser meramente costumes e passam a adquirir características de lei. Sua violação, neste caso, se torna mais arriscada.

O caso do divórcio é instrutivo. A proibição do divórcio (a norma de que o divórcio era errado) era um costume profundamente arraigado na Igreja Católica (que considerava o divórcio, além de tudo, imoral) e, portanto, no Brasil, país até certo tempo com um percentual de católicos que ia além dos 90%. Os costumes dos brasileiros foram se alterando sob a influência dos meios de comunicação e, em parte, pela redução do percentual de católicos na população, e o desquite ou a separação legal foi deixando de ser tabu. Com essa mudança nos costumes, foi pequeno o passo para a alteração da lei que, neste caso, incorporava o costume gerado dentro da tradição católica. A mudança da lei aconteceu aos poucos. Primeiro se admitiu o divórcio uma única vez para aqueles que estivessem de fato, mas comprovadamente, separados há mais de 5 anos ou judicialmente separados há mais de 3 anos. Depois se removeu (sem nenhum alarde) a estipulação de que o divórcio poderia ser obtido uma única vez. Posteriormente, facilitaram-se ainda as condições em que ele poderia ser obtido. Neste caso, a mudança dos costumes fez com que aquilo que era uma lei deixasse de sê-lo.

Mudanças semelhantes aconteceram em relação ao adultério, que está deixando de ser crime, e à bigamia. Isso quer dizer que a união estável das pessoas está em processo de grandes transformações e que a lei vai, pouco a pouco, se abstendo de regula-las, deixando que as pessoas façam isto no nível estritamente privado – de forma tácita ou consensual ou de forma explícita ou contratual.

Se existe uma lei que se contrapõe aos costumes, a tendência é que essa lei venha eventualmente a ser revogada. Se, por outro lado, costumes geralmente aceitos são legislados, é preciso levar em conta o fato de que aqueles que não aceitam os costumes se recusem a cumprir a lei (“a lei não pega” para eles) – não cumprimento esse que agora pode sofrer as sanções da lei e não apenas do grupo social.

Algo semelhante pode acontecer em relação a normas morais. Embora isso fosse comum no passado, há, em geral, certa relutância, hoje em dia, em transformar em leis normas morais que não têm maior impacto sobre a conduta pública – em fazer o que se convencionou chamar de legislar a moralidade.

Entre as condutas morais que hoje se reluta a dar cobertura legal estão os chamados “crimes sem vítima” – atos que pessoas adultas consentem em fazer e nos quais se se envolvem livremente, mesmo que se possa argumentar que os atos lhes são prejudiciais, como (desde que realizados em locais fechados ou especialmente designados para esse fim e não envolvendo menores) uso de drogas de qualquer tipo, nudismo, realização de espetáculos considerados obscenos, prostituição (feminina ou masculina), sexo grupal, orgias e bacanais, comportamentos sexuais atípicos ou aberrantes, entre os quais os sadomasoquistas, sexo com animais, etc.

Embora a tentativa de suicídio seja considerada crime em alguns países, há uma tendência, onde isso acontece, de descriminalizá-la. A assistência à eutanásia também é considerada crime em muitos países, até mesmo nos Estados Unidos, e é mais difícil discriminalizá-la do que no caso de tentativa de suicídio. O aborto sob demanda até a décima segunda semana tem sido descriminalizado em muitos países, deixando de ser crime.

Tudo o que está descrito nos dois parágrafos anteriores tem acontecido, apesar de amplos segmentos da população considerar que as ações em questão são moralmente erradas.

As únicas formas legítimas de furtar-se ao cumprimento de uma lei são:

(a)  demonstrar que o processo seguido para elaborá-la e promulgá-la foi falho – neste caso, argumenta-se que a lei não é válida;

(b)  mostrar que ela conflita com uma lei maior à qual é dada precedência (como uma constituição) – neste caso, argumenta-se que a lei é anti-constitucional ou conflita com uma lei de nível superior;

(c)  mostrar que ela é imoral — neste caso, procura-se mostrar que, embora a lei tenha sido elaborada e promulgada num processo perfeito (sendo, portanto, válida), e não conflite com nenhuma lei maior, ela colide com princípios morais geralmente aceitos.

No caso de uma Constituição, que é a lei maior de um grupo político, a única forma de alterá-la é mediante consenso político.

4. Moralidade

O que tem a moralidade que não se encontra nos costumes e nas leis? O que demarca a moralidade do costume e da lei?

Gostaria de sugerir que a moralidade cobre determinados tipos de ação que são consideradas de tal modo importante (ou graves) que, independentemente de qual seja o costume do grupo social ou a lei da terra, as pessoas acham que elas devem ser feitas (ou deixar de ser feitas) porque simplesmente é moralmente certo (ou errado) fazê-las (ou deixar de fazê-las).

Imaginemos, por um momento, a questão do aborto. Se se acredita que um feto é um ser humano desde o momento da concepção, a conclusão inevitável é que aborto equivale a assassinato. Como assassinato é, em geral, considerado uma ação imoral (além de, na maioria absoluta dos casos, também ilegal), é óbvio que os que assim vêem o aborto vão considerar imoral a sua prática ainda que ela seja legalizada e que os costumes venham a admiti-la.

Algo semelhante pode ser dito em relação ao adultério, à bigamia, e a um sem número de outras ações.

O que caracterizaria algumas questões como moralmente certas ou erradas (e não apenas permitidas ou proibidas pela lei e aceitas ou desestimuladas pelo costume) é a importância dada a elas, que faz com que, independentemente de haver uma lei que as torne obrigatórias (ou proibidas), ou um costume que as incentive (ou desestimule), elas são consideradas moralmente certas (ou erradas).

O que é que torna algumas questões assim tão importantes?

Em geral, parece-me que essas questões estão diretamente relacionadas com possíveis ameaças à vida, à integridade, à segurança, à liberdade, à propriedade, ao bem-estar, à honra, e a outros valores básicos das próprias pessoas ou de pessoas que com as quais elas têm vínculos estreitos (como membros da família).

É por isso que são geralmente proibidas, com base em considerações morais, ações que colocam em risco a vida, a integridade física, a segurança, a liberdade, a propriedade, o bem-estar, a honra, etc. das pessoas – ações como matar, agredir, assaltar, prender, seqüestrar, escravizar, trair, roubar (ou mesmo cobiçar), confiscar, caluniar, mal-dizer, etc.

É verdade que essa concepção de moralidade deixa de fora da moralidade muitas ações que têm sido geralmente consideradas morais por várias pessoas, grupos e instituições, como, por exemplo, a forma de vestir (ou desvestir), o que se come (ou se deixa de comer), como se comportar diante do sexo oposto em situações consensuais, etc.

Escrito em Agosto de 2000

Eduardo Chaves

Transcrito aqui em Salto, 25 de Janeiro de 2019

Aprendizagem Sem Hora Marcada

RECOMENDO, sem reservas, o livro cuja capa aparece na foto a seguir e cuja resenha é acrescentada como Anexo.

Timeless Learning

Seu título é Timeless Learning: How Imagination, Observation, and Zero-Based Thinking Change Schools. O título é meio difícil de traduzir para o Português, mas eu o traduziria livremente como Aprendizagem sem Hora Marcada: Como a Imaginação, a Observação, e uma Abordagem Teórica que Começa do Zero Mudam as Escolas. Seus autores são Ira Socol, Pam Moran, e Chad Ratliff e o livro acaba de ser lançado em 2018 pela Jossey-Bass, uma marca inovadora da tradicional casa editorial, John Wiley & Sons, fundada em 1807, duzentos e onze anos atrás (https://www.wiley.com/). Esse fato já é, em si, simbólico: ele mostra que tradição e inovação não são necessariamente abordagens incompatíveis. (Um pouco mais sobre isso, abaixo.)

Clicando no link abaixo você vai para uma excelente resenhado livro escrita por Will Richardson, que me foi enviada por meu grande amigo, o educador australiano Bruce Dixon (do qual fui colega durante dez anos, de 2003 a 2013, no International Advisory Boardda iniciativa global da Microsoft na área da Educação conhecida como Partners in Learning (PIL). Ambos, Will e Bruce, coordenam o importante site Modern Learners (https://modernlearners.com/).

Há muito tempo que eu estou totalmente convicto de que a escola tradicional / convencional (a praga que temos espalhada por aí, em todo canto) já viveu pelo menos meio século, ou, talvez, mais de um século, de total anacronismo.

Ela é se tornou anacrônica já há algum tempo porque foi criada para a Civilização Industrial— a civilização das coisas padronizadas e estandardizadas, do cada coisa “a seu tempo”, “em série” e na “ordem certa”, a civilização dos grandes estoques, e não da produção “Just in Time” e “Just Enough”… – e essa civilização já acabou e está morta, faltando só enterra-la definitivamente.

Nessa Civilização Industrial todo mundo, quando chegava a uma determinada idade (sete, seis, cinco anos, por aí), era internado em uma mesma instituição, a escola, para aprender as mesmas coisas (uma grade curricular inflexível, composta de informações e conhecimentos organizados em matérias e disciplinas, centradas em linguagem, matemática e ciências – e que não era chamada de “grade” por acaso…), da mesma forma (assistindo a aulas monótonas e cansativas ministradas por professores / ensinantes entediados por estarem aulando as mesmas coisas pela enésima vez), na mesma sequência (séries), as séries sendo “casadas” com as idades das crianças / adolescentes / jovens, e a “aprendizagem” destes (entendida como a absorção das informações e conhecimentos que lhe eram passados) sendo avaliada mediante testes, provas e exames.

A vida das pessoas, na Civilização Industrial, também era segmentada: uns poucos anos para brincar(de um a seis, cinco ou quatro), vários outros anos supostamente para aprender(mais quatro, cinco, seis, dez, quatorze, dezoito) para aprender, cerca de trinta a quarenta para trabalhar, e, ao fim, o que sobrar para finalmente desfrutar a vida, e/ou preparar-se para a morte, ao longa da aposentadoria.

A razão pela qual a internação na escola precisou ser gradualmente estendida – a escolaridade obrigatóriaera de quatro anos, inicialmente, hoje é de cerca de dezoito – deveu-se ao fato de que se acreditava que, na vida, havia uma fase dedicada exclusivamentea aprender, durante a qual se deveria aprender tudo aquilo que pudesse vir a ser necessário nas fases posteriores (num processo semelhante ao de estocagem), em especial na fase dedicada ao trabalho produtivo. Assim, além de se estender o número de anos de internação na escola, também aumentou-se o número de dias passados na escola durante o ano (o calendário escolar também foi espichado), e o número de horas passadas na escola durante o dia se ampliou – o ideal passando a ser a “escola de tempo integral” – em que crianças / adolescentes / jovens passam internados durante cerca de dezoito anos na melhor fase da vida! Assim a educação das crianças / dos adolescentes / dos jovens foi escapando das mãos da família nuclear e estendida, e da comunidade imediata em que essa família vivia, para passar para as mãos do estado, a ponto de o nosso nefasto Supremo Tribunal Federal há dias ter negado aos pais o direito de conduzir a educação dos filhos sem interna-los na prisão escolar.

Essa civilização começou a ser suplantada e substituída pela Civilização da Aprendizagem(que recebe vários outros nomes, como Civilizaçãoda Criatividade, ou, com base em seu insumo básico, Sociedade da Informação e Sociedade do Conhecimento) desde o final da Segunda Guerra, ou, pelo menos, a partir de meados dos anos 1950, quando mais pessoas passaram a trabalhar na área de serviços, relacionamentos, informações e conhecimentos(o chamado setor terciárioda economia) do que nas áreas da extração de matérias primase da agropecuária(o setor primário da economia) e da indústria de transformação (o setor secundário da economia) COMBINADAS.

Tomei conhecimento desse fato em 1980, quando li pela primeira vez o livro The Third Wave/ A Terceira Onda, de Alvin Toffler, publicado naquele ano, dez anos depois do seu também muito bem sucedido Future Shock/ Choque do Futuro, de 1970). Assim que li o livro resolvi dar um curso eletivo sobre ele no Curso de Pedagogia aa Faculdade de Educação da UNICAMP, da qual havia me tornado diretor naquele ano, e fiz exatamente isso (apesar de o Diretor ser dispensado de aular).

Desde então, passei a estudar regularmente esse ingresso do nosso mundo ocidental civilizado na Terceira Onda. Aqui no Brasil nós, apesar de avanços, estamos sempre atrasados. Nossa economia ainda é tremendamente dependente de atividades de Primeira Onda (extração de minerais e petróleo, agricultura, pecuária, etc.), nossa atividade na área da Segunda Onda (indústria de transformação) é relativamente pequena e oscilante, e ainda não ingressamos de forma generalizada na Terceira Onda, exceto em grandes cidades da linha de frente da economia, como, no Estado de São Paulo, a capital, São Paulo, Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto, etc. e, fora do Estado de São Paulo, principalmente Curitiba.

Inicialmente, defendi a tese de que era preciso radicalmente transformar a escola, para adequa-la à Civilização da Aprendizagem e da Criatividade. Escrevi um livro, em 1998, a pedido do Ministério da Educação (MEC), com o título Educação e Tecnologia: O Futuro da Escola na Sociedade da Informação. Por desentendimento com o MEC acerca de direitos autorais, o MEC acabou não distribuindo o livro – e eu o distribuí muito mal, colocando em meu site uma versão PDF, a partir do ano 2000. Ao longo de 2001-2002, escrevi outro livro, em decorrência de minhas consultorias à Microsoft Brasil e ao Instituto Ayrton Senna, que acabei não publicando, depois de já estar aprovado pela editora (SENAC), porque meu pensamento estava evoluindo muito rápido naquela época, em especial em função de minhas conversas e discussões com dois educadores de escol, Rubem Alves e Antonio Carlos Gomes da Costa. O título que dei ao livro foi Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era. Ele foi usado para uma formação que dei aos primeiros constratados pelo Ricardo Semler e pela Helena Singetr para serem os tutores e mestres iniciais da Escola Lumiar. (Para os interessados, estou presentemente a tomar providências para publicar esses dois livros em formato de e-book através da Editora Kapenke, de meu sobrinho, Vítor Chaves de Souza).

A partir de alguns anos atrás tenho defendido a tese illichiana da Descolarização da Sociedade, que eu chamo (com algumas nuances de sentido) de Desescolarização da Educação, como se pode constatar em meu blog / site Deschooling Education (https://deschooling.education/).

Temos tido, minha mulher e eu, interessantes discussões sobre a questão da viabilidade da escola hoje. Ela, Paloma E M C Chaves, ainda acredita que a escola tem algum futuro, desde que radicalmente transformada. Eu, da minha parte, prefiro lutar diretamente por uma Learning and Creative Society– uma Sociedade da Aprendizagem e da Criatividade, em que livremente se aprende anytime, anywhere and anyhow, ao longo da vida inteira, em função das necessidades e dos interesses de cada um, sem que a aprendência e a criativivência sejam institucionalizadas.

Note-se que John Dewey(e discípulos brasileiros seus, como Anísio Teixeira), embora ainda não estivessem prontos para considerar a desescolarização ou desinstitucionalização da educação, defenderam uma educação centrada nos aprendentes (não nos ensinantes) e entremeada com a vida, os interesses, e a experiência desses aprendentes, tanto dentro como, especialmente, fora da escola. Esse tipo de educação foi chamado de Educação Ativaou Educação Progressista. Mais recentemente (começando uns trinta anos atrás), li com o maior interesse as obras de John Holt, considerado o pai não só do movimento chamado de Home Schooling, um nome que considero inadequado, mas também do movimento denominado, mais apropriadamente, Unschooling. Mas esses dois movimentos ainda são bastante minoritários.

Hoje em dia temos, em movimentos majoritários, temos duas tendências.

De um lado, defensores da escola tradicional / convencional, apoiados em algumas iniciativas reformadoras, mas quase nunca radicalmente transformadoras, e em geral centradas no uso controlado (ensinante) e domesticado da tecnologia (uso esse não-disruptivo do currículo e da metodologia escolar), têm procurado reforçar a tese de que a escola deve centrar sua atenção nas matérias e disciplinas básicas, que, para eles, são Linguagem, Matemática e Ciências – talvez com uma breve pitada de Solução de Problemas, para os mais inclinados para as Ciências Naturais, as Engenharias, e as Tecnologias em geral.

Do outro lado, temos defensores de uma educação escolar liberal, focada na leitura dos Clássicos e das Grandes Obras Filosóficas e Literárias da Civilização Ocidental, que hoje também não prescide do uso da tecnologia, mas que é voltada para os mais inclinados para a área de Humanidades e Ciências Humanas (como certamente é o meu caso).

Lembram-se do tempo em que o Segundo Ciclo do Ensino Secundário, o chamado Colegial, era dividido entre Científico e Clássico? Eu comecei a cursar o Científico e o abandonei depois de um semestre apenas: fui cursar o Clássico, em que me realizei. A divisão de alguma forma continua…

Mas eu evoluí…

Se você está entre aqueles que, como eu, acha que a Educação não deve preparar apenas para uma carreira e uma profissão, mas para a vida, e que sempre ficaram, nos últimos tempos, em que as ideias de John Dewey ficaram em baixa, espremidos nessa briga entre Cientistas Naturais e Engenheiros, de um lado, e Bacharéis e Intelectuais, do outro, o livro resenhado é um alento.

Depois de passar os olhos, em leitura dinâmica, pelo livro resenhado, estou quase a concluir que não é preciso decidir, primeiro, se a escola, enquanto tal, é recuperável ou se ela está definitiva e irrecorrivelmente condenada à morte, sem direito a sursis. O futuro decidirá isso.

O que é preciso fazer com urgência é refocar a educação na Vida e no Desenvolvimento Humano. Para isso, a tecnologia (hardware + software) é importante, mas não é essencial. Essencial é entender a educação como desenvolvimento do nosso mindwarepara que possamos viver vidas realizadas e felizes. Por isso publico este artigo também nos meus blogs Mindware Education(https://mindware.education/), EduTec Space (https://edutec.space/), e no meu Portal de Blogs, Chaves Space(https://chaves.space/).

Em Cortland, OH, 1º de Outubro de 2018.

o O o

ANEXO:

Choosing Progressive Education for Modern Learning

By Will Richardson

July 31, 2018

https://modernlearners.com/choosing-progressive-education-for-modern-learning/

While it’s hard to count the number of profound thoughts and insights that frequent Timeless Learning, the absolutely powerful new book from Ira Socol, Pam Moran, and Chad Ratliff that’s coming out next week, this one particular passage had my inner and outer edu-activist pumping his fist:

Adults may argue about this – they do argue about it – but despite the historical victories of industrial education, the fundamental utility of school has now firmly shifted to the progressive educational ideal, what John Dewey wanted” (97).

Finally, some well-respected voices who categorically state that for this modern era, for the sake of  today’s kids living in today’s world, we must choose Dewey over Thorndike, not the other way around.

To be sure, I know many progressive educators in classrooms and schools right now. Heck, there are actually a smattering of fully functioning and fully committed progressive schools where absolutely amazing things are happening with kids and teachers who are all passionate learners. That said, too many in and out of education have long been hesitant to embrace that “progressive” moniker, partially because of the baggage it carries (it’s “soft,” you know) and partially because not enough people really understand what the word means in the context of learning.

Ira and Pam and Chad, all from the Albemarle (Va) School District, don’t just know what it means. With Pam’s guidance as superintendent, over the last 13 years (she retired this spring) Albemarle has moved from a fairly traditional public school district to one that is a living, breathing exemplar of a) what schools can become if we truly put kids at the center of our work, and b) what professional practice looks like when it’s deeply rooted in a commitment to beliefs and values and, importantly, a clear understanding of the opportunities and challenges of the modern world. In other words, “progressive.”

For that reason alone, this book is important. The story that the authors tell is not one about buzzwords, cool new technologies, some new acronym-forced strategy, or vague word salads about whatever new innovations or new pedagogies or new skillsets are the flavor of the month. Instead, as the title suggests, it’s a story about the timeless knowledge that we all share about how kids learn, how adults learn, and how we learn together in schools. I hesitate to say that you won’t read anything especially surprising in this book; you’ll likely be nodding your head on every page. But if you read it to the end, you may be surprised at how high your bar gets set when thinking about where to take your own work in schools and classrooms, even for those of you for whom “change” has been a focus already.

The inspiration here is this: It can be done. The message is this: It must be done. We have to stop hewing to the systems and structures that have for so long defined “school” and start seriously articulating and living a different vision. And it’s the living part that makes this book so special. As the authors say, it’s not a “how to;” every school is different. It is, instead, a model for what can happen when you commit fully over time to build from a deep understanding of how powerful learning happens for kids.

So let me share a couple of let’s-not-mince-any-words snips that speak to the progressive ideal, to the urgency for change, and to the realities of the system today.

“In our observations, we’ve discovered that educators with a bias toward the child—those who embrace children’s engagement, happiness, agency, and strengths—share a core belief that the essential role of school communities is to empower children through a multitude of learning pathways. Such progressive educators support children to develop life competencies through a wide bandwidth of democratic and experiential learning opportunities in both formal and informal settings—projects, maker learning, collaborative exploration of interests, technologies of all kinds used to produce learning, and exhibition of learning to authentic audiences. These educators speak with conviction about the value of knowing children as individuals rather than focusing on the data inherent in traditions of scientific management. They do not represent the norms of educational systems developed over decades through “cells and bells” structures, direct instruction, and bell curve expectations. In short, they work hard to free the child from the shackles of the compliance-based system they’re trapped in” (40).

And another:

“There are societal changes that now enable educators to leverage making as a tool – or as a philosophy inside compulsory education that we can leverage as a pathway toward a progressive education model. When people say, “Well, we all shouldn’t be makers,” we ask, “How do you define making?” Should everybody need to know how to use a 3D printer? We don’t think so. Should everybody need to know how to come up with their own ideas, and then know how to learn what they need to know about those ideas, and how then to make those ideas real, and introduce them into society in some authentic way, whatever is meaningful to the individual? Then yes, yes. Every learner should learn to do that – and they shouldn’t only have their one cool government teacher to do that. We have 13 years of iterative experiences through which we are working to do that. We are pushing back at nurturing the compliance that America’s present-day schools are built upon” (139).

And, finally, just one more to get you thinking:

“Incremental shifts in practice are not the focus of our work. We are committed to significant transformation of the teaching and learning culture in our schools. We know from our work that for individual teachers and whole faculties to change pedagogies, they themselves must commit to learning how to learn in today’s world. This means reflection, inquiry, and study in collaboration with colleagues and mentors. Provocation of thought and processing drives professional growth beyond superficial change of little magnitude to deep change that results in substantively different learning experiences for young people. We have seen this occur when professional learning opportunities shift from the normative top-down, program-driven professional development to experiential learning that gets educators out of the box we call school. When our educators come to embrace and own their own learning in a context of seeing themselves as designers, creators, and makers, it changes the game in how they approach working with learners” (159).

Change in schools is not about teaching. It’s not even about education. It’s about learning. And, ironically, that’s what makes it so challenging. The unpleasant truth is that schools were not built for learning. To change them to actually be about learning is hard, difficult work. It’s work that honestly, most people don’t want to tackle at scale. It’s easier to drive numbers. It’s easier to offer more AP tests or carve out a “Genius Hour.” It’s easier to try to keep parents and policy makers and union reps happy by just tweaking the recipe a bit than it is to peel back all the layers and start asking the deeply important questions about what’s actually best for all kids, every day, today.

But just remember: “The fundamental utility of school has now firmly shifted to the progressive ideal.” You may not believe that…yet. You may not think that shift is about your school. But it is. Your kids are writing a new story of learning outside of school that at some point will require your full embrace inside of school. That is the story of  Timeless Learning, and you ignore it at your own peril.

And to your kids’ detriment.

o O o

A Educação Moral

A Educação Moral ([1])

Conteúdo

  1. Educação Integral e Educação Moral
  2. A Moralidade: Início da Discussão
  3. Ações Morais, Imorais  e “Neutras” do Ponto de Vista Moral
  4. A Questão dos Critérios – ou: A Moralidade no Plano Cognitivo
  5. O Querer Fazer o que é Certo – ou: A Moralidade no Plano Conativo
  6. O Fazer o que se Quer Fazer e o não Fazer o que não se Quer Fazer
  7. Moralidade e Valores
  8. A Educação Moral: À Guisa de Resumo e Conclusão
  9. Notas

o O o

1. Educação Integral e Educação Moral

A educação escolar tem tradicionalmente concentrado sua atenção nos aspectos cognitivos do ser humano – naqueles aspectos relacionados com o desenvolvimento do seu intelecto, de sua capacidade de pensar, de sua inteligência. Para quem observa uma escola tradicional, parece que sua única preocupação é conseguir passar aos alunos informações e conhecimentos – e, na melhor das hipóteses, desenvolver neles algumas competências de natureza cognitiva, a maior parte delas de cunho linguístico, lógico ou retórico (a essência do Trivium Medieval) – que os alunos precisam possuir (acredita-se) para poder vir a atuar competentemente no mundo adulto.

Sir Ken Robinson, em um de seus vídeos, chegou a dizer, caricaturando essa tendência, que para a maioria dos educadores (em especial os que atuam no Ensino Superior e se consideram intelectuais), a única função do corpo dos seres humanos é carregar o cérebro das pessoas de um lugar para outro… (O cérebro, naturalmente, é visto, hoje em dia, como o locus, por excelência, de suas competências e habilidades cognitivas, de seus conhecimentos e das informações que possuem… Antigamente se atribuíam à mente das pessoas o que hoje se atribui ao seu cérebro! Será que viramos todos materialistas, sem perceber?)

No entanto, tão importantes para os seres humanos quanto o seu intelecto são a sua sensibilidade, os seus sentimentos, as suas emoções, a sua vontade – em geral tristemente ignoradas pela educação escolar tradicional. Falar para alguns educadores em “educação da sensibilidade”, “educação dos sentimentos”, “educação das emoções” e “educação da vontade” é arriscar-se a receber em resposta um olhar vidrado de quem imagina que está tendo contato com um extra-terrestre. Se falar em “educação do caráter”, então, é possível que os educadores se retirem. (O locus físico ou biológico dessas características é tradicionalmente visto como o coração, não o cérebro.) [2]

No entanto, a retórica pedagógica, até mesmo a atual, frequentemente inclui referência à chamada “formação integral” (da criança), sugerindo que a educação não pode se limitar apenas à transmissão de informações e conhecimentos e ao desenvolvimento das competências e habilidades cognitivas do ser humano. É raro, porém, que fique claro no que consistiria essa formação integral. Instituições educacionais de origem confessional geralmente dão a entender que ela inclui educação moral e educação religiosa – mas em geral concebem a educação moral e a educação religiosa de forma intelectualizada, quando não puramente doutrinacional, como a inculcação de certos valores e regras de conduta moral e de algumas doutrinas religiosas.

Por isso, apesar de a expressão “formação integral” aparecer, hoje em dia, com certa frequência também na literatura pedagógica secular e leiga, para muitos não é muito claro o que se tem em mente quando se fala em facetas da educação que vão além da transmissão de informação e conhecimento e do desenvolvimento de competências e habilidades puramente cognitivas. (Alguns, de entendimento simplório, entendem que “formação integral” é equivalente a “escolarização em período integral” – o dia inteiro…)

A finalidade deste texto é procurar esclarecer um dos componentes – talvez o mais importante – da dita formação integral: a “educação moral”. No processo, discutir-se-á como ela pode ser realizada – em casa, na escola, na comunidade, na igreja, ou em qualquer outro contexto. Ver-se-á que a educação moral, embora contenha elementos cognitivos (que, para alguns, esgotam o seu significado), está estreitamente envolvida com a educação da sensibilidade, dos sentimentos, das emoções, e, principalmente, da vontade.

Assim, pressupondo que o leitor já tenha razoável clareza acerca do que seja a educação, é necessário para entender o que é a “educação moral”, discutir o que é a moralidade – ou seja, entender a natureza da moralidade. É essa questão que será abordada a seguir.

2. A Moralidade: Início da Discussão

O que é a moralidade?

Em vez de partir, de início, para uma definição formal, como as que se encontram em dicionários, vou tentar, primeiro, delimitar o conceito de forma mais indireta – perguntando, por exemplo: “De que tipo de coisas dizemos que são morais ou imorais?”

Fazendo esta pergunta a uma classe numa escola confessional na qual eu discutia a questão, a primeira resposta que me foi dada foi: “Roupas”. De início fiquei surpreso que minha interlocutora fosse pensar, em primeiro lugar, exatamente nesse tipo de coisa, ao refletir sobre a moralidade. Mas lembrando-me de que a igreja a que pertence a referida aluna é das que colocam bastante ênfase na indumentária dos alunos, proibindo (ou, pelo menos, enfaticamente “desincentivando”), para mulheres, calças justas, saias curtas, e blusas decotadas ou transparentes, a resposta começou a fazer sentido e acabou gerando excelente discussão.

Retruquei, meio socraticamente, na forma de pergunta à minha interlocutora, em que sentido roupas podiam ser consideradas morais ou imorais? Perguntei a ela se a roupa que eu estava usando na ocasião (calças jeans, camisa social e suéter) seria moral ou imoral. A resposta foi de que minha roupa era moral – ali naquele contexto; se eu estivesse num banquete chique, continuou a moça, minha roupa seria considerada – digamos – inadequada. Até ela relutou em dizer “imoral”.

A partir dali procurei aprofundar a discussão da distinção entre uma roupa “imoral” e uma roupa “inadequada à ocasião”. É claro que roupas podem ser claramente inadequadas a determinadas ocasiões. Perguntei à aluna se ela achava que, no tocante a roupas, ser imoral era a mesma coisa que ser inadequada à ocasião.

Sua resposta tergiversou um pouco. Ela disse: “Roupa imoral é roupa indecente”. Com isso, introduziu um novo conceito na discussão: o de decência.

Perguntei a ela se, a seu ver, o indecente não seria apenas um caso especial do inadequado à ocasião, no tocante a roupas? Perguntei-lhe se ir à igreja de biquini seria indecente – e ela (como era de esperar) respondeu que sim. Perguntei-lhe, então, sem muita certeza do que ela iria responder, se ir à praia de biquini também seria indecente. Felizmente, para o que eu pretendia, ela disse que não. Perguntei a ela, por fim, se isso não indicava que uma roupa indecente não é simplesmente um caso (talvez extremo) de roupa inadequada à ocasião – havendo ocasiões em que, possivelmente, até nenhuma roupa seja considerado “traje” adequado…

Se me detenho com certo detalhe nessa conversa, é porque ela revela a confusão que existe na mente de muitas pessoas acerca do objeto da moralidade. Procurei esclarecer aos alunos (a maioria do sexo feminino, mas eu não sou politicamente correto) que, no uso mais básico dos termos “moral” e “imoral”, eles normalmente não são aplicados a coisas – na realidade, nem mesmo indiscriminadamente a coisas vivas como animais ou plantas. Normalmente, apenas pessoas são consideradas morais ou imorais.

Mais precisamente, não são as pessoas, enquanto objetos físicos ou seres biológicos, que são chamadas, em determinados contextos, de morais ou imorais, mas as pessoas enquanto seres conscientes capazes de pensar, refletir e principalmente agir.

Procurei mostrar, com perguntas aos alunos, que, na verdade, são as ações das pessoas que são consideradas moralmente certas ou erradas. Não faz sentido dizer do rosto ou do pé de uma pessoa que seja moral ou imoral, observei. “Ah”, disse uma aluna: “mas um olhar pode ser imoral!”. Essa observação nos levou a esclarecer a diferença entre uma característica física de uma pessoa, como os seus olhos, e uma ação sua, como um olhar. Os olhos são os olhos, órgãos do corpo humano. Mas os olhares dos olhos são ações – e embora possamos olhar as coisas e as pessoas despreocupadamente, sem pensar sobre o que estamos fazendo, muitas vezes nosso olhar – certamente o tipo de olhar em relação ao qual faria sentido dizer que é imoral – é (quero crer), um olhar intencional (e, consequentemente, refletido, deliberado, voluntário).

(Em parênteses é oportuno levantar a questão, para discussão posterior, se coisas que não são facilmente classificáveis como ações, como pensamentos, decisões e desejos, podem ser apropriadamente classificadas de morais ou imorais. Mas por enquanto vamos nos limitar a discutir ações, propriamente ditas – pressupondo que, intuitivamente pelo menos, sabemos o que são ações e como elas diferem de meros movimentos – podendo, concebivelmente, haver ações que não envolvem movimento algum – como pensamentos, decisões, desejos, etc.).

(Em outro parêntese, é oportuno também registrar que alguns objetos são frequentemente descritos como morais – ou, mais frequentemente, imorais: pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc. Nestes casos, quer me parecer que sua suposta imoralidade seja uma forma elíptica de se referir à imoralidade das ações humanas neles verbalmente descritas ou graficamente representadas – mas devemos nos manter alertas para eventualmente rever essa posição, se necessário.

É porque as ações, em si, podem ser vistas como morais ou imorais, que frequentemente estendemos essas categorias à conduta em geral, às atitudes, às posturas, etc. (que são de certo modo agrupamentos [clusters] ou padrões [patterns] de ações) ou mesmo a objetos (como pinturas, fotografias, livros, filmes, novelas, etc.).

3. Ações Morais, Imorais  e “Neutras” do Ponto de Vista Moral

Seriam todas a ações humanas morais ou imorais, ou haveria ações humanas que não são nem uma coisa nem outra?

Esta questão geralmente permite que uma discussão muito frutífera tenha lugar em sala de aula. Colocada aos alunos, rapidamente surgem vários exemplos de ações que (pelo menos aparentemente) não possuem nenhuma conotação moral: entre outras, as ações de pentear os cabelos (bem como colori-los ou deixa-los crescer além do que geralmente se considera normal), amarrar os sapatos, comer à mesa, e vestir-se parecem não ter implicações morais – embora, naturalmente, a questão do que é lícito ou recomendável comer ou vestir possa não ser tão consensual (haja vista a discussão relatada atrás sobre a pretensa imoralidade de determinadas roupas e a notória proibição, para os fiéis de determinadas religiões, de comer determinadas coisas).

Apesar de dificuldades de classificação, não é difícil obter consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras do ponto de vista moral (isto é, nem morais nem imorais).

Uma primeira aproximação à questão de delimitação do conceito de moralidade nos leva, portanto, a distinguir, num primeiro momento, duas grandes categorias de ações: as que têm, digamos, conotação (significado, relevância) moral e as que não têm. Num segundo momento, as que têm conotação moral podem, por sua vez, ser diferenciadas em ações morais (ou “moralmente certas”) e ações imorais (ou “moralmente erradas”).

Categorizando as ações humanas desta forma, temos o que poderia ser representado como um retângulo dividido em duas metades, uma das quais é também subdividida em duas metades. Do lado da primeira metade, não subdividida, colocaríamos as ações sem conotação moral. Do lado da outra metade, colocaríamos as ações com conotação moral, devidamente classificadas e divididas em “moralmente certas” (morais) e “moralmente erradas” (imorais).

Outro parêntese: É possível dividir a primeira metade do retângulo também em duas partes, colocando na de cima ações em que está envolvida apenas e exclusivamente uma escolha pessoal (se corto meu cabelo mais curto ou mais longo, se faço uma tatuagem, se uso um piercing, por exemplo) e, na de baixo, ações em que a escolha até certo ponto continua a ser pessoal mas essa escolha é constrangida por convenções sociais e, no limite, limitada por leis, sem que, por isso, essas ações se tornem morais. Dois homens andarem de mãos dadas na rua é uma ação ainda sujeita, hoje, aqui no Brasil, a constrangimento social e até mesmo a agressão. Andar pelado na rua é uma ação sujeita a sanções penais, porque há leis que proíbem. De qualquer maneira, em nenhum desses dois casos se trata de uma questão moral. Fim do parêntese.

Colocando as coisas nestes termos, é forçoso reconhecer que a primeira linha que, por hipótese, divide o retângulo em duas partes, não fica exatamente no centro para todas as pessoas – talvez não fique exatamente aí para nenhuma pessoa. Pessoas mais liberais(o termo aqui significando que estão dispostas a conceder um espaço bem mais amplo para a discrição pessoal) em geral deixam um espaço bem menor para ações com conotação moral do que para ações ditas neutras (em qualquer das duas sub-categorias mencionadas, ressalvados, talvez, os casos em que há leis envolvidas, embora alguns liberais tenham abertura para o chamada desobediência civil). Pessoas maisconservadorasparecem ter um senso se moralidade mais aguçado e tendem a aumentar o lado das ações com conotação moral – deixando às vezes muito pouca coisa no lado considerado neutro. Até o modo de se vestir e aquilo que se ingere como alimento é regulado por preceitos que consideram morais.

Mais um parêntese, meio grande. Como já observamos de passagem, para algumas pessoas, o que alguém come, ou o modo de alguém se vestir, estaria do lado da ações com conotação moral – outras pessoas achando que nem mesmo andar pelado ou manter relações sexuais promíscuas e indiscriminadas (ou colar numa prova, ou plagiar terceiros ao elaborar trabalhos escolares) é imoral.

Na verdade, na Bíblia, em especial no Velho Testamento, temos uma fonte aparentemente inesgotável de exemplos de ações, realizadas por grandes vultos bíblicos, chamados às vezes de Heróis da Fé ou Patriarcas, que muitos considerarim imorais: Abraão, ansioso por ter um filho, e sendo sua mulher, Sara, estéril, teve filhos com a criada de Sara, por sugestão da própria mulher, que depois escorraçou a rival [Gênesis 16:1-6]; o próprio Abraão, depois de ter um filho com Sara [Isaque], miraculosamente curada da sua esterilidade [Gênesis 17:15-16, 18:9-15 e 21:1-2], se dispõe a matá-lo em sacrifício a Deus, por ordem deste [Gênesis 22]; Davi, embevecido pela beleza de Bethseba, mulher casada, a toma para si e manda o marido dela, Urias, para a frente de batalha, para que seja morto [II Samuel 11]. E assim vai. A ação de David é punida, mas as de Abraão “passam batidas”, sem punição ou recriminação, sua disposição de sacrificar Isaque sendo até mesmo colocada como exemplo do suprassumo da fé: a disposição de obedecer total e cegamente  às ordens divinas, se indagar e refletir se elas são morais ou imorais. [3]Fim do parêntese grande.

4. A Questão dos Critérios – ou: A Moralidade no Plano Cognitivo

Tendo chegado de forma relativamente fácil a um consenso de que há ações humanas que são morais, outras que são imorais, e outras que são neutras (nem morais nem imorais, cuja decisão cabe a cada pessoa, individualmente, ou com a ajuda de convenções e outras regras e normais sociais, até leis, mas sem que por isso se tornem questões morais), há que se confrontar uma questão sobre a qual consenso talvez seja totalmente impossível: através de que critérios diferenciamos estas duas coisas:

  1. ações neutras (que não possuem conotação moral) das ações que possuem conotação moral (podendo ser consideradas moralmente certas [morais] ou moralmente erradas [imorais]?;
  2. e, dentro das ações que possuem conotação moral, aquelas que são moralmente certas (morais) das que são moralmente erradas (imorais)?

Note-se que se trata de dois critérios diferentes aqui: um demarca entre ações neutras, do ponto de vista moral, e ações que possuem conotação moral; o outro procura demarcar, dentro do universo das ações que possuem conotação moral, as que são moralmente certas das que são moralmente erradas.

Embora em ambos os casos estejamos lidando com critérios, vou chamar o primeiro problema de critério de demarcação do escopo da moralidade, e o segundo problema de critério de demarcação das ações moralmente certas das ações moralmente erradas. Há quem acredite que um só critério resolva os dois problemas.

Registre-se ainda que aqui estamos lidando com uma questão epistemológica – isto é, com uma questão que tem que ver com as condições de nosso conhecimento. Em outras palavras, o que se pergunta é como eu sei (ou aprendo) que uma ação é neutra, moralmente certa ou moralmente errada? O que se busca, ao se fazer essa pergunta, são critérios de demarcação: como é que eu demarco ações de um tipo de ações dos outros tipos.

Ao discutir essas questões estaremos, portanto, discutindo a moralidade no plano cognitivo– o plano em que nos perguntamos como é que eu sei que determinadas ações são erradas e outras certas, do ponto de vista moral, e ainda outras não são nem moralmente certas nem moralmente erradas, porque não possuem conotação moral (sendo moralmente neutras, portanto)?

Vários critérios têm sido propostos ao longo da história da humanidade. Mencionarei apenas dois – um, um critério que apela para uma autoridade (que determina em que categoria se enquadram as várias ações); o outro, um critério consequencialista (que julga as ações de conformidade com suas consequências).

Aqueles que consideram a Bíblia sua única “regra de fé e prática”, geralmente acreditam que, se a Bíblia ordena determinada ação, ela é moralmente certa; se a Bíblia a proíbe, ela é moralmente errada; se a Bíblia nem ordena nem proíbe, a ação não é nem moralmente certa nem moralmente errada – é moralmente neutra.

Os filósofos utilitaristas do século 19 pressupunham que o que importa não é a fonte de uma ordem ou uma regram, nem sua “natureza intrínseca” (se é que se pode falar nisso), mas as suas consequências, quando elas são transformadas em ações nossas. E seu critério básico de moralidade estava ligado “fazer bem” aos outros (ou tornando-os felizes). Assim, se uma determinada ação faz bem aos outros (os torna felizes), ela é moralmente certa; se faz mal aos outros (os torna infelizes), ela é moralmente errada; se não faz nem bem nem mal, ela não é nem certa nem errada, do ponto de vista moral. Se duas ações fazem bem aos outros, é preferível a ação que faz mais bem (torna os outros mais felizes ou torna mais gente feliz) – o princípio da maior felicidade do maior número de pessoas sendo o critério aplicável. Se duas ações fazem mal aos outros, é preferível a ação que faz menos mal (torna os outros menos infelizes ou torna menos gente infeliz) – o princípio da maior felicidade do maior número de pessoas sendo o critério aplicável. (Os utilitaristas foram a extremos desenvolvendo o que chamaram de “cálculo felicífico” ou “cálculo hedonístico”…).

Não vamos discutir aqui, neste momento, essas teorias – nem mencionar outras (como a de Kant), que poderiam facilmente ser invocadas. Apenas menciono essas duas, e de forma admitidamente simplificada, para ilustrar a necessidade de critérios de demarcação – algo que se busca e se acha no plano cognitivo.

5. O Querer Fazer o que é Certo – ou: A Moralidade no Plano Conativo

Para que consideremos uma determinada ação moral, basta que saibamos mostrar, através de critérios defensáveis, que aquela ação se inclui na categoria das ações de conotação moral e, dentro destas, na subcategoria das ações moralmente certas.

Para que uma pessoa seja considerada moral, entretanto, ainda que em um sentido derivativo, não basta que ela saiba, no plano intelectual, quais ações são moralmente certas, quais são moralmente erradas e quais são neutras. É preciso que ela faça o que é moralmente certo e não faça o que é moralmente errado.

Mas, na verdade, não basta que a pessoa faça o moralmente certo e deixe de fazer o moralmente errado: é preciso que esse fazer ou deixar de fazer não seja resultante de forças fortuitas (mero acaso) ou alheias à vontade da pessoa (como quando alguém a força a agir de uma forma ou de outra), mas, sim, de sua decisão consciente, livre e voluntária – ou seja, de sua própria vontade. Assim, entre o saber e o fazer, há um elemento intermediário, o que poderia ser chamado de “espaço de decisão”, em que ela resolve que quer fazer o certo e não quer fazer o errado. É sobre esse “querer fazer” que falarei agora. [Em seguida falarei sobre o passo que vai do “querer fazer” para o “efetivamente fazer”, culminando na ação.]

Ao discutir o “querer fazer” estamos lidando com que se denominou, na filosofia tradicional, a vontade. Nem sempre é fácil distinguir a vontade (isto é, o querer) do saber e do fazer, propriamente dito.

Imaginemos que uma pessoa casada e com filhos, que vive de forma relativamente feliz com a família, e que tem no cônjuge uma pessoa boa, responsável e fiel, subitamente se apaixone por outra pessoa, que ela sabe ser solteira, irresponsável e volúvel, mas que é bastante atraente.

Imaginemos que, neste caso, a pessoa casada conclua, no plano intelectual (cognitivo), e usando seu próprio critério de moralidade, que trair o conjuge é moralmente errado. Essa é uma conclusão que ela alcança com sua própria cabeça, por assim dizer. Ao mesmo tempo, porém, ela não quer fazer o que ela mesma considera moralmente certo – quer, isto sim, fazer o que ela mesma considera moralmente errado: trair o cônjuge — porque está apaixonada por outra pessoa.

O que temos aqui é um conflito moral entre o intelecto e a vontade, entre o plano cognitivo e o plano que normalmente se denomina conativo.

Na novela de Manuel Carlos, Laços de Família (transmitida pela Globo em 2000-2001), uma filha (Camila, representada por Carolina Dieckmann) se apaixona por quem ela sabe ser o namorado da mãe (Edu, representado por Reynaldo Gianecchini – a mãe, Helena, é representada por Vera Fischer). É possível imaginar que a filha, no plano cognitivo, ache moralmente errado envolver-se com o namorado da mãe. No plano da vontade, porém, assim que se percebeu apaixonada por ele, quis se envolver com ele. O conflito do cognitivo com o conativo ficou claramente delineado.

Esse exemplo é de certo modo suficiente para mostrar que os sentimentos e as emoções são muito mais potentes para mover a vontade do que a razão ou o intelecto. A pessoa em geral quer (vontade) porque os sentimentos e as emoções a empurram (está apaixonada). As considerações racionais que a razão ou o intelecto pode produzir para dissuadi-la de agir em geral fazem sentido mas não são capazes de mover a vontade. (É por isso que alguns filósofos, como David Hume, negam que a razão seja capaz de mover a vontade, quando a ele se contrapõem as paixões…).

É aqui, neste conflito da razão com as emoções, do intelecto com a vontade, que se situam os grandes dilemas que formam o enredo de obras literárias famosas, de filmes e de novelas…

Só de passagem, uma referência a um problema sério, mas não tão envolto em sentimentos e emoções. Muitos alunos de nossas escolas, tanto de nível básico como de nível superior, não hesitam, durante uma prova, em colar de colegas, ou de perguntar ao colega do lado, bem como, ao fazer um trabalho, em se apropriar, sem o devido crédito, de trabalhos já realizados por terceiros (plagiarismo). No entanto, esses alunos que assim se comportam, se indagados, em entrevista, em geral reconhecem que o que fizeram é moralmente errado – mas nem por isso deixaram de fazê-lo (nem vão deixar de fazê-lo no futuro).

Como resolver esses dilemas de modo a querer o que é moralmente certo e a deixar de querer o que é moralmente errado? Talvez aqui, e não no plano cognitivo, se situe a maior dificuldade da educação moral.

Se estão certos os que, com Hume, afirmam que são os sentimentos e as emoções, e não as considerações racionais, que movem a vontade, a educação moral, aqui neste plano, se reveste de educação da sensibilidadee educação das emoções: como alinhar os nossos sentimentos e as nossas emoções com aquilo que sabemos ser moralmente certo, de modo que sentimentos e emoções (aquilo que Hume chamava de “nossas paixões”) funcionem para nós e não contra nós?

6. O Fazer o que se Quer Fazer e o não Fazer o que não se Quer Fazer

Muitos confundem este plano com o anterior, mas ele é claramente diferente.

Há uma passagem conhecida de São Paulo em que ele se lamenta, afirmando que “o bem que eu quero, este não faço, e o mal que não quero, este faço” [Romanos 7:15,19].

São Paulo, aqui, sabe o que é certoe o que é errado – nenhuma dúvida acerca disso. E também não há dúvida de que ele quer fazer o certo e não quer fazer o errado. Entretanto, segundo sua própria admissão, ele não consegue.

Estamos aqui lidando com um conflito diferente do mencionado no item anterior. Aqui a razão e o intelecto, de um lado, e a vontade, os sentimentos e as emoções, do outro lado, estão alinhados – mas, apesar disso, alguma força misteriosa se contrapõe a esses três elementos (cognitivo, conativo e emotivo) e a pessoa não consegue fazer aquilo que ela sabe ser certo e quer fazer, nem consegue deixar de fazer aquilo que ela sabe ser errado e quer não fazer.

Aqui nos situamos nos planos das compulsões, que afetam aqueles que se deixam controlar por atividades que, segundo se diz, “viciam”: fumo, bebida, droga, comida, jogo, consumo, sexo, Internet.

Compulsões, quando graves, requerem tratamento especializado, em geral psiquiátrico ou psicanalítico (ou então religioso – São Paulo explicou seu dilema dizendo que, quando ele faz o que sabe ser errado e não quer fazer, na realidade não é ele que faz: quem faz “é o que pecado que mora em mim”). Nesses casos, o indivíduo, desassistido, não consegue fazer o que quer nem deixar de fazer o que não quer. Sua vontade não tem força suficiente para levá-lo a fazer o que ele acha certo e tem vontade de fazer – nem para levá-lo a deixar de fazer o que ele acha errado e tem vontade de não fazer. Sua vontade é impotente ou muito fraca. Ele sofre daquilo que os gregos chamavam de akrasia.

7. Moralidade e Valores

Valores são os nomes que geralmente são dados àquilo que a gente luta para ter ou conservar – ou seja, àquilo que a gente deseja e quer.

Alguns de nossos valores são, digamos, valores-meio (ou valores extrínsecos): seu valor advém do fato que eles nos permitem chegar a outras coisas que valoramos mais do que os valores-meio ou valores extrínsecos.

Dinheiro é um valor-meio. Queremos dinheiro não para poder guardar, como algo que é valioso em si mesmo, mas, sim, porque o dinheiro nos permite acesso a coisas que valoramos mais do que dinheiro – doutra forma não daríamos nosso dinheiro para obtê-las.

A maior parte de nossos valores é desse tipo – valores-meio, valores instrumentais.

É possível concluir, porém, que há coisas que têm valor em si mesmas – que são valores intrínsecos. Em relação a essas coisas, se nós as valorizamos, valorizamo-nas por si mesmas – e se não as valorizamos de fato, dizemos que deveríamos valorizá-las. A moralidade se situa aí.

Com isso, possivelmente estejamos apontando para o critério fundamental que vai nos permitir demarcar ações (ou questões) que possuem uma conotação moral das que não possuem: o fato de valores intrínsecos estarem envolvidos naquelas que possuem conotação moral.

Por isso, quando se trata da moralidade, propriamente dita, normalmente não se conclui que cada um pode ter seu ponto de vista – e tudo bem. Poucos são os que acham que matar, roubar, ser desonesto, mentir, descumprir promessas, etc., são coisas que as pessoas podem escolher fazer ou não, conforme o seu gosto.

Em geral, um indicativo de que não estamos tratando de questões morais pode ser encontrado no fato de que achamos perfeitamente natural que outros se comportem de maneira totalmente diversa daquela que consideramos certa.

8. A Educação Moral: À Guisa de Resumo e Conclusão

A educação moral talvez seja uma das áreas mais complexas da educação, porque envolve pelo menos quatro planos ou aspectos distintos:

  • Plano Cognitivo: Distinguir estas duas coisas aqui neste plano:
    • Demarcar (ou saber diferenciar) as ações que possuem conotação moral das ações que não possuem conotação moral (“ações neutras”, “ações amorais”, “ações moralmente indiferentes”, “adiaphora”);
    • Demarcar (ou saber diferenciar), para as ações que possuem conotação moral, quais são moralmente certas (morais, em sentido mais estrito) e quais são moralmente erradas (imorais – diferente de amorais);
  • Plano Conativo: neste plano, o da vontade, tomar a decisão de fazer o que é moralmente certo e de não fazer o que é moralmente errado;
  • Plano Afetivo: recorrer e convocar as nossas emoções positivas (sentimento de dever, obrigação, responsabilidade, solidariedade, etc.) para nos influenciar e motivar para fazer o que é moralmente certo e nossas emoções negativas (sentimento de vergonha, culpa antecipatória, receio de condenação e outras sanções, etc.) para nos demover e afastar de fazer o que é moralmente errado;
  • Plano Ativo: fazer o que é moralmente certo e não fazer o que é moralmente errado.

Que cada um desses planos é condição necessária (mas não suficiente) para o seguinte me parece claro, embora possa ser questionado. A ação moral não é moral quando é realizada sem que a pessoa saiba que ela é moralmente certa, e sem que tenha desejado realizá-la. Uma ação realizada “sem querer” (se é que faz sentido falar de ação neste caso) não é uma ação moral. Tampouco o é uma ação, ainda que desejada, em relação a qual a pessoa não consegue, além de perceber, sentir, no plano das emoções, suas implicações morais e a importância, no plano moral, de estar agindo desta forma, e não de outra. A meu ver, a questão da formação do caráter e do desenvolvimento de uma vida virtuosa se insere principalmente aqui, no plano dos sentimentos. Finalmente, não basta chegar até aqui e não fazer o que é certo e deixar de fazer o que é errado: é preciso agir. Por isso, acredito que cada plano é um pré-requisito do seguinte. Para a ação moral é necessário que os quatro planos aqui mencionados estejam presentes – os quatro, juntos, seriam condição suficiente da ação moral.

Não é difícil imaginar o que seria a instrução moral, que atuaria no plano cognitivo (plano do saber ou do conhecimento). Mais importante, porém, do que saber, em relação a cada curso de ação, se é moralmente certo ou errado, ou então neutro, é ter princípios  básicos que, em relação a qualquer curso de ação possível, nos permitam determinar, com razoável confiança, se aquele curso de ação é moralmente correto ou incorreto (ou neutro). Quando lidamos com princípios básicos, porém, entramos fatalmente na área da filosofia. Se nenhuma outra razão houvesse para que a filosofia estivesse presente no currículo escolar, só esta bastaria.

O moralista é aquele que nos diz o que é moralmente certo e o que é moralmente errado. O educador moral (na minha opinião, fatalmente um filósofo) é aquele que nos ajuda a definir princípios que nos permitam a decidir por nós mesmos o que é moralmente certo e o que é moralmente errado. (Sempre se imaginou que haja ações que não são nem moralmente corretas nem moralmente incorretas. Elas seriam, portanto, moralmente neutras. Calvino as chamava de “adiaphora”).

O plano conativo, que envolve a tomada de decisão e do acionamento da vontade precisa estar conjuminado com o plano afetivo, que nos leva a associar sentimentos positivos (que nos fazer sentir bem) ao querer fazer o bem (o que é moralmente certo) e a associar sentimentos negativos (que nos fazem sentir mal) ao querer fazer o mal (o que é moralmente errado). Muitos autores negligenciam essa conexão necessária entre a decisão e a vontade, de um lado, e o sentimento e as emoções, do outro, pressupondo que, “conhecer o bem é querer fazer o bem”, que basta saber qual o curso de ação que é moralmente certo e qual é o que é moralmente errado que vamos ficar felizes em querer fazer o primeiro e nos sentir miseráveis se recorrermos ao segundo. Não podemos nos esquecer da advertência de Hume, filósofo escocês do século 18, sobre o qual escrevi minha tese de Doutoramento, de que o intelecto e a razão, que operam no plano cognitivo, são inertes, impotentes, incapazes, por si só, de nos mover a fazer o bem e a evitar o mal. São as emoções que nos movem a agir e a deixar de agir, a agir de uma forma e não de outra. Na raiz do termo “emoção” está a raiz “moção”, que vem de mover, que indica que as emoções são necessárias para nos mover à ação, para fazer com que nossas decisões se transformem em ações, isto é, em realidade. A decisão de fazer (plano conativo) precisa estar acompanhada do querer fazer (plano emotivo).

Fosse o ser humano um ser puramente racional, não afetado pelas “paixões” de que trata Hume, bastaria saber que um curso de ação é moralmente certo para que ele desejasse realizá-lo, e bastaria saber que um curso de ação é moralmente errado para que ele desejasse evitá-lo. O ser humano, porém, não é puramente racional. Por isso, depois de estar convencido, no plano cognitivo, de que um curso de ação é moralmente correto, e decidido que quer fazer o que é moralmente certo e evitar o que é moralmente errado, ele precisa, de certo modo, ser capaz de regimentar os seus sentimentos e suas emoções para que venha a desejar realizá-lo.

Como se faz isso? Através da educação das emoções, da aquisição de competência emocional, que é alcançada, primeiro, através da criação de condições para que aflorem as emoções corretas, e, segundo, através do desenvolvimento da capacidade de controlar as emoções indesejáveis pela razão (o “Centro Executivo” do cérebro de que trata Daniel Goleman). Na educação das emoções a convivência interpessoal adequada, em comunidades que estimulam o desenvolvimento das emoções corretas e nos ajudam a controlar as indesejáveis, é essencial. O papel dos exemplos aqui é fundamental. Também extremamente importante, porém, é a vivência “virtual”, através da literatura, do cinema, das artes em geral. O papel dos heróis ou “ídolos” aqui é também fundamental.

Muitas vezes é possível saber, no plano cognitivo, qual é o curso de ação que é moralmente certo, decidir conscientemente segui-lo, mas, na hora “h”, não querer realizá-lo… Ou, então, saber, no plano cognitivo, que um curso de ação é moralmente errado, decidir, conscientemente, evita-lo, mas ainda assim, na hora “h”, não conseguir deixar de realiza-lo. Os gregos também tinham uma palavra para isso: “akrasia”, ou ausência de poder ou controle sobre a vontade. São os sentimentos e as emoções que nos dão esse poder.

No plano ativo (plano do fazer, ou do agir, ou da ação) as coisas também, às vezes, se complicam. Já São Paulo dizia: “o bem que eu quero, este eu não faço, e o mal que eu não quero, este faço”. O problema de São Paulo não era nem no plano cognitivo, nem no conativo, nem mesmo no afetivo: ele queria fazer o bem e evitar o mal – mas, a julgar pela sua confissão, não conseguia. O fumante sabe que o fumo faz mal à saúde, quer parar de fumar, sabe que vai se sentir arrasado se não parar, mas não consegue. O viciado em drogas sabe que as drogas o vão destruir, decide evita-las, quer fugir de seu jugo, mas não consegue.

Como é que a educação moral pode atuar neste plano?

Uma vez mais, aqui, o papel da convivência é essencial. Sem comunidades de suporte que nos ajudem nesses momentos difíceis por que todos passamos, em que é preciso alcançar uma força de vontadetal que às vezes parece estar acima de nossas capacidades, às vezes é impossível agir da forma moralmente correta. Não é outra a função de comunidades como “alcoólatras anônimos”, “vigilantes do peso”, etc. A família, os amigos, a comunidade (incluindo a igreja, se for mais “apoiativa” do que “condenativa”) são também essenciais aqui.

Como se pode ver, educação moral é algo complexo. A escola, enquanto instituição, pode contribuir um pouco com ela – muito mais do que hoje o faz. Mas nem de longe pode se desincumbir dela sozinha. E vimos, no decorrer dessa breve exposição, o papel que a educação das emoções e da “competência emocional” exerce no processo. Acredito que a boa literatura e o bom cinema são fundamentais nesse processo.

NOTAS

[1] Trabalho originalmente redigido para uso dos alunos da disciplina “Educação Moral” ministrada no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação e Ciências Humanas do Instituto Adventista São Paulo (IASP)

[2] Aquela que é considerada por muitos como a maior obra filosófica moderna (ou, pelo menos, a maior obra filosófica moderna escrita em InglêsA Treatise of Human Nature (1739-1740), de David Hume (1711-1776), escrita e publicada quando ele não tinha sequer completado trinta anos, trata das três (então chamadas) faculdades humanas clássicas: “Thought, Emotion, and Will” (Pensamento, Emoção e Vontade), responsáveis, respectivamente, pelos seguintes “conteúdos”: “The Understanding, the Passions, and Morals” (O Entendimento, as Paixões e a Moralidade), para usar a linguagem usada por Hume para dar o título das três grandes divisões de seu opus magnus. Essas três “faculdades” lidam com as três grandes dimensões da mente humana: a cognitiva, a emotiva e a conativa (para usar os termos consagrados) – ou seja: conhecer, sentir, escolher/decidir/agir (ou, no terceiro caso, servir de mola propulsora para a ação do ser humano, fornecendo-lhe a intenção, a motivação, e o desejo de agir; se a ação é feita ou não já depende de outros fatores, como, por exemplo, se sua vontade é suficientemente forte e não está enfraquecida [akrasia], se ele não está externamente coagido e, portanto, sem liberdade, se ele não está cativo de hábitos, vícios e pulsões que, internamente, o impedem de agir ou dificultam sua ação.

[3] Na Idade Média, por muitos erroneamene considera a Idade das Trevas, discutiu-se bastante a seguinte a questão: Deus nos proíbe de realizar determinadas ações porque elas são moralmente erradas (imorais), ou essas ações determinads são moralmente erradas (imorais) porque Deus a proibiu. Essa questão assim rotulada: prohibita quia mala vel mala quia prohibita? (As ações são proibidas porque imorais ou são imorais porque proibidas?). Se determinadas ações são proibidas porque são moralmente erradas (imorais) em si mesmas, até Deus está sujeito às normas ou regras morais. Se, no entanto, determinadas ações são moralmente erradas (imorais) porque são proibidas por Deus, então Deus é a origem e a fonte das normas ou regras morais – sendo concebível que essas normas ou regras fossem totalmente diferentes, caso Deus assim o tivesse desejado. Em outras palavras: neste caso a moralidade depende do arbítrio divino… Na Bíblia há indicações de que Deus de vez em quando muda de opinião ou até mesmo se arrepende de ter feito determinadas coisas, até mesmo de ter criado o homem! (Vide Gênesis 6:7 e 8:21).

Versão original em Campinas, 17 de Agosto de 2000. Revisão (atualização, várias correções e pequenos acréscimos) em São Paulo, 23-24 de Agosto de 2018 – exatamente dezoito anos e uma semana depois.

(c) Eduardo Chaves

O Liberalismo de John Locke e a Educação

[Este artigo foi originalmente publicado, sob o título “John Locke, o Pai do Liberalismo”, e sem aquele que é o Capítulo 3 aqui, no meu blog Liberal Space. Subsequentemente acrescentei o Capítulo 3, e o publico aqui — mas aproveito para, na mesma ocasião, acrescentar esse capítulo também à versão que está no Liberal Space. Assim, a partir de agora, os dois artigos sejam idênticos, exceto pelo título, que não alterei no outro blog.]

1. Preâmbulo: John Locke e Adam Smith

Muito se fala em Adam Smith como o Pai do Liberalismo – com base no fato de que, em 1776, ano da Revolução Americana, ele publicou seu clássico The Wealth of the Nations (A Riqueza das Nações). Mas quase cem anos antes da publicação desse livro, sem dúvida alguma um clássico, John Locke, em 1689, publicou seu não menos clássico Two Treatises of Government (Dois Tratados sobre Governo), que havia escrito, ou vinha escrevendo, há vários anos – provavelmente desde que passou a ser Secretário do Duque de Shaftesbury. (Na verdade, ele foi bem mais do que Secretário: foi também consultor, confidente, amigo, tutor e mentor dos netos do Duque – inclusive do famoso Terceiro Duque de Shaftesbury, que veio a influenciar Adam Smith – e David Hume — com sua teoria dos sentimentos morais).

Adam Smith, é verdade, deu mais atenção ao Liberalismo Econômico – a Economia de Livre Mercado. Mas foi John Locke que fixou as bases do Liberalismo Político que, inquestionavelmente, inclui o Liberalismo Econômico — e, por conseguinte, é mais abrangente.

Há uma outra questão histórica importante e interessante. Enquanto Adam Smith publicava seu livro no ano da Revolução Americana, fato que demonstra que sua obra não pode ter tido impacto na deflagração da revolta das Colônias Americanas contra a Inglaterra, John Locke era muito bem conhecido dos que fundaram a primeira República das Américas — que, na mente deles, americanos, ficou conhecida simplesmente como America. Thomas Jefferson, o autor da Declaração da Independência das Colônias, que oficialmente passaram a se denominar Estados Unidos da América, era um leitor atento de Locke – e traços da influência de Locke estão presentes na própria Declaração de Independência.

2. Principais Teses do Liberalismo de Locke

Vejamos no que consiste o Liberalismo de Locke descrevendo algumas de suas teses mais importantes:

A. A “Liberdade Natural” do Ser Humano

Locke defendia a tese de que o ser humano é naturalmente livre. Na ausência do estado (vale dizer, na prática, do governo), reina a liberdade. O que caracteriza, portanto, o chamado “estado da natureza” (a condição natural do homem vivendo sem estado)  é a liberdade – não (como pretendia Thomas Hobbes) a guerra de todos contra todos.

A tese da “liberdade natural” do ser humano se sustenta no argumento de que a liberdade não é um bem outorgado por um estado, por um governo, por uma autoridade civil, mas é inerente à própria natureza humana – e, portanto, inseparável da condição humana. O homem é naturalmente livre – não naturalmente escravo, nem, muito menos, dividido em duas classes, a dos livres e a dos escravos. É isso que se quer dizer quando se afirma que o ser humano nasce livre – ou que foi criado livre por Deus.

É bom que se esclareça aqui que o “estado da natureza” não é, para Locke, necessariamente um estado histórico, que tenha de fato existido e que possa ser localizado e datado. É um estado imaginado em contraposição ao estado em que existe o estado (e, portanto, um governo e uma sociedade civil). Na realidade, o estado da natureza nada mais é do que uma imaginada sociedade anárquica, sem estado e sem governo, que existiria, não houvessem os homens pactuado para criar um estado, um governo, uma sociedade civil.

B. Liberdade Natural e Direitos Individuais Básicos e Inalienáveis

A liberdade natural se expressa na forma de alguns direitos individuais básicos e inalienáveis: o direito à vida (que inclui os direitos à integridade, à inviolabilidade e à segurança da pessoa), o direito à liberdade (que inclui os direitos de pensar livremente, de expressar livremente o que se pensa, de ir e vir livremente, de se associar livremente, de livremente estabelecer contratos, e de agir livremente em busca da própria realização profissional e felicidade pessoal), e o direito à propriedade (que inclui os direitos de guardar para si, ou de livremente trocar ou permutar com terceiros, os frutos de seu trabalho — que, no século 17, era básica e quase universalmente concebido como a interação do indivíduo com a natureza).

Na verdade, esses três direitos, no fundo, são um só: o direito à vida. O direito à vida é o reconhecimento de que cada pessoa humana é proprietária única e inquestionável de seu próprio corpo e de sua própria mente (ou espírito) – isto é, de si mesma. A propriedade básica que o ser humano possui é a propriedade de si mesmo. É isso que significa o direito à vida.

O direito à liberdade é uma explicitação desse direito à vida – é o esclarecimento de que o indivíduo tem direito não só à sua integridade, inviolabilidade e segurança física mas à sua liberdade, que inclui o direito de pensar o que quiser, de expressar o seu pensamento, ou de se expressar, como queira, de se associar com quem queira, de ir e vir como queira, de buscar a sua realização profissional e pessoal (a sua felicidade, ou, como preferiam os gregos, a sua eudaimonia) como queira.

O direito à propriedade é também uma explicitação desse direito à vida: como é que posso ter direito à minha vida e direito à liberdade, se não tenho direito à propriedade daquilo que é fruto de meu trabalho – daquilo que (no contexto do século 17), não sendo de ninguém, é “apropriado” por mim na justa medida em que eu misturo o meu trabalho com algum elemento natural (em especial a terra). Aqui está a gênese da famosa teoria lockeana que vincula a propriedade ao trabalho exigido para transformar a natureza.

É preciso que se esclareça aqui, especialmente contra análises marxistas, que o fundamental, em Locke, é a liberdade, que é fundamentada na propriedade que todo indivíduo tem da própria vida. A propriedade dos frutos do trabalho é meio necessário indispensável de preservar a liberdade, sustentando a vida.

Locke não escreveu seus Dois Tratados exclusiva ou primariamente para defender a propriedade privada: escreveu-os para defender a liberdade – mas a defesa desta implica a defesa daquela.

C. A Justificativa para a Criação do Estado

Locke reconhecia, porém, que, na ausência de um estado (que implica a existência de um governo e de uma sociedade civil), ou seja, no “estado da natureza”, a liberdade de alguns – exatamente os mais fracos, os menos poderosos — não fica adequadamente protegida. Ele defende, portanto, a existência de um estado — desde que este tenha, como finalidade precípua, a garantia da liberdade de todos – ou seja, a defesa dos direitos naturais básicos que todo indivíduo possui.

A existência de um estado (um governo, uma autoridade civil) depende, portanto, do consentimento daqueles que pactuam ou contratam para cria-lo. Estes, os agora cidadãos da sociedade civil, outorgam certos poderes – poucos e limitados – ao estado em troca da garantia e da defesa da liberdade e dos direitos naturais básicos – de todos os indivíduos.

D. O Liberalismo de Locke e o Anarquismo

Locke, ao defender a tese de que o estado da natureza, embora seja um estado onde reina a liberdade, é uma condição em que a liberdade de todos não é garantida e protegida, está, na verdade, defendendo a tese da inviabilidade da opção anarquista.

A teoria política liberal proposta por Locke tem, portanto, um primeiro contraponto: o anarquismo, representado pela alternativa, sempre possível, de uma sociedade sem estado e sem governo (o chamado estado da natureza) — mas no anarquismo não há garantia de que a liberdade será preservada e de que os direitos individuais serão respeitados. Contra essa alternativa, Locke defende a tese da necessidade de uma sociedade civil, ou seja, de uma sociedade com estado e governo formal – ou, em outras palavras, de uma sociedade política.

E. O Contrato Social e o Direito à Rebelião

Locke, embora fale em contrato ou pacto social, não imagina que esse contrato ou pacto seja um evento histórico que tenha acontecido num determinado lugar e momento. O pacto ou contrato social é tácito. Sua existência é tacitamente reconhecida quando se reconhece mais um direito — este um direito civil do cidadão, não um direito natural do homem: o direito à rebelião, ou seja, à destituição de um governo que está abusando dos poderes que lhe foram outorgados, indo além da garantia da liberdade e da defesa dos direitos naturais individuais básicos.

Assim, a teoria política liberal de Locke tem um segundo contraponto – talvez até mais importante do que o primeiro. Há um outro perigo para a liberdade e para os direitos individuais, além do estado livre mas anárquico da natureza – tão grande quanto este ou, talvez, ainda maior. Esse é perigo representado pela possibilidade, contra a qual o cidadão deve estar sempre vigilante, de que o estado e o governo criados para garantir, defender a liberdade e proteger os direitos individuais, extrapolem essas funções assumindo outros poderes que acabem por representar um risco maior para a liberdade e os direitos individuais do que o anarquismo do estado da natureza (em que alguma liberdade sempre existe – pelo menos para alguns, os capazes de defendê-la na inexistência de um estado ou governo).

Essa terrível ameaça de que a própria instituição criada para garantir, defender e assim proteger a liberdade e os direitos individuais possa se tornar inimiga da liberdade se expressa, para Locke, em duas vertentes (claramente relacionadas entre si).

F. O Perigo do Estado Absoluto

De um lado, está a vertente do poder absoluto, e, portanto, ilimitado do estado e do governo. A luta de Locke contra o absolutismo do poder estatal é bem conhecida e dispensa maior explicitação. Basta dizer que tão conhecida quanto seus Dois Tratados é sua Carta sobre a Tolerância, em que ele defende a liberdade religiosa contra a pretensão do estado de determinar a religião que os cidadãos podem e devem praticar.

Na realidade, a tese é claramente defensável de que o Liberalismo de Locke tem raízes mais profundas na defesa da liberdade religiosa, que implica a liberdade de consciência, ou seja, do pensamento e de sua expressão, do que na defesa da propriedade privada – embora, como vimos, para ele as duas estejam intrinsecamente associadas.

No estado absolutista, o indivíduo não é cidadão: é súdito. Nele o indivíduo perde sua liberdade por inteiro. Só o detentor do poder estatal é livre e soberano. O indivíduo, para todos os fins, é súdito, o que equivale a escravo. O indivíduo, enquanto súdito, deixa de ter direitos: passa a ter apenas deveres. Na verdade, tem apenas um dever: obedecer às determinações do detentor do poder estatal.

É evidente, portanto, por que Locke se opunha ao absolutismo do poder estatal.

G. O Perigo do Estado Patriarcal

Mas qual é a outra vertente que, no entender de Locke, faz com que o estado e o governo venham a representar uma ameaça para a liberdade? É o perigo do “estado patriarcal”. Na verdade, o primeiro dos Dois Tratados (em geral menos prestigiado que o segundo) é todo ele um ataque à teoria patriarcal do estado defendida por, entre outros, Robert Filmer.

Embora alguns autores, como Nathan Tarcov (Locke´s Education for Liberty) afirmem que a tese de Robert Filmer pareça hoje “irrelevante e absurda” (p.9), ela, a meu ver, está longe de ser irrelevante e absurda hoje.

Vou mostrar por quê.

A tese de Filmer se chama de “patriarcalismo” por uma razão simples e facilmente inteligível. Segundo ele, há uma clara analogia entre o poder do estado sobre seus súditos e o poder do pai sobre seus filhos – daí o rótulo de patriarcalismo.

Eis um resumo exemplar da tese de Filmer, em suas próprias palavras:

“Se compararmos os deveres naturais de um Pai com aqueles de um Rei, veremos que esses deveres são idênticos, não tendo nenhuma diferença – a não ser em sua abrangência, na extensão que cobrem. Como um Pai para com sua família, o Rei, como pai de muitas famílias, tem o dever de preservar, alimentar, vestir, instruir e defender toda a comunidade do reino. . . . Assim, os deveres de um Rei se resumem no cuidado paterno e universal do seu povo”  (apud Tarcov, op.cit., p. 11 – ênfase acrescentada).

Ora, essa tese só é “irrelevante e absurda” por usar uma analogia – e, portanto, uma terminologia – que caiu em desuso: a comparação dos poderes do governante com os poderes do pai de família. Mas, em sua essência, o que é a tese de que o governo “tem o dever de preservar, alimentar, vestir, instruir e defender” todos os cidadãos senão aquilo que é expresso pelos defensores da doutrina do “estado previdenciário” ou do “estado do bem-estar social”, que tem como dever prover o cidadão com saúde, educação, seguridade social, e, quando não, com alimento, vestimenta, moradia, transporte e sabe-se lá mais o que (a lista dos chamados “direitos sociais”  cresce a cada dia). Embora o termo não seja usado com frequência, a doutrina do estado previdenciário ou do estado do bem-estar social é profunda e inerentemente patriarcalista: considera os cidadãos como crianças incapazes que não têm condições de prover para si próprias aquilo que é indispensável para a vida.

Assim, longe de ser “irrelevante e absurda”, a tese do patriarcalismo, que Locke sagazmente combateu, está presente, com outras roupagens, hoje em dia – e mais do que presente: está extremamente bem difundida. Na realidade, apesar de os esquerdizantes dizerem que o Liberalismo é hoje o pensamento hegemônico (chamado de “pensamento único”), a realidade mostra que é a tese patriarcalista do estado previdenciário ou do bem-estar social que está muito mais próxima de ser hegemônica hoje do que a tese liberal lockeana.

h. A Interconexão dos Dois Perigos

As duas vertentes combatidas por Locke como ameaças à liberdade (na realidade, mais do que meras ameaças, condições incompatíveis com a liberdade), a do poder estatal absoluto e a do poder estatal paternalista, estão claramente relacionadas entre si, embora Locke não tivesse como ver isso com clareza.

A tese do poder paternalista do estado gera reivindicações crescentes de “direitos sociais” adicionais que, se atendidos, fatalmente levam o estado a assumir poderes absolutos sobre os cidadãos, transformando-os em súditos, totalmente dependentes do estado para tudo. Friedrich von Hayek viu isso com clareza no século 20, registrando sua tese no também clássico The Road to Servitude (O Caminho da Servidão), de 1944: o Socialismo pode até começar com boas intenções, mas, independentemente das intenções, seu resultado inevitável é o totalitarismo estatal, com a inevitável perda da liberdade e dos direitos individuais dos cidadãos, transformados em súditos dependentes do estado para tudo.

i. Breve Conclusão: A Relevância Político-Filosófica de Locke Hoje

Para terminar este artigo já longo, devo concluir que Locke não só foi o pai do Liberalismo dito Clássico mas seu pensamento, até hoje, é extremamente relevante – porque as teses que combateu ainda fazem parte do ideário do século 21, mais de 300 anos depois de ele ter escrito sua obra prima em defesa do Liberalismo.

3. A Relevância de Locke para a Educação

Qual a contribuição desse ideário lockeano para a educação?

Uma primeira contribuição é bastante evidente: por mais benéfica que possa ser a educação, não é dever do estado ministra-la, financia-la ou mesmo regulamenta-la. A educação é algo que diz respeito à esfera privada: cabe a iniciativa privada decidir como ministra-la e financia-la, sem regulamentação do governo.

Também é evidente uma segunda contribuição: dadas as diferenças individuais, e havendo respeito à liberdade humana, não há como defender a tese de que todo mundo deve ter o mesmo tipo de educação – uma “educação tamanho único”, um  tamanho serve para todos.

Em terceiro lugar, e para realçar as contribuições seguintes, é preciso deixar claro, aqui, que há, no ideário lockeano, uma diferença fundamental entre educação e escolaridade.

O ser humano, diferentemente de outros animais, nasce totalmente incapaz de fazer qualquer coisa por si só — por isso, nasce totalmente dependente e permanece dependente do cuidado alheio por bom tempo. Mas nasce com uma enorme capacidade de aprender (infinitamente superior à dos outros animais). O que chamamos educação é essa capacidade inata de o ser humano, através da aprendizagem, que envolve, necessariamente, interação com o ambiente (que compreende a natureza e outros seres humanos, em especial seus pais, sua  família, sua comunidade), se desenvolver, isto é, traduzir sua ausência de capacidades em um conjunto de competências, transformando, assim, sua dependência original em independência e, na sequência, em interdependência e autonomia.

Qualquer bebê humano criado em sociedade (e, se não for criado em sociedade, não sobrevive, malgrado as lendas dos meninos-lobo), se educa. (Talvez a maior contribuição de Paulo Freire à teoria educacional seja sua tese dupla de que “ninguém educa ninguém” e “ninguém se educa sozinho”: os seres humanos se educam, como ele diz, “em comunhão”, em interação, em diálogo, em colaboração, no contexto de viver suas vidas). Não é preciso que o ser humano frequente escolas para se educar. Ele pode muito bem educar-se em casa – e, na época de Locke, era assim que se educava. (O movimento em defesa do direito de “home education” é profundamente lockeano, pois ele era, no fundo, um “home educator” para os netos do Lord Shafestbury). Alguém pode muito bem educar-se simplesmente vivendo, ou trabalhando, ou se divertindo com aqueles que lhe são próximos (e, hoje em dia, a proximidade não precisa ser proximidade física) .

Disso decorrem duas outras contribuições do Liberalismo lockeano para a educação.

Em quarto lugar, não não faz sentido criar um sistema de educação único, que deve educar a todos.

Em quinto lugar, não faz sentido nenhum declarar a educação obrigatória.

A educação é indispensável: sem ela o ser humano não sobrevive. Mas a escola é perfeitamente dispensável (vide Ivan Illich), e, portanto, a escolaridade não pode ser declarada obrigatória, nem mesmo numa faixa etária restrita – se levarmos o liberalismo de Locke a sério.

A educação, portanto, na visão de Locke, não deve ser pública (estatal), nem única, nem escolar, nem obrigatória…

E, naturalmente, em sexto lugar, não precisa ser obrigatoriamente laica. Se uma família é religiosa, não há porque não possa favorecer um ambiente religioso para a educação de seus filhos. A ideia de que educação e religião se contrapõem é, para Locke,  um mito. A educação pode muito bem se dar num ambiente religioso – como pode muito bem se dar num ambiente secular. O ambiente adequado para a educação dos filhos é escolhido pelos pais – até que os filhos tenham condições de decidir por si mesmos, autonomamente, o que querem, ocasião em que podem criticar e repudiar a decisão paterna e buscar para si próprios uma educação alternativa.

A preocupação, no século 19, com a laicidade da educação fazia sentido porque a educação que se contemplava, nos Estados Unidos, era uma educação escolar pública, isto é, estatal. Sendo estatal, era, segundo a Constituição Americana, que separa Estado e Igreja, fatalmente laica.

Mas não sendo a educação nem escolar nem estatal, como preconiza Locke, não é preciso que seja laica – porque as pessoas, em sua maioria, são religiosas.

Por fim, em sétimo lugar, a educação, como tudo na vida, tem um custo – e, portanto, se delegada a terceiros, tem um preço… Logo, a menos que proporcionada no seio da família, em que tem um custo mas não tem um preço, nunca pode ser descrita como “gratuita”.

Em resumo:

  • A educação proposta e defendida por Locke é inerentemente privada (isto é, não é estatal, ou pública, no sentido que se dá ao termo hoje em dia);
  • A educação proposta e defendida por Locke não é única (devendo ser tão diferenciada quanto diferentes são os seres humanos);
  • A educação proposta e defendida por Locke não deve ser obrigatoriamente realizada em instituições especificamente criadas para esse fim, a saber, escolas (devendo ser integrada à vida, e ter lugar enquanto as pessoas vivem, se divertem, trabalham);
  • A educação proposta e defendida por Locke não precisa ser necessariamente laica (podendo ter lugar em contextos religiosos, se os pais, ou, eventualmente, as próprias pessoas assim houverem por bem);
  • A educação proposta e defendida por Locke tem, necessariamente um custo, que, quando envolvendo terceiros, pode claramente se traduzir em um preço (não sendo, portanto, necessariamente, gratuita).

Ora, a educação proposta por Locke é, portanto, em seus pontos fundamentais, oposta à educação defendida pelos proponentes da “Escola Nova”, geralmente tidos como liberais pela esquerda…

Há um aspecto, porém, em que a educação proposta por Locke tem um ponto de contato com o ideário da escola nova: ela deve ser centrada no desenvolvimento de competências, que devem ser construídas com base nos interesses de cada criança, e a melhor forma de construir competências é deixar que a criança trabalhe em projetos de seu interesse. O facilitador da aprendizagem de uma criança  deve aproveitar os interesses das crianças para que elas aprendam, através deles, algo não só de interessante, mas, também, de útil.

Escrito em Campinas, 20 de agosto de 2005 (data do 38º aniversário de minha primeira chegada aos Estados Unidos), revisado em São Paulo, em 20 de Março de 2018.

O Conceito de Educação de Émile Durkheim

1. Apresentação

A. O Texto no Contexto de Meus Escritos

O texto a seguir foi escrito por mim há mais de vinte e cinco anos, entre o ano de 1991, quando voltei para a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), depois de passar quase cinco anos afastado, para prestar serviços ao Governo do Estado de São Paulo, na Secretaria de Estado da Educação (1986) e da Saúde (1987-1990), e o ano de 2000.

O capítulo sobre Durkheim era parte de um texto bem mais amplo sobre a Filosofia da Educação, que tinha o título de “A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais”, que eu comecei a escrever em 1977 e que, na realidade, nunca realmente concluí – embora tenha publicado, em 1979, um longo artigo, com o mesmo título, no livro organizado pelo meu amigo e colega Antonio Muniz de Rezende, Iniciação Teórica e Prática às Ciências da Educação [1].

Em 1998, já perto do final do século 20, recebi uma encomenda do Ministério da Educação (MEC) e escrevi um livro como título O Futuro da Escola na Sociedade da Informação. Esse livro, por causa de desentendimentos com o MEC acerca de direitos autorais, não foi publicado pelo MEC e eu o distribuí, limitadamente, em .pdf, a partir do ano seguinte, 1999 [2].

A partir do ano 2000, eu, em grande parte motivado por uma consultoria que comecei a prestar a um programa do Instituto Ayrton Senna, a partir de 1999, por recomendação da Microsoft, que era parceira e financiadora do programa, acabei mudando significativamente de ponto de vista acerca da Educação – e meu interesse, na Filosofia da Educação (matéria pela qual eu respondia na Faculdade de Educação da UNICAMP),  deixou de ser puramente analítico para ser também propositivo e, como tal, substantivamente normativo.

Minha visão da educação, que até aquele momento, encarava a educação como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural (para o entendimento do qual a Sociologia, a Antropologia Cultural e a Ciência Política têm muito a contribuir), passou gradualmente a encará-la como um processo de desenvolvimento humano (para cujo entendimento as Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia da Aprendizagem, a Psicologia Social, e a Psicologia Positiva, esta ligada ao nome de Martin Seligman, têm muito mais a contribuir do que as outras disciplinas que mencionei).

A Filosofia da Educação é uma disciplina meio parasitária, ou, talvez melhor, camaleônica. A forma de conceber a sua natureza depende, em grande medida, da visão da educação que se adota. Se a educação é vista como um processo de preservação, transformação e transmissão cultural, a Filosofia da Educação tende a ser mais analítica, tentando elucidar os pressupostos e esclarecer os conceitos utilizados no discurso educacional. Se a educação é vista como um processo de desenvolvimento humano, a Filosofia da Educação, sem deixar de ser analítica, se aproxima mais da Teoria da Educação, e às vezes até se confunde com ela, para, com base na contribuição das ciências, em especial das psicológicas, construir uma Teoria Geral e Interdisciplinar da Educação que fundamente essa visão e lhe dê sentido – dentro, naturalmente, do contexto histórico, social, e cultural em que vivemos (contexto esse que inclui, sem necessariamente precisar explicita-los, elementos econômicos, científicos, tecnológicos, etc.).

Essa nova forma de olhar para a educação me levou a conceber um livro diferente. Isso se deu ao longo de 2001. O livro até mesmo recebeu um título: Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era [3]. Em 2002 o livro estava pronto, tendo sua publicação sido aprovada pela Editora SENAC, devendo o livro sair em co-edição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação. O fato de todo o primeiro capítulo do livro, com duas grandes seções, a primeira descrevendo o Instituto Ayrton Senna, e a segunda o Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, executado pelo Instituto e patrocinado pela Microsoft, causou, porém, desentendimentos acerca de direitos autorais, agora com o Departamento Jurídico do Instituto. As negociações levaram a uma solução meio salomônica: eu retirei o primeiro capítulo inteiro do livro, e escrevi um novo livro, menor, que tinha como primeiro capítulo o texto removido do outro livro. Esse novo livro acabou sendo publicado pela Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, sob o título Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital [4].

Para os demais capítulos do livro que teve o primeiro capítulo extirpado, foi escrito um novo Capítulo I, e o livro foi recomposto, sem referências ao Instituto Ayrton Senna e ao Programa “Sua Escola a 2000 por Hora”, executado pelo Instituto e patrocinado pela Microsoft. Esse novo livro passou a ter o título de Educação e Desenvolvimento Humano: Uma Nova Educação para uma Nova Era (aproveitando parte do título do original, ainda não publicado, e do “filhote”, publicado. Para este novo livro o Rubem Alves escreveu um belíssimo Prefácio em Março de 2003. Nesse ponto ele estava pronto para ser publicado, mas, em conversas com Antonio Carlos Gomes da Costa, consultor, como eu, junto ao Instituto Ayrton Senna, decidi modificar algumas coisas. E acabei nunca publicando o texto que estava pronto em Março de 2003, tendo até mesmo sido usado numa formação para os professores contratados para a nascente Escola Lumiar em São Paulo, para a qual Helena Singer me convidou.

Esse livro eu pretendo publicar proximamente, como e-book, na forma em que se encontrava em Março de 2003. E, pretendo, publicar, dentro de dois anos depois da primeira publicação, uma segunda edição, revisada e ampliada, com a colaboração de Paloma Chaves, minha mulher, trazida como co-autora.

No finalzinho de 2002 comecei meu primeiro blog: Liberal Space – originalmente numa plataforma da Microsoft, que, entretanto, transferiu os blogs nela existentes para a WordPress em 2010. O número de blogs expandiu na nova plataforma para cerca de trinta. E os artigos no blog original estão perto de mil.

Assim, de 2003 em diante, o meu interesse voltou-se mais para escrever artigos e publicá-los em blogs – e é isso que venho fazendo, prioritariamente, embora tenha escrito cinco outros livros sobre a educação:

  1. Um para a Microsoft, sob o título Pilares da Educação Digital [5];
  2. Outro para a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, sob o título Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem [6];
  3. Ainda um outro, para a então Abril Educação, sobre A Educação e as Rede Sociais [7];
  4. Ainda um outro, pequeno, com versões em Português e Inglês, para a Microsoft Educação, sobre Educação, Inovação e Mudanças [8];
  5. Finalmente um outro, para a Editora FTD Educação, sobre Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I [9].

Tenho sérias dificuldades para negociar com Editoras a publicação de meus livros, por causa dos contratos leoninos que elas oferecem em que todos os direitos de autoria e propriedade acabam ficando nas mãos delas. Assim, resolvi manter totais direitos sobre as coisas que escrevo e somente abrir mão de direito de uso em contratos sem exclusividade.

Assim, estou “desenterrando” materiais que faziam parte de livros projetados, iniciados e não totalmente concluídos, na certeza de que poderei incorporar esse material em livros eletrônicos e até mesmo convencionais que venha a publicar.

[Esta seção foi escrita em 16/3/2018. O que segue é o material antigo ao qual se fez referência no início desta seção, escrito entre 1991 e 2000.]

B. O Texto no Contexto da Filosofia da Educação

O artigo sobre Émile Durkheim é parte do material que vou publicar em meus blogs. Não deverá fazer parte de nenhum dos livros mencionados na seção anterior.

A importância de Durkheim hoje é, eu diria, relativamente pequena, mas não é desprezível. Pouca gente defenderia os seus aspectos mais exagerados (grotescos mesmo). Mas muita gente aceita seu núcleo essencial, abrandado, despido dos exageros, às vezes sem o saber, porque o nome dele não aparece nas listas de educadores importantes.

Em Durkheim encontramos uma apresentação clássica do que é a educação, como tradicionalmente entendida. Essa visão tradicional da educação olha e enxerga a educação da perspectiva da sociedade, não do indivíduo. A educação, nessa visão, é importante, primeiro e acima de tudo, para a sociedade, porque é através dela que a sociedade se reproduz e, assim, se perpetua. Quando os sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron escreveram seu famoso livro caracterizando a educação como o processo mediante o qual a sociedade se reproduz, e, portanto, deixando claro que a educação era uma força conservadora na sociedade, La Reproduction: Éléments pour une Theorie du Système d’Enseignement (A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino) [10], a crítica que fizeram não deveria ter sido vista (como a viram os marxistas e a esquerda em geral) como uma crítica da escola capitalista. A crítica que eles fizeram era da escola tout court. A visão tradicional da escola, tanto em sociedades capitalistas como em sociedades socialistas e mesmo comunistas, centra sua atenção no seu papel de reprodutora da cultura. É verdade que para reproduzir é preciso preservar, e que para preservar é preciso não raro acomodar, adaptar, reformar um pouco. A escola que Bourdieu e Passeron criticaram era a escola da qual Durkheim tira um retrato fiel.

É verdade que Durkheim vai além do nível descritivo: ele defende essa escola. E a defende, por vezes, com surpreendente paixão e com argumentos que até hoje nos fazem pensar. O homem, para ele, não é o animal racional de Aristóteles ou o ser pensante de Descartes: o homem é o ser social, o ser gregário: é a sociedade que o cria e constitui, enquanto ser humano, não vice-versa. Uma criança filha de humanos que fosse criada por lobos (Mogli, por exemplo), não se tornaria um ser humano, mas um ser lupino. Nós somos uma parte desse mundo social. O indivíduo, segundo essa visão, não passa de uma abstração.

A educação nova do final do século 19 e começo do século 20, e a educação inovadora do final do século 20 e começo do século 21 se propõem a derrubar o paradigma durkheimiano da educação. Com sua ênfase no indivíduo, que se constrói a si mesmo em colaboração com seus pares, no plano horizontal, de acordo com seu projeto de vida, em vez de ser moldado ou formado, no plano vertical, pelas gerações mais velhas, lideradas por pais e professores, é essa a educação que a educação nova e a educação inovadora tentam desbancar e substituir. Não será fácil.

2. A Educação Segundo Durkheim

Grande sociólogo francês, nascido em 1858, Émile Durkheim morreu em 1917. Suas principais obras sobre a educação são Éducation et Sociologie e L’Éducation Morale, ambas publicadas postumamente por Paul Fauconnet, discípulo de Durkheim: a primeira em 1922 e a segunda em 1925 [1].

Durkheim assim define a educação:

“A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine” [2].

Paul Fauconnet, em um artigo onde discute a obra pedagógica de Durkheim, resume essa definição da seguinte forma: “Educação é a socialização da criança” [3]. Durkheim mesmo diz que “a educação consiste numa socialização metódica das novas gerações” [4]. De certo ângulo, essa maneira de resumir o que Durkheim entende por educação não faz injustiça ao que ele pensa, se bem que não seja totalmente apropriada. Educar é, para Durkheim, e para outros que, neste ponto, concordam com ele, socializar, metódica e sistematicamente, a criança.

3. O Ponto de Partida: a Primazia do Social

O ponto de partida de Durkheim é o social. Para ele, nas palavras de Nicholas S. Timasheff, “a realidade da sociedade precede a vida individual” [5]. Timasheff explica que, para Durkheim,

“Os fatos sociais são irredutíveis aos fatos individuais. … A sociedade não é apenas uma soma de indivíduos, mas um sistema formado pela associação dos indivíduos — uma realidade específica (e emergente) que tem caraterísticas próprias. Consequentemente — conclui Durkheim — sempre que se explica um fenômeno social como produto direto de processos psicológicos, a explicação é falsa. … As explicações de fatos sociais em termos psicológicos falham na apuração do fundamental efeito coercitivo que os fenômenos sociais reais exercem sobre a vida do homem. … A fonte de toda obrigação social se acha fora do indivíduo. … Dado que a vida coletiva não decorre da vida individual, Durkheim acredita que ‘a causa determinante de um fato social devia ser procurada entre os fatos sociais que o precedem e não entre os estados da consciência individual’” [6].

4. A Sociedade e a Criação do Ser Humano

A afirmação de que “a realidade da sociedade precede a vida individual” pode ser difícil de entender — em especial numa sociedade individualista como a nossa. Uma forma de esclarecê-la, em termos não-técnicos, é chamando a atenção para o fato de que, sem o efeito civilizatório e benéfico da sociedade, a criança não se torna, verdadeiramente, uma pessoa humana. Se a criança for criada no meio de lobos (por exemplo), tornar-se-á um “menino lobo” [7]. Se, no entanto, sofrer a ação socializante e educativa das gerações mais velhas, e desenvolver “certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política”, a criança pode se tornar um ser humano. É a sociedade que molda a criança (como se esta fosse uma “massinha” de moldar), que lhe dá a forma de ser humano [8]. Durkheim considera a criança um ser tão maleável que chega a aproximar a ação educativa à ação hipnótica [9].

Dentro dessa visão, que dá primazia ao social, tudo aquilo que é caracteristicamente humano é visto como produto da sociedade. Durheim diz: “Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade” [10]. Nas palavras de Frans de Hovre, crítico dessa concepção, segundo ela “o homem absolutamente não nasce homem; torna-se homem unicamente pelo contacto com outros homens”. Consequentemente, “o homem é um ser social não porque é homem, mas é homem porque é um ser social” [11]. Ou, como prefere Everett K. Wilson, “o homo sapiens se deriva do homo gregarius” [12].

Afirma Durkheim, justificando sua afirmação:

“A civilização é devida à cooperação de homens associados e de gerações sucessivas; é, pois, obra essencialmente social. É a Sociedade que a fez, que a guarda e a transmite aos indivíduos. É dela que a recebemos. Ora, a civilização é o conjunto de todos os bens aos quais damos o maior preço; é o conjunto dos mais altos valores humanos. Pois a Sociedade é a um tempo a fonte e a guardiã da civilização; apresenta-se-nos como uma realidade infinitamente mais rica, mais alta que a nossa, uma realidade donde nos vem tudo quanto tem valor a nossos olhos e que, contudo, nos excede de todos os lados. … O homem não é homem senão na medida que é civilizado. Ora, a civilização vem da Sociedade” [13].

Paul Natorp chega até a afirmar que “o indivíduo não passa de abstração” [14]. Mas Durkheim prefere dizer que há, em cada um de nós, dois seres, o “ser individual” e o “ser social”. O primeiro é “constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão com nós mesmos e com os acontecimentos de nossa vida pessoal”. O segundo é “um sistema de ideias, sentimentos e hábitos, que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os grupos diferentes de que fazemos parte” [15]. O fim da educação, conclui ele, é constituir o ser social em cada um de nós, substituir o ser individual pelo ser social, “superpor ao ser que somos ao nascer, individual e associal, um ser inteiramente novo” [16].

Diz ele, de forma mais extensa:

“Na realidade, [o] ser social não nasce com o homem, não se apresenta na constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum desenvolvimento espontâneo. Espontaneamente, o homem não se submeteria à autoridade política; não respeitaria a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrificaria. Não há nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de … emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve … a nos privarmos em seu proveito ou em sua honra. … Exclusão feita de vagas e incertas tendências sociais atribuídas à hereditariedade, ao entrar na vida a criança não traz mais do que a sua natureza de indivíduo. A sociedade se encontra, a cada nova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Basta enunciá-la, dessa forma, para que percebamos toda a grandeza que encerra. A educação não se limita a desenvolver o organismo, no sentido indicado pela natureza, ou a tornar tangíveis os elementos ainda não revelados, embora à procura de oportunidade para isso. Ela cria no homem um ser novo” [17].

Essa tarefa de “criar no homem um ser novo” não é, como se vê, natural, nem muito menos fácil. Ela não se faz sem autoridade e coerção. A criança, quando nasce, é um ser egoísta, individualista, associal. A tarefa de transformá-la em uma pessoa civilizada (no sentido durkheimiano) é penosa e não se executa sem grande esforço, pois que vai de encontro ao egoísmo natural da criança [18]. A criança não consegue, por si só, vencer esse egoísmo e tornar-se um ser social. Ela precisa ser coagida a fazê-lo, e essa coação só pode vir de fora, sendo decorrente do sentimento de dever, que lhe é inculcado. “O sentimento do dever … é … o estimulante capital do esforço para a criança, e mesmo para o adulto”. Mas a criança não aprende o dever a não ser através dos adultos, principalmente através de seus pais e mestres. É preciso, portanto, que o mestre seja “o dever personificado”. Para isso, é preciso que tenha autoridade moral, “porque, pela autoridade, que nele se encarna, é que o dever é o dever” [19].

Aqui se vê por que a educação geral e a educação moral se interpenetram.

“A liberdade”, afirma Durkheim, “é filha da autoridade bem-compreendida” [20]. Na verdade, a criança só se torna livre quando ela faz, não o que deseja, mas o que deve: “Ser livre não é fazer o que se queira; é ser-se senhor de si, saber agir pela razão, praticando o dever. Ora, é justamente com o objetivo de dotar a criança desse domínio de si mesma que a autoridade do mestre deve ser empregada” [21]. Consequentemente, o objetivo central da educação moral da criança é fazer com que esta aceite — mais do que aceite, deseje —  os deveres impostos pela sociedade [22].

5. Algumas Distinções

Mas entremos em maiores detalhes no pensamento durkheimiano acerca da educação. Para Durkheim, é preciso distinguir a educação, que é uma ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações mais novas, de outros tipos de influência que agem sobre o ser humano, em geral, e sobre a criança, em particular.

Em primeiro lugar, afirma Durkheim, é preciso distinguir a educação da influência que fatores naturais (como “o clima, o solo, a posição geográfica”) exercem sobre os seres humanos. Ele critica John Stuart Mill por haver englobado, em sua definição de educação, “fatos inteiramente diversos, que não devem estar reunidos num mesmo vocábulo, sem perigo de confusão”. Para Durkheim, “a influência das coisas sobre os homens, já pelos processos, já pelos resultados, é diversa daquela que provém dos próprios homens” [23].

Em segundo lugar, segundo Durkheim, é preciso distinguir a educação da influência que fatores institucionais (como “leis, formas de governo, artes industriais”) exercem sobre os seres humanos. Embora importante, essa influência não deve ser caracterizada como educação [24].

Em terceiro lugar, segundo Durkheim, é preciso distinguir a educação (como conceituada por ele) também da ação que os membros de uma mesma geração exercem uns sobre os outros. Esta ação “difere da que os adultos exercem sobre as crianças e adolescentes”. É apenas esta que pode ser caracterizada como educação [25].

Em quarto lugar, embora Durkheim não deixe isso explícito, também é preciso distinguir a educação do processo de amadurecimento natural do ser humano. Para ele, “para que haja educação faz-se mister que haja, em face de uma geração de adultos, uma geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes, e que uma ação seja exercida pela primeira sobre a segunda” [26].

Em quinto lugar, para Durkheim, além se não ser admissível considerar como educação qualquer processo que decorre do amadurecimento natural do ser humano, é preciso também distinguir a educação daquilo que alguns chamam de auto-educação, da presunção de que o ser humano possa educar a si mesmo [27]. Educação, para ele, envolve dois elementos, uma geração de adultos, que educa, e uma geração de jovens, que é educada. (E não pairem dúvidas sobre quem educa quem nesse processo…).

Feitas essas distinções, é preciso indagar, esclarece Durkheim, no que, precisamente, consiste essa influência que as gerações adultas exercem sobre as gerações mais novas e que é chamada de educação. Ele constata que respostas as mais diversas têm sido dadas a essa pergunta. Embora diversas, afirma ele, essas respostas “podem reduzir-se a dois tipos principais” [28].

O primeiro tipo de resposta (que Durkheim critica) engloba aqueles pensadores que “partem do postulado de que há uma educação ideal, perfeita, apropriada a todos os homens, indistintamente; é essa educação universal e única que o teorista se esforça por definir” [29].

O segundo tipo de resposta (que Durkheim endossa) engloba aqueles pensadores que reconhecem “ser preciso considerar os sistemas educativos que ora existem, ou tenham existido, compará-los e apreender deles os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos” [30].

6. Os Partidários da “Educação Ideal”

Entre os primeiros pensadores Durkheim destaca Kant e Mill.

Afirma Durkheim que, segundo Kant, “o fim da educação é desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz” . Esta conceituação da educação é semelhante à daqueles que caracterizam a educação como sendo “o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo”. O que se quer dizer com “perfeição” (ou com “potencialidades”, poderíamos acrescentar) neste contexto. Normalmente, o que se quer dizer é que o fim da educação “é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades humanas”, que educar é “levar ao mais alto grau possível todos os poderes que estão em nós, realizá-los tão completamente como possível, sem que uns prejudiquem os outros” [31].

Se este é o fim da educação, argumenta Durkheim, ele é um fim não totalmente realizável: “Se, até certo ponto, o desenvolvimento harmônico é necessário e desejável, não é menos verdade que ele não é integralmente realizável”. É virtualmente impossível desenvolver, harmonicamente, todos os nossos “poderes” (ou todas as nossas “potencialidades”), se estamos, frequentemente, diante da necessidade de nos dedicar a tarefas específicas e especializadas. Não podemos, portanto, nos dedicar, todos nós, a um “mesmo gênero de vida”. Além de não podermos, não devemos, porque temos, segunda nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e será preciso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação. Inversamente, há necessidade de homens que tenham, como ideal de vida, o exercício e a cultura do pensamento. Ora, o pensamento não pode ser desenvolvido senão isolado do movimento, senão quando o indivíduo se curve sobre so mesmo, desviando-se da ação exterior. Daí uma primeira diferenciação, que não ocorre sem ruptura de equilíbrio. Por sua vez, a ação, como o pensamento, é suscetível de tomar uma multidão de formas diversas e especializadas” [32].

É preciso ressaltar aqui que Durkheim, como muitos antes dele, especialmente Platão [33], parece ter uma visão totalmente estática da sociedade: os indivíduos têm que se adaptar ao trabalho que lhes incumbe. É por isso que sua definição de educação, citada atrás, conclui dizendo que a criança precisa desenvolver “certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados … pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine“. As crianças se destinam a “meios” especiais [34], onde cada uma fará o trabalho que lhes incumbe. É o indivíduo tendo que se ajustar à sociedade, não a sociedade tendo que se ajustar aos interesses e desejos do indivíduo.

O outro pensador que Durkheim escolhe para ilustrar o modelo de “educação ideal” (vis-à-vis o modelo por ele preconizado de “educação real” [35]) é John Stuart Mill. Afirma Durkheim que, segundo Mill, o fim da educação é “fazer do indivíduo um instrumento de felicidade para si mesmo e para seus semelhantes” [36]. Mas isso também não funciona, afirma Durkheim, “porque a felicidade é coisa essencialmente subjetiva, que cada um aprecia a seu modo”. Dizer que o fim da educação é a felicidade do indivíduo é não dizer nada, porque a felicidade é diferentes coisas para diferentes indivíduos. Essa definição, portanto, como a anterior, deixa indeterminado o fim da educação, e, consequentemente, a própria educação, “que fica entregue ao arbítrio individual” [37].

Herbert Spencer procurou contornar esse problema, tentando definir a felicidade de forma objetiva. Para ele, “a felicidade completa é a vida completa”. Mas o que se entende por “vida”, pergunta Durkheim. Estamos apenas empurrando o problema mais para trás. A sugestão de Spencer até faria sentido, afirma Durkheim, se por “vida” se entendesse apenas a vida física, material. Neste caso talvez fosse possível estipular algumas condições objetivas, relativas “às necessidades vitais imediatas”, que nos permitissem definir “certo equilíbrio entre o organismo e o meio”. Mas a vida não se exaure na vida física e o ser humano quer mais do que o funcionamento normal de seu organismo:

“Um espírito cultivado preferirá não viver a renunciar aos prazeres da inteligência. Mesmo do ponto de vista material, tudo o que for além do estritamente necessário escapa a toda e qualquer determinação. O padrão de vida mínimo, abaixo do qual não consentiríamos em descer, varia infinitamente, segundo as condições, o meio e o tempo. O que, ontem, achávamos suficiente, hoje nos parece abaixo da dignidade humana; e tudo faz crer que nossas exigências serão sempre crescentes” [38].

Todas essas tentativas de definir uma “educação ideal” pecam, segundo Durkheim, porque são a-históricas, desconhecem o fato de que, em algumas épocas (especialmente na Antiguidade), acreditava-se que o indivíduo devia se subordinar cegamente à sociedade, em outras (como hoje) acredita-se que ele deve ser autônomo; que em determinadas épocas e locais procurava-se formar espíritos refinados e sutis, dedicados à especulação (Atenas), em outras, homens de ação e apaixonados pela glória militar (Roma), em outras, homens piedosos (Idade Média), em outras, homens leigos mas literários (Renascença), em outras, cientistas (hoje) [39].

Os defensores da “educação ideal” se defenderão, reconhece Durkheim, dizendo que se a “educação real” acabou por se tornar todas essas coisas, isso só se deu “pelo desconhecimento do que deveria ser” [40]. Partindo da convicção de que existe uma “sociedade ideal”, os defensores da “educação ideal” acreditam essa educação seja “apropriada a todos os homens, indistintamente”[41], e, portanto, afirmarão que os indivíduos, em cada época e local, “organizam a sociedade voluntariamente, para realizar fins determinados”, e que, se a organização não é a mesma em todas as épocas e todos os locais, isso se deve ao fato de que as pessoas se enganam e erram, tanto em relação aos fins quanto em relação aos meios da educação. O fato de que nossos antepassados erraram, concluirão eles, não nos obriga a ser solidários com seus erros. Devemos encarar o que a educação deve ser, usando o que ela tem sido apenas para não repetir os erros do passado [42].

Este contra-argumento Durkheim considera “insubsistente”, pela seguinte razão:

“Se a educação romana tivesse tido o caráter de individualismo comparável ao nosso, a cidade romana não se teria podido manter; a civilização latina não teria podido constituir-se nem, por consequência, a civilização moderna, que dela deriva, em grande parte. As sociedades cristãs da Idade Média não teriam podido viver se tivessem dado ao livre exame o papel de que hoje ele desfruta. Importa, pois, para esclarecimento do problema, atender a necessidades inelutáveis de que não se pode fazer abstração. De que serviria imaginar uma educação que levasse à morte a sociedade que a praticasse?” [43]

Note-se a preocupação de que a educação não pode, e não deve, subverter a estrutura da sociedade em que é praticada. A educação, para Durkheim, é uma instituição da sociedade, que precisa estar integrada com outras instituições dessa sociedade. O maior erro dos partidários da “educação ideal” está no fato de que eles não vêem, nos sistemas educativos,

“um conjunto de atividades e de instituições, lentamente organizadas no tempo, solidárias com todas as outras instituições sociais, que a educação reflete, instituições essas, por conseqüência, que não podem ser mudadas à vontade, mas só com a estrutura mesma da sociedade” [44].

Na verdade, afirma Durkheim,

“cada sociedade, considerada em um momento determinado de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. … Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não nos podemos separar sem vivas resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes” [45].

Mais adiante Durkheim explicita:

“Não há ninguém que possa fazer com que uma sociedade tenha, num momento dado, outro sistema de educação senão aquele que está implícito em sua estrutura” [46].

Durkheim explica, em outro trecho, porquê:

“Quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc. Separados de todas essas causas históricas, tornam-se incompreensíveis. Como, então, poderá um indivíduo pretender reconstruir, pelo esforço único de sua reflexão, aquilo que não é obra do pensamento individual? Ele não se encontra em face de uma tabula rasa, sobre a qual poderia edificar o que quisesse, mas diante de realidades que não podem ser criadas, destruídas ou transformadas à vontade” [47].

O caráter bastante conservador do pensamento de Durkheim é um pouco atenuado quando ele continua, imediatamente após a passagem citada no parágrafo anterior:

“Não se pode agir sobre elas [as realidades que não podem ser criadas, destruídas ou transformadas à vontade] senão na medida em que aprendemos a conhecê-las, em que sabemos qual é a sua natureza e quais as condições de que dependem; e não poderemos chegar a conhecê-las, se não nos pusermos a estudá-las, pela observação, como o físico estuda a matéria inanimada, e o biologista, os corpos vivos” [48].

Parece claro que, para Durkheim, a sociedade pode ser mudada, mas que isso não será feito através da educação. Só pode mudar a sociedade quem conhece suas estruturas, e para que alguém conheça as estruturas da sociedade é necessário que seja educado. Só a pessoa educada pode vir a mudar a sociedade. Logo, a sociedade não será mudada através da educação. A educação é, essencialmente, conservadora. Só muda quando muda a sociedade em cujo serviço se encontra. Afirma Durkheim:

“A educação não passa de imagem e reflexo da sociedade. Ela a imita e a reproduz em ponto pequeno; não a cria; não é com individualidades isoladas que se refaz a constituição moral dos povos. A educação não pode reformar-se a não ser que a própria sociedade se reforme” [49].

Não é possível, pois, segundo Durkheim, fixar, a priori, fins para a educação, como se a educação ocorresse em condições ideais, desvinculadas da história e do mundo real. É por isso que Durkheim contrapõe aos que defendem uma noção de “educação ideal” a noção, por assim dizer, de “educação real”. É “preciso considerar os sistemas educativos que ora existem, ou tenham existido, compará-los e apreender deles os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos” [50].

7. Durkheim: A Defesa da “Educação Real”

Vimos atrás que, para Durkheim, é necessário, para que haja educação, que uma ação seja exercida pelas gerações adultas sobre as gerações mais jovens [51], e que ele começou a discutir a questão da natureza dessa ação analisando o ponto de vista (que ele rejeita) dos partidários da “educação ideal”. Vejamos, agora, como Durkheim vê a questão, a partir da ótica da “educação real”, já introduzida em sua crítica dos partidários da “educação ideal”, e que representa a sua posição.

Durkheim se propõe responder à questão da natureza da ação que as gerações mais velhas exercem sobre as mais novas, ação essa que constitui o cerne da educação, discutindo o sentido em que se pode dizer que a educação é una (ou igualitária) e o sentido em que se pode dizer que a educação é múltipla (ou diferenciada).

À primeira vista pode parecer que as várias atividades que são chamadas de educacionais dentro de uma sociedade pouco, ou mesmo nada, têm em comum. Aquilo que chamamos de educação parece ser algo totalmente diferenciado, mesmo no seio de uma mesma sociedade.

“Em certo sentido, há tantas espécies de educação, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existirem. É ela formada de castas? A educação varia de uma casta para outra. … Ainda hoje não vemos que a educação varia com as classes sociais e com as regiões? A da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do operário. … Ainda que a consciência moral de nosso tempo tivesse recebido, acerca desse ponto, a satisfação que ela espera, ainda assim a educação não se tornaria mais uniforme e igualitária” [52].

Isto, segundo Durkheim, não só é assim como deve ser assim.

“E, dado mesmo que a vida de cada criança não fosse, em grande parte, predeterminada pela hereditariedade, a diversidade moral das profissões não deixaria de acarretar, como consequência, grande diversidade pedagógica” [53].

Cada profissão acaba se constituindo em um meio social sui generis, com seus usos e costumes, suas idéias e suas formas de ver as coisas.

“E, como a criança deve ser preparada em vista de certa função, a que será chamada a preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa idade, para todo e qualquer indivíduo. Eis porque vemos, em todos os países civilizados, a tendência que ela manifesta para ser, cada vez mais, diversificada e especializada; e esse especialização, dia a dia, se torna mais precoce” [54].

É por isso que Durkheim afirma, em sua definição de educação no “meio especial” a que a criança se destina.

Para encontrar uma educação homogênea seria preciso, segundo Durkheim, procurar entre sociedades pré-históricas, em que não existisse nenhuma diferenciação, mas nem lá a encontraríamos, porque este tipo de sociedade não passa de “um momento imaginário na história da humanidade” [55].

Mas a educação é também una, segundo Durkheim, ou não poderia chamar-se por um só nome. Esses sistemas educacionais diferenciados, “onde sejam observados, não divergem uns dos outros, senão a partir de certo ponto” [56]. Repousam, todos eles, em uma “base comum”:

“Não há povo em que não exista certo número de ideias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam. … No decurso da história, constituiu-se todo um conjunto de idéias acerca da natureza humana, sobre a importância respectiva de nossas diversas faculdades, sobre o direito e sobre o dever, a sociedade, o indivíduo, o progresso, a ciência, a arte, etc., idéias essas que são a base mesma do espírito nacional; toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a que conduz às carreiras liberais, como a que prepara para as funções industriais, tem por objeto fixar essas idéias na consciência dos educandos. Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do físico e moral, que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos; que a partir desse ponto ele se diferencia, porém, segundo os meios particulares que toda sociedade encerra em sua complexidade” [57].

A função dessa base comum é suscitar, na criança, “um certo número de estados físicos e mentais” considerados como indispensáveis para todos os membros da sociedade, num nível geral, e para todos os membros do grupo social específico a que pertença a criança, num nível mais específico. “A sociedade, em seu conjunto, e cada meio social, em particular, determinam este ideal, a ser realizado” [58]. Sem a homogeneidade fornecida por essa base comum, nenhuma sociedade conseguiria subsistir.

“A educação a perpetua e reforça, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva. … A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência” [59].

Se, numa sociedade específica, o sistema de diferenciação social não for muito acentuado, a educação terá uma feição mais igualitária; se, numa outra sociedade, o trabalho for altamente especializado, a educação dará ênfase à diversidade de aptidões profissionais; se outra sociedade se vir constantemente ameaçada por sociedades vizinhas, sua educação terá ênfases nacionalistas e mesmo militaristas; e assim por diante [60].

8. Conclusão

É isso… A educação atual, a partir da educação nova (que a esquerda gosta de chamar de escolanovista), com o reforço da educação inovadora, é, quer se goste ou não do fato, uma educação individualista, centrada no desenvolvimento do ser humano. E esse desenvolvimento não tem seus objetivos e suas metas pré-definidas, no detalhe. A educação como processo de desenvolvimento humano só prevê que a educação seja capaz de permitir que o bebê que, ao nascer, não sabe fazer virtualmente nada, sendo por isso dependente e, por conseguinte, inautônomo, se transforme, através de seu enorme potencial de aprendizagem, em um adulto competente, independente, interdependente e autônomo — responsável por si mesmo e dono de seu nariz. A ênfase e o foco estão no desenvolvimento do ser humano enquanto indivíduo único, que, no devido tempo, decide o que quer se tornar e o que será preciso aprender e aprender a fazer para se tornar aquilo que ele quer ser.

Ponto final.

9. Notas

A. Notas das Duas Seções da Apresentação

[1] “A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais”, in Antonio Muniz de Rezende, org., Iniciação Teórica e Prática às Ciências da Educação (Editora Vozes, Petrópolis, 1979), pp.111-140. O livro contém artigos de vários autores: do organizador, Antonio Muniz de Rezende, e de Maurício Tragtenberg, Moacir Gadotti, Pedro Laudinor Goergen, Newton Aquiles von Zuben, todos meus colegas na Faculdade de Educação da UNICAMP à época.

[2] O Futuro da Escola na Sociedade da Informação (Ministério da Educação e Cultura, Brasília, 1998, em coedição com Mindware Editora, São Paulo). Esse livro deverá ser publicado como e-book proximamente.

[3] Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era. Foi com esse título que o texto foi submetido à Editora SENAC, e aprovado para publicação, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, no ano de 2002. Mas não foi publicado, com o conteúdo e o título que tinha, conforme explicado no texto principal.

[4]  Sua Escola a 2000 por Hora: Educação para o Desenvolvimento Humano pela Tecnologia Digital (Editora Saraiva, em coedição com o Instituto Ayrton Senna e a Microsoft Educação, e com o apoio da Cátedra UNESCO em Educação e Desenvolvimento Humano no Instituto Ayrton Senna, São Paulo, 2004). Esse livro foi publicado em forma impressa. Comprei em 20/3/2018 o último exemplar novo a venda na Amazon Brasil. Agora, nessa livraria virtual, apenas cópias usadas, o que indica que o livro, se não está totalmente esgotado na Editora, está perto. Entrei, na mesma data, no site da Livraria Saraiva Online, empresa vinculada à editora, e comprei mais cinco exemplares, por estar o preço bastante descontado (de R$ 49,00 por R$13,90). A atendente me informou, em resposta a uma pergunta minha, que ainda restam dezessete volumes em estoque na loja virtual.

[5] Pilares da Educação Digital (Microsoft Informática, Gerência de Educação, São Paulo, 2010). Este livro só foi distribuído, dentro da Microsoft e para seus clientes, em formato digital.

[6] Orientações Curriculares: Tecnologias de Informação e Comunicação – Proposições de Expectativas de Aprendizagem (Secretaria Municipal de Educação de São (SMESP), Diretoria de Orientação Técnica (DOT), São Paulo, 2010). Este livro foi publicado em forma impressa para distribuição dentro da SMESP.

[7] A Educação e as Redes Sociais, com base numa série de 30 artigos que escrevi para o Blog da Editora Ática. A publicação do livro em forma impressa foi negociada com a então Abril Educação, o texto teve uma primeira versão redigida, mas acabou não sendo publicado com as dificuldades encontradas pela empresa, que acabou sendo vendida e se tornou a Somos Educação. Este livro, portanto, foi escrito mas não foi ainda publicado. Estou revendo o texto junto com Paloma Chaves, para uma futura publicação.

[8]  Educação, Inovação e Mudanças  foi o título do pequeno livro em Português. Em Inglês ele se chamou How Far Can we Innovate in Education? No momento estou revisando o material, com Paloma Chaves, tendo em vista a sua publicação sob o título de Educação e Aprendizagem: A Escola vs a Sociedade Sem Escolas, em especial diante da firme posição assumida por mim em favor da Desescolarização da Educação num mundo em que a as mídias e as redes sociais, bem como a Web e outras tecnologias digitais, são ubíquitas e onipresentes.

[9] Projetos Colaborativos de Aprendizagem no Ensino Fundamental I (FTD Educação, São Paulo, 2016). O livro consiste de uma Introdução ao tema e mais dez fascículos, cada um deles dedicado a um projeto a ser executado ao longo dos dez semestres do Ensino Fundamental I. O livro foi impresso, com ilustrações e excelente diagramação e produção visual, e é comercializado pela FTD com a Coleção FAÇA de material didático para o Ensino Fundamental I. Registre-se que esse livro de certo modo vai na direção contrária ao meu posicionamento em favor da Desescolarização da Educação. No entanto, estou convicto de que a escola fará menos mal, e até mesmo poderá contribuir, de forma limitada com a educação, se concentrar seus esforços no desenvolvimento de Projetos Colaborativos de Aprendizagem voltados para a construção de competências transversais ou transdisciplinares (por alguns erroneamente chamadas de não-cognitivas – elas são qualquer outra coisa menos não-cognitivas). Esse livro se concentra no desenvolvimento das competências previstas no livro The 7 Habits of Highly Effective People: Powerful Lessons in Personal Change (Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes), de Stephen R. Covey, em sua versão voltada para crianças do Fundamental, versão essa chamada, em Inglês, de The Leader in Me (O Líder em Mim, em Português), cuja localização para o Português foi feita sob minha responsabilidade em serviço prestado para a então Abril Educação.

[10] Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, La Reproduction: Éléments pour une Theorie du Système d’Enseignement (A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino), (Les Éditions de Minuit, Paris, 1970). A edição brasileira foi publicada pela Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975.

B. Notas do Texto Original

[1] Da primeira há tradução brasileira de Lourenço Filho, com o título Educação e Sociologia (Edições Melhoramentos, São Paulo, 10ª edição, 1975). A tradução inclui um estudo introdutório de Paul Fauconnet, com o título “A Obra Pedagógica de Durkheim”, pp.9-31.

[2] Émile Durkheim, Educação e Sociologia, p.41; Cf. Paul Fauconnet, “A Obra Pedagógica de Durkheim”, op.cit., p.10. Embora se trate exatamente da mesma passagem, ela não está traduzida de maneira idêntica nos dois lugares dentro do mesmo livro.

[3] Paul Fauconnet, “A Obra Pedagógica de Durkheim”, op.cit., p.10.

[4] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.41.

[5] A frase é de Nicholas S. Timasheff, em Sociological Theory: Its Nature and Growth (Random House, New York, 1967), tradução brasileira de Antonio Bulhões e Marco Aurélio M. de Mattos, com o título Teoria Sociológica (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1979), p.154 da edição brasileira.

[6] Nicholas S. Timasheff, op.cit., p.140 (primeira frase) e pp.150-151 (as demais). Na citação das pp.150-151 omiti alguns trechos e inverti a ordem de algumas frases. Timasheff não identifica a fonte de sua citação de Durkheim, mas Durkheim discute a questão da conceituação e da observação dos fatos sociais em Les Règles de la Méthode Sociologique (1895), traduzido para o inglês como The Rules of Sociological Method (Free Press, New York, 1938), editado por George E. G. Catlin, cap.1 (“What is a Social Fact?”) e cap.2 (“Rules for the Observation of Social Facts”), pp.1-46. A abordagem Durkheimiana, de que o social tem uma realidade própria, que não se reduz aos fatos individuais, é geralmente chamada de “realismo sociológico” (Cf. Timasheff, p.140). Cf. também Frans de Hovre, Essai de Philosophie Pédagogique (Librairie Albert Dewit, Bruxelles, 1927), tradução brasileira de Luiz Damasco Penna e J. B. Damasco Penna, com um estudo preliminar de Leonardo van Acker, sob o título Ensaio de Filosofia Pedagógica (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1969), p.81, que fala em “realismo social”. [Embora o livro de de Hovre tenha originalmente sido escrito em flamengo, em 1924, a tradução para o português foi feita a partir da edição francesa, publicada na Bélgica, em 1927.]

[7] Esse tema é elaborado por Glenn Langford, em Philosophy and Education: An Introduction (Macmillan / Basic Books in Education, New York, 1968). Afirma ele, às pp.59-60 (Tradução de Eduardo Chaves): “Se os seres humanos não formassem sociedades ou grupos sociais, não haveria educação”. Na verdade, Langford vai mais longe e afirma que, se os seres humanos não formassem sociedades, eles não se tornariam pessoas humanas, seriam apenas mais uma espécie animal. “Um bebê tem de aprender a se tornar uma pessoa. Ninguém nasce um menino americano típico, ou um estivador do Merseyside. Estas são coisas que que o ser humano tem de aprender, coisas que ele se torna [através da educação]. … Seres humanos, na verdade, têm de aprender a se tornar pessoas e somente podem fazer isso se lhes for dada a oportunidade de fazê-lo. Um bebê humano criado por lobos se torna algo mais parecido com um lobo do que com uma pessoa humana, e um chimpanzé criado na casa de um psicólogo se torna, dentro dos limites que lhe impõe sua capacidade de aprender, quase uma criança humana”. [Ênfase acrescentada]. [A seguir, até o final da nota, observação acrescentada em 16/3/2018.] Seria interessante indagar por que Langford insere a palavra “quase” nessa última frase. Por que é que ele não chega ao extremo de dizer que um chimpanzé criado na casa de um psicólogo se torna de fato uma criança humana? Ele esclarece, meio en passant, que talvez seja por causa “dos limites que lhe impõe sua capacidade de aprender”. Mas cabe perguntar, por que toda a categoria dos chimpanzés (e não apenas este chimpanzé imaginado no exemplo) possui limitações em sua capacidade de aprender que inexistem na categoria dos seres humanos. Note-se que não estou afirmando que, em casos individuais, um chimpanzé particular não possa aprender mais do que um ser humano particular. Estou falando sobre categorias (ou espécies animais, no caso). Também é curioso que Langford, um filósofo, tenha mencionado, no exemplo que cria, um chimpanzé criado na casa de um psicólogo… Um chimpanzé criado na casa de um filósofo poderia teria melhor sorte, de modo a permitir que Langford omitisse o “quase”?

[8] Acredito que foi B. F. Skinner que um dia disse que conseguiria fazer o que quisesse com qualquer criança, mesmo tornar um de dois gêmeos um filantropo e outro um criminoso. [Nota na Nota]: Não encontrei nenhuma passagem de Skinner em que ele diga isso. Mas meu amigo Enézio Eugênio de Almeida Filho encontrou uma citação de John B. Watson, de 1930, em que ele diz algo equivalente: “Give me a dozen healthy infants, well-formed, and my own specified world to bring them up in and I’ll guarantee to take any one at random and train him to become any type of specialist I might select—doctor, lawyer, artist, merchant-chief and, yes, even beggar-man and thief, regardless of his talents, penchants, tendencies, abilities, vocations, and race of his ancestors. (1930)”. Vide  https://www.goodreads.com/quotes/1010662-give-me-a-dozen-healthy-infants-well-formed-and-my-own.  [“Dêem-me uma dúzia de bebês sadios, bem-formados, e deixem-me coloca-los no tipo de mundo que eu escolher, e eu garanto que conseguirei fazer de qualquer deles, selecionado aleatoriamente, ou um médico, ou um advogado, ou um artista, ou um gerente de vendas, ou, sim, até mesmo isso, um mendigo ou um ladrão, independentemente de seus talentos, inclinaçoes, tendências, habilidades, vocações, e até mesmo da raça de seus antecessores (1930)”. (Tradução de Eduardo Chaves.). Uma outra tradução é fornecida no artigo “A Teoria Comportamentalista da Educação”, de vários autores, no URL http://ateoriacomportamentalistaeaeducacao.blogspot.com.br/.%5D [Fim da Nota da Nota] J. Cohn, colocando-se na mesma linha de pensamento, afirma que “educação é a influência deliberada e consciente exercida sobre o ser maleável e inculto, com o propósito de formá-lo”.  Cf. J. Cohn, apud Gustavo F. G. Cirigliano, Análisis Fenomenológico de la Educación (Universidad Nacional del Litoral, Paraná [Argentina], 1962), tradução brasileira de Isaida Bezerra Tisott, Fenomenologia da Educação (Editora Vozes, Petrópolis, 1974), p.51. George Reisman oferece, hoje, uma versão dessa postura teórica, se bem que apenas parcial, visto que enfatiza a transmissão da “substância intelectual da civilização”, deixando de lado os componentes físico e moral da educação: “Educação é o processo formal de transmitir a substância intelectual da civilização de uma geração para a seguinte, e, assim, fazer com que as mentes não cultivadas das crianças se transformem nas mentes de adultos civilizados.” Cf. George Reisman, Education and the Racist Road to Barbarism (Second Renaissance Books, Oceanside, 1990), p.8. Os que defendem esse ponto de vista afirmam que o termo “educar” vem do latim “educare“. Dizem John D. Redden e Francis A. Ryan, autores católicos: “Deriva-se a palavra ‘educação’ do latim educare, que significa criar, nutrir, acompanhar”. Cf. John D. Redden e Francis A. Ryan, Philosophy of Education (The Bruce Publishing Company, Milwaukee, 1942, 1951), traduzido para o português por Nair Fortes Abu-Merhy (Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1967), p.29. [Tradução da edição brasileira]. Em nota de rodapé afirmam: “O termo ‘educação’ deriva-se do verbo latino educare e não de educere (dirigir, trazer para frente ou para fora), como comumente se supõe”.

[9] Cf. Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., pp.52-53: “Ora, essas duas condições [que são obtidas durante a sugestão hipnótica] se exigem nas relações que o educador mantenha com a criança submetida à sua influência: 1) A criança fica, por condição natural, em estado de passividade perfeitamente comparável àquele qm que o hipnotizado é artificialmente colocado. … Por isso a criança é facilmente sugestionável. Pela mesma razão, torna-se muito acessível ao contágio do exemplo, muito propensa à imitação. 2) O ascendente que o mestre naturalmente possui sobre o discípulo, em razão da superioridade da experiência e cultura, dar-lhe-á o poder necessário à eficácia de sua atividade. Esta comparação demonstra como o educador deve ser prudente. Bem se conhece o poder da sugestão hipnótica; se a ação educativa tem eficácia similar, pode-se esperar muito da educação, uma vez que saibamos utilizá-la“. [Ênfases acrescentadas]. Cf., neste contexto, René Hubert, Histoire de la Pedagogie (Presses Universitaires de France, Paris, 1949), tradução brasileira de Luiz Damasco Penna e J. B. Damasco Penna sob o título História da Pedagogia (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1967), p.305.

[10] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.45.

[11] Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., p.80.

[12] Everett K. Wilson, Introdução à nova edição da tradução americana de L’Éducation Morale (Librairie Félix Alcan, Paris, 1925), publicada com o título Moral Education: A Study in the Theory and Application of the Sociology of Education (Macmillan Publishing Company, 1973; edição original da tradução, pela mesma editora, 1961), p.xxv.

[13] Émile Durkheim, “La Determination du Fait Moral”, em Bulletin de la Societé Française de Philosophie, 1906., p.130, citado apud Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., pp.127-128. [Itálicos no original; negrito acrescentado.] Durkheim tem sido acusado de idolatrar a sociedade, de promover a “sociolatria” e o “misticismo social”, por dizer, nesse mesmo artigo, coisas como: “Não vejo na divindade senão a Sociedade transfigurada e julgada simbolicamente” (op.cit., loc.cit. nesta nota, apud Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., p.128).

[14] Em sua Sozialpädagogik (Pedagogia Social), p.84, apud Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., p.82. E F. Müller-Lyer chega a afirmar: “Se o homem fosse um indivíduo, aprenderíamos a conhecê-lo pelo exame científico do indivíduo. Mas é um ser social, membro de uma comunidade da qual recebe a maneira de pensar, as ideias, os valores de vida, da qual, como ser intelectual, é inteiramente dependente, e sem a qual seria um idiota mudo. O que pensa no cérebro do homem não é o homem, é a comunidade”; citado a partir de seu Die Entwicklungstuffen der Menschheit: Eine systematische Soziologie – Der Sinn des Lebens (As Fases do Desenvolvimento da Humanidade: Uma Sociologia Sistemática – O Sentido da Vida), p.259, apud Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., p.83.

[15] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., pp.41-42.

[16] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.54.

[17] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.42. [Ênfase acrescentada.]

[18] “Não podemos elevar-nos acima de nós mesmos senão por esforço mais ou menos penoso”. Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.54.

[19] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.54. Cf. também Émile Durkheim, “Éducation”, verbete do Nouveau Dictionnaire de Pédagogie, p.536b, citado apud René Hubert, História da Pedagogia, op.cit., p.305.

[20] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.54.

[21] Émile Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.56. Cf. passagem idêntica em Émile Durkheim, “Éducation”, verbete do Nouveau Dictionnaire de Pédagogie, p.536b, mencionado apud René Hubert, História da Pedagogia, op.cit., p.306. Cf. também uma expressiva passagem de Paul de Lagarde, que disse “Livre não é aquele que pode fazer o que quer, mas aquele que pode tornar-se quem ele deve ser“, citada (duas vezes) por Helmut Thielicke, em Der Einzelne und der Apparat: Die Freiheit des Menschen im technischen Zeitalter (Furche-Verlag, Hamburg, 1964), pp.20,52. [Ênfase acrescentada.]

[22] Uma boa introdução à concepção de “educação moral” de Durkheim é a Introdução de Everett K. Wilson à nova edição da tradução americana de L’Éducation Morale, op.cit.. “Agir moralmente é agir em termos do interesse coletivo” pode ser considerado o “slogan” que resume o pensamento durkheimiano. Cf. p.xii. [Ênfase acrescentada.]

[23] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.33.

[24] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.33.

[25] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.33.

[26] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.38.

[27] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.33.

[28] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.35.

[29] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.38.

[30] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.34.

[31] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.34.

[32] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.34. [Enfase acrescentada na citação maior, “blocada”.]

[33] Eis um resumo da posição de Platão que faz T. W. Moore, em Educational Theory: An Introduction (Routleddge & Kegan Paul, London, 1974), pp.27-28 (tradução do Inglês de Eduardo Chaves): “A conclusão de Platão, resumidamente, é que o estado justo é aquele em que as várias ordens sociais que o compõem, os camponeses e os artesãos, os soldados, os governantes, estão organizadas de forma hierárquica, os que governam governando a cidade, os soldados guardando-a, e os restantes provendo-a de serviços econômicos, cada classe social e cada indivíduo realizando o papel social apropriado a ela e a ele. O estado assim organizado, mantém Platão, . . . é justo . . . Se os soldados ou os trabalhadores tentarem usurpar a tarefa dos que governam, o estado fica desordenado, dando lugar a formas imperfeitas de organização social, a timocracia, no primeiro caso, a democracia, no segundo”. O elemento hierárquico não é proeminente em Durkheim, mas o caráter estático da diferenciação, sim.

[34] O livro de Theodore Abel, The Foundation of Sociological Theory (Random House, New York, 1970), tradução brasileira de Christiano Monteiro Oiticica, com o título Os Fundamentos da Teoria Sociológica (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972), tem uma seção com o seguinte título: “O Conceito de Durkheim de Meio Social” (pp.42-45 da edição brasileira). Resume ele assim esse conceito: “Durkheim concebe o coletivo social como um ‘meio’ … no qual … os indivíduos sentem e agem. Um meio social, naturalmente, contém pessoas. As pessoas não são significativas como corpos físicos, contudo, mas como pessoas em variadas relações umas com as outras. Um meio social é algo com que nos defrontamos. É um local em que se espera que ocorram certas ações sob certas circunstâncias. Essas expectativas são os concomitantes das relações existentes e dos deveres e direitos que envolvem” (p.43). O meio social, sendo algo “com que nos confrontamos”, não é visto por Durkheim como uma criação de indivíduos, que estes podem mudar quando o desejarem. É por isso que Timasheff afirma que, “para Durkheim, a realidade da sociedade precede a vida individual” (passagem já citada; cf. Timasheff, op.cit., p.154) e “os fatos sociais não são o produto das vontades humanas individuais” (cf. Timasheff, op.cit., p.142. [Ênfase acrescentada]). Na verdade, Durkheim chega, em algumas obras, como em seu trabalho sobre o suicídio (Le Suicide: Étude Sociologique, 1897) a um realismo sociológico extremo, falando (como observa Timasheff) “de correntes suicidas como tendências coletivas que dominam indivíduos e, por assim dizer, os agarram (ou antes, alguns deles, os mais suscetíveis) em sua passagem. Assim, interpreta às vezes o ato do suicídio como produto dessas correntes”. Cf. Timasheff, op.cit., pp.146-147. Cf. também Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagógica, op.cit., p.129.

[35] Tanto quanto me consta, Durkheim não usou a expressão “educação real” para se referir à posição, defendida por ele, que contrapõe a educação, histórica e socialmente considerada, ao que ele chama de “educação ideal”. Como, porém, o termo parece resumir bem sua posição, resolvi usa-lo.

[36] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.34.

[37] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.34.

[38] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.35.

[39] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.35.

[40] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.35.

[41] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., pp.35,36.

[42] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.36.

[43] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.36.

[44] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.36.

[45] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., pp.36-37.

[46] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.60.

[47] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.37.

[48] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.37.

[49] Émile Durkheim, Le Suicide: Étude Sociologique, p.427, citado apud Frans de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagoógica, op.cit., p.130.

[50] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.38.

[51] Cf. Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.38.

[52] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.39.

[53] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.39.

[54] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.39.

[55] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.39.

[56] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.39.

[57] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.40.

[58] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.40.

[59] Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.40.

[60] Cf. Durkheim, Educação e Sociologia, op.cit., p.40.

Em São Paulo, 20 de Março de 2018; revisado em 29 de Março de 2018

Entrevista para a Revista Visão sobre “Revolução na Educação”

A entrevista abaixo foi dada, por escrito, para a Revista Visão (jornalista Luíza Dalmazo) em 12 de Novembro de 2012. Encontrei o texto hoje, revisei-o e o publico aqui. O que saiu em um artigo da revista foi quase nada em comparação com tudo o que eu disse.)

PERGUNTAS E RESPOSTAS

1. Está acontecendo uma revolução educacional? Se está, onde ela está ocorrendo? Alguns dizem que a revolução em curso seria a terceira grande revolução na educação: faz sentido?

Espera-se que aconteça uma revolução educacional — mas ela não está acontecendo ainda. Ela seria provocada (não causada — o processo não é determinista) por uma tecnologia: o computador digital e todas as tecnologias de informação e comunicação que convergiram para ele.

Se e quando acontecer, será a terceira grande revolução (se desconsiderarmos a primeira, que tornou a educação possível). Se incluirmos a primeira, que teve que ver com a invenção da Linguagem Oral, ou seja, da Fala, será a quarta.

Vejamos quais foram as revoluções anteriores para em seguida falar um pouco da revolução educacional que se espera aconteça em um futuro próximo.

A. A Fala

A educação, como a conhecemos, não é possível sem a linguagem. Logo, a revolução número zero, que tornou a educação possível, foi a invenção da linguagem — originalmente, da linguagem oral, vale dizer, da fala. Ninguém sabe quando isso se deu. Alguns imaginam que foi cerca de 100 milhões de anos atrás (mas, para mim, esses números enormes querem dizer que nós não sabemos).

Quando a educação depende exclusivamente da fala, e não há tecnologia para amplificar a fala ou transmiti-la a distância, ela tem de ser face-a-face, ou presencial, como se diz hoje.

Quando falo em invenção da linguagem, tenho em mente a linguagem que faz uso de conceitos e, portanto, que usa termos gerais — não uma linguagem gráfica ou pictórica que, para cada entidade a que deseja fazer referência, tem um elemento que a representa.

B. A Escrita

A segunda revolução (se contarmos a Fala como a primeira) foi causada pela invenção da escrita alfabética (não pictórica, cuneiforme), no milênio anterior à era cristã. Também não é claro quando a escrita alfabética foi inventada. Aparentemente os fenícios inventaram um alfabeto parecido conosco, que os gregos aperfeiçoaram por volta do século 8 aC. Com a escrita alfabética surgiu a carta (vide as cartas do Novo Testamento),  surgiu o livro, originalmente manuscrito, etc.

A escrita revolucionou o mundo, e, revolucionando o mundo, revolucionou a educação.

A carta, e especialmente o livro, ainda que manuscrito, tornaram possível a educação a distância — por carta ou por livros — e a auto-educação — a educação em que eu, sozinho, leio, reflito, tiro minhas conclusões.

C. O Livro Impresso 

O livro manuscrito era de produção complicada. Poucos sabiam ler e escrever, porque o processo de produzir um livro era demorado e caro. Por isso, até o final da Idade Média, até reis e demais nobres eram, em regra, analfabetos.

A terceira revolução foi causada pela invenção da prensa móvel por Johannes Gutenberg, por volta de 1455. Com isso, tornou-se possível produzir livros absolutamente idênticos em grande quantidade e com um custo relativamente barato. A invenção de Gutenberg também tornou possível a popularização do cartaz, do panfleto, do livreto, do jornal…

Isso revolucionou o mundo, e, revolucionando o mundo, revolucionou a educação.

Atribui-se à invenção da prensa móvel uma parcela significativa de importância na Reforma Protestante, no surgimento dos Estados Modernos, no surgimento das Línguas Vernáculas e das Literaturas Modernas, no surgimento da Ciência Empírica, etc.

A Reforma Protestante, por exemplo, incentivou os fieis a aprenderem a ler para poderem ler a Bíblia por si próprios e, assim, não serem enganados pelos padres católicos… Ao lado das igrejas protestantes surgiram escolas mantidas por elas, que são as primeiras escolas modernas de que temos conhecimento. O livro fácil e barato incentivou a auto-educação e a educação a distância (por correspondência, com base em um livro texto comum).

D. A Tecnologia Digital

Em 1946 foi mostrado ao mundo o primeiro computador digital e nada mais foi o mesmo a partir de então — embora algumas coisas custem mais a mudar do que outras. A coisa mais fantástica é que todas as tecnologias de comunicação e informação acabaram por se fundir no computador, ou para a tecnologia digital: as câmeras (e as fotografias estáticas e dinâmicas, neste caso o vídeo), o telefone (e a fala interpessoal a distância), o rádio (e a transmissão do som, inclusive da voz humana, a distância, de um local para vários, broadcasting), a televisão, o cinema, cinema, o jornal, a revista, e, naturalmente, o livro (e-book). A comunicação instantânea se tornou multimídia: texto, voz,  vídeo, som de fundo, efeitos especiais, etc.

Nossa vida está sendo revolucionada por essa evolução tecnológica. A educação também fatalmente o será. Na verdade, fora da escola já foi afetada. As pessoas hoje aprendem conversando por chat (messenger) ou e-mail, pesquisando na Internet (Web), trabalhando em colaboração, facilmente compartilhando ou divulgando amplamente suas produções, etc. Só a escola resiste. Por mais que se faça alarde, pouquíssimas experiências existem de escolas realmente inovadoras.

É isso. Ficou grande, mas é essa a resposta à sua primeira pergunta.

2. Quais são as implicações dessa revolução? Já existem resultados que provam que os novos modelos são mais eficientes? Há casos significativos no Brasil (soube da Lumiar e da Amorim Lima)?

Note-se bem. A revolução até aqui é nas formas de comunicação e acesso à informação. Não é na educação. Mas as formas de comunicação e acesso à informação delimitam aquilo que é possível fazer na educação e, portanto, tornam possível, viável e, por conseguinte, provável, uma revolução na educação.

Assim, a tecnologia em si não causa nenhuma revolução na educação — mas ela torna essa revolução possível, viável e provável. Quem tem de decidir se a educação escolar vai ser revolucionada são os que a controlam as escolas: proprietários, mantenedores, governos, etc. A educação não-escolar (a educação dita não-formal) já está em plena revolução há algum tempo.

Quanto à escola, há três formas de elas reagirem à tecnologia:

  • Usando-a para fazer aquilo que já fazem, apenas de uma forma um pouco mais eficiente (atitude conservadora);
  • Usando-a para estender e ampliar aquilo que já fazem, dando maior alcance e amplitude ao seu trabalho (atitude reformadora);
  • Usando-a para fazer o que antes não conseguiam fazer ou para fazer o que já faziam de uma maneira totalmente nova (atitude transformadora).

Só neste terceiro caso começa a acontecer uma revolução na escola ou, como eu prefiro, tem lugar a reinvenção da escola.

Se reinventarmos a escola, como eu espero que façamos, não haverá ganhos apenas de eficiência, como sugere a pergunta. Haverá uma nova educação, uma nova forma de aprender, um novo currículo, uma nova metodologia, uma nova maneira de encarar a avaliação.

Compara-se o telefone de hoje e o telefone de 20 anos atrás. O telefone de hoje permite ainda que a gente fale com outras pessoas a distância. Mas ele também é um computador que acessa a Internet, que recebe e envia e-mails e mensagens instantâneas (e até mensagens de vídeo), ele é console de jogo, ele é relógio, despertador, máquina fotográfica, album de fotografia, reprodutor de músicas e de vídeos agenda, livro de endereços, etc.

O que se espera é que a nova escola, a escola reinventada, esteja para a escola de hoje como o telefone celular digital de hoje está para aquele telefonão preto, fixo, que só nos deixava fazer e receber chamadas a partir de um mesmo lugar.

A Escola da Ponte, em Portugal, a Lumiar e a Amorim Lima, aqui em São Paulo, e outras escolas esparramadas pelo Brasil e pelo mundo, são pequenos ensaios do que é possível — embora, por ser a inovação real tão rara na educação escolar, elas alcancem grande visibilidade e projeção. Mas nenhuma dessas escolas faz real uso do pleno potencial disponibilizado pelas tecnologias digitais, em especial, pelas redes digitais.

Pessoalmente, tendo a crer que a educação do futuro prescindirá da escola, mesmo de uma escola reinventada, e acontecerá em cima da desescolarização da sociedade, como propugnou Ivan Illich em seu livro A Educação sem Escolas (Deschooling Society).

3. O conceito de personalizar a educação não é novo (até seria legal se eu descobrisse que teórico o criou), mas a tecnologia está permitindo que ele de fato seja implementado. Softwares como o Learning Management Systems permitem não só a monitoria do desempenho dos alunos quanto de professores. Quais são as implicações e benefícios disso? –

Sócrates (470-400 AC, por aí) é, na minha opinião, o pai da educação personalizada. Ele ensinava face-a-face, um-a-um, não tinha um currículo (ele discutia com o interlocutor o que este queria aprender). Ele tinha um método, chamado de maiêutica, que consistia em procurar fazer com que cada um descobrisse, por si próprio, as respostas às suas perguntas.

Logo, a ideia de uma educação personalizada, centrada nos interesses e baseada nos talentos de cada um não é nova — longe disso. A história da educação começa, de certa forma, com ela.

O problema com a educação que Sócrates praticava é que muito pouca gente podia ser alcançada por ela — a educação socrática não tinha escala.

Hoje a tecnologia permite que tenhamos uma educação personalizada em escala, isto é, que atinja todos os que queiram se educar.

Mas a resposta não está em Learning Management Systems (LMS). Está nas redes sociais. Não se trata de monitorar desempenho nem de alunos nem de professores. Trata-se, isto sim, de permitir que cada um aprenda aquilo que precisa ou deseja saber, e saber fazer, para definir e transformar em realidade o seu projeto de vida.

Segundo nosso educador maior, Paulo Freire, ninguém educa ninguém, mas tampouco nos educamos sozinhos. Educamo-nos uns aos outros em interação, em diálogo, em discussão crítica, naquilo que Paulo Freire chamava de comunhão: a comunidade criada com a finalidade de aprender colaborativamente.

É verdade que em escolas, ou instituições formais de educação, os LMS podem ajudar. Mas podem atrapalhar também. Tudo depende da visão de educação de quem os faz e os usa.

4. Sistemas públicos de ensino já adotaram essas ferramentas (ouvi falar do governo de Ontário)? Que melhorias apresentaram?

Pouquíssimos sistemas públicos de ensino, aqui ou no exterior, usam as novas tecnologias de comunicação e informação, e em especial as redes sociais, para promover a educação no sentido que Paulo Freire imprimiu ao conceito.

As mudanças ocorridas em Ontário, sob a coordenação de meu amigo Michael Fullan, que era do Ontario Institute of Education antes de se aposentar e se tornar consultor, são importantes, mas são feitas dentro do paradigma vigente, que preconiza que a educação precisa de currículos muito bem elaborados, métodos de ensino e instrução sofisticados, professores especializados bem preparados, avaliação na forma de testes, provas e exames — e alunos dispostos a aprender não o que precisam ou desejam aprender para realizar seu projeto de vida, mas aquilo que os burocratas em secretarias e ministérios da educação decidem que devem aprender.

Uma hora os jovens vão se dar conta de que a educação escolar é uma sentença de 12 a  16 anos que os interna e institucionaliza, a revolução educacional pode começar a acontecer com rapidez e eficácia.

5) Enquanto países como o Canadá estão investindo em tais sistemas, o Brasil discute política de cotas. Não é um sinal de descompasso as ideias mais modernas no mundo?

O Brasil, infelizmente, apesar de toda a pretensão, é um país atrasado. A discussão das cotas entrou em moda nos Estados Unidos cinquenta anos atrás — e lá já saiu de moda. O primeiro presidente americano negro não se beneficiou de cotas — que se registre isso.

São Paulo, 12 de Novembro de 2012, revisto em 14 de Março de 2018

My Educational Creed: A Pedagogical Decalogue (by Eduardo Chaves)

It took me several long years to convince myself of the truth of several theses that I find extremely important today:

(01) That education has to do with learning (not with teaching);

(02) That what happens to children in schools, as a result of teaching, is not learning, being, in the best possible case, nothing more than information absorption and assimilation — which may be important, in certain contexts, but otherwise make people “mentally obese” (Rubem Alves), and certainly is not education;

(03) That learning, as such, has to do with capacity building and competency development, that is: to learn is to become capable of doing things which one was not capable of doing before;

(04) That important, relevant and “significative” (meaningful) learning takes place through active observation, emulation, interaction, dialogue, collaboration, mediation, etc. in the context of projects that challenge children (or any other would-be learners) to solve problems related to their interests and concerns in the process of living their lives in the real world;

(05) That this kind of learning is more impeded than promoted in artificial ghetto-like environments such as schools, even if these environments are effective in achieving the conventional objectives schools normally seek to promote, and even if they are reduced in scale to operate in one’s own home, but try to replicate the schools that exist outside, as most home schooling initiatives do;

(06) That what we need today is a radical unschooling (in the line of Ivan Illich’s “deschooling society”) that definitively breaks the factual link that exists today between education and schools (a conceptual or necessary link never having existed);

(07) That home education (provided it does not emulate what goes on in schools in terms of its goals, contents, methods, approach to evaluation, etc.) is clearly part of the solution, since the home certainly must become again a meaningful and coherent educational environment, but is only a portion (though a significant one) of the large-scale solution that is presently required;

(08) That home education must be complemented by educational efforts by the extended family, the community (neighborhood), the church, the club, all the other places of leisure and play, the places of work, the social networks, the media, etc. — in one idea, by the society at large, that must become a learning society – without any overall effort at coordination by governments or the like;

(09) That the fundamental content of this education is basically contained, as far as cognitive (or hard, or basic) competencies are concerned, in the Medieval Trivium (the first three Liberal Arts: Language, Logic and Rhetoric), and, as far as the so-called non-cognitive (or soft, or 21st-century) skills, in Stephen Covey’s 7 Habits of Very Effective People;

(10) that the mastery of numerical, geometrical, symbolical, scientific and artistic competencies (that make up the Medieval Quadrivium) can be gradually inserted, in a personalized manner, into the education of learners that demonstrate interest and aptitude in these fields and to the extent that their passion and talent permit.

 (c) Eduardo CHAVES, 2017

In Ubatuba (SP/BR), on the 9th of July of 2017

Annex 2: The Three Laws of Learning

Annex 2

The word “trivium” comes from the Latin prefix “tri” meaning “three,” and the Latin root “via” meaning “way,” or “road.” The word literally means “the three-fold way or road.” The trivium refers to the three stages, or ways, of learning that coincide with a child’s cognitive development as he matures. We should begin an in-depth look at the trivium–the three stages of learning–by reminding ourselves that the trivium is not some arbitrary theory of teaching methodology or new fad of learning philosophy. Rather, the trivium was developed by long trial and error, through the observation of the ancients in the way children learn during the whole course of their instruction from young child to young adult. They realized that time after time, they followed three stages in the learning process. They simply pointed out what was obviously there; what God had designed: that there are three stages, which they named Grammar, Dialectic, and Rhetoric; and they progress in that order. Think of Sir Isaac Newton. He didn’t invent the three laws of motion (God did that when He created the universe), but after careful observation, he defined them by stating what was already there. So it is with the trivium. We might even call the trivium the three laws of learning.

A. How We Learn & the Trivium

There are two ways to look at the trivium. The first has to do with the affinity that children have for thinking about things, for seeing things in one light or another depending on their stage of brain development. It is a well-known fact that when a baby is born, his nervous system isn’t fully developed yet. There is a process of myelinization of the nervous system that must occur, and this process takes years. First he is able to hold his head up, then roll over, crawl, walk, run, jump, and finally do things like ballet or basketball or synchronized swimming with style and grace. Just as a child’s physical coordination and motor skills develop and become more refined over time, following a definable progression; his cognitive coordination and thinking skills also develop and become more refined over time, following a definable progression.

Therefore a child will first embark on the stage of brain development that classicists term the grammar stage. In this stage he has a natural affinity for storing up a tremendous amount of information on any number of things, from nursery rhymes to math facts, and recalling that information at will. He will then progress to the stage termed the dialectic, where his abilities to reason are honed and sharpened, and everything is turned into an exercise in argumentation. And lastly he will advance to the rhetoric stage, where self-discovery and expression are the paramount concerns, and where cognitive abilities come into their full flower of maturity.

The second way to look at the Trivium is just this: that anyone learning something new goes through these three stages as well. A baby learning his native language starts with vocabulary first (the grammar stage), advancing on to stringing that vocabulary together in meaningful ways (the dialectic stage), and ending with finally becoming proficient in completely expressing his thought in the common standard of language usage (the rhetoric stage.) A teenager learning to drive or an adult learning to operate a personal computer does the same thing: commit the vocabulary, the rules, the basics of the subject to memory (grammar), string the isolated parts together to make a meaningful whole (dialectic), then become proficient in the operation of the car or the computer or whatever the subject happens to be (rhetoric.)

B. The Grammar Stage

With that under our belt, let us look at the grammar stage more completely. Simply defined, it is the learning of the body of knowledge of a subject, and most classicists would agree that this is best done by memorization. Most of us have been trained to have an aversion to rote memorization, but it is not harmful, and neither does it have to be dull. I would venture to say that no baby had to be forced to learn to talk, but rather he enjoyed the process immensely. In reality, a child begins learning the grammar of things when he is born and continues from there, but in formal education the grammar stage coincides with the elementary years. In terms of cognitive ability, children at this age automatically zero in on the concrete facts. Therefore it is fine at this stage to concentrate on the concrete and leave the analytical and the abstract out of it.

There is a big push in modern educational theory to introduce abstract concepts to elementary children, and while there is some overlap of the stages with individual children maturing in their thinking individually, for the most part they are not developmentally able to grasp abstracts at this age. Resist the pressure to have young children wrestling with underlying abstract mathematical concepts; feel free to be the only one in miles that does not emphasize self-expression to the detriment of all else in writing class. Ideally, an understanding of anything is not the goal at this age, but rather: have they memorized their math facts and demonstrated that by being able to do computations; have they memorized their phonics and spelling rules and demonstrated that by being able to read and spell correctly; and so on. The problem with attempting to teach abstracts at this age is that children do not yet have the ability to connect relationships between factors, nor do they have the ability to question and reason out the validity of what they have been told, but they have the ability to believe that what they have been told is the truth. That is the beauty of the grammar stage.

C. The Dialectic [Logic] Stage

The dialectic stage is defined as learning to reason, and the body of knowledge learned in the grammar stage is the stuff learning to reason is practiced on. In the grammar stage children learned facts; in the dialectic stage children try to understand the facts they have learned, and begin to relate those facts to one another in a significant way. This stage coincides with middle or junior high school, although it may actually begin for individual children earlier than that, in 5th or 6th grade. It is in the dialectic that the emphasis in cognitive skills shifts from the concrete to the analytical. This is where children are naturally inclined to ask the question “Why?” This is where they question what they have learned in the grammar stage to see if it is in fact true. Truth holds up very well under examination, and only proves its nature by this process. While not advocating children question the things they were taught, if what they were taught is true, we need have no fear of it being questioned, even if that questioning runs to things such as the existence of God or the veracity of the Word. Therefore teaching the science of Logic is critical at this stage. It gives children the tools they need to question accurately and arrive at valid conclusions. We might be conditioned to react with shock or discipline, even, when children at this age question, argue, or want to know why. If we can understand that going through this process is the necessary step to arrive at the next one and therefore on to maturity, perhaps we can temper our response and help children learn to question and reason while maintaining an attitude of honor and respect.

D. The Rhetoric Stage

The last stage is the rhetoric stage, which focuses on learning the science of communication and the art of expression. In the grammar stage children learned facts; in the dialectic stage children began to understand those facts, and in the rhetoric stage children learn to express what they now understand in the most compelling manner possible. This stage roughly coincides with high school. Cognitively speaking, this stage is where abstract thought reaches its zenith. In this stage, the unknown can be explored because the known is understood; the hypothetical can be introduced and grasped with the mind. The mental jump can be made from the natural to the spiritual, from the practical to the theoretical. Self-expression finally comes into its own in the language arts; “hard” sciences and advanced mathematics are more easily mastered; history can be applied to economics and political science; and Bible study can turn to apologetics.

E. The Stages & the Subjects

From this explanation of the stages of the trivium, we can see that each instructional stage corresponds to a related stage in cognitive development: the grammar stage to concrete thinking, the dialectic stage to analytical thinking, and the rhetoric stage to abstract thinking. The stages themselves also bear the name of individual subjects which are at the heart of that stage. The subject of grammar, which is the science of correct language usage, is best learned in the grammar stage; the subject of logic, which is the science of right thinking, is best learned in the dialectic stage; and the subject of rhetoric, which is the science of expression, is best learned in the rhetoric stage. Each of these subjects give our children valuable tools of learning which enables them to grasp, understand, and act on any other subject, area of study, or problem encountered in college and in adult life.

Some confusion in understanding the trivium has resulted from the names of the stages themselves sharing the names of these individual subjects. We must remember that each stage represents a distinct way of teaching and learning and thinking about each subject in the curriculum, while at the same time zeroing in on a particular field of study uniquely relevant to that stage. In discussing the trivium it is helpful to distinguish between the stages of grammar, dialectic, and rhetoric; and the subjects of grammar, logic, and rhetoric.

F. The Trivium in Summary

The trivium is most easily understood first by realizing that it is not some fly-by-night modern educational theory, but tried and true laws of learning. It can be looked at in two ways: as instructional stages that correspond to cognitive development, and as a natural process that is followed anytime any person of any age learns something new. As instructional stages, the trivium follows this progression: the grammar stage, emphasizing memorization of concrete facts and corresponding to the elementary grades; the dialectic stage, emphasizing understanding and analytical thinking and corresponding to the junior high grades; and the rhetoric stage, emphasizing expression and abstract thinking and corresponding to the high school grades. The stages of instruction should not be confused with the specific core subjects of grammar, logic, and rhetoric; which are best taught during their corresponding stage and provide the tools of learning which are the goal of the trivium. Comprehending these basics about the trivium will go far in helping to unravel the mystery of how the trivium ought to be applied to each subject in each stage.

http://www.classicalhomeschooling.org/trivium.html#laws [1

Note

[1] [Note added on 2/Jul/2017] Unfortunately this site, consulted in 2003, has been since then removed. Emphases added.

Transcribed here in Salto, on the 4th of July 2017

Annex 1: The Lost Tools of Learning (Dorothy Sayers)

Annex 1:

A. Introduction

That I, whose experience of teaching is extremely limited, should presume to discuss education is a matter, surely, that calls for no apology. It is a kind of behavior to which the present climate of opinion is wholly favorable. Bishops air their opinions about economics; biologists, about metaphysics; inorganic chemists, about theology; the most irrelevant people are appointed to highly technical ministries; and plain, blunt men write to the papers to say that Epstein and Picasso do not know how to draw. Up to a certain point, and provided the the criticisms are made with a reasonable modesty, these activities are commendable. Too much specialization is not a good thing. There is also one excellent reason why the various amateur may feel entitled to have an opinion about education. For if we are not all professional teachers, we have all, at some time or another, been taught. Even if we learnt nothing–perhaps in particular if we learnt nothing–our contribution to the discussion may have a potential value.

However, it is in the highest degree improbable that the reforms I propose will ever be carried into effect. Neither the parents, nor the training colleges, nor the examination boards, nor the boards of governors, nor the ministries of education, would countenance them for a moment. For they amount to this: that if we are to produce a society of educated people, fitted to preserve their intellectual freedom amid the complex pressures of our modern society, we must turn back the wheel of progress some four or five hundred years, to the point at which education began to lose sight of its true object, towards the end of the Middle Ages.

Before you dismiss me with the appropriate phrase–reactionary, romantic, mediaevalist, laudator temporis acti (praiser of times past), or whatever tag comes first to hand–I will ask you to consider one or two miscellaneous questions that hang about at the back, perhaps, of all our minds, and occasionally pop out to worry us.

When we think about the remarkably early age at which the young men went up to university in, let us say, Tudor times, and thereafter were held fit to assume responsibility for the conduct of their own affairs, are we altogether comfortable about that artificial prolongation of intellectual childhood and adolescence into the years of physical maturity which is so marked in our own day? To postpone the acceptance of responsibility to a late date brings with it a number of psychological complications which, while they may interest the psychiatrist, are scarcely beneficial either to the individual or to society. The stock argument in favor of postponing the school-leaving age and prolonging the period of education generally is there there is now so much more to learn than there was in the Middle Ages. This is partly true, but not wholly. The modern boy and girl are certainly taught more subjects–but does that always mean that they actually know more?

Has it ever struck you as odd, or unfortunate, that today, when the proportion of literacy throughout Western Europe is higher than it has ever been, people should have become susceptible to the influence of advertisement and mass propaganda to an extent hitherto unheard of and unimagined? Do you put this down to the mere mechanical fact that the press and the radio and so on have made propaganda much easier to distribute over a wide area? Or do you sometimes have an uneasy suspicion that the product of modern educational methods is less good than he or she might be at disentangling fact from opinion and the proven from the plausible?

Have you ever, in listening to a debate among adult and presumably responsible people, been fretted by the extraordinary inability of the average debater to speak to the question, or to meet and refute the arguments of speakers on the other side? Or have you ever pondered upon the extremely high incidence of irrelevant matter which crops up at committee meetings, and upon the very great rarity of persons capable of acting as chairmen of committees? And when you think of this, and think that most of our public affairs are settled by debates and committees, have you ever felt a certain sinking of the heart?

Have you ever followed a discussion in the newspapers or elsewhere and noticed how frequently writers fail to define the terms they use? Or how often, if one man does define his terms, another will assume in his reply that he was using the terms in precisely the opposite sense to that in which he has already defined them? Have you ever been faintly troubled by the amount of slipshod syntax going about? And, if so, are you troubled because it is inelegant or because it may lead to dangerous misunderstanding?

Do you ever find that young people, when they have left school, not only forget most of what they have learnt (that is only to be expected), but forget also, or betray that they have never really known, how to tackle a new subject for themselves? Are you often bothered by coming across grown-up men and women who seem unable to distinguish between a book that is sound, scholarly, and properly documented, and one that is, to any trained eye, very conspicuously none of these things? Or who cannot handle a library catalogue? Or who, when faced with a book of reference, betray a curious inability to extract from it the passages relevant to the particular question which interests them?

Do you often come across people for whom, all their lives, a “subject” remains a “subject,” divided by watertight bulkheads from all other “subjects,” so that they experience very great difficulty in making an immediate mental connection between let us say, algebra and detective fiction, sewage disposal and the price of salmon–or, more generally, between such spheres of knowledge as philosophy and economics, or chemistry and art?

Are you occasionally perturbed by the things written by adult men and women for adult men and women to read? We find a well-known biologist writing in a weekly paper to the effect that: “It is an argument against the existence of a Creator” (I think he put it more strongly; but since I have, most unfortunately, mislaid the reference, I will put his claim at its lowest)–“an argument against the existence of a Creator that the same kind of variations which are produced by natural selection can be produced at will by stock breeders.” One might feel tempted to say that it is rather an argument for the existence of a Creator. Actually, of course, it is neither; all it proves is that the same material causes (recombination of the chromosomes, by crossbreeding, and so forth) are sufficient to account for all observed variations–just as the various combinations of the same dozen tones are materially sufficient to account for Beethoven’s Moonlight Sonata and the noise the cat makes by walking on the keys. But the cat’s performance neither proves nor disproves the existence of Beethoven; and all that is proved by the biologist’s argument is that he was unable to distinguish between a material and a final cause.

Here is a sentence from no less academic a source than a front- page article in the Times Literary Supplement: “The Frenchman, Alfred Epinas, pointed out that certain species (e.g., ants and wasps) can only face the horrors of life and death in association.” I do not know what the Frenchman actually did say; what the Englishman says he said is patently meaningless. We cannot know whether life holds any horror for the ant, nor in what sense the isolated wasp which you kill upon the window-pane can be said to “face” or not to “face” the horrors of death. The subject of the article is mass behavior in man; and the human motives have been unobtrusively transferred from the main proposition to the supporting instance. Thus the argument, in effect, assumes what it set out to prove–a fact which would become immediately apparent if it were presented in a formal syllogism. This is only a small and haphazard example of a vice which pervades whole books–particularly books written by men of science on metaphysical subjects.

Another quotation from the same issue of the TLS comes in fittingly here to wind up this random collection of disquieting thoughts–this time from a review of Sir Richard Livingstone’s “Some Tasks for Education”: “More than once the reader is reminded of the value of an intensive study of at least one subject, so as to learn the meaning of knowledge’ and what precision and persistence is needed to attain it. Yet there is elsewhere full recognition of the distressing fact that a man may be master in one field and show no better judgment than his neighbor anywhere else; he remembers what he has learnt, but forgets altogether how he learned it.”

I would draw your attention particularly to that last sentence, which offers an explanation of what the writer rightly calls the “distressing fact” that the intellectual skills bestowed upon us by our education are not readily transferable to subjects other than those in which we acquired them: “he remembers what he has learnt, but forgets altogether how he learned it.”

Is not the great defect of our education today–a defect traceable through all the disquieting symptoms of trouble that I have mentioned–that although we often succeed in teaching our pupils “subjects,” we fail lamentably on the whole in teaching them how to think: they learn everything, except the art of learning. It is as though we had taught a child, mechanically and by rule of thumb, to play “The Harmonious Blacksmith” upon the piano, but had never taught him the scale or how to read music; so that, having memorized “The Harmonious Blacksmith,” he still had not the faintest notion how to proceed from that to tackle “The Last Rose of Summer.” Why do I say, “as though”? In certain of the arts and crafts, we sometimes do precisely this–requiring a child to “express himself” in paint before we teach him how to handle the colors and the brush. There is a school of thought which believes this to be the right way to set about the job. But observe: it is not the way in which a trained craftsman will go about to teach himself a new medium. He, having learned by experience the best way to economize labor and take the thing by the right end, will start off by doodling about on an odd piece of material, in order to “give himself the feel of the tool.”

B. The Mediaeval Scheme of Education

Let us now look at the mediaeval scheme of education–the syllabus of the Schools. It does not matter, for the moment, whether it was devised for small children or for older students, or how long people were supposed to take over it. What matters is the light it throws upon what the men of the Middle Ages supposed to be the object and the right order of the educative process.

The syllabus was divided into two parts: the Trivium and Quadrivium. The second part–the Quadrivium–consisted of “subjects,” and need not for the moment concern us. The interesting thing for us is the composition of the Trivium, which preceded the Quadrivium and was the preliminary discipline for it. It consisted of three parts: Grammar, Dialectic, and Rhetoric, in that order.

Now the first thing we notice is that two at any rate of these “subjects” are not what we should call “subjects” at all: they are only methods of dealing with subjects. Grammar, indeed, is a “subject” in the sense that it does mean definitely learning a language–at that period it meant learning Latin. But language itself is simply the medium in which thought is expressed. The whole of the Trivium was, in fact, intended to teach the pupil the proper use of the tools of learning, before he began to apply them to “subjects” at all. First, he learned a language; not just how to order a meal in a foreign language, but the structure of a language, and hence of language itself–what it was, how it was put together, and how it worked. Secondly, he learned how to use language; how to define his terms and make accurate statements; how to construct an argument and how to detect fallacies in argument. Dialectic, that is to say, embraced Logic and Disputation. Thirdly, he learned to express himself in language– how to say what he had to say elegantly and persuasively.

At the end of his course, he was required to compose a thesis upon some theme set by his masters or chosen by himself, and afterwards to defend his thesis against the criticism of the faculty. By this time, he would have learned–or woe betide him– not merely to write an essay on paper, but to speak audibly and intelligibly from a platform, and to use his wits quickly when heckled. There would also be questions, cogent and shrewd, from those who had already run the gauntlet of debate.

It is, of course, quite true that bits and pieces of the mediaeval tradition still linger, or have been revived, in the ordinary school syllabus of today. Some knowledge of grammar is still required when learning a foreign language–perhaps I should say, “is again required,” for during my own lifetime, we passed through a phase when the teaching of declensions and conjugations was considered rather reprehensible, and it was considered better to pick these things up as we went along. School debating societies flourish; essays are written; the necessity for “self- expression” is stressed, and perhaps even over-stressed. But these activities are cultivated more or less in detachment, as belonging to the special subjects in which they are pigeon-holed rather than as forming one coherent scheme of mental training to which all “subjects” stand in a subordinate relation. “Grammar” belongs especially to the “subject” of foreign languages, and essay-writing to the “subject” called “English”; while Dialectic has become almost entirely divorced from the rest of the curriculum, and is frequently practiced unsystematically and out of school hours as a separate exercise, only very loosely related to the main business of learning. Taken by and large, the great difference of emphasis between the two conceptions holds good: modern education concentrates on “teaching subjects,” leaving the method of thinking, arguing, and expressing one’s conclusions to be picked up by the scholar as he goes along’ mediaeval education concentrated on first forging and learning to handle the tools of learning, using whatever subject came handy as a piece of material on which to doodle until the use of the tool became second nature.

“Subjects” of some kind there must be, of course. One cannot learn the theory of grammar without learning an actual language, or learn to argue and orate without speaking about something in particular. The debating subjects of the Middle Ages were drawn largely from theology, or from the ethics and history of antiquity. Often, indeed, they became stereotyped, especially towards the end of the period, and the far-fetched and wire-drawn absurdities of Scholastic argument fretted Milton and provide food for merriment even to this day. Whether they were in themselves any more hackneyed and trivial then the usual subjects set nowadays for “essay writing” I should not like to say: we may ourselves grow a little weary of “A Day in My Holidays” and all the rest of it. But most of the merriment is misplaced, because the aim and object of the debating thesis has by now been lost sight of.

A glib speaker in the Brains Trust once entertained his audience (and reduced the late Charles Williams to helpless rage by asserting that in the Middle Ages it was a matter of faith to know how many archangels could dance on the point of a needle. I need not say, I hope, that it never was a “matter of faith”; it was simply a debating exercise, whose set subject was the nature of angelic substance: were angels material, and if so, did they occupy space? The answer usually adjudged correct is, I believe, that angels are pure intelligences; not material, but limited, so that they may have location in space but not extension. An analogy might be drawn from human thought, which is similarly non-material and similarly limited. Thus, if your thought is concentrated upon one thing–say, the point of a needle–it is located there in the sense that it is not elsewhere; but although it is “there,” it occupies no space there, and there is nothing to prevent an infinite number of different people’s thoughts being concentrated upon the same needle-point at the same time. The proper subject of the argument is thus seen to be the distinction between location and extension in space; the matter on which the argument is exercised happens to be the nature of angels (although, as we have seen, it might equally well have been something else; the practical lesson to be drawn from the argument is not to use words like “there” in a loose and unscientific way, without specifying whether you mean “located there” or “occupying space there.”

Scorn in plenty has been poured out upon the mediaeval passion for hair-splitting; but when we look at the shameless abuse made, in print and on the platform, of controversial expressions with shifting and ambiguous connotations, we may feel it in our hearts to wish that every reader and hearer had been so defensively armored by his education as to be able to cry: “Distinguo.”

For we let our young men and women go out unarmed, in a day when armor was never so necessary. By teaching them all to read, we have left them at the mercy of the printed word. By the invention of the film and the radio, we have made certain that no aversion to reading shall secure them from the incessant battery of words, words, words. They do not know what the words mean; they do not know how to ward them off or blunt their edge or fling them back; they are a prey to words in their emotions instead of being the masters of them in their intellects. We who were scandalized in 1940 when men were sent to fight armored tanks with rifles, are not scandalized when young men and women are sent into the world to fight massed propaganda with a smattering of “subjects”; and when whole classes and whole nations become hypnotized by the arts of the spell binder, we have the impudence to be astonished. We dole out lip-service to the importance of education–lip- service and, just occasionally, a little grant of money; we postpone the school-leaving age, and plan to build bigger and better schools; the teachers slave conscientiously in and out of school hours; and yet, as I believe, all this devoted effort is largely frustrated, because we have lost the tools of learning, and in their absence can only make a botched and piecemeal job of it.

C. What Then?

What, then, are we to do? We cannot go back to the Middle Ages. That is a cry to which we have become accustomed. We cannot go back–or can we? Distinguo. I should like every term in that proposition defined. Does “go back” mean a retrogression in time, or the revision of an error? The first is clearly impossible per se; the second is a thing which wise men do every day. “Cannot”– does this mean that our behavior is determined irreversibly, or merely that such an action would be very difficult in view of the opposition it would provoke? Obviously the twentieth century is not and cannot be the fourteenth; but if “the Middle Ages” is, in this context, simply a picturesque phrase denoting a particular educational theory, there seems to be no a priori reason why we should not “go back” to it–with modifications–as we have already “gone back” with modifications, to, let us say, the idea of playing Shakespeare’s plays as he wrote them, and not in the “modernized” versions of Cibber and Garrick, which once seemed to be the latest thing in theatrical progress.

Let us amuse ourselves by imagining that such progressive retrogression is possible. Let us make a clean sweep of all educational authorities, and furnish ourselves with a nice little school of boys and girls whom we may experimentally equip for the intellectual conflict along lines chosen by ourselves. We will endow them with exceptionally docile parents; we will staff our school with teachers who are themselves perfectly familiar with the aims and methods of the Trivium; we will have our building and staff large enough to allow our classes to be small enough for adequate handling; and we will postulate a Board of Examiners willing and qualified to test the products we turn out. Thus prepared, we will attempt to sketch out a syllabus–a modern Trivium “with modifications” and we will see where we get to.

But first: what age shall the children be? Well, if one is to educate them on novel lines, it will be better that they should have nothing to unlearn; besides, one cannot begin a good thing too early, and the Trivium is by its nature not learning, but a preparation for learning. We will, therefore, “catch ’em young,” requiring of our pupils only that they shall be able to read, write, and cipher.

My views about child psychology are, I admit, neither orthodox nor enlightened. Looking back upon myself (since I am the child I know best and the only child I can pretend to know from inside) I recognize three states of development. These, in a rough-and- ready fashion, I will call the Poll-Parrot, the Pert, and the Poetic–the latter coinciding, approximately, with the onset of puberty. The Poll-Parrot stage is the one in which learning by heart is easy and, on the whole, pleasurable; whereas reasoning is difficult and, on the whole, little relished. At this age, one readily memorizes the shapes and appearances of things; one likes to recite the number-plates of cars; one rejoices in the chanting of rhymes and the rumble and thunder of unintelligible polysyllables; one enjoys the mere accumulation of things. The Pert age, which follows upon this (and, naturally, overlaps it to some extent), is characterized by contradicting, answering back, liking to “catch people out” (especially one’s elders); and by the propounding of conundrums. Its nuisance-value is extremely high. It usually sets in about the Fourth Form. The Poetic age is popularly known as the “difficult” age. It is self-centered; it yearns to express itself; it rather specializes in being misunderstood; it is restless and tries to achieve independence; and, with good luck and good guidance, it should show the beginnings of creativeness; a reaching out towards a synthesis of what it already knows, and a deliberate eagerness to know and do some one thing in preference to all others. Now it seems to me that the layout of the Trivium adapts itself with a singular appropriateness to these three ages: Grammar to the Poll-Parrot, Dialectic to the Pert, and Rhetoric to the Poetic age.

D. The Grammar Stage

Let us begin, then, with Grammar. This, in practice, means the grammar of some language in particular; and it must be an inflected language. The grammatical structure of an uninflected language is far too analytical to be tackled by any one without previous practice in Dialectic. Moreover, the inflected languages interpret the uninflected, whereas the uninflected are of little use in interpreting the inflected. I will say at once, quite firmly, that the best grounding for education is the Latin grammar. I say this, not because Latin is traditional and mediaeval, but simply because even a rudimentary knowledge of Latin cuts down the labor and pains of learning almost any other subject by at least fifty percent. It is the key to the vocabulary and structure of all the Teutonic languages, as well as to the technical vocabulary of all the sciences and to the literature of the entire Mediterranean civilization, together with all its historical documents.

Those whose pedantic preference for a living language persuades them to deprive their pupils of all these advantages might substitute Russian, whose grammar is still more primitive. Russian is, of course, helpful with the other Slav dialects. There is something also to be said for Classical Greek. But my own choice is Latin. Having thus pleased the Classicists among you, I will proceed to horrify them by adding that I do not think it either wise or necessary to cramp the ordinary pupil upon the Procrustean bed of the Augustan Age, with its highly elaborate and artificial verse forms and oratory. Post-classical and mediaeval Latin, which was a living language right down to the end of the Renaissance, is easier and in some ways livelier; a study of it helps to dispel the widespread notion that learning and literature came to a full stop when Christ was born and only woke up again at the Dissolution of the Monasteries.

Latin should be begun as early as possible–at a time when inflected speech seems no more astonishing than any other phenomenon in an astonishing world; and when the chanting of “Amo, amas, amat” is as ritually agreeable to the feelings as the chanting of “eeny, meeny, miney, moe.”

During this age we must, of course, exercise the mind on other things besides Latin grammar. Observation and memory are the faculties most lively at this period; and if we are to learn a contemporary foreign language we should begin now, before the facial and mental muscles become rebellious to strange intonations. Spoken French or German can be practiced alongside the grammatical discipline of the Latin.

In English, meanwhile, verse and prose can be learned by heart, and the pupil’s memory should be stored with stories of every kind–classical myth, European legend, and so forth. I do not think that the classical stories and masterpieces of ancient literature should be made the vile bodies on which to practice the techniques of Grammar–that was a fault of mediaeval education which we need not perpetuate. The stories can be enjoyed and remembered in English, and related to their origin at a subsequent stage. Recitation aloud should be practiced, individually or in chorus; for we must not forget that we are laying the groundwork for Disputation and Rhetoric.

The grammar of History should consist, I think, of dates, events, anecdotes, and personalities. A set of dates to which one can peg all later historical knowledge is of enormous help later on in establishing the perspective of history. It does not greatly matter which dates: those of the Kings of England will do very nicely, provided that they are accompanied by pictures of costumes, architecture, and other everyday things, so that the mere mention of a date calls up a very strong visual presentment of the whole period.

Geography will similarly be presented in its factual aspect, with maps, natural features, and visual presentment of customs, costumes, flora, fauna, and so on; and I believe myself that the discredited and old-fashioned memorizing of a few capitol cities, rivers, mountain ranges, etc., does no harm. Stamp collecting may be encouraged.

Science, in the Poll-Parrot period, arranges itself naturally and easily around collections–the identifying and naming of specimens and, in general, the kind of thing that used to be called “natural philosophy.” To know the name and properties of things is, at this age, a satisfaction in itself; to recognize a devil’s coach-horse at sight, and assure one’s foolish elders, that, in spite of its appearance, it does not sting; to be able to pick out Cassiopeia and the Pleiades, and perhaps even to know who Cassiopeia and the Pleiades were; to be aware that a whale is not a fish, and a bat not a bird–all these things give a pleasant sensation of superiority; while to know a ring snake from an adder or a poisonous from an edible toadstool is a kind of knowledge that also has practical value.

The grammar of Mathematics begins, of course, with the multiplication table, which, if not learnt now, will never be learnt with pleasure; and with the recognition of geometrical shapes and the grouping of numbers. These exercises lead naturally to the doing of simple sums in arithmetic. More complicated mathematical processes may, and perhaps should, be postponed, for the reasons which will presently appear.

So far (except, of course, for the Latin), our curriculum contains nothing that departs very far from common practice. The difference will be felt rather in the attitude of the teachers, who must look upon all these activities less as “subjects” in themselves than as a gathering-together of material for use in the next part of the Trivium. What that material is, is only of secondary importance; but it is as well that anything and everything which can be usefully committed to memory should be memorized at this period, whether it is immediately intelligible or not. The modern tendency is to try and force rational explanations on a child’s mind at too early an age. Intelligent questions, spontaneously asked, should, of course, receive an immediate and rational answer; but it is a great mistake to suppose that a child cannot readily enjoy and remember things that are beyond his power to analyze–particularly if those things have a strong imaginative appeal (as, for example, “Kubla Kahn”), an attractive jingle (like some of the memory-rhymes for Latin genders), or an abundance of rich, resounding polysyllables (like the Quicunque vult).

This reminds me of the grammar of Theology. I shall add it to the curriculum, because theology is the mistress-science without which the whole educational structure will necessarily lack its final synthesis. Those who disagree about this will remain content to leave their pupil’s education still full of loose ends. This will matter rather less than it might, since by the time that the tools of learning have been forged the student will be able to tackle theology for himself, and will probably insist upon doing so and making sense of it. Still, it is as well to have this matter also handy and ready for the reason to work upon. At the grammatical age, therefore, we should become acquainted with the story of God and Man in outline–i.e., the Old and New Testaments presented as parts of a single narrative of Creation, Rebellion, and Redemption–and also with the Creed, the Lord’s Prayer, and the Ten Commandments. At this early stage, it does not matter nearly so much that these things should be fully understood as that they should be known and remembered.

E. The Logic Stage

It is difficult to say at what age, precisely, we should pass from the first to the second part of the Trivium. Generally speaking, the answer is: so soon as the pupil shows himself disposed to pertness and interminable argument. For as, in the first part, the master faculties are Observation and Memory, so, in the second, the master faculty is the Discursive Reason. In the first, the exercise to which the rest of the material was, as it were, keyed, was the Latin grammar; in the second, the key- exercise will be Formal Logic. It is here that our curriculum shows its first sharp divergence from modern standards. The disrepute into which Formal Logic has fallen is entirely unjustified; and its neglect is the root cause of nearly all those disquieting symptoms which we have noted in the modern intellectual constitution. Logic has been discredited, partly because we have come to suppose that we are conditioned almost entirely by the intuitive and the unconscious. There is no time to argue whether this is true; I will simply observe that to neglect the proper training of the reason is the best possible way to make it true. Another cause for the disfavor into which Logic has fallen is the belief that it is entirely based upon universal assumptions that are either unprovable or tautological. This is not true. Not all universal propositions are of this kind. But even if they were, it would make no difference, since every syllogism whose major premise is in the form “All A is B” can be recast in hypothetical form. Logic is the art of arguing correctly: “If A, then B.” The method is not invalidated by the hypothetical nature of A. Indeed, the practical utility of Formal Logic today lies not so much in the establishment of positive conclusions as in the prompt detection and exposure of invalid inference.

Let us now quickly review our material and see how it is to be related to Dialectic. On the Language side, we shall now have our vocabulary and morphology at our fingertips; henceforward we can concentrate on syntax and analysis (i.e., the logical construction of speech) and the history of language (i.e., how we came to arrange our speech as we do in order to convey our thoughts).

Our Reading will proceed from narrative and lyric to essays, argument and criticism, and the pupil will learn to try his own hand at writing this kind of thing. Many lessons–on whatever subject–will take the form of debates; and the place of individual or choral recitation will be taken by dramatic performances, with special attention to plays in which an argument is stated in dramatic form.

Mathematics–algebra, geometry, and the more advanced kinds of arithmetic–will now enter into the syllabus and take its place as what it really is: not a separate “subject” but a sub- department of Logic. It is neither more nor less than the rule of the syllogism in its particular application to number and measurement, and should be taught as such, instead of being, for some, a dark mystery, and, for others, a special revelation, neither illuminating nor illuminated by any other part of knowledge.

History, aided by a simple system of ethics derived from the grammar of theology, will provide much suitable material for discussion: Was the behavior of this statesman justified? What was the effect of such an enactment? What are the arguments for and against this or that form of government? We shall thus get an introduction to constitutional history–a subject meaningless to the young child, but of absorbing interest to those who are prepared to argue and debate. Theology itself will furnish material for argument about conduct and morals; and should have its scope extended by a simplified course of dogmatic theology (i.e., the rational structure of Christian thought), clarifying the relations between the dogma and the ethics, and lending itself to that application of ethical principles in particular instances which is properly called casuistry. Geography and the Sciences will likewise provide material for Dialectic.

But above all, we must not neglect the material which is so abundant in the pupils’ own daily life.

There is a delightful passage in Leslie Paul’s “The Living Hedge” which tells how a number of small boys enjoyed themselves for days arguing about an extraordinary shower of rain which had fallen in their town–a shower so localized that it left one half of the main street wet and the other dry. Could one, they argued, properly say that it had rained that day on or over the town or only in the town? How many drops of water were required to constitute rain? And so on. Argument about this led on to a host of similar problems about rest and motion, sleep and waking, est and non est, and the infinitesimal division of time. The whole passage is an admirable example of the spontaneous development of the ratiocinative faculty and the natural and proper thirst of the awakening reason for the definition of terms and exactness of statement. All events are food for such an appetite.

An umpire’s decision; the degree to which one may transgress the spirit of a regulation without being trapped by the letter: on such questions as these, children are born casuists, and their natural propensity only needs to be developed and trained–and especially, brought into an intelligible relationship with the events in the grown-up world. The newspapers are full of good material for such exercises: legal decisions, on the one hand, in cases where the cause at issue is not too abstruse; on the other, fallacious reasoning and muddleheaded arguments, with which the correspondence columns of certain papers one could name are abundantly stocked.

Wherever the matter for Dialectic is found, it is, of course, highly important that attention should be focused upon the beauty and economy of a fine demonstration or a well-turned argument, lest veneration should wholly die. Criticism must not be merely destructive; though at the same time both teacher and pupils must be ready to detect fallacy, slipshod reasoning, ambiguity, irrelevance, and redundancy, and to pounce upon them like rats. This is the moment when precis-writing may be usefully undertaken; together with such exercises as the writing of an essay, and the reduction of it, when written, by 25 or 50 percent.

It will, doubtless, be objected that to encourage young persons at the Pert age to browbeat, correct, and argue with their elders will render them perfectly intolerable. My answer is that children of that age are intolerable anyhow; and that their natural argumentativeness may just as well be canalized to good purpose as allowed to run away into the sands. It may, indeed, be rather less obtrusive at home if it is disciplined in school; and anyhow, elders who have abandoned the wholesome principle that children should be seen and not heard have no one to blame but themselves.

Once again, the contents of the syllabus at this stage may be anything you like. The “subjects” supply material; but they are all to be regarded as mere grist for the mental mill to work upon. The pupils should be encouraged to go and forage for their own information, and so guided towards the proper use of libraries and books for reference, and shown how to tell which sources are authoritative and which are not.

F. The Rhetoric Stage

Towards the close of this stage, the pupils will probably be beginning to discover for themselves that their knowledge and experience are insufficient, and that their trained intelligences need a great deal more material to chew upon. The imagination– usually dormant during the Pert age–will reawaken, and prompt them to suspect the limitations of logic and reason. This means that they are passing into the Poetic age and are ready to embark on the study of Rhetoric. The doors of the storehouse of knowledge should now be thrown open for them to browse about as they will. The things once learned by rote will be seen in new contexts; the things once coldly analyzed can now be brought together to form a new synthesis; here and there a sudden insight will bring about that most exciting of all discoveries: the realization that truism is true.

It is difficult to map out any general syllabus for the study of Rhetoric: a certain freedom is demanded. In literature, appreciation should be again allowed to take the lead over destructive criticism; and self-expression in writing can go forward, with its tools now sharpened to cut clean and observe proportion. Any child who already shows a disposition to specialize should be given his head: for, when the use of the tools has been well and truly learned, it is available for any study whatever. It would be well, I think, that each pupil should learn to do one, or two, subjects really well, while taking a few classes in subsidiary subjects so as to keep his mind open to the inter-relations of all knowledge. Indeed, at this stage, our difficulty will be to keep “subjects” apart; for Dialectic will have shown all branches of learning to be inter-related, so Rhetoric will tend to show that all knowledge is one. To show this, and show why it is so, is pre-eminently the task of the mistress science. But whether theology is studied or not, we should at least insist that children who seem inclined to specialize on the mathematical and scientific side should be obliged to attend some lessons in the humanities and vice versa. At this stage, also, the Latin grammar, having done its work, may be dropped for those who prefer to carry on their language studies on the modern side; while those who are likely never to have any great use or aptitude for mathematics might also be allowed to rest, more or less, upon their oars. Generally speaking, whatsoever is mere apparatus may now be allowed to fall into the background, while the trained mind is gradually prepared for specialization in the “subjects” which, when the Trivium is completed, it should be perfectly will equipped to tackle on its own. The final synthesis of the Trivium–the presentation and public defense of the thesis–should be restored in some form; perhaps as a kind of “leaving examination” during the last term at school.

The scope of Rhetoric depends also on whether the pupil is to be turned out into the world at the age of 16 or whether he is to proceed to the university. Since, really, Rhetoric should be taken at about 14, the first category of pupil should study Grammar from about 9 to 11, and Dialectic from 12 to 14; his last two school years would then be devoted to Rhetoric, which, in this case, would be of a fairly specialized and vocational kind, suiting him to enter immediately upon some practical career. A pupil of the second category would finish his Dialectical course in his preparatory school, and take Rhetoric during his first two years at his public school. At 16, he would be ready to start upon those “subjects” which are proposed for his later study at the university: and this part of his education will correspond to the mediaeval Quadrivium. What this amounts to is that the ordinary pupil, whose formal education ends at 16, will take the Trivium only; whereas scholars will take both the Trivium and the Quadrivium.

G. The Trivium Defended

Is the Trivium, then, a sufficient education for life? Properly taught, I believe that it should be. At the end of the Dialectic, the children will probably seem to be far behind their coevals brought up on old-fashioned “modern” methods, so far as detailed knowledge of specific subjects is concerned. But after the age of 14 they should be able to overhaul the others hand over fist. Indeed, I am not at all sure that a pupil thoroughly proficient in the Trivium would not be fit to proceed immediately to the university at the age of 16, thus proving himself the equal of his mediaeval counterpart, whose precocity astonished us at the beginning of this discussion. This, to be sure, would make hay of the English public-school system, and disconcert the universities very much. It would, for example, make quite a different thing of the Oxford and Cambridge boat race.

But I am not here to consider the feelings of academic bodies: I am concerned only with the proper training of the mind to encounter and deal with the formidable mass of undigested problems presented to it by the modern world. For the tools of learning are the same, in any and every subject; and the person who knows how to use them will, at any age, get the mastery of a new subject in half the time and with a quarter of the effort expended by the person who has not the tools at his command. To learn six subjects without remembering how they were learnt does nothing to ease the approach to a seventh; to have learnt and remembered the art of learning makes the approach to every subject an open door.

Before concluding these necessarily very sketchy suggestions, I ought to say why I think it necessary, in these days, to go back to a discipline which we had discarded. The truth is that for the last three hundred years or so we have been living upon our educational capital. The post-Renaissance world, bewildered and excited by the profusion of new “subjects” offered to it, broke away from the old discipline (which had, indeed, become sadly dull and stereotyped in its practical application) and imagined that henceforward it could, as it were, disport itself happily in its new and extended Quadrivium without passing through the Trivium. But the Scholastic tradition, though broken and maimed, still lingered in the public schools and universities: Milton, however much he protested against it, was formed by it–the debate of the Fallen Angels and the disputation of Abdiel with Satan have the tool-marks of the Schools upon them, and might, incidentally, profitably figure as set passages for our Dialectical studies. Right down to the nineteenth century, our public affairs were mostly managed, and our books and journals were for the most part written, by people brought up in homes, and trained in places, where that tradition was still alive in the memory and almost in the blood. Just so, many people today who are atheist or agnostic in religion, are governed in their conduct by a code of Christian ethics which is so rooted that it never occurs to them to question it.

But one cannot live on capital forever. However firmly a tradition is rooted, if it is never watered, though it dies hard, yet in the end it dies. And today a great number–perhaps the majority–of the men and women who handle our affairs, write our books and our newspapers, carry out our research, present our plays and our films, speak from our platforms and pulpits–yes, and who educate our young people–have never, even in a lingering traditional memory, undergone the Scholastic discipline. Less and less do the children who come to be educated bring any of that tradition with them. We have lost the tools of learning–the axe and the wedge, the hammer and the saw, the chisel and the plane– that were so adaptable to all tasks. Instead of them, we have merely a set of complicated jigs, each of which will do but one task and no more, and in using which eye and hand receive no training, so that no man ever sees the work as a whole or “looks to the end of the work.”

What use is it to pile task on task and prolong the days of labor, if at the close the chief object is left unattained? It is not the fault of the teachers–they work only too hard already. The combined folly of a civilization that has forgotten its own roots is forcing them to shore up the tottering weight of an educational structure that is built upon sand. They are doing for their pupils the work which the pupils themselves ought to do. For the sole true end of education is simply this: to teach men how to learn for themselves; and whatever instruction fails to do this is effort spent in vain.

“The Lost Tools of Learning”, written Miss Dorothy Sayers, was presented by her at Oxford in 1947.

From: http://www.cambridgestudycenter.com/articles/lost_tools_of_learning.htm#sayers [1]

Cp: http://www.gbt.org/text/sayers.html

For Dorothy Sayers see: http://www.sayers.org.uk/dorothy.html

Note:

[1] [Note added on 2/Jul/2017] Unfortunately this site, consulted in 2003, has been since then removed. Emphases added.

Transcribed here in Salto, on the 4th of July 2017.

“Classical Education” & “Classics Education”: An Introduction

NOTE by Eduardo Chaves:

I wrote the following article in the form of a “Letter To A Young Daughter on the Education of her Child (and my Grandchild), Olivia“.  The daughter was (and is) Andrea Chaves, the granddaughter was (and is) Olivia, born on March 11, 2002. The date the letter was written was July 22nd, 2003, when Olivia was a little over one year old — but her mother was already concerned about her education. The major source of concern at that time was whether, when the time came, to send Olivia to school or to educate her at home. I tried to address some of the issues — in a rather academic manner, since that is what I am: an academic.

I publicly share this material now because I met a group of young people here in Brazil interested in the very same issues.

I will publish two more articles with what I list here as two Annexes. Originally there were five Annexes, but three of them were links to sites, most of which cannot be found at the places they were fourteen years ago.

Thank you. If you came as far as here, I hope you enjoy the rest.

o O o

  1. Some Terminological Difficulties
  2. Classics Education
  3. Classical Education
  4. Classical Education and Classics Education
  5. Notes

o O o

Campinas, July 22, 2003

Andrea:

You asked me about my views on classical education. You have been reading about it in many places, especially in the context of Home Education.

I will try to summarize them. You may be surprised that my summary is going to take almost ten pages, without the Annexes (which take about fifty pages more), but that’s me…

Forgive me my “professional” distortions… From now on I will turn my professorial style on. At the end I become personal again… 🙂

1. Some Terminological Difficulties

First, some brief terminological issues. Technically there is a difference between the expressions “classical education” and “classics education”.

Classical Education” would seem to refer to an education such as a person living in ancient times was likely to receive.

Classics Education” would seem to refer to an education that, today, ought to be centered on the reading of the classics.

The first refers to education such as it was then (at a not too precisely specified time in the past); the second, education such as it ought to be today (in the view of its proponents and defenders).

Confusion is sometimes added because some people also think that the best education, today, would be an education such as people in classical times had. See, for instance, the site http://www.classicalhomeschooling.org/  [1], from which I extracted the following quotation:

“Return to the proven educational methods of past centuries.

Classical Education returns to the time-honored educational theory of the past. The classical method was the only educational theory in practice in Western Civilization for over two millennia.

Educators are returning to classical education as modern educational methods continue to produce high school graduates who are not only functionally illiterate and lacking in critical thinking skills, but morally bankrupt as well.”

There is also a lot of divergence about what period should be described as the period of classical education, and so about what sort of education is meant when one refers to classical education. Most people believe that the period of to be taken into account in the expression “classical education” is that of the ancient Greeks and Romans. Others, however, as the quotation above indicates, consider this period to cover “over two millennia of Western Civilization”, that is, the period of the ancient Greeks and Romans (including Christian Antiquity), the Middle Ages and even the Modern Age (up to the end of the nineteenth century). Consequently, there are those who emphasize ancient Greek and Roman education as the core of classical education and those who would prefer to concentrate on what they call “Christian Classical Education”.

See, for instance, the site http://homeschoolinformation.com/Approaches/classical.htm [2], from which I extracted the following quotation:

“The classical method that was developed in ancient Greece and Rome and established in the Middle Ages, was used almost exclusively in the Western world until the 19th century. The main focus was reading the Greek and Roman classics. To be in touch with literary arts marked one as accomplished. There can be no doubt literary education is more whole, more human, and more satisfying than today’s modern scientific technological education. But is even literary education enough? Good literature— Scott, Milton, Virgil — promotes courage insight, high morality, and imagination, but it can never do what the Bible does.

Why Go Back to Greeks Ways – Why not Return to Biblical Methods?

We understand this desire to return to a better way, but believe that, instead of returning to the ancient Greek ways, we need to return to the Biblical model. Our only hope for stable, ongoing, integrated culture is placing the word of God at the center of our thinking, speaking and acting. Literature and all literary arts must give the place to the mastered of Bible. And they themselves become servants to the word of God. The Bible warns us against Greek philosophies.”

To make matters even more confused, many people do not take this distinction between “classical education” and “classics education” seriously: some seem to consider the two expressions synonymous and others seem even to reverse the meanings that I suggested at the beginning of this section.

This being said, I will start discussing “classics education”.

2. Classics Education

The central thesis of Classics Education is that basic education, today, would be better promoted if children were required to read the best things that were ever written in fields such as literature, philosophy and science – the best that the human race has been able to think in the last 2,500 years (or thereabouts). That is why this movement is also called the “Great Books” movement.

Let me say at the outset that whatever the criticisms I make of Classics Education, I find it vastly superior to the multiculturalist alternative proposed to it by the left. Multiculturalists have criticized the Classics Education approach because they think that the “canon” (list of required readings) suggested by its defenders is chauvinistic: it includes mostly (or only) Dead White European Males… In place of this canon, multiculturalists would like to put living non-European so-called minorities (like women) who would naturally be “people of color” – like Rigoberta Menchú. Menchú is the Guatemalan Indian woman who in 1992 won the Nobel Peace Prize. Fortunately, if I may say so, the Swedes did not corrupt themselves to the point of giving her the Nobel Literature Prize. See http://www.nobel.se/peace/laureates/1992/tum-bio.html. Read Dinesh d’Souza’s references to multuculturalism and Menchú by searching through the analytical index to his books.

The Classics Education movement, with its “Back to the Classics” rallying cry, was mostly turned against an educational movement called Progressivism – identified with the names of John Dewey and William H. Kilpatrick.

The main emphases of Progressivism were:

  1. Education should prepare children (students) to be competent problem-solvers through the use of the scientific method and responsible citizens through the living of democratic procedures at home and in the school;
  2. Education should favor, as the basic learning method, active, project-based investigation by the child (the student), not passive assimilation of information transmitted through teaching;
  3. Education should be centered on the child (the student), not the teacher;
  4. Education should be oriented toward the future, not the past.

Although Progressivism may seem today quite sensible to many people, it seemed shocking to many when it first appeared, with its vociferous criticism of traditional education, because it seemed to neglect aspects of education that they considered important, such as:

  1. Moral education and character formation;
  2. The cultural tradition of the Western world (emphasis being placed, in some cases, on the Christian tradition);
  3. The important role of adults (parents and teachers) as well as of society (or of the community) in a child’s development.

Reading the classics was thought to be the way to rebalance things, placing the emphasis on morality and character (not problem-solving and living in a democracy), on essential and perennial issues confronting human beings (not the momentary and volatile interests of the child), and on our continuity with our past (tradition), not on abrupt new starts. To make problem-solving through scientific method and the issue of how to live in a democracy the goals of education is to place means in the place of real ends. The real end of education should be living the good life – which, in the view of the critics of Progressivism, was the virtuous life, that cannot be attained without character formation…

The proponents of Classics Education thought that the best way to achieve the sort of education they defended was through the reading of the classics – of the best that the Western world was able to produce during its history. These included literary, philosophical and even (more recently) scientific works.

The list of books that have been proposed as worth-reading is immense by the proponents of the Great Books Approach is easily located on the Internet.

But looking at the whole, this looks more like a reading list for a lifetime than a sensible curriculum. Therefore, each one ends up adapting the list to what seems feasible.

My criticisms?

I cannot deny, first, that I, personally, enjoy reading the classics. But I recognize that there is a lot of distance between what I personally enjoy and what I am willing to propose as educational agenda for everybody else.

I cannot deny, second, that I have strong sympathies for some aspects of Progressivism as an educational philosophy (although I do have criticisms of others aspects and especially of its tendency to radicalize).

Let me try to justify my views by clarifying my understanding of education.

Some animals are born ready to live their lives. Sea turtles, for instance, are this way. An adult female sea turtle lays her eggs in holes in the sand at the shore where she was born, covers them up, and takes off. Her duties as a mother are finished. When the time is due, the small see turtles hatch the eggs, come to the surface, walk to the sea, and swim away. Their genetic code told them to behave this way and will tell them, for the rest of their lives, how to behave.

Human beings, in comparison, seem to be born unfinished. If left on their own, after they are born, they simply die. Most of the functions that are going to be essential when they are adults, such as walking, talking, etc., have to be learned and human beings take what seems to be an awful long time to learn them. For being minimally competent at walking around, they take over one year; at talking with their fellow human beings, well over three years; at providing for themselves, if left alone, even considerably more than that.

That is why some people say that, in order to be fully capable of living their lives, human beings need two gestations: first, their biological gestation, in their mothers’ womb; second, their social gestation, with the assistance of mainly parents and teachers. This social gestation is what we call education.

Education, so conceived, is the process through which human beings become ready to perform as competent adults in society. In other words, education is the process through which human beings develop as human beings – it is a process of human development.

This development is not a development with pre-determined ends, however. Human beings are capable, starting more or less at adolescence, to choose the ends toward which they are going to develop, to define their own life projects – and then proceed to develop the competences and skills necessary to implement them. In other words, human beings are capable to dream their own dreams and to work to make them come true.

So education is the process through which human beings become capable of living their own lives – lives that are of their own choosing.

If this conception of education is correct, then Progressivism is correct in defending the following theses:

  1. That education should be oriented toward the future, not the past;
  2. That education should be centered on the child (the student), not the teacher;.
  3. That education should favor, as the basic learning method, active, project-based investigation by the child (the student), not passive assimilation of information transmitted through teaching.

As you can see, I only disagree with one of the theses that I attributed to Progressivism, namely:

  1. That Education should prepare children (students) to be competent problem-solvers through the use of the scientific method and responsible citizens through the living of democratic procedures at home and in the school.

Even so, my disagreement here is partial. I do believe that education should do that – but I am convinced that this is an overly restrictive goal for education.

I prefer to use the so-called Four Pillars of Education described by UNESCO as the framework that organizes the basic (not specific or professional) competences and skills that children ought to develop in order to succeed in becoming effective adults.

These Four Pillars are:

  • Learning to be
  • Learning to live together
  • Learning to do
  • Learning to learn

Learning to be implies that children should become autonomous individuals, who are free and responsible, as well as competent to define and live their own lives;

Learning to live together implies that children should become capable of living together with other people, cognizant and assertive of their own rights but also respecting of those of their fellow human beings.

Learning to do implies that children should become capable of not only working to sustain themselves but also acting to achieve their goals.

And learning to learn implies that children should become capable of learning in every sort of activity in which they engage themselves: work, play, leisure, and the daily human interactions.

Although I do think that children need to develop competences and skills and all of these areas, I do not think that all children should develop the same competences and skills. Children are different, they have different interests and talents, and they should be allowed to explore and develop them freely. That is why I endorse Progressivism’s view of a child-centered education and its view that children learn best when they actively engage themselves in activities in which they are truly interested – either because they simply do enjoy those activities or because they realize they contribute to the development of competences and skills that are important to their life project.

Children learn when they are doing things that are enjoyable in and for themselves or that are useful. Outside that, getting a child to learn something is an herculean task.

Getting now back to the classics.

I have no doubt that some children will enjoy reading the classics in and for themselves, because they recognize that reading those books is a pleasurable experience, and that other children will realize that reading the classics is useful for developing competences and skills that they want to develop – perhaps they want to become writers themselves.

For the remaining children, however, those who do not derive pleasure from reading the classics or those who do not see any usefulness in doing so, forcing them to read them is a waste of time and effort. Some of them might want to become astronauts, engineers, dentists, basketball players… I believe that we ought to allow them to develop the competences and skills needed for the chosen life project.

Before I end, I want to deal with a delicate question.

You may question me if I am not presupposing that children’s interests, their likes and dislikes, are set once-and-for-all. You may think that it is possible to change children’s interests: to get a child that loves dissecting animals to become interest in music, to get a child that loves reading poetry to become interested in building bridges…

My answer to that is that we should let children’s interests develop as much as possible without direct intervention. I do admit – and find quite important – what I like to call “indirect intervention”. We should endeavor to create for our children (and students) environments that are as rich as possible in learning opportunities, in every aspect of life. These environments should allow them to come into contact with all sorts of human activities, manual and mental, those that are pursued for pure enjoyment and those that are pursued because of their usefulness. In environments like this, they will surely develop worthy interests and will require no direct intervention by parents or teachers.

3. Classical Education

Let us now come to Classical Education.

Take a look first at some of the sites included in Annex IV [this Annex was removed].

Pay attention, then, to this quotation extracted from the site “Classical Christian Homeschooling” (http://www.classicalhomeschooling.org/ [3]):

“What is Classical Education?

The core of Classical Education is the Trivium, which simply put is a teaching model that seeks to tailor the curriculum subject matter to a child’s cognitive development. The trivium emphasizes concrete thinking and memorization of the facts of the subjects in grade school; analytical thinking and understanding of the subjects in middle school; and abstract thinking and articulation of the subjects in high school. Subjects unique to Classical Education which help accomplish the goals of the trivium are Grammar, the science of language usage; Logic, the science of right thinking; and Rhetoric, the science of verbal and written expression. Classical Christian Education is further characterized by a rich exposure to the history, art, and culture of Western Civilization, including its languages (Latin and Greek), its philosophy and literature (the Great Books of Western Civilization and the Christian tradition), and the development of a Biblical worldview with Theology in its proper place as the Queen of the Sciences.

Why Return to Classical Education?

The combination of the progression of learning from facts to understanding to expression (the stages of the trivium) and the additional classical subjects, work together to give children the tools to think for themselves and to be independent, life-long learners. That is the primary goal of Classical Education. It is to equip educated men and women able to approach previously unknown subject matter, problems, or life situations; and using the tools of learning which have been practiced and refined and internalized in school; to grasp the subject or problem, analyze it according to the standard of truth, and understand and do something about it. Classical Education therefore trains children for success in any field, whether it be marriage and family life, work dealing with society and individuals, business, or arts and the humanities. Furthermore, Classical Education has proven its effectiveness in training for scientific excellence, which depend on the arts of fact-finding, analyzation, adherence to truth, and the problem-solving skills of which Classical Education specializes. Secondarily, it works: children taught by this method routinely exhibit academic proficiency.”

Read, now, the article called “Tools of Learning”, by Dorothy Sayers, to which reference is made in the quotation. It is available as Annex 1 [in a different article in this same blog].

Read, now, the article called The Three Laws of Learning, that I placed as Annex 2, to which reference is also made in the above quotation (as a link, that I removed). [Annex 2 is in a different article in this same blog.]

I believe that by now you realize that what is called Classical Education (disregarded the religious underpinnings Christians may try to give to it) is a very serious attempt to help children develop three fundamental competences and skills that they will need whatever they may decide to do or make of their lives:

  • Competence in the use of language – first, the mother tongue, then forein languages;
  • Competence in thinking and reasoning – which is language independent;
  • Competence in communicating effectively – which is a mixture of language, logic and to some extent individual and group psychology (and which includes marketing skills, the ability to speak in public, etc.)

People in classical times knew that these were ESSENTIAL human competences and skills. That is why some elements of Classical Education are sometimes also called Essentialism.

And people in classical times also knew that these competences and skills were not sufficient – that is why they added the Quadrivium to their Trivium. But they knew the Trivium was the foundation that supported all the rest.

4. Classical Education and Classics Education

To finish what is already a very long letter, I want to  briefly discuss the following question: can a classical education be promoted through the reading of the classics?

My answer is simple and short. Sure, it can. But not all children will want to. Many will prefer to read mystery stories or contemporary novels; others will prefer to read scientific fiction; still others may not prefer to read much and will prefer to watch or even make movies; others will become interested in engineering, in business, in finances…

Rest assured that no matter what sort of activity children eventually choose to dedicate themselves to, they will have to develop the competences and skills which constitute the Trivium – and several more.

So, a final five-prong pedagogical counsel.

First, do not worry too much about Olivia’s education – avoid anxiety: relax and enjoy the task of helping her

Second, offer her first a loving environment, which I know you do.

Third, offer her an environment rich in learning opportunities – which I also know you do.

Fourth, trust her natural curiosity, her desire to learn: that is almost an instinct to her.

And fifth, fight whomever and whatever tries or tends to make her learning compulsory, painful, boring.

5. Notes

[1] [Note added on 2/Jul/2017] Unfortunately this site, consulted in 2003, has been since then removed and replaced by a set of YouTube videos.

[2] [Note added on 2/Jul/2017] Unfortunately this site, consulted in 2003, has been since then removed. Emphases added.

[3] [Note added on 2/Jul/2017] Unfortunately this site, consulted in 2003, has been since then removed and replaced by a set of YouTube videos.

Transcribed here in Salto, on the 4th of July 2017

Educação a Distância “Suficientista”

[Este post foi publicado originalmente no Blog das Editoras Ática e Scipione, do qual fui colunista. Publiquei-o, em seguida, também no meu Blog “Tecnologia na Justa Medida”, em https://najustamedida.wordpress.com/2011/08/27/educacao-a-distancia-suficientista/, em 27/08/2011.

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Conheço Wilson Azevedo há cerca de quinze anos. Quanto o conheci ele era pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil e responsável pelo site e pelas listas de discussão da igreja. Já naquela época era também responsável por um interessante programa de Educação a Distância (EAD) na área teológica no Seminário Presbiteriano do Rio de Janeiro.

Desde então, convivemos na lista EduTec, que eu criei em Outubro de 1998, da qual ele foi não só um dos participantes mais ativos, mas o meu principal consultor pro bono. Encontramo-nos várias vezes em eventos da área de tecnologia e educação — especialmente os que envolviam EAD, como as reuniões promovidas ou apoiadas pela ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância, criada e dirigida por nosso amigo Fred Litto, hoje aposentado da USP. O Wilson e eu já colaboramos em alguns empreendimentos, como um curso presencial sobre o uso de tecnologia no trabalho eclesiástico para pastores e administradores de igreja, ministrado nas dependências de educação religiosa da Catedral Evangélica de São Paulo (também conhecida como Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo), e um curso a distância sobre escolas inovadoras, em que o José Pacheco, ex-Escola da Ponte, a Rosely Sayão, articulista da Folha de S. Paulo, e eu discutimos escolas inovadoras com que estivemos envolvidos (eu falando sobre a Lumiar).  Quando o Wilson morou em Portugal por um tempo a filha dele estudou na Escola da Ponte.

Recebi, recentemente, um anúncio de que o Wilson estaria ministrando um curso a distância sobre ambientes minimalistas para a Educação a Distância (EAD). Resolvi fazer o curso. Começou dia 22/8/2011, segunda-feira, e vai durar apenas duas semanas (respeitado o descanso no fim de semana entre elas). O Wilson leva a sério o minimalismo até na duração dos cursos dele…

O primeiro texto que li para o curso foi do próprio Wilson: um artigo que tem o título de “O Minimalismo Tecnológico em Educação Online e a Inclusão Educacional e Digital no Brasil”. Fiquei entusiasmado com o que li (embora discorde de alguma coisa, como vai ficar evidente aqui).

Sempre soube, desde os tempos da EduTec, que o Wilson era um “minimalista tecnológico”.  Para explicar que bicho é esse, vou ter de fazer um preâmbulo relativamente longo…

Naquela época, no fim da década de 90, estava começando a se tornar possível redigir e-mails “formatados”. Para os usuários de e-mail de hoje essa noção nem faz mais sentido, porque e-mail formatado é tudo o que eles conhecem: um e-mail no qual você pode escolher o tipo gráfico (fonte), o tamanho e o estilo (normal, negrito, itálico, sublinhado, etc.) das letras que você vai usar, acentuar as palavras, colocar links para sites na Internet, inserir fotos, desenhos, gráficos, etc.

Antes disso ser tecnologicamente possível, porém, os e-mails precisavam ser redigidos em “texto puro”, isto é, sem nenhuma formatação, usando tipo de letra que fosse default no seu computador (em geral o que hoje se chama Courier), tudo de um tamanho só, sem acentos, sem links, sem fotos, sem desenhos, sem gráficos. Algo que fazia lembrar pobreza franciscana. Para deixar claro que a gente queria dizer “é” e não “e” a gente precisava escrever ” e’ ” ou “eh”… Além da pobreza, sofrimento (pelo menos para quem não estava acostumado a escrever sem acento). Naquele contexto, se alguém tentasse enviar um e-mail com texto formatado, a maioria dos sistemas de e-mail de então não era capaz de decodificar a metainformação que especificava como o texto deveria ser formatado e o resultado era um texto ilegível ou, pelo menos, muito difícil de ler, na tela de muitos recipientes.

Pois bem… Naquela época em que todos estávamos entusiasmados com a possibilidade de escrever e-mails com tipos gráficos exóticos, com letras de cores e tamanhos chamativos, o Wilson não se deixou seduzir: continuou partidário do e-mail com texto puro, porque imaginava que muitos de seus interlocutores usassem um mínimo de tecnologia. Continua assim até hoje.

Mas o que parecia, então, apenas uma mania, virou um referencial teórico interessante e sofisticado… Acho que, ao final do curso, o referencial teórico vai ficar mais sofisticado ainda, porque há muita gente boa entre os parcos treze alunos do curso. (O curso dele não é minimalista só na duração: também no número mínimo de alunos com o qual funciona: basta uma dúzia de pessoas e o curso está no ar).

Gosto disso. Se o curso do Wilson durasse seis meses, ou mesmo seis semanas, eu não teria optado por fazê-lo — não tenho tanto tempo disponível. Se exigisse que eu fosse a um Centro de Apoio, para assistir a uma videoconferência, ou a uma universidade, para fazer uma prova, eu passaria longe do curso. Mas duas semanas (na verdade, dez dias úteis, cerca de uma hora por dia, em média), em que posso trabalhar em casa, tarde da noite ou de madrugada, é algo perfeitamente factível.

No artigo mencionado atrás o Wilson faz uma apologia extremamente interessante dos princípios do minimalismo tecnológico em EAD. O minimalismo teórico envolve outros princípios, como a simplicidade e a parcimônia, e possui uma justificativa teórica e pragmática que vale a pena divulgar.

Exceto no caso de algumas universidades, em especial no Estado de São Paulo, onde a Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) tinha um link exclusivo com o Fermilab, de Chicago, a Internet chegou ao Brasil apenas em 1995, graças aos esforços do então ministro Sérgio Motta — que pode ser considerado o primeiro mártir da Internet brasileira. Sérgio Motta “peitou” o sistema Telebrás, que queria uma Internet “chapa branca” para o Brasil e conseguiu, com o apoio de FHC, que o acesso à Internet para os usuários finais fosse propiciado por provedores privados de acesso à Internet.

Mesmo assim, nos dez anos que se seguiram (1995-2005) a Internet foi coisa (vamos dizer assim) “de rico”. O preço do hardware era proibitivo, o preço do software era muito alto, e o preço do acesso não era baixo, apesar da entrada da iniciativa privada no negócio, e, portanto, da concorrência. O resultado foi que, durante esses dez anos, quase só as classes A e B tiveram acesso à Internet.

A partir de 2005, por aí, segundo o Wilson, o cenário mudou em muitos aspectos.

a) O preço do hardware caiu significativamente: hoje é possível comprar um netbook (um notebook meio pelado, mas perfeitamente funcional) por cerca de dez prestações mensais de algo próximo a 65 reais;

b) O preço do software também caiu, mas em proporção menor, embora exista hoje no mercado uma quantidade grande de software gratuito — e o brasileiro pessoa física continue a utilizar software pirateado, malgrado a ilegalidade da prática;

c) Os provedores de acesso à Internet também baixaram o preço e melhoraram um pouco a qualidade do acesso, a chamada “banda larga” de 256, 512 e 1024 Kbps começando a ficar comum (1024 Kbps sendo equivalente a 1 Mbps — “Kbps” e “Mbps” sendo equivalentes a, respectivamente, “kilobits por segundo” e “megabits por segundo”) — já havendo, “no andar de cima”, como diz o Elio Gaspari, empresas oferecendo acesso por fibra óptica de até 100 Mbps).  A concorrência do acesso à Internet pelo telefone celular (os smart phones) e, mais recentemente, pelos tablets que usam tecnologia celular, tem contribuído com a redução do custo do acesso.

Fora do plano tecnológico, agora no plano educacional, quase todo mundo na faixa etária da escolarização obrigatória está hoje matriculado numa escola,  a matrícula no Ensino Médio cresceu, o número de Escolas Técnicas cresceu significativamente e, principalmente, melhorou o acesso ao Ensino Superior, com a criação de mais universidades públicas federais, com o aumento de vagas nos CEFET e FATEC, e com a criação do PROUNI.

Com mais gente completando a Educação Básica e mais gente frequentando a universidade ou faculdade, aumentou significativamente a demanda pelo acesso à Internet. Como o acesso à Internet (em seu tríplice aspecto de harware, software e acesso, propriamente dito) estava mais barato, muito mais gente se tornou “digitalmente incluída”, como diz o jargão. E essa gente era predominantemente das classes C, D e até mesmo E.

Com isso, aumentou a demanda por EAD — por parte de gente que não tem acesso à Internet em banda larga de 30 Mbps (muitos ainda têm acesso por linha discada, de nosso máximo 56 Kbps,  cujo equipamento provavelmente é um netbook de 1 ou 2 GBytes (gigabytes) de memória, e cujo software é o básico.

Diante desse quadro, nossa responsabilidade como educadores não se exaure em oferecer a essa clientela composta pelos “emergentes digitais” cursos a distância que exigem, na ponta do usuário, tecnologia extremamente sofisticada, estado da arte.

Ou seja: o cenário parece estar pronto para uma abordagem minimalista à EAD — que é o que o Wilson preconiza e oferece.

Na verdade, a discussão no curso tem deixado claro que uma abordagem minimalista é útil até mesmo em contextos em que o argumento financeiro (o custo) não se aplica. É possível defendê-la, no contexto de EAD, argumentando que, em muitos contextos em que existe tecnologia sofisticada disponível para o usuário, o “maximalismo tecnológico” (usar tudo a que se tem direito) em geral funciona como uma distração para o usuário que não contribui, necessariamente, para que a quantidade e qualidade do seu aprendizado melhorem proporcionalmente ao investimento feito.

Isso posto, é preciso esclarecer melhor o que está envolvido na proposta minimalista.

Na discussão tem ficado claro que o minimalismo em EAD, embora combata a “obesidade tecnológica”, não propõe a “anorexia tecnológica”. No caso da alimentação, refeições adequadas são aquelas em que as pessoas comem, em quantidade suficiente, comida de qualidade: saudável, nutritiva, gostosa. Não é preciso que, na alimentação, a gente se empanturre, encha e limpe o prato, de comida pesada, gordurosa, ultratemperada — isso só produz asia e má digestão (e, talvez, doença coronariana). Nem é preciso que a gente quase não se alimente e saia da mesa morrendo de fome. O princípio minimalista fica entre o “tudismo” e o “nadismo”, defendendo, na realidade, o “suficientismo”.

Que o leitor me desculpe: adoro neologismos. Por isso já usei tantos aqui.

Dou outro exemplo.

O liberalismo político clássico, que propõe e defende o “estado mínimo”, é, nessa linha, suficientista. É contra a proposta de que o estado seja tudo (como era no mundo comunista) e contra a proposta de que o estado seja nada (como é a proposta anarquista do não-estado). O liberalismo político clássico defende a existência de um estado forte (mas pequeno), exigindo que suas funções sejam clara e especificamente delimitadas e restringidas ao mínimo essencial.

O básico da discussão, até agora, é esse.

Na discussão, porém, foi sugerido um complicômetro interessante — por um médico. Disse ele mais ou menos o seguinte. No passado, em que a tecnologia era bem mais simples, quase minimalista, a “experiência operatícia” de um paciente que tivesse de se submeter a uma cirurgia do abdomem era, digamos, maximamente complexa. Ele ficava internado alguns dias, sofria um corte significativo em sua barriga, tinha uma recuperação lenta, e tinha de se conformar com viver com uma cicatriz feia para o resto da vida. Hoje, com microtecnologia ultrassofisticada, a operação se faz em poucos minutos, o acesso aos órgãos internos se dando pelos “orifícios naturais” do corpo, e o paciente muitas vezes vai embora para casa sem trauma e sem cicatriz, com uma “experiência operatícia” mínima.

Em suma: o que importa, para o usuário dos serviços médicos, o paciente, é que sua operação seja indolor, rápida, sem deixar cicatriz, e, se possível, barata — e que, naturalmente, que seja eficaz, isto é, resolva o seu problema.  Se, para isso, é necessário que se use tecnologia ultrassofisticada, maximalista, que seja.

Aplicando esse princípio à EAD, teríamos o seguinte. O importante é que a experiência de aprendizagem do aluno seja eficaz (isto é, que ele realmente aprenda o que precisa ou deseja aprender), indolor, rápida, sem sequelas negativas, e (ele espera) barata. Se, para isso, quem propicia essa experiência precisa usar tecnologia sofisticada, que use…

O complicômetro a que fiz referência está no fato de que a analogia médico-cirúrgica sugere que é necessário distinguir (pelo menos) dois problemas:

  • O primeiro problema envolve uma questão de dois lados: de um lado, a tecnologia que se usa ou aplica em determinado contexto (cirúrgico, pedagógico, etc.); de outro lado, a experiência (chamêmo-la “operatícia”, “aprenditícia”, etc.) que as pessoas envolvidas nesse contexto têm em decorrência do uso ou aplicação da tecnologia.
  • O segundo problema diz respeito ao segundo lado da questão anterior, as pessoas envolvidas, e ele também tem dois lados: de um lado, a experiência de quem propicia a experiência ao beneficiário do uso ou aplicação da tecnologia; de outro lado, a experiência do próprio beneficiário do uso ou aplicação da tecnologia.

Neste segundo problema, temos, no exemplo da operação, de um lado, o médico e, do outro lado, o operado, em si. Para o operado, a experiência operatícia, quando o médico usa a tecnologia maximalista mencionada, é minimalista. Ele não sente quase nada. Ele, na realidade, nem é paciente, no sentido estrito do termo, porque não sofre nada! Quanto à tecnologia, é bom que se registre que o operado não usa nenhuma. Para o médico, entretanto, há uma curva de aprendizagem significativa, tanto no uso da tecnologia em si como na aplicação das novas técnicas cirúrgicas que a tecnologia torna possíveis — porque, para propiciar ao paciente operado a experiência minimalista (quase nihilista, ou nadista) de não sentir quase nada, de não ficar com cicatriz, etc., o médico teve de aprender a usar essa tecnologia sofisticada, isto é, maximalista!

[Parêntese: será que há resistência, entre os membros da classe médica, à necessidade de estar sempre reaprendendo a profissão, como parece haver entre os professores? Parece-me que não, mas posso estar enganado.]

No caso da educação, porém, não queremos que o aluno seja equivalente ao paciente operado, que não faz nada e é só objeto da ação de outrem: queremos que o aluno participe, seja ativo, interativo, colaborativo no processo de sua própria aprendizagem… Por isso, é difícil, se não totalmente impossível, imaginá-lo, no contexto de EAD, totalmente sem acesso à tecnologia (como acontece com o paciente operado). Mesmo no caso de um telecurso oferecido pela televisão, o aluno precisa fazer uso do aparelho de televisão (que é tecnologia), e, portanto, não se compara exatamente ao paciente de uma operação (embora, admitamos, neste caso fique perto).

Espero ter despertado o interesse dos leitores pelo tema…

São Paulo, 25 de Agosto de 2011

O Bom Filho à Casa Torna…

Desde o primeiro semestre de 1986 até Dezembro de 2010 fui um usuário fiel de produtos Microsoft. Em 1986 ganhei uma cópia de Microsoft Word for DOS. Cabia num diskette de 360 KB (sic). Fiquei apaixonado. Eu usava o Redator da Itautec até então (que, aqui entre nós, não era ruim). Do Word parti para o restante dos aplicativos que eventualmente compuseram a “suite” (chamava-se assim) Microsoft Office – inclusive o Microsoft Outlook.

Por 24 anos fui totalmente fiel.

Em Dezembro de 2010 comprei um Apple iPad e um Apple iPhone 3.

Em Julho de 2011 comprei um Apple iPhone 4.

Em Agosto de 2011 ganhei um MacBook Air da Paloma (que havia comprado para ela mas ganhou um do Colégio Visconde de Porto Seguro, onde começou a trabalhar naquele mês). Eu ainda prestava consultoria para a Microsoft e esta não admitia que a gente aparecesse na companhia usando produtos da Apple…

O MacBook Air virou a minha cabeça de vez. Levinho como o Air, era uma maravilha. Continuei a conviver com Windows, mas o meu coração tinha uma nova paixão. No devido tempo, abandonei o meu Dell Vostro com Windows alguma coisa (7 ou 8), e passei a usar apenas o MacBook Air, com o OS, o iPad e o iPhone (com iOS).

Em 2011 vi um Samsung Galaxy Note, com um visitante americano, numa visita que fiz numa escola inovadora da Claudia Costin (então secretária da Educação do município do Rio de Janeiro), lá na entrada da Rocinha. Esqueci-me do nome da escola. O Rafael Parente, se ler, sabe, porque ele era secretário adjunto da Claudia. Foi paixão à primeira vista. Comprei um (Note 2), dois anos depois comprei outro (Note 4), que usei até ontem. Há todo tipo de software (apps) que permite que ele sincronize com os produtos da Apple no iCloud.

Ontem, 14/2/2017, não resisti aos atrativos do iPhone 7Plus com 256 GB de memória, que a Vivo me ofereceu com um bom desconto e parcelado em 12 vezes no cartão. Voltei ao seio de Steve Jobs. Quase não dormi esta noite brincando com meu novo brinquedo. (The difference between men and boys, said someone, is the price of their todays. Indeed).

Continuo a usar meu MacBook Air de 2011 – que já completou, portanto, cinco anos. Só troquei o touchpad e a bateria dele uma vez. Funciona ainda beleza. É a minha grande paixão digital. Mas o iPhone 7 Plus, com o mesmo tanto de memória que tem o meu MacBook Air vai concorrer bem com ele, tenho certeza.

Anteontem, enquanto dava uma geral no MacBook Air, tentei usar o meu Dell Vostro, agor com Microsoft Windows 10. Sinceramente, não sei o que a Microsoft aprontou com o que era o seu carro chefe. Não consigo usar o Sistema Operacional, não consigo usar o novo navegador (Microsoft Edge), nada. Eu que prestei consultoria à empresa de 1998 a 2013, por quinze anos, portanto, não consigo mais operar seus produtos — com exceção do Word e, depois, do Office, que nunca deixei de usar, desde que esses produtos foram lançados e ainda considero excelentes (muito melhores do que o Page, Numbers e Keynote da Apple).

Steve Jobs, se você estiver me vendo, voltei ao aprisco. Um abraço e, mais uma vez, obrigado pela sua genialidade. Your Majesty’s most humble subject,

Em Salto, 15 de Fevereiro de 2017

Eduardo Chaves